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MEMÓRIAS COMPARTILHADAS: O REFLEXO DO VIVIDO

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Memórias compartilhadas: o reflexo do vivido. 
 
 
 
 
 
 
 
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Catalogação 
 
 
 
 
 
 
 
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Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha 
Por Luana Barros de Azevedo (elaboração) 
Coordenação: Mário Fernandes Sobrinho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Colaboradores 
VOLUNTÁRIAS: 
 Marianne Shirley Azevedo do Patrocínio; 
 Samara Macedo. 
 
ALUNOS: 
Alexsandra Teixeira dos Santos – 9° ano. 
Felipe Douglas de Souza Araújo - 7° ano. 
Francicleo Baca Silva, - 7° ano. 
 Igo Neves da Silva – 7° ano. 
Isabelle Kalyne Gomes Dantas – 7° ano. 
Jaedson Dantas do Nascimento – 8° ano. 
José Iranyr da Silva Araújo – 8° ano. 
José Patrocínio Torres Júnior – 9° ano. 
Lorena Carla de Sousa Lima – 9° ano. 
Mike Anderson de Sousa Lima - 9° ano. 
Pâmela Sayonara Gomes da Silva – 9° ano. 
Pedro Vitor Silva dos Santos – 9° ano. 
Railson Santos de Azevedo – 9° ano. 
Raisa de Medeiros Cunha da Silva – 9° ano. 
Raquel Andrêssa Azevedo de Souza – 7° ano. 
Stéfany Laiz Costa de Azevedo – 9° ano. 
Vinícius Azevedo dos Santos – 7° ano. 
Xarlene Charles Azevedo do Nascimento - 9° ano. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“Por muito que deva à memória 
coletiva é o indivíduo que recorda. Ele é o 
memorizador e das camadas do passado a 
que tem acesso pode reter objetos que são, 
para ele, e só para ele, significativos 
dentro de um tesouro comum”. 
Bosi (1983, p. 333) 
 
 
6 
 
LISTA DE IMAGENS 
 
Imagem 1: Jardim do Seridó/RN vista de cima. 
Imagem 2: Localização de Jardim do Seridó/RN no mapa. 
Imagem 3: Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento). 
Imagem 4: Seu Raimundo (Raimundo Rodrigues do Nascimento). 
Imagem 5: Objetos encontrados por Raimundo Rezador. 
Imagem 6: Evaristo Rezador em sua residência cedendo entrevista para os alunos da Escola. 
Imagem 7: Na imagem, D. Marluce, rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os 
alunos. 
Imagem 8: Na imagem, D. Inês rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os 
alunos. 
Imagem 9: Orações escritas de Raimundo Rezador........................................................ 
Imagem 10: Imagem que retrata os cuidados após o trabalho de parto. 
Imagem 11: Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista. 
Imagem 12: Placa que nomeia a Rua Regina Rebeca, Bairro Bela Vista. 
Imagem 13: Fotografia de Regina Rebeca situada na sala de espera do Posto de Saúde 
Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. 
Imagem 14: D. Maria (Maria de Azevedo Medeiros), em sua residência, cedendo entrevista. 
Imagem 15: Hozana Macêdo de Oliveira nos cedendo entrevista em sua casa. 
Imagem 16: Maria da Luz Oliveira de Medeiros cedendo-nos entrevista em sua residência. 
Imagem 17: Margarida Silva dos Santos mostrando o quadro de fotos da sua família. 
Imagem 18: Cícera Maria da Silva, filha de Regina Rebeca, cedendo entrevista em sua 
residência. 
Imagem 19: Lavadeiras. 
Imagem 20: Encontro de matronas, Debret. 
Imagem 21: Lavadeiras, Rugendas. 
Imagem 22: À esquerda, Ildete Gomes, cedendo entrevista. 
Imagem 23: À esquerda, D. Inácia, em sua residência, cedendo entrevista. 
Imagem 24: D. Severina, em sua residência, cedendo entrevista. 
Imagem 25: D. Anedina, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. 
Imagem 26: D. Josefa, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. 
Imagem 27: Ciganos. 
Imagem 28: Ciganos em acampamentos. 
Imagem 29: Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista. 
Imagem 30: Maria Aparecida Araújo de Brito, à direita, em sua residência, nos cedendo 
entrevista. 
Imagem 31: D. Severina, em sua residência, cedendo. 
Imagem 32: Débora Liz Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista. 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
Sumário 
 
INTRODUÇÃO_______________________________________________________15 
Enfoque metodológico 
 
CAPÍTULO I - HISTÓRIA DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E SUA HERANÇA 
CULTURAL__________________________________________________________20 
Lugar e cultura 
CAPÍTULO II - NA FÉ, UMA ORAÇÃO: OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO 
SERIDÓ_____________________________________________________________26 
A prática de reza 
Os benzedeiros de jardim do Seridó/RN 
Como tudo começou - a aprendizagem 
A reza milagrosa 
As rezas, os lugares de reza e os objetos que os acompanham entre outros fatores, o 
preconceito. 
 
CAPÍTULO III - A LUZ DA VIDA: PARTEIRAS DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E O 
TRABALHO DE PARTO_______________________________________________46 
Histórias contadas: o reconhecimento do trabalho de parteira 
O ritual de parto e as parturientes 
As parteiras 
 
CAPÍTULO IV - COM ÁGUA, ALMA E MÃOS: HISTÓRIA DAS LAVADEIRAS 
DE JARDIM DO SERIDÓ______________________________________________69 
Do trabalho ao lar: a mulher no espaço social 
Dentre tantas, as lavadeiras. 
Como tudo começou 
O lavadouro 
Tempos de seca, tempos de medo. 
Lavar e engomar: como eram praticados esses ofícios e o resultado desses trabalhos. 
 
8 
 
CAPÍTULO V - ENTRE PASSOS E ESPAÇOS: OS CIGANOS QUE HABITARAM 
JARDIM DO SERIDÓ__________________________________________________92 
Ciganos, filhos do vento. 
Os ciganos sob outra ótica: a passagem dos ciganos em Jardim do Seridó. 
A aparência dos povos ciganos e suas características 
 
LISTA COM NOME DOS GRUPOS, ENTREVISTADOS E ALUNOS DO PROJETO 
“MAIS CULTURA” NAS ESCOLAS DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSORA 
ZÉLIA COSTA DA CUNHA___________________________________________ 115 
REFERÊNCIAS______________________________________________________118 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
PRA COMEÇO DE CONVERSA 
Hoje, após vivido meio século, sinto uma constante necessidade de revisitar a minha 
infância, sondar o meu vivido, revisar o inventário de feitos e não feitos que eu e os outros 
deixamos por lá. Sinto que essa necessidade advém do medo que tenho, vez por outra, me 
perder entre práticas e representações que me são estranhas. E por esse medo, eu selo um 
pacto comigo mesmo, para estar sempre avaliando a minha posição no tempo, ligando o meu 
passado ao meu presente, revendo as práticas sociais que foram sendo suplantadas para 
entender a minha posição no mundo, no espaço em que habito. 
Nesse processo, sinto que minha capacidade de surpreender-me com o complexo 
mundo dos que vivem e dos que morrem nunca se esgota e que não importa o rumo que 
tomemos, sempre chegaremos a algum lugar. É verdade, também, que tenho percebido que 
aqueles que seguem um norte definido, conseguem chegar a seu rumo com mais segurança. A 
esses, o destino parece reservar mais glórias e menos cansaço. No entanto, tenho percebido, 
ainda, que aqueles que rumam sem norte é porque, na maioria das vezes, não aprenderam 
ainda a caminhar por caminhos que já foram caminhados, a zarpar de portos que já foram 
zarpados. Eles ainda parecem desconhecer a importância à nossa vida, das experiências que 
foram vividas por aqueles que nos precederam e, por ignorância ou negligência, estão sempre 
a dar saltos no escuro, pegar a estrada sem estar preparado para a caminhada, feito um 
soldado que vai para a guerra vestido com trajes para piquenique. 
É verdade que o mundo hoje é fortemente amparado por facilidades trazidas pelo 
avanço tecnológico e as pessoas findamdeixando às tecnologias a função de guardar 
conhecimentos e atribuições que não deveriam ignorar. No entanto, não devemos creditar às 
tecnologias a culpa pelas anomalias do funcionamento da sociedade dos homens, afinal, o 
homem sempre buscou diminuir o peso do seu fardo e a memória parece ser um deles. Por 
que se preocupar em encher a memória com informações que podem muito bem ser 
arquivadas em registros escritos? O historiador Le Goff(1996) reporta a Platão, em o Fedro, a 
acusação ao deus egípcio Thot, inventor dos números e do alfabeto, a possibilidade do homem 
desenvolver o hábito de guardar suas memórias em sinais estranhos, deixando assim de 
exercitar a capacidade de suas lembranças. 
Esse fato não destitui a importância do processo de arquivamento da memória à 
sociedade dos homens, o que muda, é apenas a forma de conservá-la e, o próprio Le Goff não 
esquece essa peculiaridade ao usar uma citação da carta de Guy, conde de Neve, para dizer 
que “Aquilo que queremos reter e aprender de cor fazemos redigir por escrito a fim de que se 
possa reter perpetuamente na sua memória frágil e falível seja conservado por escrito e por 
10 
 
meio de letras que duram sempre”, Le Goff (1996 p. 450). Seguindo essa mesma lógica, Pico 
Della Miràndola em sua obra “A dignidade humana” faz referência ao esforço do sacerdote, 
Esdras, logo após o cativeiro babilônico dos hebreus, por volta de 538 ac. quando o rei persa 
Ciro, autorizou o regresso desse povo a Jerusalém para juntar os mestres da lei divina e 
registrar aquilo que eles detinham na memória, evitando assim que essas informações não 
chegasse às futuras gerações, visto que os hebreus viviam em constantes conflitos com os 
vizinhos que encontraram em suas terras. Esse esforço de Esdras foi decisivo para o 
surgimento dos livros cabalísticos, livros esses, que trazem conhecimentos que eram passados 
oralmente e que não se encontravam nos livros. 
Sabemos que cada um guarda as suas memórias de forma natural e, a menos que seja 
atingido por algum problema de natureza física ou biológica, ele continuará a fazê-lo sem 
muito esforço, uma vez que as memórias são registros de nossas experiências que vão sendo 
arquivadas ordenadamente, de acordo com o significado e relevância que tenha para nós. À 
medida que o conhecimento que faz parte de determinada memória perde relevância no 
contexto social em que habitamos, e a sociedade capitalista é altamente negligente nesse 
aspecto, a tendência é nos descartarmos dela. 
A lógica capitalista parece justificar essa atitude e para isso não faltam argumentos, 
afinal, a sociedade não pode ficar encalhada em práticas que retardem o seu desenvolvimento. 
Esse é um dos pontos, é verdade, mas, há outros tantos contrapontos que devem ser 
enumerados. Sabemos que seguido a lógica de Halbwachs, as memórias individuais dão 
origem às memórias coletivas e, essas, à memória histórica. Dominar na memória o 
conhecimento da memória histórica é um processo complicado e porque não dizer impossível 
dada a larga produção de conhecimentos que marca a sociedade tecnológica, daí a 
necessidade de eternizar as memórias vividas pelos grupos, dai a necessidade de resgatá-las, 
registrá-las e devolvê-las à sociedade em forma de registros, afinal as lembranças do vivido e 
do feito de alguém estará sempre em algum lugar, presa entre o vivido e o lembrado, prontas 
para serem relembradas e resgatadas. 
A memória é, no sentido aqui adotado, a partir de Halbwachs (2003) e Bosi (1983), o 
reserva de nossas lembranças que cresce “a cada instante e que dispõe da totalidade da nossa 
experiência adquirida”, Bosi (1983 p. 10). Cada memória individual é um fragmento da 
memória coletiva e são as memórias individuais que dão solidez a memória do grupo. As 
memórias do grupo formam a sua identidade cultural. Através da memória do grupo podemos 
conhecer a sua cultura. Entendemos aqui a cultura como Chartier, como “um padrão 
transmitido historicamente, de significados corporizados em símbolos, um sistema de 
11 
 
concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens 
comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as atitudes perante a vida” 
Chartier (2002 p. 67). 
Ao resgatarmos a memória de um grupo, tomamos posse de seu legado, 
compreendemos as especificidades que caracterizam o viver e o morrer desse grupo, daí a 
importância de nos apropriarmos do universo simbólico que se esconde na memória dos que 
não foram ouvidos à construção da história oficial. Sabemos que a tradição histórica 
evidenciou em suas narrativas os feitos dos heróis, reservando o lugar de heróis a reis, 
imperadores ou na falta destes, aqueles que detinham o poder. Aos que serviam foi dado como 
herança o esquecimento ou no máximo, uma memória perdida entre números. O general 
Herculano que avançou rumo norte com dez mil soldados e, graças às suas estratégias 
inovadoras, conseguiu vencer o exército inimigo e trazer um grande espólio ao seu país. 
Hoje a história busca novos enfoques, procura novas personagens, sonda novas fontes 
em busca de respostas para questões não ditas. Para que aproximemos a história do real, não 
basta saber o que fez o general. Precisamos saber o que ouviram os soldados de seus generais, 
os súditos de seus reis, os servos de seus vassalos, os vassalos de seus suseranos. Precisamos 
saber que segredos guardavam os subordinados à revelia de suas vontades, verdades que 
certamente podiam salvar ou ceifar vidas e, que muitas vezes, ditas às pessoas certas, podia 
livrá-los da condição de servos. Por que então silenciavam? Certamente porque o ato de calar 
era o passaporte para conservar a vida, a sua e a dos seus. O que poderemos saber de verdades 
com o resgate da memória desses sujeitos? Que contribuições podemos trazer para a história a 
partir do ressuscitar do discurso do morto? Com certeza poderemos compor uma história com 
fragmentos ajuntados por mãos hábeis de historiadores, investidos por técnicas e métodos 
inovadores que podem dar aos fatos narrados o mesmo sabor das aventuras vivenciadas por 
seus atores. 
Podemos através do resgate da memória recriar cenários extintos, ressuscitar 
lembranças mortas e retratar o estilo de vida de pessoas e grupos que nos precederam. 
Certeau ao evidenciar a importância da memória à história, diz que na memória os fatos e os 
lugares vividos são como presenças de ausência “o que se mostra designa aquilo que não é 
mais”, Certeau (2014 p. 175). Na memória dorme um passado, como nos gestos cotidianos de 
caminhar, correr, e deitar-se, que retrata práticas antigas. A lembrança é somente um 
mecanismo de passagem, que desperta a memória, assim fatos que retemos em nossa memória 
como as conversas ouvidas a meias paredes das casas populares, a imagem da casa materna, 
12 
 
os objetos biográficos, aqueles objetos que envelhecem com a pessoa e que no uso, vai se 
amoldando ao possuidor, representam experiências vividas dos que tiveram contato com ele. 
Esses objetos, no contato constante com as mãos dos que o manuseiam, vão perdendo 
as arestas e se abrandando e ao ser tocado novamente por aquelas mãos, eles têm o poder de 
ativar as lembranças compartilhadas em situações compartilhadas por objeto e usuário. Na 
concepção de Bosi, “as pedras da cidade, enquanto permanecem sustentam a memória”, Bosi 
(1983 p. 363). O som dos objetos contra elas, a sua irregularidade sentida no sapato e no 
pisar, o som da vassoura, da lenha crepitando, da colher no tacho, da roupa se debatendo 
contra o vento do varal, do sino da igreja, do roçar dos galhos nas árvores e do buzinar dos 
carros nas ruas, tudo isso desperta a lembranças e, é nesse sentido, um condicionante ao 
resgatedo passado. 
Ao resgatarmos o passado podemos entender como as pessoas viviam em um dado 
tempo e contexto e, dar significado a essas práticas a partir do contexto que vivemos. Na 
análise historiográfica diz Certeau, “o morto ressurge do trabalho que postulava seu 
desaparecimento possibilitando sua análise como objeto de estudo” Certeau (2013 p. 28). O 
ressurgir do morto e de suas representações tem um papel fundante ao futuro das novas 
gerações, pois oferece o inventário de práticas que possibilitarão o entendimento de como eles 
viveram e as lições que elas poderão tirar desse viver. 
O trabalho desenvolvido ao longo deste livro por Luana Barros e seus colaboradores é, 
antes de tudo, um desafio com sabor de tempo e de saudades. A saudade dos que se foram e, 
suas lembranças, rememorados no discurso dos que ficaram, presos entre a saudade e o desejo 
de não esquecê-los. É um trabalho com gosto de tempo passado, onde a vida foi vivida por 
personagens populares que deixaram por seu viver e seu lidar um exemplo de vida, o legado 
cultural de seu trabalho. É um trabalho com sabor de tempo presente onde ela e seus 
colaboradores a exemplo de arqueólogo, vão com suas espátulas escavado o tempo passado, 
peneirando com suas peneiras o confiável do duvidoso, confrontando discursos, para no final 
da jornada, apresentar ao tempo presente as malhas de que ele foi tecido. O esboço real de um 
mundo presente que não pode esquecer o seu passado, porque disto depende o seu futuro. 
Nesse passado que Luana Barros escava, eu me vejo e me espelho em seu esforço, 
preso entre as minhas próprias lembranças, vencido pela minha memória que já precisa se 
amparar em velhas muletas para caminhar ao passado e lá rever as histórias por ela contada. 
Relembro entre benzedores, as velhas rezadeiras de São José do Seridó, hoje já quase extintas, 
que rezavam para encontrar animais e objetos perdidos, para curar bicheira e para tirar mau-
olhado e espinha de peixe da goela. 
13 
 
Lembro de Maria Bode e de Francisca enfermeira que se doaram a trazer esperança 
num mundo de poucos recursos e muita dor, levando esperança às mães que se entregavam à 
natureza na hora do parir, porque as dificuldades eram de ordens diversas e não havia ainda 
hospitais para socorrer as mulheres em trabalho de parto. Com mais saudade, lembro de Maria 
Preta e tantas outras pretas e brancas, que madrugavam no açude público de São José do 
Seridó para tirar de suas mãos cansadas, embranquecidas pelo sabão de pedra, de pedra 
chamado porque feito em casa com soda cáustica e gorduras de porco, tinha a forma de uma 
pedra redonda das que a gente pegava nas ruas para jogar tila. Muitos filhos, muito aperreio 
de vida e muitas dificuldades que elas superavam com muito trabalho e poucas queixas. 
É impossível não lembrar os ciganos, que vindos por entre o juremal preto e seco, com 
suas tropas de jegues cansados, carregados de apetrechos, panelas encardidas pela fumaça da 
lenha que queimava em trempes improvisadas à sombra de oiticicas, juazeiros e pereiros 
frondosos, cabaças e miçangas com água, redes e roupas, arrumados em velhos caçuás presos 
aos cabeçotes das cangalhas, entre os quais as crianças ciganas dormiam profundo sono como 
se estivessem na melhor das camas. Encompridando o cortejo, burras admiráveis, raros 
cavalos, chegavam ao nosso pacato “seridozinho”, trazendo mulheres misteriosas, velhas 
enrugadas, moças bonitas e, muitos ciganos jovens, que se exibiam para as moças não 
ciganas, com seus violões afinados, cabelos compridos, pretos e lisos e pele queimada pelo 
sol da estrada, estrada que para eles parecia nunca ter fim. 
Como esquecer que em cada pedaço do Seridó, em cada cidade perdida nessa toalha 
de chão pobre e mata rala a vida tinha dinâmica similar. Como diz Bosi, “Na maior parte das 
vezes, lembrar não é reviver, mas, refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de 
hoje, as experiências do passado”, Bosi, (1983 p. 17). E é nesse refazer que reside a 
importância do trabalho aqui apresentado por Luana Barros e seus colaboradores, dentre eles, 
os alunos da Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha. As lembranças resgatadas 
por eles através dos memorizadores que se dispuseram a colaborar com a pesquisa hora 
esboçada nas páginas precedentes traz ao povo jardinense, ao povo seridoense e porque não 
generalizar, ao povo brasileiro, pinceladas de um modo de vida lançadas sobre a tela do 
tempo, em cujo fundo Jardim do Seridó desponta como um espaço para viver, morrer e 
lembrar. 
Relembrar essas personagens e suas práticas em Jardim do Seridó é resgatar um 
acervo de conhecimentos recheado de práticas e crendices populares de valor inestimável aos 
que continuaram a jornada humana, conhecimentos cujo resgate exige o relato de um estilo de 
vida de pessoas comuns, um modus operandi muito peculiar que só os que viveram com os 
14 
 
mortos e que insistem em não enterrar as lembranças com eles compartilhadas conseguem 
ressuscitá-las. Exige o relato de vida de pessoas que vivos e praticantes do mesmo ofício, 
enriquece o discurso com suas memórias e seu fazer, revitalizando a história real de Jardim do 
Seridó, com passagens e cenas que se perderam no tempo à vista do observador 
Dos ciganos, deixa um registro da convivência deles com os moradores do bairro Bela 
Vista no decorrer de períodos curtos e contraditórios, onde a cultura dos ciganos e a dos 
moradores do bairro é permeada por estranhezas, tolerância e intolerância, algo comum 
quando culturas diversas são levadas pelas circunstâncias a se espremerem no mesmo espaço 
físico, compartilhar os mesmos homens e os mesmos deuses. 
Por último é bom não se iludir, fica também, entre o dito e o lembrado, rastros 
indefinidos na areia, pegadas que não foram fotografadas com precisão, ausência de palavras 
que se ditas, não foram ouvidas e, que, portanto, morreram com aqueles que as pronunciaram. 
Mas isso não deve perturbar o sonho do historiador pois como diz Certeau, existe na obra 
escrita “estranhas e vastas regiões de silêncio” [que] “desenham uma geografia do esquecido”, 
Certeau, (2005 p.73). [Grifo nosso]. 
 
 
 
Jardim do Seridó – RN, 20 de fevereiro de 2015 
Mário Fernandes Sobrinho 
______________________________________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
INTRODUÇÃO 
 
“A memória de uma sociedade estende-se até aonde pode, quer dizer, até aonde 
atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta. Não é por má vontade, antipatia, 
repulsa ou indiferença que ela esquece uma quantidade tão grande de acontecimentos e 
de antigas figuras” (HALBWACHS, 1990, p. 84). Por sermos feitos de lembranças e 
esquecimentos, nossa memória é limitada a guardar o que acha de mais importante, ou o 
que mais marcou na vida. Ao forçarmos uma lembrança, a memória pode voltar à 
mente, mas não por completo. Nesse viés, Halbwachs nos fala de até aonde a memória 
se estende, ou melhor, o que seria importante para nossa memória gravar e o que 
poderia ser descartável, isto é, baseando-se nos fatores sociais que influenciam o ser 
humano. 
A história, por muito tempo, foi transmitida por gerações através da oralidade, 
que se encarregava de gravar um acontecimento e passar de pai para filho. Muitas 
histórias e acontecimentos não foram escritos, mas ainda se mantêm vivas nas memórias 
de pessoas mais velhas que se encarregam de continuar transmitindo por gerações parte 
da composição de um todo. 
As histórias orais, em sua grande maioria, contam acontecimentos que, para 
muitos, não fazem parte da História, pois acreditam que se tratam de lendas folclóricas, 
dessa forma, poucos são aquelesque se encarregam de trabalhar se baseando em 
memórias, ou seja, histórias contadas. Escrever histórias partindo de memórias passadas 
por gerações é de suma importância, pois isso imortaliza acontecimentos que, para 
alguns, não tem valor histórico ou que antes não eram tidos como importantes, uma vez 
que a história só era escrita com base em documentos oficiais. 
No livro Memórias compartilhada, o reflexo do vivido, falamos sobre a história 
de benzedeiros de Jardim do Seridó, assim como parteiras, lavadeiras e pessoas que 
conviveram com os ciganos que habitaram o bairro Bela Vista. Todas nossas histórias 
serão escritas com base em depoimento de entrevistados que falaram sobre suas 
experiências e um pouco de suas heranças culturais. 
Em nosso primeiro capítulo, trataremos um pouco da história de Jardim do 
Seridó, assim como suas transformações que ocorreram durante o tempo. Tratamos das 
modificações espaciais, pois acreditamos que para falar dos personagens de uma região, 
é de fundamental importância conhecer a história daquele local, pois esta reflete 
bastante na construção de uma pessoa. 
16 
 
Neste livro discutiremos também o conhecimento cultural de Jardim do Seridó e 
suas heranças, porque estas também falam e modificam as pessoas, assim como são a 
base da construção de uma personalidade local. 
Em nossos capítulos decorrentes, encarregamo-nos de falar sobre os 
personagens. Dividimos o livro em cinco capítulos, sendo o primeiro, como 
mencionamos, um resumo do conhecimento regional de Jardim do Seridó; o segundo 
falaremos sobre a cultura e religião, apresentando os Benzedeiros suas heranças de 
conhecimento e uma história de fé e cura contadas partindo do olhar daqueles que 
praticam a reza como dom advindo de Deus. 
No terceiro capítulo, resgataremos a memória de parturientes, que puderam falar 
de grandes parteiras de Jardim do Seridó, pois essas parteiras eram grandes mulheres 
que ficaram conhecidas pelos seus atos de bondade para com a população, assim como a 
crença no dom que seguia elas e aquelas que tinham seus partos feitos pelas mãos das 
parteiras. Escutaremos essas histórias vindas de mães que tiveram seus filhos por 
parteiras de Jardim do Seridó. 
O quarto capítulo ficará encarregado de falar das lavadeiras de Jardim do Seridó, 
assim como seus trabalhos e práticas que eram do lavar roupas. Nesse viés, trataremos 
da discussão de gêneros e trabalhos, assim como a visão que a população tinha com 
relação à mulher e seus trabalhos, as práticas de lavagem de roupa, como elas faziam 
para lavar roupa em períodos sofridos decorrentes da seca, onde eram os locais de 
lavagem e como eram ocupado pelas lavadeiras. Essas mulheres nos contaram cada 
passo do seu trabalho, as modificações que ocorreram durante o tempo e como elas 
faziam para acompanhar essas mudanças. 
 A convivência com os ciganos que habitaram o bairro Bela Vista será o nosso 
último capítulo e tratará de falar um pouco sobre a cultura cigana, assim como o 
conhecimento de sua história, partindo de vivências entre esses grupos de ciganos e 
alguns moradores do bairro. Procuramos saber como é formada a visão da população 
jardinense sobre uma cultura diferenciada das demais. Encarregamo-nos de investigar 
cada ponto de vista das poucas pessoas que conviveram com esses ciganos, assim como 
a visão que os demais tinham sobre eles. Os temas abordados foram das mais variadas 
vertentes que nos fizeram colher informações que variavam desde como se deu a 
chegada dos ciganos e sua permanência, como esses se vestiam e tratavam uns aos 
outros, até saber como era composto o olhar dos demais sobre eles. Nesse capítulo 
17 
 
também tentaremos justificar alguns feitos contados pelas pessoas sobre os ciganos, e 
como é composta essa cultura, para explicar esses comportamentos. 
 
ENFOQUE METODOLÓGICO 
 
O presente livro é o resultado de um trabalho de pesquisa realizado por mim no 
período de agosto de 2014 a fevereiro de 2015 com alunos do 7º, 8º e 9º ano da Escola 
Municipal Profª Zélia Costa da Cunha em parceria com o Projeto Mais Cultura nas 
Escolas, que teve como intuito o resgate da memória popular de quatro grupos da 
cultura popular da comunidade jardinense visando colaborar com a historiografia de 
Jardim do Seridó/RN. No livro está presente história e conhecimento de benzedeiros, 
parteiras, lavadeiras e pessoas do bairro Bela Vista que conviveram com os ciganos que 
habitaram Jardim do Seridó. 
A Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha se encontra localizada no Bairro 
Bela Vista, em Jardim do Seridó. Em 2014 a escola fez adesão ao Programa Mais 
Cultura nas Escolas, O Mais Cultura é um programa do Governo Federal que tem como 
objetivo reconhecer e promover a escola como espaço de circulação e produção da 
diversidade cultural brasileira, desenvolver atividades que promovam a interlocução 
entre experiências culturais e artísticas e o projeto pedagógico de escolas públicas de 
Educação Integral, assim como proporcionar encontro entre vivências escolares e 
manifestações artísticas e culturais fora do contexto escolar. 
Por acordo entre a Instituição Cultural Parceira, na pessoa de Luana Barros de 
Azevedo e pela Escola Municipal Zélia Costa da Cunha representada pelo seu diretor o 
professor Mário Fernandes Sobrinho optou-se pela elaboração de uma pesquisa de 
cunho histórico sobre a memória dos grupos anteriormente mencionados. A opção por 
esta abordagem historiográfica deveu-se às facilidades que ela oferece ao possibilitar 
parte de um conhecimento da cultura local, em processo de fossilização na memória de 
personagens anônimos esquecidos pela história oficial seja resgatado e inserido na 
História cultural desses povos. 
Dentro desta perspectiva, procuramos trabalhar com o conhecimento de 
personagens regionais não estudados, como benzedeiros, parteiras, lavadeiras e ciganos. 
Inicialmente foi desenvolvido um trabalho para preparar os 20 alunos que iriam 
participar do projeto. Foram realizadas 05 oficinas buscando mostrar aos alunos que 
18 
 
toda e qualquer região tem a sua construção histórica que não parte apenas de líderes 
políticos ou pessoas de grande porte financeiro. 
Várias aulas foram elaboradas e trabalhadas em sala com os mesmos. Nas aulas 
foram usados recursos didáticos pedagógicos diversificados, como projeção de slides, 
exposição de filmes, uso do celular e da máquina fotográfica para fotos, gravações e 
filmagens, análises de músicas e de textos que visavam fornecer ao aluno o 
conhecimento da pesquisa, seus dilemas e instrumentos. Buscou-se também com as 
atividades desenvolvidas, trabalhar o senso crítico dos alunos, o aguçamento da 
criatividade e a elaboração de perguntas que seriam usadas nas entrevistas, à coleta de 
informações para elaboração do livro. 
Após as oficinas e produção do material de pesquisa partimos para as entrevistas 
com o pessoal que havíamos definido a priori como referencias básicas ao levantamento 
dos informes que a pesquisa exigia para dar conta dos objetivos pleiteados. Apesar de 
inicialmente acharmos que as fontes para o trabalho que tínhamos em mente eram 
abundantes, logo começamos a enfrentar dificuldades com os guardadores de memória, 
pois constatamos que quanto mais longo o período de morte da memória mais difícil é o 
seu processo de ressuscitamento, pois a quase totalidade dos membros que fizeram parte 
daquele grupo vão sendo também sepultadas pelo tempo e os que vão ficando 
encontram muitas dificuldades para rememorar. Além do desgaste físico e biológico, 
certas memórias são trazidas ao tempo presente com emaranhado de sentimentos que 
vão desde a frustração por só lembrá-las parcialmente, um mistode mágoa e saudades e 
a frustação por ter se separado de tanta gente quando não se queria estar longe. E isso se 
refletia nas frases cortadas sem conclusão, falta de respostas para perguntas elementares 
e a perda do entrevistado no tempo passado, entre uma sombra de dúvidas e um tico de 
certezas, talvez querendo reviver lá no tempo passado com os que tentavam trazer ao 
presente as experiências compartilhadas e os desejos que também foram soterrados pelo 
tempo. 
Para contornar as dificuldades tivemos que redefinir alguns questionários e 
selecionar novas pessoas a serem entrevistadas. O resultado do trabalho obtido pela 
mentora e demais da Escola para com os alunos foi muito positivo, pois promoveu o 
conhecimento da cultura regional desses grupos, evidenciou a importância do trabalho 
em grupo para o reconhecimento do valor histórico, possibilitou a elaboração de 
trabalhos feitos pelos alunos, o envolvimento dos alunos com os personagens da história 
local a qual foi tratada, o conhecimento da importância da memória que se mantém viva 
19 
 
com os mais velhos, o reconhecimento do processo educativo como construção cultural 
em constante formação e transformação, a valorização patrimonial e cultural, 
aguçamento da criatividade perante o processo de ensino e aprendizagem para com os 
alunos. O maior testemunho do sucesso desse projeto será dado por sua produção final: 
A editoração do livro que será doado à comunidade e região. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 
 
CAPÍTULO I 
HISTÓRIA DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E SUA HERANÇA CULTURAL 
 
Quando o século dezoito findava 
Dentre a lusa colonização 
Ó, Jardim, tu nasceste tão alva, 
Na fazenda de gado e algodão! 
Embalaram teus sonhos os coqueiros 
Que, no Cobra, se encontram altaneiros, 
Enfeitando os céus do sertão! 
 
Conceição do Azevedo, 
Terra do amor! 
Teu passado fulgente 
Assegura o teu valor! 
O teu solo e tua gente 
Bem refletem sob o sol; 
Vida e grandeza! 
Salve Jardim do Seridó. 
 
Tu surgiste entre rios e lajedo 
E com fé, muito amor e emoção, 
O segundo Antônio de Azevedo 
Te sonhou: Vila da Conceição! 
Hoje, alegres, teus filhos decantam 
O progresso, a vida em flor! 
Berço amigo de paz e de amor! 
(Hino do município de Jardim do Seridó/ Música: Jaime de Medeiros Brito/ Letra: 
Eurico Guilherme de Amorim Caldas)
1
 
 
 
Imagem 1: Jardim do Seridó/RN vista de cima2. 
 
 
1 Disponível em: http://www.jardimdoserido.rn.gov.br/post.php?codigo=281. Acesso em: 29/12/2014. 
2 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_do_Serid%C3%B3. Acesso em: 29/12/2014. 
21 
 
 O Município de Jardim do Seridó/RN, atualmente, tem mais ou menos 12.540 
habitantes. Ele está localizado na região Seridó do Rio Grande do Norte. Possui uma 
área de 368,647 km² e uma densidade demográfica de 32, 86 hab/km². A cidade tem 
clima quente e semiárido, fazendo parte da caatinga. Seus habitantes, religiosamente, se 
dividem em: católicos apostólicos romanos (11.108 pessoas), religião evangélica (715 
pessoas) e religião espírita (10 pessoas)3. Essa divisão religiosa nos mostra o quanto os 
jardinenses são cristãos e nos ajuda a compreender um pouco seus costumes culturais e 
pontos de vistas. 
 
 
Imagem 2: Localização de Jardim do Seridó/RN no mapa4. 
 
Jardim começou a ser habitada por portugueses por volta do século XVIII. No 
início do século XVI até o século XVIII, os portugueses vinham em grandes levas para 
povoar o Brasil à procura de terra para a plantação da cana-de-açúcar, produto de alto 
valor econômico no período. O plantio da cana-de-açúcar se dava principalmente no 
litoral brasileiro, lugar úmido propício para as plantações. Os únicos engenhos 
instalados no interior do Rio Grande do Norte ficavam em Cunhaú e Uruaçu. Com a 
colonização, também ocorreu o povoamento do interior. O Seridó, lugar não tão 
favorável para a plantação da cana, uma vez que este tinha solos pouco desenvolvidos 
 
3 Todos os dados desse primeiro parágrafo foram retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e 
Estatística (IBGE). Disponível em: 
http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=240570&search=%7C%7Cinfogr%E1
ficos:-dados-gerais-do-munic%EDpio. Acesso em: 17 de novembro de 2014, 14:05:30. 
4 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_do_Serid%C3%B3. Acesso em: 29/12/2014. 
22 
 
para o tipo de plantação, a forma de sobrevivência se dava através da criação de gado e 
plantio de algodão, essas duas formas ajudavam no sustento do homem sertanejo. 
No período da colonização, conta-nos José Nilton de Azevêdo, que José Antônio 
de Azevêdo Maia e Izabel Pereira Alves Maia, portugueses, apesar de não terem 
migrado para o Brasil, deixaram vir os filhos: Antônio de Azevêdo Maia Júnior e Maria 
de Azevêdo Alves Maia. Ambos vieram por incentivo do tio Capitão Pedro da Costa 
Azevêdo, que lhes arranjou casamentos entre as melhores famílias da terra, e condições 
sociais e políticas. Com o arranjo de casamentos, os Azevêdos migraram para o Seridó, 
onde compraram terras e construíram prole (1988, p. 17). 
Antônio de Azevêdo Maia Júnior, fundador da atual cidade Jardim do Seridó, 
era filho de Antônio de Azevêdo Maia e Josefa Maria Valcácer de Almeida Azevêdo, e 
casou-se por volta de 1767 com Micaela Dantas Pereira. Na década de 1760 e 1770, 
adquiriu, através de compra ao Sargento-Mor Alexandre Nunes Maltez, de Igarassu, 
Pernambuco, a fazenda “Conceição”, onde a nomeou de fazenda “Conceição do 
Azevedo”, fazenda que posteriormente seria Jardim do Seridó. 
Como a Fazenda Conceição do Azevêdo ficava entre dois rios (atualmente Rio 
Seridó e o Rio Cobra), a localização era propícia para algumas plantações e criação de 
gado, sendo por esse motivo, um lugar favorável para se morar. Foi na Fazenda 
Conceição do Azevêdo que Antônio de Azevêdo Maia Júnior constituiu numerosa 
família, e os que por ali passaram foram se alojando às redondezas da vasta terra, com 
isso aumentando a população da região 
A Fazenda Conceição do Azevedo teve seu início onde atualmente se encontra o 
Telecentro da Câmara Municipal. O espaço apesar de ter sido modificado conservou a 
fachada em estilo antigo, remetendo ao tempo que era a primeira casa de Jardim do 
Seridó. Sobre as casas no período da Colonização, Arno Webling e Maria José Webling, 
nos conta que eram casas feitas com segurança para se defender dos ataques indígenas, 
pois eram “rudimentares torres em pedra e cal ou barro sopapado, cercadas pelas 
paliçadas para garantir a defesa” (1999, p. 258). Ainda assim, Webling e Maria José 
Webling nos contam que as primeiras fazendas do período Colonial, de menor porte 
financeiro, eram compostas pela casa principal, do fazendeiro, “os alojamentos de 
vaqueiros e escravos, as oficinas, locais para lavoura de subsistência, currais e 
estábulos” (1999, p. 259). 
A primeira casa da Fazenda Conceição foi construída por volta de 1760 a 1770, 
e era constituída, como nos conta José Nilton Azevedo, com base nos escritos de Olavo 
23 
 
de Medeiros Filho, como sendo “uma casa de taipa ladeada de tijolos com nove portas 
com dobradiças de ferro e, dessas, quatro eram partidas e sete janelas apresentavam 
dobradiças” (1988, p.24). Nesta casa, o patriarca constituiu prole e desenvolveu a 
fazenda. Mesmo sendo uma casa de taipa, a priori, acredita-se que havia outros espaços 
na fazenda para dar suporte à realização das tarefas laborais a exemplode armazéns e 
depósitos e morada para os escravos, pois no inventário da morte de Micaela Dantas 
Pereira, ela deixa alguns escravos como herança à sua prole. Com isso, o inventário de 
Micaela Dantas Pereira nos leva a acreditar que a Fazenda Conceição tinha pelo menos 
a casa central, como já foi descrita acima, uma plantação próxima à fazenda para extrair 
o sustento dos moradores e alimentar o gado, o alojamento para abrigar os escravos e 
possíveis vaqueiros que viessem trabalhar para o fazendeiro Antônio de Azevedo Maia 
Júnior. 
 
LUGAR E CULTURA 
 
Com o povoamento dos municípios pelos portugueses, houve também a 
proliferação da religião católica pelo Brasil, assim como novos costumes, crenças e 
valores foram sendo adaptados e misturados no cotidiano dos nativos que ali habitavam. 
Unzer Emiliano Macedo nos conta que “parte integrante do quadro religioso brasileiro, 
os indígenas tinham suas culturas e crenças antes do advento dos portugueses e do 
catolicismo nas terras brasileiras” (2008, p. 6). Com a vinda dos portugueses, deu-se 
início à construção de capelas, que serviam para suas orações e para o enterramento da 
população, sendo essa uma forma de implantar cada vez mais a religião católica nos 
nativos, catequizando-os. Essas formas eram possíveis porque os líderes católicos que 
vinham para o Brasil, tinham como intuito expandir sua religião além dos horizontes, 
mas isso só era possível quando eles primeiramente se socializavam com os habitantes 
da região. 
Inicialmente, os portugueses se fixavam nas regiões que iriam colonizar, 
posteriormente, construíam suas capelas. Em Jardim do Seridó, não foi diferente. A 
construção da primeira capela se deu pelo referido fundador da cidade, Antônio de 
Azevêdo Maia Júnior, por volta de 1790. É notória a importância da religião cristã, no 
imaginário brasileiro desde o período da colonização. Desde a chegada dos 
colonizadores europeus, aqueles que ocupavam suas terras, logo construíram capelas. 
Com seu altar e santos ia definido o símbolo da religião católica, religião que aliás faz 
24 
 
parte do imaginário jardinense desde o início da colonização, assim como suas práticas 
e formas de rezar, que foram sendo adquiridas desde o começo, sendo considerado um 
aspecto de integração entre as pessoas da região. 
A Fazenda Conceição, com o passar do tempo, foi aumentando sua população e, 
consequentemente, crescendo e se formando vila. Conta-nos Nilton de Azevedo, que foi 
criado na Câmara Municipal, na sessão do dia 25 de abril de 1863, uma postura que 
regulamentava a construção de casas e ruas, em Jardim. Com o crescimento da Vila 
Jardim, tiveram que ser criadas normas para que houvesse organização em sua estrutura. 
Desde o início as casas foram sendo construídas no entorno da Igreja Matriz “que foi o 
chamamento para os fazendeiros fazerem suas casas perto da mesma que oferecia 
alguns atos litúrgicos” (AZEVEDO, 1988, p. 147). 
Dá-se dessa forma, ao que indicam as fontes, o surgimento da urbanização em 
Jardim do Seridó, advindo de ideias das principais capitais do Brasil. A urbanização e a 
instalação de centros comerciais e melhorias sanitaristas eram as formas principais para 
dar início ao desenvolvimento de uma cidade. No início do século XX5, houve o 
desenvolvimento urbano de Jardim do Seridó de acordo com o novo regime político e 
social, tendo assim a construção de novos centros, prédios e casas ao redor da igreja 
Matriz Nossa Senhora da Conceição. Para Gois, 
 
O contexto de destruição do passado colonial e da construção de espaços 
modernos em Recife ocorria na época em que Heráclio Pires freqüentava os 
bancos da Faculdade de Farmácia daquela cidade, sendo a experiência da 
modernidade também vivenciada por aquele jovem estudante jardinense. 
Passados os anos de formação acadêmica, Heráclio Pires retorna à sua cidade 
natal, trazendo na bagagem uma multiplicidade de influências por ele 
vivenciadas, nos planos artísticos, políticos, ideológicos e arquitetônicos que 
atingiram, em cheio, a cidade de Recife, no limiar do século XX (MELO 
apud GOIS, 2012, p. 18). 
 
Com isso a cidade foi se organizando e crescendo. No entanto, mesmo nesse 
período de desenvolvimento, ainda havia ausência de atendimento médico e muitas 
pessoas moravam nos sítios ou bairros um pouco distantes do centro. Quando era 
necessária a ajuda de alguém para a cura de uma doença, as pessoas recorriam aos 
rezadores ou rezadoras que faziam uma oração e benziam o enfermo para que houvesse 
 
5 Durante o período em que Heráclio Pires governou Jardim do Seridó, 1917 a 1930, a cidade teve seu 
desenvolvimento urbano, social e sanitarista, pois o mesmo trazia de Recife ideias de urbanização e 
desenvolvimento (GOIS, 2012, p. 76). 
25 
 
a cura daquele mal. A confiança nesses rezadores se dava desde muito tempo, por 
costumes, crenças, na qual foram passadas por gerações. 
Mesmo se tratando de uma cidade pequena, Jardim do Seridó teve sua ausência 
de atendimento médico, uma vez que a demanda por esses atendimentos eram maiores e 
se davam, primeiramente, em uma casa de caridade como nos conta Nilton de Azevedo 
 
Esta casa foi construída pelo Pe. Francisco Justino Pereira de Brito, primeiro 
Vigário da Paróquia, para funcionar como um hospital, conforme consta em 
seu testamento. Com o passar dos tempos, esta Casa serviu de abrigo aos 
doentes e pobres da comunidade, como também aos peregrinos que por ali 
passassem. Para estes fazia-se coletas de alimentos na comunidade 
(AZEVEDO, 1988, p. 148). 
 
A construção da casa de atendimento médico se deu em 2 de março de 1903 e 
posterior a ela teve também a Casa dos Vicentinos, uma associação de São Vicente de 
Paula, que foi doada por Pedro Isidro de Medeiros (1988, p. 148). Ambas tinham como 
intuito cuidar de enfermos e alguns peregrinos. O atual hospital de Jardim do Seridó foi 
criado apenas na década de 1960. 
 Entender esse desenvolvimento da cidade seus conjuntos urbanos e históricos é 
importante para ressaltar o estético social em que habitam desde muito tempo os 
rezadores (assim como os demais personagens que trataremos nesse livro) de Jardim do 
Seridó. Rever como era formada a atual cidade que estamos tratando é entender como 
se deu a criação das pessoas que aqui trataremos. Compreender o ambiente é também 
notar como se deu a construção do imaginário dessas pessoas, assim como sua cultura, 
costumes, crenças e valores religiosos, uma vez que a igreja desde sempre se encontrou 
entrelaçada com a região. Evaneide Maria de Mélo, que faz um estudo visual das 
paisagens urbanas de Jardim do Seridó, nos diz que 
 
A paisagem é elemento de reflexão espacial, e como tal deve ser considerada 
em referência ao quadro cultura, inter-relacionada às dinâmicas culturais que 
a dimensiona. Na paisagem, integram-se orientações simbólicas ligadas ao 
universo religioso, às tradições e as heranças culturais. 
(...) A paisagem é uma construção social coletiva. Com forma, aparência e 
sentido” (MELO, 2009, p. 41). 
 
 
 
 
26 
 
CAPÍTULO II 
NA FÉ, UMA ORAÇÃO: OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO 
SERIDÓ 
 
Já é costume da gente, quando alguém está doente, chama logo o rezador. 
Se o cara tá moribundo, manda chamar Zé Raimundo 
Que é rezador diligente, a todo mundo socorre 
Quando reza o cara morre ou fica bom de repente. 
(Música: Rezador
6
; Composição: Braguinha Barroso) 
 
 
 
 
Imagem 3: Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento)- Rezador de Jardim do 
Seridó/RN, 
Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014. 
 
 A prática de reza está presenteno Brasil desde os períodos nativos. Quem 
praticava as orações de cura, eram os indígenas, assim como os africanos vindos no 
período colonial. Era frequente, entre eles, fazer orações a deuses e seus ancestrais para 
que tivessem em troca a realização de algo ou a cura para algum mal. O dom da reza e o 
pedido de ajuda aos superiores espirituais, assim como a utilização de ervas naturais 
 
6 A letra da música supracitada não tem nenhuma associação originária com o rezador Raimundo, na qual 
entrevistamos, de Jardim do Seridó, sendo apenas uma escolha nossa para expor a letra e uma feliz 
coincidência por se tratar de dois Raimundos (o da letra da música e o benzedor que nos cedeu entrevista 
para o presente livro). 
27 
 
(plantas medicinais), são heranças da aprendizagem passada oralmente para os demais 
rezadores. 
 Dividiremos o capítulo em duas partes: a priori, falaremos sobre os rezadores7 e como 
se dá essa prática e esse poder de oração, sua herança cultural e religiosa. Faremos isso com 
base em artigos que falam sobre oradores de outras regiões do Brasil. Posteriormente, 
daremos início ao discurso dos rezadores de Jardim do Seridó/RN, e uma análise nas falas 
desses cinco rezadores que foram entrevistados por mim e pelos alunos da Escola Municipal 
Professora Zélia Costa da Cunha. 
O intuito principal é resgatar esses conhecimentos de nossa região que estão se 
extinguindo, visto que eles ainda estão presentes, mesmo num tempo em que 
recorremos cada vez mais às tecnologias. Diferenciaremos também cada prática e em 
que consiste as mesmas. 
 
A PRÁTICA DE REZA 
 
Desde o período colonial, portugueses, indígenas e africanos acreditavam que a 
doença era algo de magia má, que deveria ser curada através de orações ou pedidos a 
forças superiores. Sendo assim, o que seria rezado em uma doença, poderia ser aplicado 
em várias outras, no entanto, com o auxílio de ervas, cada doença tinha sua 
especificidade e oração. Com isso, acredita-se que os benzedeiros herdaram de um 
misto africano, indígena e europeu a habilidade de curar através da reza, já que não 
havia hospitais. 
Nesse cenário, as casas de caridade, fundadas através de irmandades e pessoas 
que tinham por livre e espontânea vontade, ajudar ao próximo era o socorro imediato 
aos que precisavam de ajuda. Segundo ArnoWehling e Maria José Wehling, “a 
assistência hospitalar na Colônia limita-se a algumas poucas unidades. Eram quase 
sempre hospitais militares, ou ligados às Santas Casas de Misericórdia” (1999, p. 272). 
Para o autor, não havia o consenso de que a saúde fosse obrigação do estado dai a 
inexistência de serviços dessa natureza. 
Como foi mencionado acima, havia casas de caridade em Jardim do Seridó, e 
posteriormente a isso, um hospital para tratar de doentes. No entanto, era comum as 
 
7 “Rezadores”, “benzedeiros”, “benzedores” ou “curandeiro” vai ser a variação de termos que adquirimos 
para falar das pessoas que curam através da oração. Trataremos assim ambos os gêneros: homens e 
mulheres que praticam esse ato. 
28 
 
pessoas recorrerem a rezadores e rezadoras para a cura de um mal ou de um enfermo, 
uma vez que atendimentos médicos eram mais difíceis e as pessoas acreditavam muito 
mais no poder da oração e na cura através de ervas e chás medicinais. Não se questiona 
a formação dos médicos que habitavam Jardim do Seridó, e mesmo eles já estando em 
atividade no meio do povo esses rezadeiros ainda eram o referencial para aqueles que 
estavam doentes ou que tinham familiares doentes. A aprendizagem dos médicos se 
dava por meio científico/acadêmico, já os rezadores aprendiam com vizinhos, 
familiares, conhecidos ou até mesmo com um desconhecido que queria “passar a reza8” 
para eles. 
A religião cristã está presente no imaginário dos jardinenses desde o começo da 
colonização, assim como os saberes nativos e africanos que foram passados por 
gerações. Isso se dá porque a religião popular brasileira é sincrética9 desde o princípio, a 
crença popular que aqui se desenvolveu unia santos católicos, deuses indígenas e orixás 
africanos. Nesse aspecto em particular ArnoWehling e Maria José Wehling (1999 p. 
249), enfatiza que apesar dos esforços empreendidos pela igreja, a população europeia 
trouxe para o Brasil práticas religiosas da igreja medieval com um forte teor místico que 
possibilitou a fusão de suas devoções e superstições a praticas assemelhadas das 
comunidades indígenas e negras e a formação de uma “catolicidade popular” mística, 
devota e supersticiosa. 
Os rezadores que nós entrevistamos se dizem católicos, muitas vezes não 
praticantes, por questões ligadas à saúde e à idade, que os impedem de frequentar a 
igreja e assistir às missas. Eles nos disseram que por essas questões ficam em casa e não 
podem ir à missa. Mesmo assim, eles têm fé em Deus e usam o nome de Jesus Cristo e a 
Virgem Maria em suas orações. Nesse sentido, podemos notar que a religião católica é a 
que se faz mais forte em seus hábitos de reza. 
O hábito de curar através de orações e rituais são bem mais antigos que se 
imagina. Um ritual de cura bem conhecido se chama “pajelança”, o qual consiste em 
 
Uma prática religiosa que reúne aspectos e elementos do catolicismo popular, 
das culturas indígenas e africanas e da chamada ‘medicina popular’. Um de 
seus princípios é a cura de doenças físicas e espirituais, baseada no 
tratamento do corpo com a utilização de ervas terapêuticas. O manejo dessas 
plantas transcende o valor de uso, posto que tais recursos possuem valor 
simbólicos e espiritual (MOTA; BASÍLIO, 2008, p. 1). 
 
8 “Passar a reza” é o hábito de passar o seu conhecimento sobre orações as práticas de como rezar para 
uma outra pessoa. Segundo os entrevistados, isso só é possível quando a pessoa já se encontra muito 
velha, sem ter mais capacidade de rezar. 
9 Várias doutrinas diferentes fundidas em uma só. 
29 
 
Essas formas de benzimento10 são práticas antigas utilizadas por várias culturas 
de diversas formas e crenças, e sempre contam com o auxilio de alguma forma da 
natureza, como ramos de plantas. O intuito é sempre trazer energias positivas, curar e 
proteger espiritualmente os seres de um possível mal. Essas práticas fazem parte de um 
sincretismo religioso, no qual, como já foi exposto, é o que compõe a religiosidade 
popular. A fé advinda de tempos, e a crença na cura através da oração, fazem parte do 
imaginário brasileiro desde os períodos nativos. A pajelança consiste em práticas 
religiosas de cura tanto espiritual quanto física na qual podemos identificar algumas 
semelhanças com a de nossos benzedores de Jardim do Seridó. O hábito de rezar com 
um galho de planta, as orações algumas vezes ditas em baixo tom e a recomendação de 
chás medicinais fazem parte do cotidiano do rezador. Mesmo depois de tanto tempo, 
notar essas utilizações é importante para compreender em que consiste a formações de 
nossos benzedores. 
Não se estar aqui dizendo que os rezadores de Jardim do Seridó praticam a 
pajelança, até porque no discurso eles são católicos e se reconhecem assim. O que 
pretendemos mostrar é o quanto essas práticas populares de benzeduras se assemelham 
à pajelança, no entanto, é importante destacar que a pajelança também contém, em seus 
rituais, transes e batuques, o que se diferencia das rezas aplicadas pelos benzedores de 
Jardim do Seridó, pois esses só utilizam ramos de plantas, agulhas, linhas e orações para 
a cura de um mal. O que pretendemos mostrar é a semelhança entre práticas religiosas 
para poderentender os benzedores. 
A aprendizagem desses benzedeiros e benzedeiras é possível através da 
oralidade, ou seja, seus domínios e orações são ensinados às pessoas por meio da fala. 
Os entrevistados chamam de “passar a reza” esse conhecimento do curar. Eles também 
nos dizem que só é possível passar a reza para o sexo oposto, mulher só pode passar 
para homem e vice-versa, caso contrário, quebra a corrente ou perde a força da reza. Há 
aqueles que acreditam que para rezar deve-se nascer com o dom da cura. 
A prática de reza entre nossos entrevistados começou através de uma 
necessidade do benzedeiro que passou a reza, ou daquele que aprendeu. Alguns que 
passaram a reza fizeram isso por motivo de idade avançada, que o impedia de continuar 
rezando; e os que aprenderam sozinhos fizeram isso por necessidade de cura entre as 
pessoas da família e afins, ou se via com o dom para isso. Essas práticas, como 
 
10 Ato de curar através da reza. 
30 
 
observamos, não foram necessariamente passadas por familiares, mas, em sua maioria, 
por desconhecidos. Essas formas de propagação do conhecimento da reza são 
transmitidas através da fala, por ser assim a melhor maneira de ensinar as práticas de se 
rezar e, ocasionalmente, por se tratar de pessoas iletradas11. 
Essas práticas como citamos acima, foram passadas por conhecidos ou 
desconhecidos, não sendo, necessariamente, da família do rezador, no entanto, vale 
ressaltar que nem todos precisaram conviver com outros benzedeiros para adquirirem 
esse conhecimento. Como já foi dito, eles acreditam que para rezar e curar, é necessário 
ter um dom, nascer com ele, por esse motivo, para ser rezador não é necessário conviver 
com outros rezadores. 
Por acreditar nesse poder, ou dom de cura, os benzedeiros e benzedeiras 
entrevistados afirmam que não fazem cobrança alguma por seus trabalhos. Dizem que 
as curas vêm através da reza, da oração, e da fé. Declararam que quem cura é Deus 
através deles. Quando as pessoas insistem em pagar de alguma forma pela benzedura, os 
mesmos dizem que aceitam ajuda ofertada através de alimentos ou algo parecido. Não 
aceitam dinheiro, pois esta seria uma forma de usar o poder de Deus para adquirir 
proveito, o que não seria certo. 
Suas orações são ditas em voz baixa e só valem para aqueles que acreditam no 
poder delas. Desde o começo os mesmos afirmaram que o que cura é a fé em Deus, 
primeiramente, e a crença naquelas orações. O ato de rezar em baixo tom não foi 
explicado por eles, mas a maioria acredita que a oração, para valer, não precisa ser 
contada em voz alta, em contra partida a isso, alguns rezadores dizem que a oração deve 
sim ser ouvida por aqueles que são bentos, caso contrário, não teria efeito, soma-se a 
isso, a crendice de que o domínio da reza de um rezador por alguém do sexo oposto 
neutralizaria o poder dessa oração. 
Os rezadores de Jardim do Seridó, que entrevistamos, utilizam galhinhos de 
plantas para passar por cima da pessoa enquanto fazem a oração. As plantas variam para 
cada rezador. Uns dizem que pode ser qualquer galhinho que abençoa do mesmo jeito, 
outros disseram que tem que ser um específico, mas trataremos melhor desse assunto 
posteriormente. A respeito do motivo de utilizar as plantas para o acompanhamento das 
orações, os mesmos não nos informaram, no entanto, disseram que a planta ajuda na 
transmissão do poder da oração, trataremos posteriormente sobre esse assunto. 
 
11 Iletrados são aqueles que não sabem ler e escrever, por isso transmitem seus conhecimentos através da 
fala. 
31 
 
OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO SERIDÓ/RN 
 
Os benzedeiros de Jardim do Seridó/RN que entrevistamos, juntamente com os 
alunos da escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha, encontram-se no bairro Bela 
Vista, com exceção de Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodriguez do Nascimento), 
que mora no bairro Baixa da Beleza. 
 
COMO TUDO COMEÇOU - A APRENDIZAGEM 
 
 Os rezadores contam que suas aprendizagens, de orações, se deram através de 
histórias bonitas. Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento) nos diz 
que aprendeu a rezar com uma mulher, sua avó, diz também que quem o botava para 
rezar era sua mãe12, fazendo-o rezar toda noite, antes de dormir. “E eu aprendi a rezar 
tinha meus 15 anos”, conta-nos seu Raimundo, e continua dizendo 
 
Mas aí só comecei a rezar direito em 1984, porque apareceu uma senhora 
com uns 75 ano, disse que eu tinha que rezar e eu ia morrer num primeiro do 
mês13, rezando. Não. Aí disse que com três dia eu achava uma cruzinha e 
outro objeto e “gostado” aí começasse a rezar. Com três “dia” eu ia pra casa 
de “Pedrim”. Nesse tempo num tinha aquela padaria não, achei a cruz e o 
outro objeto. Aí cheguei na casa de uma senhora, aí uma mulher disse: 
Rapaz, minha bichinha14 tá muito doentinha, vamos rezar nela? No outro dia 
amanheceu boazinha. Aí continuei a rezar. Até hoje (Raimundo Rezador. 1 
de set. de 2014). 
 
Seu Raimundo reside em Jardim do Seridó, como já foi dito, no bairro Baixa da 
Beleza, onde é frequentemente procurado pelos moradores da cidade e da região. 
Natural do Sítio Catururé, situado no mesmo município, se diz católico não praticante, 
“eu ia muito, mas aí diminui mais porque depois que a gente fica velho, fica cansado 
né?!” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Seus santos de devoção são: Nossa 
Senhora do Desterro e Nossa Senhora Aparecida. 
 
 
 
12 Aqui entendemos sua fala como: rezar para si e não para curar ou benzer os outros. 
13 Coincidentemente, foi dia 1º de setembro de 2014 que nossa entrevista foi realizada com o mesmo. 
14 “Minha bichinha”, nesse caso, é uma forma carinhosa de chamar uma menina ou mulher. 
32 
 
 
Imagem 4: Seu Raimundo (Raimundo Rodrigues do Nascimento)- Rezador de Jardim do Seridó/RN, 
Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014 
 
Pelo que entendemos, Seu Raimundo aprendeu a rezar em pessoas, sozinho, 
após uma “visão” de uma senhora desconhecida15 na qual ela o dizia que o mesmo iria 
começar a rezar após encontrar dois objetos, sendo esses: uma cruz e uma medalhinha 
com a imagem de uma santa ou um santo muito desgastada. 
 
Imagem 5: Objetos encontrados por Raimundo Rezador 
Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014 
 
 
15 Quando perguntamos quem seria essa mulher, ele nos respondeu: “conhecia não, mas era uma pessoa, 
assim, de uns 75 ano. Num vou dizer que era coisa (ele quis dizer alma ou espírito), que eu não vi direito 
né?! Aí quando foi no derradeiro de outubro do ano passado pra entrar o mês de novembro ela tornou a 
vim. Eu perguntei o que era que ela queria três vez, ela calada, aí eu: quem pode mais do que Deus? Ela 
disse: ‘Ninguém’. Aí eu disse: Apois diga o que é. Ela disse: ‘Vim dizer que você vai morrer num 
primeiro do mês’. Eu disse: Pronto, é amanhã, que já é primeiro do mês” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 
2014). 
33 
 
 Sobre esses objetos, perguntamos se ele sempre andava com eles, e este nos 
respondeu: “direto; só quando eu morrer sai do meu bolso e vai comigo lá pro 
cemitério. Se eu perder, endoideço. Quando eu tiro isso aí do bolso, já tô vendo a 
melhora, graças a Deus!” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). A primeira reza se 
deu através da necessidade de uma pessoa doente. O mesmo nos disse que sua prática de 
curar através das orações “é de família16”. Quando perguntamos se ele conviveu com 
rezadores, ele nos responde: “só o povo da minha família mesmo. Era bisavó, minhaavó, minha mãe, oito tia, oito tio... tudo rezava” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). 
Dentre mais sete irmãos, tendo morrido seis e restado apenas ele e uma irmã, só Seu 
Raimundo é quem exerce, atualmente, a prática de rezar nas pessoas. 
Seu Evaristo Rezador (Evaristo Euzébio de Araújo, 72 anos), como é muito 
conhecido pela população, reside no bairro Bela Vista, é devoto de São Francisco e se 
diz católico fervoroso, por acreditar muito em Deus. 
 
 
Imagem 6: Evaristo Rezador em sua residência cedendo entrevista para os alunos da Escola Municipal 
Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 21 de ago. de 2014 
 
Ao perguntarmos ao Seu Evaristo se ele já conviveu ou conhecia outros 
rezadores, quando novo, o mesmo nos responde: 
Conhecia. Quando mãe era do tamanho desses meninos, você mesmo (aponta 
para as crianças que estão a sua frente, e para o que está ao seu lado, como 
mostra a imagem acima), uma vez ela mandava a gente pra uma rezadeira, 
 
16 O que quer dizer que outras pessoas de sua família também rezam. 
34 
 
rezar, lá no sítio, aí quando ela começava a rezar, pelo menos eu, prestava 
atenção porque tinha vontade de ser rezador, de ser curador, prestava atenção 
e ia sempre aprendendo aquelas reza que ela tava rezando. E com isso 
aprendi (risos) (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). 
 
Seu Evaristo diz que aprendeu a rezar olhando a sua mãe, desde muito novo, no 
entanto, só começou a rezar em pessoas somente aos 60 anos. Sua convivência 
atualmente com outros rezadores também é frequente. Como no dia em que fomos 
entrevistá-lo, ele estava doente do braço, o mesmo nos disse que tinha ido à casa de Seu 
Raimundo Rezador para que este o rezasse: “sim, eu ontem tive lá em Seu Raimundo 
que ele foi rezar nesse meu braço da queda. Aí, eu fui pra ele me rezar, sabe?! Pra ele 
coser porque eu não podia coser, e ele coseu muito bem e hoje eu tô bem melhor, graças 
a Deus!” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). 
D. Marluce (Maria de Azevedo Dias, 68 anos), rezadora que reside no bairro 
Bela Vista, se diz católica fervorosa: “eu não perco nada na Igreja. É quinta, segunda, 
domingo... Isso aí é indispensável. Se eu pudesse morar lá, eu ficava lá, num saía... 
(risos)” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). 
 
 
Imagem 7: Na imagem, D. Marluce, rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os 
alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. 
Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 28 de ago. de 2014 
 
Devota de Nossa Senhora Aparecida, D. Marluce nos diz que conviveu com 
outros rezadores quando jovem 
 
Quando eu tinha uns 25 anos, em Minas Gerais. Um senhor de 80 anos. Ele 
era rezador profissional. Eu vim embora aqui pra o Norte aí eu disse: 
Sebastião Faria, o senhor faz questão de me ensinar essas reza? Ele disse: 
35 
 
“Não. Vou ensinar umas reza pra olhado, pra vento caído, de engasgo e rezar, 
assim, em animais” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). 
 
D. Marluce nos conta que a princípio não teve muita fé no que foi ensinado, 
mesmo partindo da mesma a vontade de aprender as orações, até que um dia foi 
necessário pôr em prática seus conhecimentos e sua fé, rezando em alguém que 
necessitasse: “aí eu não dei crença (ela diz isso referente à crença no que foi ensinado 
para curar). Eu queria... Eu ensinei (quis dizer “aprendi”), mas não dei crença. Aí 
Boneca, uma vez, ficou muito doente, nós morava num sítio deserto, aí eu fui, criei 
aquela fé e rezei. No outro dia ela amanheceu boazinha, aí pronto” (D. Marluce. 28 de 
ago. de 2014). Desde então, D. Marluce não deixa mais o ofício de rezadora. 
Ao contrário de D. Marluce, que teve vontade de aprender a rezar em pessoas, 
D. Inês (Inês Azevedo dos Santos, 65 anos), rezadora residente no bairro Bela Vista, 
contou-nos que sua aprendizagem para ser rezadora se deu de certa forma, inesperada. 
 
 
Imagem 8: Na imagem, D. Inês rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos 
da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. 
Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 27 de ago. de 2014 
 
Católica e muito crente em Deus, D. Inês é devota de Nossa Senhora da 
Conceição. A mesma nos conta como se deu sua primeira experiência com a reza e 
quem ensinou as práticas: 
 
Um ceguinho foi quem me ensinou, foi um ceguinho. Tinha 19 anos quando 
ele me ensinou, era bem novinho ele, tinha uns 21 anos. Eu não sei de onde 
era não, ele tava lá no hotel, naquele hotel que era antigamente sabe? Aí, eu e 
as meninas fomos lá... era muita gente lá, aí eu cheguei lá, era ele (o ceguinho 
36 
 
rezando). Aí ele foi me chamou (inesperadamente) e me ensinou a rezar. Ele 
tava lá pedindo auxílio (ajuda) sabe? Eu fui, dei uma pratinha a ele, aí ele foi 
me chamou lá dentro. Ele me chamou dentro de um quarto, eu tava até com 
medo porque era uma pessoa desconhecida chamar a pessoa dentro de um 
quarto né? Aí lá ele disse: “minha filha vou lhe ensinar essas orações, você 
vai aprender para sempre essas orações”. Eu disse :“nam, nam, num aprendo 
não que eu num sei, eu sou muito atrasada. Ele disse: “aprende”, aí ele me 
ensinou três vezes, me deu a oração, me ensinou três vezes eu aprendi, até 
hoje... ele me chamava minha filha, me chamou minha filha. Ele era cego que 
os olhos dele era estufado, eu acho que ele tinha uma luz muito grande, 
n’era? Eu acho que ele foi mandado por Deus aquele ceguim, eu acho. É, 
porque um milagre daquele né? Aí até hoje quando eu morrer ainda quero 
ficar rezando lá onde eu tiver, se Deus quiser (D. Inês. 27 de ago. de 2014 ). 
 
Como já foi citado, os rezadores praticam esse ato até verem que não podem 
mais, seja por motivos de doença ou velhice. Seu Raimundo nos diz que só para de 
rezar quando morrer, pois o mesmo acredita que o que o faz rezar e curar as pessoas é 
um dom que nasceu com o mesmo, e explica que a importância de ser rezador é “ter 
muita fé em Deus e... rezar com fé em Deus. Porque rezando sem ter fé... É mesmo que 
não rezar em nada” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014), e ressalta que não cobra por 
reza, mas que aceita ajuda às vezes, sendo essas através de alimentos ou algo parecido. 
Não aceita dinheiro. Diz também que vez por outra nem gosta de aceitar essas ajudas, 
pois rezar é um dom e não deve ser cobrado: “porque eu num tenho fé, a pessoa rezar 
cobrando ou pedindo as coisa não” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Ele diz que 
é uma felicidade rezar e ver que alcançou a graça, assim como também nos disse que 
muita coisa mudou em sua vida, hoje ele é mais feliz. 
 Assim como Seu Raimundo, Seu Evaristo nos diz que rezar, para ele, é um dom 
e que fica feliz por ver o paciente feliz e curado. Para ele, o pagamento se dá através do 
agradecimento. Não aceita dinheiro. Para D. Marluce, rezar é “pra quem tem fé. Se tiver 
fé, cura; mas se não tiver, é perdido”, e ressalta falando sobre a reza que é cobrada: “por 
dinheiro não tem valor. Reza que disser: ‘É tanto!’ Aí você já sabe que não serviu de 
nada a reza. Reza é aquela que Deus deu que não precisa de pagamento. Pagamento já 
não serve, não valeu nada” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Assim como D. Marluce, 
D. Inês nos deixou bem claro que muitos rezadores fazem isso por dinheiro, no entanto, 
a mesma reza de graça: “reza por dinheiro (falou de rezadores que a mesma conheceu). 
Só eu que rezo de graça” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). 
Os rezadores que entrevistamos, acreditam que a reza deve ser feita por vontade, 
fé e não por cobrança. Os mesmos creem que para rezar deve ter um dom vindo deles, 
um dom espiritual, e, não deve se tirar proveito financeiro disto. Ao fazer uma cobrança 
37de dinheiro a um cliente, o rezador estaria fazendo mau proveito de seu dom, que seria 
errado, pois este dom foi presenteado por Deus para ajudar ao próximo. Quando 
perguntamos mais uma vez se D. Inês rezava por dinheiro, ela nos respondeu: 
 
Rezo não, agora a maioria das pessoas me dar alguma coisinha, porque por certo tem 
consciência, né?! Que ficou boa, tem o prazer e sempre me dar, porque o rezador 
que me ensinou disse a mim que eu num cobrasse nada de ninguém, nem rezasse em 
gente tando bebendo, sabe?! Agora se quem tiver a consciência e quiser me dar e eu 
receber... se eu recebesse algum dinheiro, era pra comprar alguma coisa de comer 
(D. Inês. 27 de ago. de 2014). 
 
 Sobre esse dom e o trabalho gratuito atribuído pelos rezadores, Francimário 
Vito dos Santos, que trabalhou os rezadores de Cruzeta, baseado nos escritos de 
Quintana, nos diz, que: 
 
Uma cobrança por parte da benzedeira viria a manchar, a sujar tanto o 
trabalho realizado como a imagem de quem o realiza. Ao colocar um preço e 
vender os seus serviços, ela estaria deixando de ter as qualidades de bondade 
e pureza, as quais lhe possibilita sustentar um lugar especial em manter o 
dom (QUINTANA apud SANTOS, 2007, p. 110). 
 
Os clientes que levam presentes para seus rezadores fazem isso porque 
acreditam que ficam em dívida, de alguma forma, por aqueles que os tratam tão bem e 
ainda, assim, curam. É a política de trocas: faz por mim, que eu faço por ti. Sobre essa 
troca de favores, Francimário Vito dos Santos nos diz que “a obrigação de dar e retribuir 
elementos cruciais da dádiva estão nitidamente presentes no processo da benzeção, tanto 
por parte da rezadeira, quanto por parte da clientela” (2007, p. 111). Dessa forma, 
pudemos notar que os pagamentos oferecidos para os rezadores, que entrevistamos, 
sempre aparecem em forma de um presente, ou de uma caridade ofertada humildemente 
por aquele que foi curado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
38 
 
A REZA MILAGROSA 
 
Como foi exposto, os rezadores não cobram pelo trabalho, porque acreditam que 
o que fazem é por meio de um dom cedido por Deus. Ainda assim, para que a reza seja 
conhecida, devem haver os “milagres populares”, males que foram curados através de 
rezas. Pessoas doentes que acreditam ficar boas apenas com rezas são as que mais 
procuram esses rezadores. Além disso, há aqueles que os julgam mal, pois não 
acreditam nesse dom ou na sua religião, os vê-los de forma pecaminosa (pecadora). 
Sobre a reza milagrosa, perguntamos à D. Inês se alguém já falou que a reza dela 
era milagrosa e ela nos diz: “já acham que eu rezo muito bem” (D. Inês. 27 de ago. de 
2014). Esta nos contou que para rezar, deve ter o dom da bondade e também ser muito 
forte (força espiritual). Ela nos conta: “rezar num é todo mundo, pra todo mundo não. 
Rezar tem que precisar saber rezar, né?! Precisa ter muita fé em Deus e muita coragem 
pra rezar porque tem muita gente perigosa (no sentido de ser carregada com energias 
negativas) que a pessoa reza viu. Tem gente que se manifesta, desmaia, tudo tem” (D. 
Inês. 27 de ago. de 2014). Ao perguntarmos se já houve casos de manifesto por parte da 
pessoa que D. Inês estava rezando, ela nos conta: “já passei por duas, que as minhas 
orações é muito forte, eu acho que elas (a respeito do poder bom das orações) tão 
carregada de alguma coisa, sabe? Aí por certo encosta alguma coisa, aí elas (as pessoas 
que possivelmente estejam carregadas de algum mal) cai, quer se manifestar, quer bater 
na pessoa, mas num bate não porque Deus num quer” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). 
 Em conversa com seu Raimundo, quando perguntamos a ele se alguém já 
havia chamado sua reza de milagrosa, o mesmo nos responde: “muitas, num foi só uma 
não, foi muitas já” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Mesmo sendo tida como 
milagrosa a sua reza, seu Raimundo nos diz que sempre recomenda a ida ao médico 
para que seja feita uma revisão do que possa ser a doença. Ele nos fala sobre um caso 
com uma criança que foi levada pelo pai, em sua residência, para que fosse curada 
através da reza: 
 
Pronto aquele fi de Seu Agripino, chegou aqui era doze e meia da noite com a 
menina escangotada17 aqui. Aí pediu desculpa, disse: “desculpa eu vim aqui 
numa hora dessa”; Eu digo: Pode entrar! Ele entrou, eu rezei na menina, e 
disse: Agora vá daqui pro hospital que essa menina tá muito doente. Era com 
um olhado, escangotada e roncando. Ele disse: “Ela num tinha olhado?”; Eu 
 
17 Com má expressão, acabado. 
39 
 
disse: Tem! (O pai da menina disse:) “Apois eu num vou não”. (Seu 
Raimundo disse:) Rapaz, vá que é mió! (O pai da menina disse:) “Vou não!”. 
No outro dia quando chegou, a menina foi quem desceu primeiro do carro e 
entrou correndo aqui pra dentro de casa, boazinha, graças a Deus (Raimundo 
Rezador. 1 de set. de 2014). 
 
Em entrevista, perguntamos o mesmo para D. Marluce, se já comentaram que a 
reza dela era milagrosa, esta nos respondeu: “milagrosa (balança a cabeça 
afirmativamente)! Pergunte a Maurílio (seu marido), pergunte a muitas pessoas. Têm 
tanta fé que às vezes manda rezar, eu nem rezo, chega aqui e diz que ficou boa” (D. 
Marluce. 28 de ago. de 2014). Além disso, D. Marluce sempre reza para seus familiares, 
como nos conta: “Jubiam (seu filho) nunca desemprega, ele não fica desempregado... Se 
ele passar um dia desempregado, eu rezo tanto que ele desemprega hoje, amanhã já tem 
quatro, cinco trabalho. Tá vendo como eu tenho fé?!” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). 
 O que podemos notar é a fé que parte dos rezadores e de quem os procura. Seu 
Evaristo diz que a melhor forma de pagamento é quando a pessoa que estava doente, 
passa em sua casa e deixa a notícia que ficou boa. Os resultados são mostrados pelas 
pessoas que ficaram curadas e não apenas pelos rezadores. Isso é o que faz deles, 
pessoas conhecidas e abençoadas. 
 Seu Evaristo nos disse que descobre quem está com encosto, quebrante, mau-
olhado e até catimbó ou bruxaria. Ao perguntarmos se apareceu alguém com encosto, e 
se ele sente isso, o mesmo nos respondeu: 
 
Ah, já chegou duas aqui... (risos). Já chegou duas pessoa aqui braba. Sinto, 
porque vem em cima da gente. Porque quando as pessoa chega... que nem 
veio uma mocinha como você (aponta para uma aluna), uma jovem assim, 
chegou com um encosto de um padre, braba, virada num cisco, num queria 
nem entrar dentro de casa. Aí eu disse: entre com os poder de Deus que Deus 
vai lhe curar. Aí, ela, a madrinha dela e a mãe dela entrou com ela e sentou 
mesmo aí (aponta para o sofá que está a sua frente). Aí, ela braba, virada num 
cisco. Quando eu rezei ela muitas vezes, eu perguntei: quem que pode mais 
do que Deus? Aí elas disseram: ‘ninguém!’. Até ela mesma respondeu. Aí eu 
perguntei mais duas vez. (Ela respondeu:) ‘Ninguém!’. Pronto, ela ficou 
boazinha. Eu mandei o espírito ir pros Reino dos Céus, conversar com Deus 
(Risos) (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). 
 
Podemos observar que Seu Evaristo, ao me rezar18, começou a suar e respirar 
fundo. Ao final da reza, perguntei o que se passava com ele e este respondeu que tudo 
de ruim que está na pessoa, vai para o rezador. Mesmo assim, para eles é uma graça de 
Deus ser rezador e praticar este ato. 
 
18 Não podemos gravar o momento da reza, pois este não nos autorizou. 
40 
 
AS REZAS, OS LUGARES DE REZA E OS OBJETOS QUE OS ACOMPANHAM 
 
A fé cura muitas coisas. Seu Raimundo nos falou que reza por telefone, reza em 
foto e em objetos da pessoa que pediu a reza: “rezo, rezo em tudo” (Raimundo Rezador. 
1 de set. de

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