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Revista Mente & Cérebro - Ed. especial 54 - Inconsciente

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I 
EDIÇÃO ESPECIAL 
SCIENTIFIC AMERICAN A N O X I 
mente 
cérebro 
p s i c o l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u r o c i ê n c i a 
5 4 
• Poder da intuição 
• Mensagens subl iminares 
• O própr io c o r p o d e s c o n h e c i d o 
• Pa lavras que nos s u r p r e e n d e m 
• D e s e j o s ocu l tos 
• • o • 
• • • • 
3 
o 
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l0EJsegmento 
w w w . l o j a s c g m e n t o . c o m . b r 
carta da editora 
Em algum lugar da mente 
Deitada no divã, uma paciente diz: "Por que eu fiz aquilo? Sei lá!" E eu penso que se ela sabe "lá" é sinal de que em algum lugar de si mesma 
ela tem (pelo menos algum) conhecimento que escapa 
ao óbvio. Há em cada um de nós um universo ao qual 
nem sempre temos acesso. Basta recordar quantas 
vezes nos surpreendemos com nossos próprios pensa-
mentos, desejos, emoções, reações e palavras - e estra-
nhamos esses conteúdos, quase como se não fossem 
nossos. Ou constatamos o quanto percepções cogniti-
vas, visuais, auditivas ou mesmo memórias (que ten-
demos, al iás, a crer que sejam mais confiáveis do que 
realmente são) podem nos enganar. 
Reconhecer que estamos sujeitos a sensações, per-
cepções, sentimentos, anseios, conflitos e sintomas 
que não compreendemos e dos quais não nos apro-
priamos pode ser incomodo - mas é também necessá-
rio para o amadurecimento psíquico. E não se trata de 
desvendar esse universo, mas suportar sua existência. 
Nesta edição especial de Mente e Cérebro, o psica-
nalista Christian Dunker, professor da Universidade de 
São Paulo (USP), escreve: "Quando saímos da concep-
ção do inconsciente como 'aquelas contas que sei que 
.tenho de pagar... mas deixo para depois', ou seja, do in-
consciente como um saber mais ou menos consciente, 
k o m o um saber que eu não queria saber, geralmente 
chamamos essa instância psíquica para nos ajudar a 
entender por que os outros nos incomodam tanto." 
Outras abordagens também são temas de artigos que 
tomam principalmente a psicologia cognitiva e a neuroci-
ência como referencial teórico. Em um de seus dois artigos, 
o pesquisador Christof Koch lança uma pergunta intrigan-
te: você está mesmo no comando da sua vida? E recorre 
à neurobiologia para entender como escolhemos o que 
chamamos de destino. Em outro texto ele mostra que mais 
de um século depois de Freud apresentar a polémica ideia 
de que habita em nós uma instância sobre a qual não temos 
controle - mas se mostra em nossas ações e pensamentos 
- muitos cientistas se rendem a essas evidências e buscam 
compreender a questão do ponto de vista da ciência. 
Os caminhos são muitos e as possibilidades, múltiplas. 
O que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, é que há 
em nós um universo desconhecido - e, certamente, espaço 
para o olhar e a pesquisa embasada em diferentes aborda-
gens teóricas. Nas páginas seguintes, é possível mergulhar 
nesse mundo interno tão desconhecido e ao mesmo tem-
po tão íntimo e familiar. 
Boa leitura. 
G l á u c i a L e a l 
Editora-chefe 
glaucialeal@editorasegmento.com.br 
sumário 
Inconsciente - Um estranho na sua cabeça 
06 Desejos (que tentamos guardar) 
longe da consciência 
por Gláucia Leal 
Sentimentos reprimidos costumam reaparecer dis-
farçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto em 
situações do dia a dia 
10 Inconsciente, o estranho 
que vive em nós 
por Christian Ingo Lenz Dunker 
Que aspecto é esse que nos habita, influencia es-
colhas, organiza memórias, desejos e experiências, 
mas do qual sabemos tão pouco? 
16 Você está mesmo no 
comando da sua vida? 
por Christof Koch 
A neurobiologia pode ajudar a entender como esco-
lhemos nosso "destino" - mesmo sem perceber que 
fazemos certas opções 
24 Mensagens secretas 
por Wolfgang Stroebe 
Propagandas com estímulos subliminares podem 
influenciar nosso comportamento? Às vezes sim, 
garantem cientistas 
mente 
c é r e b r o 
PRESIDENTE Edimilson Cardial 
DIRETORIA 
Carolina Martinez, Mareio Cardial, 
Rita Martinez e Rubem Barros 
DIRETOR EDITORIAL Rubem Barros 
EDITORA-CHEFE G láuc ia Leal 
SUBEDITORA Fernanda Teixeira Ribeiro 
EDITOR DE ARTE João Marcelo Simões 
ESTAGIÁRIA Jutlyanna Salles (redação) 
COLABORADORES Roberta Palma (redação), 
Maria Stella Valli (revisão) 
PROCESSAMENTO DE IMAGEM Paulo Cesar Salgado 
ANALISTA DE VENDAS AVULSAS Cinthya Muller 
PRODUÇÃO GRÁFICA Sidney Luiz dos Santos 
COMUNICAÇÃO E EVENTOS 
GERENTE Almir Lopes 
almir@editorasegmento.com.br 
ESCRITÓRIOS REGIONAIS: 
Brasíl ia - Sónia Brandão - (61) 3225-0944/ 
3321-4304/ 9973-4304 
sonia@)editorasegmento.com.br 
Paraná - Marisa Oliveira - (41) 3027-8490/9267-
2307 -parana@editorasegmento.com.br 
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GERENTE Paulo Cordeiro 
ANALISTA PROGRAMADOR Diego de Andrade 
MARKETING/WEB 
DIRETORA Carolina Martinez 
ANALISTA DIGITAL AmandaNoronha 
EVENTOSLila Muniz 
DESENVOLVEDOR Jonatas Moraes Brito 
ANALISTAS WEB Lucas Carlos Lacerda e 
Lucas Alberto da Silva 
COORDENADOR DE CRIAÇÃO E DESIGNER 
Gabriel Andrade 
ASSINATURAS 
GERENTE Mariana Monné 
EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza 
VENDAS GOVERNO C láudia Santos 
VENDASTELEMARKETING ATIVOCleide Orlandoni 
FINANCEIRO 
ANALISTA Roseli Santos 
CONTAS APAGAR Simone Melo 
FATURAMENTO Weslley Patrik 
RECURSOS HUMANOS C láudia Barbosa 
PLANEJAMENTO Cinthya Muller 
CONTAS A RECEBER Viviane Carrapato 
Mente e Cérebro é uma publicação mensal 
da Editora Segmento com conteúdo 
estrangeiro fornecido por publicações sob 
licença de Scientific American. 
Gehirn&Geis 
Spektrum der Wissenschaft 
Verlagsgesellschaft, Slevogtstr. 3-5 
69126 Heidelberg, Alemanha 
Editor-chefe: Carsten Kõnneker 
Gerentes editoriais: Hartwig Hanser e 
Gerhard Trageser 
Diretores-gerentes: Markus Bossle e 
Thomas Bleck 
4 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
32 Outras vozes 
por Bettina Thràenhardt 
A alucinação auditiva é um sintoma nem sempre 
associado a transtornos psiquiátricos. Isolamento 
social ou eventos traumáticos podem desencadear 
esse quadro 
>r , 36 Algo errado no coi 
por Carrie Arnold 
Um sentido pouco conhecido - e do qual na maioria 
das vezes sequer nos damos conta - é responsável 
pela percepção de estímulos internos e externos 
como calor, fome ou sede 
44 O que foi que eu disse? 
por Carola Bimbi, jornalista científica 
A troca de palavras e a inversão de sílabas, os cha-
mados lapsos verbais, revelam como a linguagem se 
estrutura além das intenções racionais 
48 Sob o olhar da ciência 
por Christof Koch 
Um século depois de Freud apresentar a (então) 
polémica ideia de que existe em nós uma instância 
sobre a qual não temos controle, cientistas se ren-
dem a evidências e buscam estudá-las 
52 De repente faz-se a luz 
por Gúnther Knoblich e Michael Õllinger 
O insight é uma compreensão repentina e espontâ-
nea que permite, de um momento para o outro, en-
carar situações de um ângulo diferente do habitual 
60 Entrevista - Thomas Goschke 
por Steve Ayan 
A fascinante capacidade que nos permite reunir in-
formações aparentemente desconexas e usá-las para 
tomar a melhor decisão 
66 O que você sabe sem 
saber que sabe 
Memória implícita, que usamos "inconscientemen-
te", ao dirigir ou ler, por exemplo, pode ser mais 
confiável que as lembranças conscientes 
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Inconsciente -
Um estranho na sua cabeça n e 54, 
fevereiro/ março 2016 
ISSN 1807943-1. Distr ibuição nacional: 
DINAP S.A. 
Rua Kenkiti Shimomoto, 1678. 
5 
Desejos 
(que tentamos 
guardar) longe 
da consciência 
Há em nossa mente significados codificados, revestidos de 
metáforas e imagens; sentimentos reprimidos, porém, reaparecem 
disfarçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto no cotidiano 
por Gláucia Leal 
inconsciente é por definição incogno-
cível. O psicanalista está, portanto, 
na posição infeliz de um estudioso 
daquilo que não se pode conhecer", 
escreveu Thomas Ogden, em The primitive edge of 
experience, de 1989. Na verdade, podemos pensar o in-
consciente sob duas ópticas. Como adjetivo, é possível 
associá-lo ao que escapa à consciência, sem estabelecer 
d i s c r i m i n a ç ã o entre conteúdos dos s istemas pré-
consciente e inconsciente. Para melhor compreender, 
vale observar aqui que a concepção de consciência 
parece semelhante à de atenção: estamos conscientes 
daquilo para o que nos voltamos e inconscientes 
daquilo com que não nos ocupamos. 
Poderíamos, segundo essa lógica, estar 
c o n s c i e n t e s de s i t u a ç õ e s e f e n ó m e n o s 
para os quais voltássemos nossa atenção -
entraríamos então no que Freud chamou de 
pré-consciente. Aquilo para que evitamos dar 
atenção por acharmos que podem deflagrar 
perturbação e dor está no inconsciente 
reprimido. É possível, nesse caso, falar do 
inconsciente como substantivo, no sentido 
tópico. Trata-se, assim, de uma instância 
psíquica, faz parte da primeira teoria do 
aparelho psíquico desenvolvida por Freud, 
constituído de material recalcado, não di-
retamente acessível à consciência. 
A consciência pode ser comparada com 
o que está visível na tela do computador. Te-
mos acesso imediato a outras informações 
"pulando" para outra parte do documento 
ou mudando de janela. Esse gesto seria aná-
logo às partes consciente e pré-consciente 
da mente. Mas pode ser mais difícil acessar 
outros conteúdos, pois podem estar cripto-
grafados ou atachados, podem exigir senha 
ou ainda estar sido corrompidos, de modo 
que a informação esteja embaralhada e, 
portanto, incompreensível . 
A ideia de que guardamos motivações 
sobre as quais não temos controle (e, por 
vezes, nem mesmo, ciência) traz à tona a hi-
pótese que oferece consistência a compor-
tamentos e v ivências que, de outra forma, 
pareceriam completamente incoerentes. 
Freud se deu conta de que lapsos verbais e 
de escrita, falhas da memória, ações con-
fusas e outros equívocos podem ser, em 
um nível mais profundo, não casuais - mas 
inconscientemente intencionais. Para ele, 
os sonhos constituem um caminho privi-
legiado para o inconsciente, embora não 
seja possível desvendá-los completamente. 
Da mesma forma que os sonhos, outras 
formas de c o m u n i c a ç ã o podem apresentar 
representações de desejos e observações 
Características da mente oculta (*) 
Impulsos ou ideias incompatíveis 
podem existir simultaneamente sem 
parecer contraditórios. É aceitável que 
amor e ódio se expressem ao mesmo 
tempo, sem que haja discordância. 
Os significados podem ser facilmente 
deslocados de uma imagem para outra. 
Muitos significados podem ser reu-
nidos em uma única imagem; é o 
que chamamos de condensação. 
Processos inconscientes são atem-
porais e as ideias não têm ordem 
cronológica. Conteúdos referentes a 
anos atrás podem surgir misturados 
aos mais recentes. 
O inconsciente independe do 
mundo externo, representa a rea-
lidade psíquica, interna. Por isso, 
sonhos e alucinações são percebi-
dos como reais. 
(*) Identificadas por Freud no texto O inconsciente, de 1915. 
8 I m e n t e c é r e b r o 
inconscientes que empregam os mesmos 
mecanismos onír icos. Os significados in-
conscientes são codificados, revestidos de 
metáforas e imagens. Um exemplo muito 
comum disso se dá em situações em que 
sentimos raiva, mas reprimimos essa emo-
ção por sabermos que desencadeará senti-
mentos dolorosos e em especial quando é 
dirigida a alguém com quem temos relação 
mais próxima. Assim, os sentimentos re-
primidos são disfarçados e deslocados - e 
aparecem, por exemplo, quando criticamos 
outra pessoa. 
É possível pensar na seguinte situação: 
a orientadora de pesquisa de uma jovem 
avisa que vai ausentar-se do país durante 
um período crítico do trabalho. A estudante 
pode até compreender, de forma sincera, as 
razões da orientadora. Mas, prosseguindo 
a conversa, ela fala de um caso que ouvira: 
uma mãe havia deixado o filho pequeno 
sozinho em casa para fazer compras, a 
cr iança acordou e terminou se ferindo ao 
cair da escada. A mensagem inconsciente 
é clara: a orientadora é tida como a mãe 
negligente, a aluna é o filho desprotegido. 
A queda faz alusão ao risco que ela julga 
correr. C o n s c i e n t e m e n t e , a garota fala 
c o m o a d u l t a , mas i n c o n s c i e n t e m e n t e 
se ressente com a orientadora que não 
cumpre a função de mãe. 
Cabe considerar que a consciência tem 
gradações. Vivências infantis que evocaram 
grande vergonha ou culpa podem ficar tão 
abafadas que se torna muito difícil resgata-
das, sendo possível ter apenas indícios desse 
material. Já uma introspecção momentânea, 
aliada a alguma capacidade psicológica de 
tolerar o desconforto de lidar com algum 
conteúdo que estava inconsciente, pode levar 
o desejo que parecia escondido ao pleno co-
nhecimento. Do mesmo modo, no decorrer 
de uma terapia psicanalítica na qual o pacien-
te é encorajado a falar e pensar com maior 
liberdade para estabelecer associações, seus 
anseios e temores tendem a se aproximar, 
gradualmente, da consciência. ® 
PARA SABER MAIS 
O es t ranho (1919). S i g m u n d Freud. Obras C o m -
pletas. Imago , 1985. 
Freud e o 
homem da areia 
• 
Em 1919 Freud escreveu o ensaio das Unheimliche, na maioria 
das vezes traduzido para o português como O estranho e, mais 
recentemente, por Paulo César de Souza, direto do alemão (e 
publicado pela Companhia das Letras), como O inquietante. 
Souza reconhece, porém, que é "desnecessário chamar a aten-
ção do leitor para a insuficiência desse termo". Em seu texto, o 
criador da psicanálise nãotrata propriamente do inconsciente, 
mas de temas de afins, como castração, compulsão à repetição, 
pulsão de morte, narcisismo e o duplo, tomando como ponto de 
partida o conto de E. T. de A.Hoffman, O homem da areia. Para 
Freud, o estranhamento tem origem em traumas da infância, é 
recalcado no inconsciente e se torna algo, de alguma forma, "fa-
miliar" e ao mesmo tempo "suspeito"; ele chega à conclusão de 
que o inquietante é algo já conhecido, enclausurado no incons-
ciente - e quando vem à tona causa sensação de medo, terror, 
estranheza. O conto de Hoffman revela estreita ligação entre o 
medo de perder os olhos com a castração na fase edípica. Nes-
sa época, "poetas e escritores já dominavam um pensamento 
diferente daquele racional imposto pela ciência positivista que 
Freud bem articulou à nova ciência humana emergente, a psica-
nálise", escreve a psicanalista Sandra Edler, na apresentação de 
livro Freud e o estranho, organizado por Bráulio Tavares (Casa da 
Palavra, 2007). "A qualquer momento podemos nos confrontar 
com um episódio estranho, sem explicação à primeira vista, e 
por isso mesmo perturbador; mas Freud nos lembra que vamos 
acabar por reencontrá-lo ou ainda reviver a inquietante sensa-
ção de estranheza que experimentamos." (C. L.) 
Inconsciente, 
o estranho que 
vive em nós 
Que aspecto é esse que nos habita, influencia escolhas, mas do qual 
sabemos tão pouco? Essa intrigante instância psíquica organiza memórias, 
desejos e experiências que preferimos esquecer ou dos quais não queremos 
saber - e se revela em sonhos, amores, desejos e fantasias 
por Christian Ingo Lenz Dunker 
Tempos atrás recebi um paciente que começou a falar sobre suas dificuldades no trabalho: - E além de tudo esse cara quer patronizarl Repeti para ele a curiosa palavra que emer-
giu, provavelmente, como sugestiva combinação entre 
padronizar epatrão. Ele se referia a um colega de trabalho 
que queria que tudo fosse feito de modo meticulosamente 
correto. Mas o tal chato não era seu chefe de fato, apenas 
agia como tal. Ele poderia ter dito, simplesmente, que o 
colega se achava patrão, ou que ele era um seachão - uma 
pessoa arrogante, que "se acha" e se comporta como se 
fosse superior às demais. Mas ele não disse isso, o que 
OAUTOR 
CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER é psicanal ista, professor 
livre-docente do Ins t i tu to de Psicologia da Univers idade de 
São Paulo (USP). 
teria sido de toda sorte trivial. Patronizar emergia, assim, 
como uma possível formação do inconsciente combinan-
do desejos contrários nesta troca de um "d" por um "t". 
Para minha surpresa ele responde: 
- Ah! Foi só um ato falho. O que eu queria dizer é 
padronizar. 
- Sim, um ato falho. Aqui é o lugar... análise, lembra? 
- Mas foi inconsciente! 
- Sim, justamente, por isso quero saber o que você 
vai fazer com seu ato falho. 
- Mas é inconsciente. Eu queria dizer... 
- Entendi o que você queria dizer. Estou interessado 
no que você disse. 
- Vocês psicanalistas querem ver sentido em tudo! ^ 
Assim não dá. 
- T á bom, vou patrocinar seu ato falho então. (Ele havia | 
10 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
OUTRA CONVERSA: 
segundo Lacan, 
animais não t ê m 
inconsc ien te não 
pe lo fa to de se rem 
i r rac ionais e m u i t o 
menos po rque 
estão p r i vados de 
a fe tos e emoções , 
mas exc lus ivamente 
p o r q u e não fa lam 
me dito antes que detestava quando os ou-
tros pagavam as contas para ele fazendo-se 
sentir incapaz de se virar sozinho.) 
- Como assim patrocinar? 
- Você prefere paitrocínio? (Eu sabia 
que o pai de meu paciente tinha um papel 
importante na posição que ele ocupava na 
tal empresa.) 
- T á bom, vou ver o que consigo associar, 
antes que aconteça um latrocínio por aqui... 
O caso ilustra como nosso entendimento 
sobre o inconsciente pode funcionar para 
neutralizar suas incidências reais. Ilustra 
também como o inconsciente não admite 
"genérico" - a própria pessoa tem de asso-
ciar, por si mesma, para saber do que cada 
emergência do inconsciente é feita. Porém, 
o mais incrível - e contraditório em relação 
às origens históricas do inconsciente - é que 
essa instância passou a servir de subterfúgio 
e desculpa para as coisas com as quais não 
temos (ou não queremos ter) responsabilida-
de alguma. Em inglês, "ato falho" passou a se 
cha mar/rei/ dian slip (escorregão freudiano) e 
a ideia de que existam intenções, organizadas 
ao modo de um roteiro ou de uma "agenda 
secreta" dentro de nós, tornou-se convencio-
nalmente admitida. Como se não tivéssemos 
de pagar a conta pelas "obras" que nosso 
inconsciente produz com (e contra) nossas 
vidas. O inconsciente tornou-se uma espécie 
de catástrofe ecológica: sabemos que ela exis-
te, vai acontecer e nos levará a todos para o 
buraco, mas poucos realmente se dedicam a 
fazer alguma coisa com a situação. 
Quando saímos da concepção do incons-
ciente como "aquelas contas que sei que 
tenho de pagar... mas deixo para depois", 
ou seja, do inconsciente como um saber 
mais ou menos consciente, como um saber 
que eu não queria saber, geralmente cha-
mamos essa instância psíquica para nos 
ajudar a entender por que os outros nos 
incomodam tanto. O filósofo francês Jean-
-Paul Sartre escreveu que o "inferno são os 
outros". Nós estamos em uma época em 
que o inferno é o inconsciente do outro. 
E ele nos atrapalha porque não é só um 
saber, mas um fazer, um ato (no sentido 
de um ato falho), mas também de uma 
prática continuada. É aquele que diz "sei 
muito bem o que estou fazendo... mas vou 
continuar a fazê-lo assim mesmo". 
PÓNEI MALDITO 
Essas são duas das concepções pré-freudia-
nas de inconsciente: um hábito irreflexivo 
e um saber inconsequente. Algo entre a 
complacência e o cinismo. Quando aparece 
do meu lado peço para ele dormir mansinho 
12 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
como um pónei maldito, mas quando vem 
do lado "do outro" parece um Jason de 
Sexta-feira 13 que não descansa nem mor-
re jamais. É nesta linha que dizemos que 
aquele motorista que "barbariza" no trân-
sito é um "recalcado"; aquele que não tem 
piedade é um "perverso", sem falar naquela 
mistura de complicação com inconstância 
que c h a m a m o s , p ó s - m o d e r n a m e n t e , de 
histérica. Muitas operações neurocerebrais 
envolvendo, por exemplo, memória, emo-
ções e tomadas de decisão ocorrem sem 
que possamos ter consciência delas. Outras 
tantas estruturas sociais, como linguagem, 
ideologia e trocas entre sistemas simbólicos 
ocorrem sem que exista um "fantasma na 
máquina" comandando com sua mão invi-
sível as cordas do destino. 
Ora, o inconsciente freudiano não é 
apenas a inconsc iência , no sentido da não 
consciência ou no sentido de uma outra 
c o n s c i ê n c i a . Entre o inconsciente a céu 
aberto com suas profundezas obscuras e o 
inconsciente exposto a trovoadas, que nos 
atinge com um raio irracional, há espaço 
para uma d imensão produtiva e positiva. 
Nesse sentido, podemos dizer que o incons-
ciente é algo simultaneamente descoberto 
e inventado, uma vez que é um sistema que 
organiza nossas memórias, desejos e expe-
riências que pretendemos esquecer ou dos 
quais não queremos saber. Ele existiu desde 
sempre, desde que sonhamos, amamos ou 
fantasiamos. O psicanalista Jacques Lacan 
acrescentou que há inconsciente desde que 
falamos com os outros. Os animais não têm 
inconsciente não porque não são racionais, 
ou porque não tenham consciência e muito 
menos porque estão privados de afetos e 
emoções - mas exclus ivamente porque 
não falam. Mas se o inconsciente sempre 
existiu qual é a novidade da psicanál ise? 
Na verdade, o que Freud inventou foi uma 
forma de usar o inconsciente para alguma 
coisa - aliviar o sofrimento psíquicoe os 
s intomas, de modo a tornar a vida das 
pessoas mais interessante e, quiçá, menos 
dolorosa. Ele criou um método para ler o in-
consciente e libertar o desejo do qual ele é 
feito usando uma maneira reduzida e muito 
mais concentrada de inconsciente que se 
chama transferência. Após algum tempo 
de anál ise, muitas pessoas se perguntam, 
surpresas, "o que acontece", ao percebe-
rem que passaram a agir de forma menos 
repetitiva e mais autónoma, sem, contudo, 
saber precisar de forma exata os momentos 
nos quais se deram as transformações. É o 
inconsciente que "acontece" entre analista 
e analisando. Com essa constatação, Freud 
mudou também nosso entendimento do 
que é uma patologia mental. Note que a 
mesma neutral ização do inconsciente se 
dá com o que chamamos de "psicológi-
co". Uma pessoa que pensa estar sendo 
fulminada por um ataque cardíaco recebe 
a agradável notícia de que aquela "tempes-
tade" em meio à taquicardia, sentimento 
iminente de morte e pânico, é apenas... 
psicológica. De novo estamos diante desse 
saber que "não quer dizer nada". Agora, 
considere o problema do ponto de vista 
de quem está vivendo a situação: quando 
a "trovoada inconsc iente" vem para o 
lado do "inconsciente a céu aberto", aí 
temos problemas, que podemos chamar 
de sintomas. Eles chovem em nossa vida, 
erodindo o chão onde pisamos, tornando 
nosso caminho um lodaçal sem f im. 
SEXUAL, INFANTIL, RECALCADO 
Se o inconsciente sempre existiu, o que 
Freud inventou foi um método de tratamen-
to usando o inconsciente como hipótese 
de trabalho e reforçando a ideia de que 
esse aspecto psíquico é algo que ocorre na 
relação entre pessoas, na forma como nós 
nos interpretamos e nos entendemos - ou 
nos desentendemos. Podemos pensar que o 
inconsciente tem três capítulos principais: 
o sexual, o infantil e o recalcado. São as 
três figuras deste estranho que nos habita: 
o vizinho lascivo que "só pensa naquilo", o 
passado de enganos e ilusões e a amnésia 
deliberada para coisas desagradáveis. O 
prefácio do inconsciente é a inconsciência e 
o epílogo eu não posso contar porque seria 
antecipar o final e estragar o desfecho. 
Muito se discute por que a psicanálise 
insiste no fato de que o inconsciente tem 
uma inflexão sexual, quando há tantas coisas 
mais interessantes e proveitosas na vida. 
É m u i t o m a i s f á c i l a d m i t i r que o 
inconsciente está ligado à infância. Neste 
caso precisamos deixar o passado para trás 
e ir em frente. Sempre em frente, diz nossa 
consciência desejante. Mas existem lemas dos 
quais nos valemos. Há um, bastante usado 
no exército: "Que ninguém seja deixado para 
trás". E outro, frequente no senso comum: 
"Para que ficar remoendo o passado?". Alguns 
pacientes usam o conceito de inconsciente -
ou de autoconhecimento - para se desculpar 
pelo próprio desejo. 
Não raro, essas mesmas pessoas remoem 
o futuro que jamais acontece. Por outro lado, 
há uma afirmação que perdeu a graça: somos 
todos crianças, que mal há nisso? O sentido 
regressivo, histórico e temporal do incons-
ciente é uma de suas facetas mais anacrónicas 
para nossa cultura. 
A ideia de que estamos fixados em algum 
lugar do passado, que nossa liberdade e au-
tonomia são limitadas por certas disposições 
infantis, que existem fantasias inconscientes 
das quais podemos nos envergonhar, nos 
culpar ou nos agredir perdeu muito de sua 
popularidade diante da erotização da infância, 
do narcisismo da adolescência ou da covardia 
corporativa do adulto. Mas, curiosamente, 
DESCONFORTO 
SUBMERSO: g rande 
par te dos nossos 
con teúdos psíqu icos 
são inacessíveis 
ao p r ó p r i o 
conhec imen to ; apesar 
de "escond idos " , 
su rgem d is farçados 
e in f luenc iam 
nossas escolhas. 
Recen temente , ao 
pesquisar a ação de 
neurot ransmissores, 
o ps iqu ia t ra Eric 
Kandel , ganhado r d o 
Nobe l de med ic ina 
e m 2000, c o m p r o v o u 
que o inconsc ien te 
t e m t a m b é m o pape l 
de in tensi f icar as 
e m o ç õ e s e sensações 
de angúst ia que 
pa rec iam ocu l tas 
Carl Jung lembrou-nos de nossas aspirações 
à transcendência. Alfred Adler fala da impor-
tância do poder. Wilhelm Reich ressalta que 
temos uma sexualidade muito mais "prática" 
e "económica" do que a proposta por Freud. 
Fritz Pearls e Levy Moreno tentaram dizer 
que somos mais criativos e ficcionais do que 
nosso inconsciente poderia pretender. Pierre 
Janet e Jean Piaget insistiam que a realidade 
ou o pensamento podem ser mais decisivos 
que a sexualidade. Sem falar dos teóricos que 
reivindicam um entendimento mais social e 
coletivo, contrariando interesses individua-
listas e egoístas do inconsciente freudiano. 
É verdade, pensamos em sexo muito 
mais do que estamos dispostos a admitir. 
E quando não pensamos, a sexualidade se 
impõe, às vezes de forma inesperada. Há 
algo, porém, que precisa ser observado: 
o que c h a m a m o s de s e x u a l i d a d e em 
p s i c a n á l i s e é sempre mais amplo, mais 
c o m p l e x o , m a i s d e f o r m a d o do que 
parece. Teima em aparecer em tudo o que 
colocamos dentro do condomínio fechado 
do "não sexual". Talvez o que chamamos 
de "sentido", nos referindo ao que "faz ou 
não sentido", seja também mesmo textu-
rizado sexualmente. 
14 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
essa é uma daquelas ideias que fracassam 
quando triunfam. Sob certos aspectos, nossa 
educação parece ser equipada com blinda-
gem antitrauma. A capacidade de desculpar 
alguém por sua "infância infeliz" deu à luz 
o masoquismo da vítima levado à condição 
de axioma político. Nossos ideais e heróis 
adquiriram a espessura moral de uma Barbie 
repleta de segurança, cuidado e busca cons-
tante de autossatisfação. 
A terceira dimensão do inconsciente, o 
recalcamento, é o conteúdo que se oculta 
em deformações simbólicas, repetições reais 
ou em subtrações imaginárias, desejáveis e 
indesejáveis. Esta parece ser a face mais atual 
do inconsciente, pois estamos todos um tanto 
desconfortáveis quanto ao que "realmente que-
remos" em um mundo de múltiplas ofertas de 
destinos e consumo de experiências. E isso só 
pode acontecer porque estamos escondendo, 
em algum lugar, o que seria a essência de nosso 
desejo e a verdade de nosso ser. Esse incons-
ciente cheio de signos e símbolos, repleto de 
trocas reveladoras, que usa seus truques para 
desvendar segundas intenções naqueles anti-
gos livros dos sonhos, não está mais à venda 
nas bancas de jornal. Agora ele está disponível 
em banda larga nos manuais para decodificar 
a dança da sedução, entender a linguagem 
secreta das entrevistas de emprego ou realizar 
a viagem interna para aprender as sete leis es-
pirituais do sucesso. Até a hermenêutica de si 
perdeu a vergonha e está se apresentando com 
métricas de resultados. Toda mensagem que 
demore mais de cinco segundo para revelar do 
que é feita está errada, é proibida ou depende 
de alguma central telefónica mal intencionada. 
Tudo está tão "acessível" que enferrujamos a 
prática da intimidade, montamos greve geral 
contra o trabalho de decifração e tomamos 
toda experiência de sentido precário e incerto 
com desconfiança. 
Resumo: o inconsciente sexual tornou-se 
trivial por excesso de oferta, o inconsciente 
infantil tornou-se inútil porque serve como 
desculpa moral generalizada e o inconsciente 
recalcado não assusta mais ninguém porque 
nossa vida "líquida" tornou tudo transparente. 
Será mesmo? Ledo engano. O inconsciente 
não é a inconsciência. A inconsciência se 
resolve pela atenção, pelo cuidado e pela 
MUNDOS ESTRANHOS: para Freud, sonhos são a "via régia para o 
inconsciente". Segundo ele, po rém, aqui lo de que nos lembramos ao acordar 
é resultado da elaboração onírica, resultante da passagem d o con teúdo 
latente para uma representaçãoconsciente, o que impl ica u m processo de 
de formação daqui lo que está escondido em nossa mente. Para que esse 
"disfarce" ocorra, os e lementos são fundidos, combinados, des locados e os 
pensamentos, expressos e m palavras, sensações e pr inc ipa lmente imagens 
crítica, o inconsciente não se resolve. Não é 
um estado patológico, como a gripe ou a dor 
de dente, que um dia vai nos deixar em paz. 
Só que se você não cuida, escuta ou presta 
atenção ao seu inconsciente, é como se ele 
inchasse, apodrecesse e começasse a exalar 
um mau cheiro insuportável. E não há como 
extraí-lo, amputá-lo. Ele veio para ficar como 
uma dor no ombro que melhora, mas não 
cura (nem com a prática de pilates todo dia), 
como uma sombra que não larga seu dono. 
Daí o lema freudiano: "Ali onde há inconscien-
te, lá preciso fazer um sujeito". ® 
PARA SABER MAIS 
Freud : uma le i tura a tua l . Rosine J. Perelberg e coí. A r t m e d , 2012. 
O es t ranho (1919). S i g m u n d Freud . Obras Comple tas . Imago, 1985. 
O inconsc ien te (1915). S i g m u n d Freud. Obras Comp le tas . Imago, 1985. 
As ps icoses. Jacques Lacan. O Seminár io. Livro 3. Zahar, 1985. 
Você está mesmo 
no comando 
da sua vida? 
Cientistas pesquisam como nossas decisões são controladas por 
aspectos físicos e psíquicos dos quais nem sempre temos consciência. 
A neurobiologia pode ajudar a entender como escolhemos nosso destino 
por Christof Koch 
O AUTOR 
CHRISTOF KOCH é diretor científ ico do Insti tuto Al len de 
Ciências do Cérebro, em Seattle, e professor de biologia 
compor tamenta l cognit iva do Insti tuto de Tecnologia da * 
Califórnia. Adap tado de Consciência: confissões de um 
reducionista romântico, por Christof Koch.© Insti tuto de 
Tecnologia de Massachusetts, 2012. Todos os direitos reservados. I 
16 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
17 
m um canto remoto do Universo, em 
um pequeno planeta azul gravitando em 
^ ^ ^ ^ | torno de um sol monótono, nos distritos 
• I exteriores da Via Láctea, organismos 
surgiram da lama e do lodo primordial em uma longa 
luta pela sobrevivência. Apesar de todas as evidências 
desfavoráveis, essas criaturas bípedes se consideram ex-
tremamente privilegiadas, ocupando um lugar privilegia-
do em um cosmos de um trilhão de trilhões de estrelas. 
Vaidosos, muitos desses seres incorrem no ledo engano de 
acreditar que somente eles podem escapar da lei de ferro 
da causa e efeito que rege tudo. E pensam que podem agir 
assim por se valer de algo que chamam de livre-arbítrio, 
essa capacidade de tomar decisões. Mas será que somos 
mesmo tão livres em nossas escolhas? 
A questão não é meramente uma ironia 
filosófica, mas nos diz respeito como poucas 
outras da metafísica. Trata-se, na verdade, 
do alicerce das noções de sociedade, res-
ponsabilidade, reconhecimento e culpa. 
Em últ ima análise, diz respeito ao grau de 
controle que exercemos sobre nossa vida. 
Pense numa situação prática. Imagine que 
você vive com alguém amoroso, encantador 
e está satisfeito com sua vida afetiva. Ou, 
pelo menos, era o que pensava até encontrar, 
casualmente, um estranho que lhe desperta 
grande atração e deixa sua vida de cabeça 
para baixo. Vocês conversam por horas no 
telefone, compartilham segredos mais íntimos 
e iniciam um jogo de sedução. Por outro lado, 
você percebe perfeitamente que tudo isso é 
errado do ponto de vista ético e pode causar 
estragos na vida de várias pessoas. Além disso, 
não há nenhuma garantia de um futuro feliz 
e produtivo se continuar essa história. No 
entanto, algo em você anseia por mudança. 
Até que ponto de fato há interesse em 
resolver a situação? Esse tipo de escolha nos 
confronta com valores e desejos. Em princípio, 
você acha que pode terminar tudo. Mas, ape-
sar de diversas tentativas, de alguma forma 
nunca consegue. Por que será? 
Embora a filosofia tenha trazido grandes 
contribuições para o debate sobre o livre— 
-arbítrio, podemos focar nas respostas - ainda 
que parciais - da psicologia, da física e da 
neurobiologia sobre esse antigo enigma. 
TONS DE LIBERDADE 
Recentemente, participei de um j ú r i no 
Tribunal Distrital dos Estados Unidos, em 
Los Angeles. O réu era um membro de uma 
gangue de rua que contrabandeava e trafica-
va drogas. Ele era acusado de assassinar um 
colega de quarto com dois tiros na cabeça. 
Enquanto a cena do crime era discutida 
com parentes e membros atuais e passados 
da gangue (alguns algemados e vestidos 
com macacão laranja de prisioneiro), eu 
pensava sobre as forças individuais e so-
ciais que moldaram aquele rapaz, sentado 
na cadeira do réu. Alguma vez ele teve es-
colha? A educação violenta que recebeu o 
transformou em assassino? Felizmente, o 
júri não foi chamado para responder a esses 
questionamentos complexos ou determinar 
a punição. Tivemos apenas de decidir, mes-
mo com alguma dúvida, se acreditávamos 
que ele seria culpado da acusação: atirar 
em certa pessoa num determinado lugar e 
numa ocasião específica. Foi o que fizemos. 
De acordo com o que alguns chamam de 
livre-arbítrio, um conceito articulado por 
René Descartes no século 17, somos livres se, 
em circunstâncias idênticas, podemos agir 
de formas diferentes. Condições análogas 
se referem não só a fatos externos, mas 
também a estados mentais. Assim, a mente 
pode escolher com autonomia, permitindo 
que a consciência expresse seus desejos, as-
sim como um motorista que guia um carro 
pode optar por qual estrada prefere ir. Esse 
é um dos pontos de vista mais aceitos pelo 
senso comum. 
Agora, compare essa forte noção de 
liberdade com uma concepção mais prag-
mática chamada "compatibilismo", a visão 
dominante em alguns círculos biológicos, 
psicológicos, jurídicos e médicos. Segundo 
essa ideia, somos livres se podemos seguir 
18 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
nossos próprios desejos e preferências. Por 
exemplo, um fumante de longo prazo que 
tenta parar, mas reincide, não é livre - seu 
desejo é frustrado pela dependência. Se-
gundo essa definição, poucos de nós somos 
totalmente livres. 
São raras as pessoas "autónomas" que 
me vêm à mente: Mahatma Gandhi, com 
sua força de aço, deixava de comer por se-
manas a fio por um propósito ético elevado. 
Também o monge budista Thich Quang Duc, 
que cometeu autoimolação para protestar 
contra o regime repressivo no sul do Vietnã, 
em 1963. A natureza calma e deliberada de 
seu ato heróico, capturada por fotografia, 
é a s s o m b r o s a . Enquanto queima até a 
morte, Duc permanece na posição de lótus 
meditativo, sem mover um m ú s c u l o ou 
emitir qualquer som, enquanto as chamas o 
consomem. Para o resto de nós que, muitas 
vezes, luta para não comer a sobremesa, a 
liberdade é sempre uma questão de grau, e 
não um bem absoluto que temos ou não. 
UNIVERSO M E C Â N I C O 
O direito penal reconhece casos de respon-
sabilidade diminuída. O marido que bate no 
amante de sua mulher até a morte durante 
um ataque cego de fúria depois de pegar 
o casal em flagrante é considerado menos 
culpado do que se tivesse premeditado uma 
vingança semanas mais tarde. O norueguês 
Anders Breivik, que disparou a sangue-frio 
contra mais de 60 pessoas, em julho de 
2011, foi diagnosticado como esquizofréni-
co paranóico. Considerado um criminoso 
insano, será confinado em uma instituição 
psiquiátrica. A sociedade contemporânea e 
o sistema judicial são construídos a partir 
dessa noção pragmática e psicológica de 
liberdade. Mas é possível ir mais fundo e 
investigar as causas por trás de ações tradi-
cionalmente consideradas "livres". 
Em 1687, o célebre físico e matemático in-
glês Isaac Newton publicou a obra Principia, 
com três volumes, na qual enunciou a lei da 
gravitação universal e as três leis domovi-
mento. A segunda lei de Newton relaciona 
a força trazida a um sistema (por exemplo, 
uma bola de bilhar rolando sobre o feltro ver-
de da mesa) à sua aceleração. Esse postulado 
tem consequências profundas, pois implica 
que posições e velocidade de todos os com-
ponentes que constituem uma entidade, em 
qualquer momento particular, juntamente 
com a força entre eles, determinam inalte-
PLUTÃO 
IMPREVISÍVEL: 
d e v i d o ao seu 
p e q u e n o t a m a n h o , 
a ó r b i t a d o p lane ta 
está su je i ta a 
pequenas f l u t u a ç õ e s 
g rav i tac iona is . Por 
isso, os c ien t i s tas 
não p o d e m prever 
o n d e estará d a q u i a 
a l gumas eras 
PARA O FILÓSOFO 
RENÉ DESCARTES, 
somos l ivres q u a n d o , 
e m c i rcunstânc ias 
idênt icas, p o d e m o s 
escolher agir 
de d i fe rentes 
fo rmas; p o r é m o 
de te rm in i smo , a 
ideia de que t odas as 
par t ícu las d o Un iverso 
seguem um c o n j u n t o 
de t ra je tór ias , desaf ia 
essa concepção 
ravelmente o destino dessa unidade - isto é, 
sua futura localização e velocidade. 
Essa é a essência do determinismo. A 
massa, a local ização e a velocidade dos 
planetas (que viajam em suas órbitas ao 
redor do Sol) estabelecem onde estarão em 
mil, um milhão ou bilhão de anos a partir 
de hoje, contanto que todas as forças que 
agem sobre eles sejam devidamente con-
tabi l izadas. Uma vez em movimento, o 
Universo segue seu curso inexorável, como 
um relógio. 
O caos d e t e r m i n í s t i c o , porém, é um 
grande choque contra essa noção de que 
o futuro pode ser previsto com precisão. O 
meteorologista Edward Lorenz, morto em 
2008, deparou com esse complexo sistema 
enquanto resolvia três equações matemáti -
cas simples que caracterizam o movimento 
da atmosfera. A solução prevista pelo pro-
grama de computador variava muito quan-
do inseria valores iniciais que diferiam em 
pequenas quantidades. Essa é a marca do 
caos: irregularidades infinitesimais em pon-
tos de partida das equações conduzem a re-
sultados radicalmente diferentes. Em 1972, 
Lorenz cunhou o termo "efeito borboleta" 
para designar essa extrema sensibilidade às 
condições iniciais: o bater de asas de uma 
borboleta cria ondulações quase impercep-
tíveis na atmosfera que, finalmente, alteram 
o caminho de um tornado em outro lugar. 
Extraordinariamente, essa dependência 
sensível às condições iniciais foi encontra-
da nas engrenagens celestes, o resumo do 
universo m e c â n i c o . Planetas movem-se 
majestosamente, impulsionados pela rota-
ção inicial da nuvem que formou o sistema 
solar. Foi uma incrível surpresa descobrir, 
por meio da modelagem computacional, na 
década de 90, que Plutão tem uma órbita 
caótica, com um tempo de divergência de 
milhões de anos. Astrónomos não podem 
afirmar se o planeta estará desse ou do 
outro lado do Sol (em relação à posição 
da Terra) daqui a 10 milhões de anos! Se 
a incerteza vale para um objeto com uma 
composição interna relativamente simples, 
que se move no vácuo do espaço sob uma 
única força, a gravitacional, imagine tentar 
prever o destino (influenciado por fatores 
incalculáveis) de uma pessoa ou de uma 
minúscula célula nervosa. 
ORIGENS DA INCERTEZA 
No entanto, o caos não invalida a lei natu-
ral de causa e efeito. Ele continua a reinar. 
Físicos planetários podem ter dúvidas sobre 
onde Plutão estará em algumas eras, mas 
têm certeza de que sua órbita será comple-
tamente dependente da gravidade para sem-
pre. O que se rompe no caos não é a cadeia 
de ação e reação, mas a previsibilidade. O 
Universo é um relógio gigantesco, mesmo 
que não tenhamos certeza para onde os 
minutos e as horas vão apontar daqui a 
uma semana. 
O golpe m o r t a l c o n t r a a t e o r i a de 
Newton foi o célebre princípio da incerteza 
da mecânica quântica, formulado por Wer-
ner Heisenberg em 1927- O enunciado impõe 
restrições à precisão com que se podem 
efetuar medidas simultâneas de uma classe 
de pares de observáveis em nível subatômi-
co. Basicamente, ele afirma que qualquer 
partícula, por exemplo um fóton de luz ou 
um eletro, não pode ter posição e impulso 
definidos ao mesmo tempo. Se a velocidade 
é precisa, a posição é correspondentemente 
20 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
mal definida, e vice-versa. O princípio da in-
certeza de Heisenbergé uma ruptura radical 
com a física clássica, substituindo a certeza 
dogmática pela ambiguidade. 
Considere um experimento em que há 
9 0 % de probabilidade de um elétron estar 
aqui e 10% lá. Se a experiência for repetida 
mil vezes, em aproximadamente 900 a par-
tícula estará numa posição e 100 noutra. 
O resultado estatístico, porém, não esta-
belece onde o elétron estará na próxima 
verificação. Albert Einstein nunca pôde se 
reconciliar com esse aspecto aleatório da 
natureza. Foi nesse contexto que disse "Deus 
não joga dados". 
O Universo tem um caráter irredutível, 
aleatório. Se fosse um relógio, suas engrena-
gens, molas e alavancas não seriam fabrica-
das na Suíça, pois não seguem um caminho 
definido. O determinismo físico foi substitu-
ído pelo determinismo das probabilidades. 
Nada mais é certo. 
Mas espere! Há sérias objeções. Não há 
dúvida de que o mundo macroscópico da 
experiência humana é construído sobre o 
mundo quântico microscópico. No entanto, 
isso não implica que objetos do cotidiano, 
como os carros, herdam todas as propriedades 
misteriosas da mecânica quântica. Quando 
estaciono meu miniconversível vermelho, 
sua velocidade é zero em relação ao solo. Ele 
é extremamente pesado em comparação com 
um elétron, portanto a imprecisão associada 
à sua posição é, para todos os efeitos, nula. 
Automóveis têm estruturas internas rela-
tivamente simples. Já o cérebro de abelhas, 
cães beagles e meninos, é extremamente 
diferente: os componentes que o constituem 
têm um caráter frenético. A aleatoriedade é 
evidente em todos as regiões do sistema ner-
voso, desde neurónios sensoriais receptores 
de imagens e aromas até células neurais mo-
toras que controlam os músculos do corpo. 
Não podemos descartar a possibilidade de 
que a indeterminação quântica também leva 
à indefinição comportamental. 
A aleatoriedade pode desempenhar um pa-
pel funcional. Uma mosca perseguida por um 
predador que faz uma virada de voo abrupta 
e repentina tem mais chances de ver a luz do 
dia por mais tempo do que um inseto mais 
previsível. É provável que a evolução favoreça 
circuitos que exploram a aleatoriedade quân-
tica para certos atos ou decisões - e tanto a 
mecânica quântica quanto o caos determinís-
tico levam a resultados imprevisíveis. 
DE PRONTIDÃO 
Deixe-me voltar a terra firme e falar sobre 
um experimento clássico que convenceu 
muita gente de que o livre-arbítrio é uma 
ilusão. O estudo foi feito no início de 1980 
pelo neuropsicólogo Benjamin Libet, da Uni-
versidade da Califórnia em São Francisco. 
O cérebro e o mar têm algo em comum: 
ambos são incessantemente agitados. Um 
eletroencefalograma (EGG) permite visua-
lizar esse alvoroço por meio das pequenas 
flutuações do potencial elétrico (de alguns 
milésimos de volts) na parte de fora do couro 
cabeludo. Assim como um sismógrafo, o tra-
çado do EGG se move freneticamente, regis-
trando tremores invisíveis do córtex. Sempre 
que a pessoa testada está prestes a mover um 
membro, um potencial elétrico (ou de pronti-
dão, como os cientistas chamam) aumenta. O 
fenómeno precede o início real do movimento 
por um ou mais segundos. 
INTERDEPENDÊNCIA: 
o t e r m o " e f e i t o 
b o r b o l e t a " fo i 
c u n h a d o p o r E d w a r d 
Lorenz , e m 1972, para 
des igna r a e x t r e m a 
sens ib i l i dade às 
l igações q u e os seres 
e os f e n ó m e n o s t ê m 
uns c o m os o u t r o s : 
o ba te r de asas cr iao n d u l a ç õ e s quase 
impe rcep t í ve i s na 
a t m o s f e r a que , 
f i na lmen te , a l t e r a m 
o c a m i n h o d e u m 
t o r n a d o e m o u t r o 
lugar d o p l ane ta 
O cérebro e o mar têm 
algo em comum: ambos 
são constantemente 
agitados em alguma 
parte; exames de 
imagem revelam 
pequenas flutuações 
do potencial elétrico 
neurológico 
I n t u i t i v a -
mente, acredita-
mos numa certa 
sequência de even-
tos que leva a um 
ato v o l u n t á r i o . 
Quando decidimos 
levantar uma das 
mãos, o cérebro 
comunica essa in-
tenção aos neuró-
nios responsáveis 
pelo planejamen-
to e execução dos 
m o v i m e n t o s re-
lacionados. Essas 
c é l u l a s n e u r a i s 
transmitem os comandos apropriados para 
as motoras, que por sua vez contraem os 
músculos do braço. Libet, porém, não se 
convenceu desse processo. Não seria mais 
provável que o cérebro agisse ao mesmo 
tempo que a mente? Ou até mesmo antes? 
O neuropsicólogo decidiu determinar o 
momento em que acontece um evento men-
tal, quando uma pessoa toma uma decisão 
deliberada, e compará-lo com o tempo de 
um evento físico, o início do potencial de 
prontidão após a decisão. Ele projetou numa 
tela um ponto de luz brilhante que girava 
em círculo, como a ponta do ponteiro dos 
minutos do relógio. Um grupo de voluntários, 
submetido a um exame de EGG com eletro-
dos, deveria flexionar o pulso espontânea e 
deliberadamente. Os participantes agiram no 
momento em que prestaram atenção à posi-
ção da luz, quando se tornaram conscientes 
da necessidade de fazer algo. 
Os resultados foram inequívocos e refor-
çados por experiências posteriores. O início 
do potencial de prontidão antecede a decisão 
consciente de agir por meio segundo ou mais. 
O cérebro age antes de a mente decidir! A des-
coberta é uma completa inversão da intuição 
profundamente arraigada da causação mental. 
DECISÃO CONSCIENTE 
Se quiser, pode tentar repetir a experiên-
cia: flexione os pulsos. Você experimenta 
três sent imentos relacionados (mas di -
ferentes): o planejamento para se mover 
(intenção), sua disposição (um sentimento 
que os especialistas chamam "de autoria") 
e a sensação provocada pelo movimento 
em si. Mas se um amigo dobra sua mão 
você v ivência somente o movimento, ou 
seja, não se sente responsável pela ação. 
Essa ideia, não raro, é negligenciada nos 
debates sobre l ivre-arbítr io: o nexo mente-
-corpo cria uma experiência específica e 
consciente de "eu quis isso" ou "sou o 
autor dessa ação". 
O psicólogo Daniel Wegner, pesquisador 
da Universidade Harvard, é um dos pioneiros 
dos estudos modernos da volição. Em um 
experimento, ele pediu a uma voluntária que 
usasse luvas e ficasse na frente de um espe-
lho, com os braços pendentes. Um membro 
do laboratório, vestido de forma idêntica, 
se posicionou atrás dela, estendendo seus 
braços sobre as axilas da moça, de modo 
que quando ela olhasse sua imagem refletida 
tivesse a impressão de que as mãos eram 
suas. Os dois usavam fones de ouvido, por 
meio dos quais Wegner emitia instruções, 
como "bater palmas" ou "estalar os dedos 
da mão esquerda". A voluntár ia deveria 
informar em que medida acreditava que as 
ações das mãos do assistente do laboratório 
eram dela. Quando ouvia as coordenadas 
do psicólogo antes que as mãos alheias se 
levantassem, relatava maior sensação de ter 
desejado realizar a ação, em comparação 
com os momentos em que as instruções de 
Wegner vinham depois. 
Diversos neurocirurgiões, acostumados 
a sondar o tecido cerebral com breves 
pulsos de corrente elétrica, sublinham a 
veracidade da sensação de intenção. Em 
um experimento, o cirurgião Itzhak Fried, 
da Universidade da Cal ifórnia em Los Ange-
les, estimulou a área motora suplementar 
(situada no córtex cerebral e próxima ao 
córtex motor primário), desencadeando a 
necessidade de movimentar um membro. O 
neurocientista cognitivo Michel Desmurget, 
do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa 
Médica, e a neuropsicóloga Angela Sirigu, 
do Instituto de Ciência Cognitiva, na França, 
descobriram algo semelhante ao estimular o 
córtex parietal posterior, uma área respon-
sável por transformar informações visuais 
22 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
MONGE BUDISTA 
THICH Q U A N G 
DUC, q u e c o m e t e u 
a u t o i m o l a ç ã o para 
p ro tes ta r c o n t r a o 
r e g i m e repress ivo 
no sul d o V ie tnã , 
e m 1963: e n q u a n t o 
q u e i m a a té a m o r t e , 
e le p e r m a n e c e na 
pos i ção de ló tus 
m e d i t a t i v o , s e m 
m o v e r u m m ú s c u l o 
ou em i t i r s o m . Para a 
ma io r i a de nós, q u e 
mu i tas vezes lu ta 
para não c o m e r a 
sob remesa , o d o m í n i o 
sobre si m e s m o é 
s e m p r e u m a q u e s t ã o 
de g rau , não a l g o 
a b s o l u t o 
em comandos motores. "Senti que queria 
mover um dos pés, mas não sei explicar o 
motivo", disse um dos voluntários. "Fiquei 
com vontade de rolar a língua pela boca", 
acrescentou outro. O sentimento surgiu 
sem que houvesse sugestão do examinador. 
Com isso, aprendi duas lições. Primeira: 
uma concepção mais pragmática sobre o 
l ivre-arbítr io. Eu me esforço para viver o 
mais livre possível de restrições. A única 
exceção se refere ao controle deliberado e 
consciente que me imponho, geralmente 
motivado por preocupações éticas, como 
não ferir os outros e tentar deixar o planeta 
melhor do que encontrei. Outras conside-
rações incluem vida familiar, saúde, esta-
bilidade financeira e consciência. Segunda: 
tento entender melhor minhas motivações 
inconscientes, desejos e medos. Procuro 
refletir mais profundamente sobre minhas 
próprias ações e emoções do que quando 
era mais jovem. 
O que proponho não é nenhuma novida-
de. São lições que homens sábios de diversas 
culturas ensinam há mi lénios. Os gregos 
antigos tinham o aforismo seauton gnothi 
(conhece-te a ti mesmo) inscrito acima da 
entrada do Templo de Apolo, em Delfos. Os 
jesuítas mantêm a tradição espiritual de 
aproximadamente 500 anos, segundo a qual 
é imprescindível examinar a consciência 
duas vezes ao dia. Os budistas examinam 
seus atos quando se sentam para meditar e, 
a partir daí, refazem o compromisso pessoa 
de renunciar ao que faz mal e se aproximar 
daquilo que realmente querem para si. Esse 
interrogatório interno constante aguça a 
sensibilidade para nossas ações, vontades 
e motivações. A atitude permite não só nos 
compreendermos melhor, mas também vi -
vermos mais harmoniosamente conosco e 
com nossas metas de longo prazo. ® 
PARA SABER MAIS 
Human v o l i t i o n : t o w a r d s a neurosc ience o f w i l l . Pat r ick Hagga rd e m Nature 
Reviews Neuroscience, vo l . 9, págs 9 3 4 - 9 4 6 , d e z e m b r o de 2 0 0 8 . 
Unconsc ious d e t e r m i n a n t s o f f ree dec is ions in t h e h u m a n bra in . Chun S iong 
Soon e ou t ros e m Nature Neuroscience, vo l . 11, n° 5, págs. 5 4 3 - 5 4 5 , ma io 
de 2 0 0 8 . 
The i l lus ion o f consc ious w i l l . Daniel M. Wegner. MIT Press, 2 0 0 3 . 
T ime o f consc ious i n t en t i on t o ac t in re la t ion t o onset o f ce reb ra l a c t i v i t y 
( r e a d i n e s s - p o t e n t i a l ) t h e unconsc ious in i t ia t ion of a f ree ly v o l u n t a r y act . 
Ben jamin L ibet e ou t ros e m Brain, vo l . 106, n° 3, págs. 6 2 3 - 6 4 2 , s e t e m b r o 
de 1983. 
23 
Mensagens 
secretas 
Propagandas com estímulos subliminares podem influenciar 
nosso comportamento? Estudos recentes apontam que sim, 
mas apenas em circunstâncias bastante específicas 
por Wolfgang Stroebe 
A história de anúncios publicitários com con-teúdos ocultos se assemelha a um roteiro de programa de televisão. Na vida real, um dos personagens principais dessa história é 
James M. Vicary, pesquisador da áreade marketing. Em 
12 de setembro de 1957, ele convocou a imprensa para 
anunciar os resultados de uma experiência incomum. 
Ao longo de seis semanas, durante o verão anterior, ele 
disparou as frases "Coma pipoca" e "Beba Coca-Cola" 
por 3 milésimos de segundo, a cada cinco segundos, 
em uma tela de cinema de Fort Lee, em New Jersey, en-
quanto telespectadores assistiam ao filme Picnic (exibido 
O AUTOR 
WOLFGANG STROEBE é professor de psicologia social das 
universidades de U t rech t e de Gron ingen, na Holanda. 
no Brasil com o título Férias de amor). As mensagens 
eram muito rápidas para serem lidas, mas o tempo foi 
suficiente para serem registradas no subconsciente dos 
espectadores. Como prova dessa afirmação, ele apresen-
tou dados que indicavam 18% de aumento na venda do 
refrigerante e 5 8 % da pipoca no cinema. 
O público reagiu com fúria. As descobertas de Vicary 
foram ao encontro de um medo popular da época: de 
que consumidores pudessem ser manipulados. A ideia 
de anúncios transmitidos de forma subliminar (abaixo 
do limiar da consciência) soava como lavagem cerebral. 
Em 5 de outubro de 1957, três semanas após esse even-
to, Norman Cousins, editor-chefe do Saturday Review, 
escreveu o artigo "Subconsciente manchado", no qual 
criticou campanhas publicitárias destinadas a "entrar 
nas partes mais profundas e privadas da mente huma-
24 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
na, deixando terríveis marcas e arranhões". 
A Agência Central de Inteligência (CIA, na 
sigla em inglês) não demorou para emitir 
um relatório sobre o potencial operacional 
da percepção subliminar. O livro The hidden 
persuaders (Novas técnicas de convencer, 
Ibrasa, 1959), do jornalista Vance Packard, 
que descreve as alegações de Vicary em de-
talhes, rapidamente se tornou um sucesso 
de vendas. Em resposta à pressão pública, 
o governo do Reino Unido, o da Austrália 
e a Associação Nacional de Emissoras, nos 
Estados Unidos, proibiram propagandas 
com mensagens escondidas. 
Porém, apesar de toda comoção, ficou 
constatado que o experimento era uma frau-
de. Diversos pesquisadores tentaram sem 
sucesso replicar as descobertas anunciadas 
por Vicary. Cinco anos depois, ele reconhe-
ceu que seu experimento era um "artifício". 
Sua confissão, no entanto, recebeu muito 
menos atenção do que seu golpe publicitá-
rio inicial. Muitas pessoas, principalmente 
na Europa e nos Estados Unidos, onde a 
divulgação inicial teve grande repercussão, 
continuaram a acreditar que a publicidade 
subl iminar poderia moldar a escolha do 
consumidor, apesar de todas as evidências 
mostrarem o contrário. 
Recentemente, porém, psicólogos come-
çaram a apontar que, em algumas situações 
específicas, mensagens subliminares podem 
sim redirecionar nossas decisões, embora 
não da forma como Vicary propôs. Essas 
informações na verdade não excedem ou 
comandam nossas intenções e vontades. 
Pelo contrário, os cientistas acreditam que 
estamos suscetíveis a sugestões extrema-
mente breves apenas em c i rcunstâncias 
bastante limitadas. Devido à rapidez com 
que esses estímulos passam pelos circuitos 
da memória, praticamente na mesma velo-
cidade com que piscam em uma tela, não 
provocam efeitos além de reforçar objetivos 
imediatos ou incl inações naturais. 
DE TRÁS PARA A FRENTE 
Nas décadas após a experiência de Vicary, 
comerciantes, políticos, diretores de cinema 
e até mesmo serviços oficiais tentaram usu-
fruir os benefícios da persuasão subliminar 
- mas sem sucesso mensurável. As táticas 
seguiam o modelo de Vicary: embutirflashes 
de milissegundos de palavras ou imagens 
em filmes. Por exemplo, em 1978, a estação 
de TV Wichita, do Kansas, recebeu permis-
são da polícia para mostrar de maneira su-
bliminar a frase "Ligue para a polícia agora" 
durante uma notícia sobre o assassino em 
série Dennis Rader, conhecido como BTK - a 
aposta era que o próprio criminoso se sen-
tisse compelido a se entregar. Infelizmente, 
ele só foi capturado 27 anos depois. 
Em 2000, as mensagens subliminares en-
traram na corrida presidencial dos Estados 
Unidos. Em uma das campanhas do Partido 
Republicano a palavra "rats" (ratos) aparece 
rapidamente em um quadro sobre o candi-
dato democrata Al Gore. Embora o termo 
seja um fragmento da frase "bureaucrats 
decide" (burocratas decidem), as quatro últi-
mas letras surgem na tela 30 milissegundos 
antes do restante. Apesar de o candidato 
republicano George W. Bush ter alegado 
se tratar de um incidente, o comercial foi 
rapidamente tirado do ar. 
Um presente dos deuses 
O fenómeno do culto à carga aparece em sociedades tribais 
quando entram em contato com a civilização industrializada. 
Surge com o fato de os nativos observarem grupos ociden-
tais, geralmente militares, recebendo suprimentos - alimen-
tos, medicamentos, cobertores etc. - por barcos e aviões. 
Sem compreender a origem dessa carga tão bem-vinda, os 
nativos acabam atribuindo sua chegada a causas sobrenatu-
rais. Muitas vezes grupos imitam ritualisticamente a forma 
de andar e se vestir dos grupos industrializados na esperança 
de também receber o benefício. Há registro de grupos que 
abriram clareiras na selva imitando aeroportos e construindo 
rádios, fones de ouvido e inclusive falsos aviões de madeira 
que serviriam como isca para atrair a atenção das entidades 
"doadoras". O primeiro caso que se tem registro foi o movi-
mento nas ilhas Fiji, em 1885, mas ocorreram vários outros, 
inclusive na Amazónia. (Da redação) 
26 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
Outras campanhas polémicas envolve-
ram a técnica backmasking (conhecida no 
Brasil como mensagem ao contrário), em 
que palavras ditas de trás para a frente são 
gravadas em uma faixa de áudio. Os defen-
sores do método alegam que mensagens 
invertidas agem de maneira subliminar nos 
ouvintes. Na década de 80, muitos grupos 
religiosos americanos temiam que algumas 
bandas usassem backmasking para transmi-
tir ensinamentos satânicos. 
Duas famí l ias , al iás, chegaram a pro-
cessar o músico britânico Ozzy Osbourne 
alegando que frases ao contrário em suas 
canções incentivaram seus filhos a cometer 
suicídio. Os tribunais recusaram os casos, 
assim como ações semelhantes contra a 
banda de rock Judas Priest, porque não 
foram encontradas evidências suficientes 
da ação da backmasking. Diversos estudos 
comprovam que a técnica não deixa vestí-
gios mensuráveis na memória. Ainda assim, 
em 1983 a prática foi proibida na Cal ifórnia. 
Também na década de 80, o mercado de 
fitas cassete de autoajuda com mensagens 
subliminares gravadas na direção correta 
começa a florescer. No entanto, em 1991 
o psicólogo Anthony G. Greenwald e seus 
colegas da Universidade de Washington 
demonstraram que essas gravações também 
eram ineficazes. Para chegar a essa conclu-
são, Greenwald e sua equipe solicitaram 
a 237 voluntários que escutassem música 
clássica gravada com dicas subliminares 
para aumentar autoconfiança ou memória 
(uma etiqueta identificava a finalidade), dia-
riamente, durante cinco dias. O que eles não 
sabiam é que a informação estava trocada 
em metade dos cassetes. Os pesquisadores 
relataram que ouvir a fita não provocou efei-
to nem na memória nem na autoconfiança 
dos participantes do experimento. Os volun-
tários, porém, disseram sentir melhora na 
autoestima ou na capacidade de armazenar 
informações (de acordo com a identificação 
na fita que receberam) - possivelmente por 
estarem sugestionados pelo que acredita-
vam estar desenvolvendo, o que os manteve 
mais atentos a essas habilidades. 
Para muitos c ientistas a exper iência 
foi suficiente para encerrar o assunto. Em 
1992, o psicólogo Anthony R. Pratkanis, da 
Universidade da Cal ifórnia, Santa Cruz, um 
dos coautoresdo estudo da fita cassete, 
escreveu que a crença na eficácia da per-
suasão subliminar oferece um exemplo do 
VEJA ISSO, COMPRE 
A Q U I L O : e s t u d o s 
recen tes s u g e r e m 
que m e n s a g e n s 
escond idas nos 
i n f l u e n c i a m da 
m e s m a f o r m a que 
es t ímu los amb ien ta i s ; 
a r o m a d e ca fé f resco 
p o d e a u m e n t a r 
nosso ape t i t e , 
che i ros c í t r i cos 
c o s t u m a m favo rece r 
p e n s a m e n t o s sob re 
l impeza e ce r tos 
t i p o s d e mús ica 
t e n d e m a a fe ta r o 
que c o m p r a m o s e m 
uma loja 
27 
Are we ali brainwashed? Or, have we iost our minds? 
PRSGMflliílG 
^^ f^ jp . i L^FFJ/VARRICK 
TERROR SEM 
MOTIVO: cena 
d o d o c u m e n t á r i o 
sensacional is ta 
Programming the 
nation ( P r o g r a m a n d o 
a nação) , lançado 
e m o u t u b r o de 2011, 
no qua l era fe i ta a 
pe rgun ta : "Nossa 
men te está sendo 
man ipu lada?" 
que o físico Richard Feynman chamou de 
ciência do culto à carga (cargo-cultscience), 
em referência ao fenómeno encontrado em 
sociedades tribais, que encontram "carga" 
a partir de uma cultura tecnologicamente 
avançada e criam rituais em torno disso 
(veja quadro na pág. 20). Segundo definição 
de Feynman (extraída de parte de um discur-
so no Instituto de Tecnologia da Cal ifórnia, 
em 1974) a ciência do culto à carga se asse-
melha à ciência real e aparentemente tem 
objetividade e experimentação cuidadosa. 
Porém, falta algo fundamental: ceticismo. 
Ao longo da década de 90, o campo de pes-
quisa de mensagens subliminares ficou em 
silêncio, sendo relegado ao reino da refle-
xologia, percepção extrassensorial e outras 
disciplinas não científicas. 
Durante a últ ima década, no entanto, 
psicólogos voltaram a se interessar pelo 
assunto e a produzir trabalhos com resul-
tados intrigantes. Em 2001, o psicólogo Ap 
Dijksterhuis e seus colegas da Universidade 
Radboud Nijmegen, na Holanda, e poste-
riormente da Universidade de Amsterdã, 
submeteram um grupo de alunos a um 
teste computadorizado de atenção: na tela 
piscavam sílabas sem sentido e palavras 
como "Coca" e "beba". Em seguida, os pes-
quisadores ofereceram Coca-Cola e água 
mineral aos voluntários. De fato, os partici-
pantes foram mais propensos a aceitar uma 
das duas bebidas; no entanto, não pediram 
refrigerante com mais frequência. Um ano 
depois, Joel e Grant Cooper, da Universida-
de de Princeton, replicaram o experimento 
adicionando as palavras "sede" e imagens 
de latas de Coca-Cola em um episódio de Os 
Simpsons. Mais uma vez ficou constatado 
que não houve diferença significativa em 
comparação com um grupo controle, que 
não recebeu o estímulo. 
C H Á GELADO 
Para entender por que as mensagens subli-
minares ajudaram a deixar os participantes 
mais sedentos (mas não necessariamente 
inclinados a beber Coca-Cola), considere o 
que acontece quando entramos numa loja 
de conveniênc ia em busca de algo para 
matar a sede. Primeiramente, precisamos 
acessar em nosso cérebro o nome de uma 
bebida. Se você costuma consumir Coca, é 
provável que esteja imune a qualquer suges-
tão subliminar para comprar outra marca. 
Mas se vez ou outra você opta por um chá 
gelado, por exemplo, mensagens abaixo do 
nível da consciência podem deixar o nome 
da marca (pelo menos temporariamente) 
mais acessível em sua memória, o que pode 
influenciar sua escolha. 
Decidimos testar a teor ia de que a 
marca Coca-Cola é imune aos efeitos de 
estímulos subliminares porque está profun-
damente impressa na memória da maioria 
das pessoas. Em um estudo de 2006, os 
psicólogos Jasper Claus, da Universidade 
de Utrecht, John Karremans, da Univer-
sidade Radboud, e eu sol icitamos a um 
grupo de voluntários que executasse uma 
tarefa de atenção usando um computador. 
Metade dos participantes foi bombardeada 
com flashes de 23 milissegundos com as 
palavras "Lipton ice". (Com base em um 
questionário, havíamos determinado o chá 
28 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
Uma coisa puxa outra 
0 priming é um efeito experimental que se refere à 
influência que um evento antecedente (prime) tem 
sobre o desempenho de um evento posterior (alvo). 
Nesse método, supõe-se que unjia palavra possa ser 
acessada mais rapidamente se precedida por outra 
com a qual ela partilhe características semânticas 
(médico/hospital), fonológicas (hora/oca), ou morfo-
lógicas (dança/dançarino). 
gelado como adequado para nossos propó-
sitos: é uma boa escolha para matar a sede, 
mas não é a primeira opção da maioria das 
pessoas.) E metade visualizou sílabas sem 
sentido na mesma velocidade. Em seguida, 
todos deveriam escolher entre chá gelado e 
água mineral . Como esperado, o primeiro 
grupo optou com maior frequência pelo 
Lipton Ice. Mais uma vez, como no estu-
do anterior, ficou constatado que apenas 
voluntár ios com sede reagem assim, caso 
contrário a marca do produto registrado 
na m e m ó r i a não faz diferença. 
Em um segundo estudo, metade dos 
voluntários consumiu algumas gotas de sal 
(sem que soubesse) antes de assistir a uma 
propaganda com mensagens subliminares 
- o objetivo era deixá-los com vontade de 
beber algo. Desses, uma parte relatou estar 
com sede, 8 0 % decidiram tomar Lipton Ice. 
No grupo controle, cerca de 3 0 % (com sede) 
e 2 0 % (sem sede) escolheu a bebida. Em um 
estudo de 2011, os psicólogos Thijs Verwij -
meren, Daniel Wigboldus, Karremans e eu 
refinamos esses resultados e demonstramos 
que o priming subliminar (veja quadro na 
pág. 22) funcionou só em pessoas que esta-
vam com sede e gostavam da bebida mas 
não a tomavam regularmente. Não conse-
guimos influenciar aqueles que disseram 
que o chá gelado era sua bebida favorita. 
Os resultados podem explicar, pelo menos 
em parte, por que pesquisas anteriores, 
geralmente envolvendo a marca Coca-Cola, 
não conseguiram demonstrar efeitos subli-
minares em relação à escolha da marca. Há 
décadas esse refrigerante é a bebida prefe-
rida de estudantes universitários, público 
geralmente recrutado por pesquisadores. 
Além disso, estes estudos geralmente não 
levam em conta os diferentes níveis de sede. 
Outros pesquisadores apontam v u l -
nerabil idade semelhante entre pessoas 
cansadas. Em um estudo de 2009, a psi-
cóloga alemã Christina Bermeitinger, da 
Universidade de Saarland (atualmente da 
Universidade de Hildesheim), em parceria 
com seus colegas da Universidade da Aus-
trál ia Ocidental recrutou voluntários para 
participar de um estudo sobre os efeitos 
causados na c o n c e n t r a ç ã o pela droga 
dextrose. Os pesquisadores criaram duas 
marcas f ict íc ias de pí lulas e projetaram 
logotipos diferentes que foram apresenta-
dos de maneira subliminar a metade dos 
participantes enquanto jogavam em um 
computador. Durante alguns intervalos, 
os cientistas ofereceram aos voluntários 
p í lu las de dextrose etiquetadas com as 
marcas falsas. Os cientistas constataram 
que aqueles que relataram se sentir mais 
cansados demonstraram maior incl inação 
em relação à marca disparada de maneira 
subliminar no jogo. 
DEPENDE DO 
QUE VOCÊ QUER: 
v o l u n t á r i o s d e e s t u d o 
o p t a r a m p o r t o m a r 
chá g e l a d o e m vez de 
água , mas o e fe i t o fo i 
mais e v i d e n t e en t re 
os p a r t i c i p a n t e s q u e 
es tavam c o m sede 
ANIMAÇÕES COMO 
MADAGÁSCAR 
são usadas e m 
e x p e r i m e n t o para 
esclarecer a in f luênc ia 
de in fo rmações 
perceb idas fora d o 
l imi te da consc iênc ia 
As pesquisas sugerem que a vulnerabi-
lidade depende de diversos fatores, como 
necessidades físicas e hábitos. A mudança 
subliminar repentina (subliminal revulsion), 
um efeito relacionado, também pode ser 
desencadeada em condições específ icas. 
Demonstramos isso em um estudorecente, 
em que projetamos de maneira subliminar 
as palavras "Lipton Ice" em algumas sequ-
ências da animação Madagáscar e em outras 
do perturbador filme sobre dependentes 
de heroína Trainspotting. Em seguida, ofe-
recemos o chá gelado ou água mineral aos 
participantes. Os voluntários que assistiram 
ao primeiro (e disseram estar com sede) op-
taram com maior frequência pelo Lipton Ice. 
Mas, entre aqueles que viram Trainspotting, 
a taxa foi menor. Mais uma vez, constatamos 
que mensagens subliminares influenciam 
somente voluntários com sede. 
LAVAGEM CEREBRAL NO MERCADO 
A ideia de que somos influenciados por pro-
pagandas subliminares ainda assusta muita 
gente. Pesquisas na área ainda são tabus 
e recebem p o u q u í s s i m o f inanc iamento. 
Programming the nation (Programando a 
nação), um documentár io sensacionalista 
lançado em outubro de 2011, indagava: "So-
fremos lavagem cerebral? Perdemos nossa 
mente?". Esse terror, porém, não se justifi-
ca. Certamente ninguém gosta de se sentir 
manipulado, mas o fato é que tudo ao nosso 
redor influencia nossas escolhas o tempo 
todo e muitas vezes não nos damos conta 
disso. O aroma do café fresco pode nos in-
duzir a querer um expresso, e a visão de um 
bolo de chocolate nos fazer salivar. Nossos 
estudos recentes indicam que mensagens 
subliminares influenciam o comportamento 
da mesma maneira que estímulos ambien-
tais. Pessoas com sede são mais receptivas 
a sugestões subliminares em relação a uma 
bebida, assim como alguém com fome tem 
maior probabilidade de exagerar nas com-
pras no supermercado. 
Em um estudo de 2005, o psicólogo Rob 
Holland e seus colegas da Universidade Rad-
-boud decidiram testar a força de influências 
ocultas do dia a da. Os pesquisadores pediram 
a 56 alunos que listassem cinco atividades 
que pretendiam realizar durantes os próxí-
30 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 
mos dias. Metade dos participantes realizou 
a tarefa em uma sala com cheiro cítrico de 
limpador multiuso, e metade em um ambien-
te inodoro. O primeiro grupo não relatou per-
ceber qualquer aroma. E, mesmo assim, 3 6 % 
escreveu que planejava limpar o apartamen-
to. Já no outro grupo, apenas 11% considerou 
fazer faxina. Os pesquisadores acreditam 
que o odor a u m e n t o u a acessibi l idade 
cognitiva do objetivo de limpeza. No entanto, 
os c i e n t i s t a s não sabem se de fato os 
voluntários concluíram a tarefa, que pode ter 
se perdido na memória em meio a assuntos 
mais urgentes que vieram à tona, como 
estudar para as provas. 
De f a t o , esse tipo de sugestão não 
dura muito tempo na memória . Gatilhos 
ambientais parecem ser mais potentes em 
cenár ios onde podemos atuar imediata-
mente, o que os torna úteis em certos pon-
tos comerciais. Lojas de departamento dis-
param mús icas natalinas para nos deixar 
mais suscetíveis ao "espírito" de troca de 
presentes e aumentar as vendas. Em 1993, 
os economistas Charles Areni e David Kim, 
pesquisadores da Universidade Técnica do 
Texas, apontaram outra maneira em que 
a mús ica pode alterar o comportamento. 
Durante algumas semanas, os cientistas 
acompanharam as vendas em uma loja de 
vinhos, que alternou o som ambiente com 
faixas de m ú s i c a clássica, como As quatro 
estações, de Antonio Vivaldi, e canções de 
bandas populares, como Fleetwood Mac. O 
tipo de som não teve nenhuma inf luência 
sobre o número total de garrafas vendi-
das. No entanto, os clientes que ouviram 
música erudita compraram bebidas mais 
caras em relação àqueles que escutaram 
o estilo pop. 
Os hábitos de pessoas que comem fora 
de casa também parecem variar de acor-
do com est ímulos musicais. O psicólogo 
Adrian-North, na época da Universidade de 
Leicester, na Inglaterra, e seus colegas da 
instituição alternaram o som ambiente de 
um restaurante com música clássica, pop ou 
silêncio, por três semanas. Durante a execu-
ção de música erudita, os clientes gastaram 
em média US$ 45; US$ 40 enquanto escuta-
vam pop; e US$ 39 quando não havia som. 
Em alguns casos, a música de fundo pode 
de fato influenciar escolhas. Em outro ex-
perimento, North e seus colegas expuseram 
uma seleção de quatro vinhos alemães e 
quatro franceses, igualmente caros, em um 
supermercado britânico. Durante alguns 
dias, os cientistas intercalaram canções 
alemãs e francesas no ambiente. Depois, 
entrevistaram os clientes que compraram 
a bebida e descobriram que poucos haviam 
se dado conta de ter escutado alguma m ú -
sica. Aqueles expostos a canções francesas, 
porém, escolheram vinhos da mesma nacio-
nalidade com maior frequência, e o mesmo 
se deu em relação às bebidas alemãs. 
Acreditamos que, assim como a música, 
a publicidade com mensagens abaixo do ní-
vel da consciência pode exercer influência 
em situações imediatas do cotidiano. No 
entanto, para causar efeitos reais teriam de 
ser curtas, aparecer no momento em que 
decidimos algo e estarem relacionadas às 
nossas intenções imediatas ou aos nossos 
hábitos. Os resultados sugerem que é im-
provável que anúncios publicitários com 
conteú-dos subliminares possam induzir 
consumidores a c o m p r a r determinada 
marca dias depois. 
Nossos estudos revelam que, na prática, 
mensagens escondidas são menos potentes 
ou aterrorizantes do que se acreditava no 
passado. E, em algumas ocasiões, podem 
até ser benéficas. Pesquisas mostram que a 
exposição em milissegundos às palavras "fu-
rioso" e "relaxado" tende a provocar efeitos 
na frequência cardíaca e na pressão arterial 
de uma pessoa. O subconsciente registra 
diferentes tipos de sugestão e não apenas 
aquilo que interessa aos anunciantes. ® 
PARA SABER MAIS 
The w o r k i n g s and l im i ts o f sub l im ina l adve r t i s i ng : t h e ro le of hab i ts . Thijs 
Verwi jmeren, Johan C. Karremans, Wo l f gang St roebe e Daniel H. J. W igbo ldus 
e m Journal of Consumer Psychology, vol . 21, no 2, págs. 206-213, abri l de 2011. 
The h i d d e n persuaders b reak in to t he t i r e d b ra in . Chr is t ina Bermei t inger , 
Ruben Goelz, Nad ine Johr, Manf red Neumann , Ul l r ich K. H. Ecker e Robe r t 
Doerr e m Journal of Experimental Social Psychology, vo l . 45 , no 2, págs. 
3 2 0 - 3 2 6 , 2 0 0 9 . 
Beyond vicary 's fantasies: t he impac t of sub l imina l p r im ing and b rand cho ice . 
Johan C. Karremans, W o l f g a n g S t roebe e Jasper Claus e m Journal of Expe-
rimental Social Psychology, vo l . 42 , no 6, págs. 792-798, n o v e m b r o de 2 0 0 6 . 
On t h e p s y c h o l o g y o f d r i n k i n g : b e i n g t h i r s t y and pe rcep tua l l y ready. Henk 
Aar ts , A p Di jksterhuis e Peter De Vries e m British Journal of Psychology vo l . 
92, págs 631-642, 2 0 0 1 . 
Outras vozes 
Segundo algumas estimativas, cinco em cada 100 pessoas já 
tiveram alguma alucinação auditiva, um sintoma nem sempre 
associado a transtornos psiquiátricos. Isolamento social ou 
eventos traumáticos podem desencadear o fenómeno 
por Bettina Thrãenhardt 
De repente, a lguém gritou seu nome: "Isa-bela!". Intrigada, a mulher deu uma volta pela casa em busca da voz misteriosa. A sala estava vazia. Ninguém nos quartos, na 
cozinha ou no banheiro. No quintal apenas o cachorro. 
Ela estava realmente a sós. Isabela sentiu um calafrio. 
E quem não sentiria? De fato, a alucinação auditiva é 
um sintoma comum em algumas doenças psiquiátri-
cas, como a esquizofrenia. No entanto, nem todos que 
passam por essa experiência têm necessariamente um 
distúrbio mental. O filósofo grego Sócrates e a heroína 
francesa Joana d'Arc diziam ouvir vozes, assim como o 
psiquiatra suíço Carl Jung e o artista plástico americano 
Andy Warhol. 
O fenómeno já foi interpretado segundo diversos 
costumes e culturas. No século 12, a abadessa e f i ló-
sofa Hildegarda de Bigen ignorou a hierarquia ecle-
s iást

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