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I EDIÇÃO ESPECIAL SCIENTIFIC AMERICAN A N O X I mente cérebro p s i c o l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u r o c i ê n c i a 5 4 • Poder da intuição • Mensagens subl iminares • O própr io c o r p o d e s c o n h e c i d o • Pa lavras que nos s u r p r e e n d e m • D e s e j o s ocu l tos • • o • • • • • 3 o • • • o • • o • • • • Conhecimento e informação a um dique. Na Loja Segmento você tem acesso a conteúdo de qualidade sobre os mais variados assuntos, da gestão de pessoas à matemática no dia a dia, do universo da beleza profissional aos mistérios da mente humana. 0 que você precisa para ampliar sua visão de mundo está em nossas revistas, livros, DVDs, eventos e cursos. Acesse e confira. l0EJsegmento w w w . l o j a s c g m e n t o . c o m . b r carta da editora Em algum lugar da mente Deitada no divã, uma paciente diz: "Por que eu fiz aquilo? Sei lá!" E eu penso que se ela sabe "lá" é sinal de que em algum lugar de si mesma ela tem (pelo menos algum) conhecimento que escapa ao óbvio. Há em cada um de nós um universo ao qual nem sempre temos acesso. Basta recordar quantas vezes nos surpreendemos com nossos próprios pensa- mentos, desejos, emoções, reações e palavras - e estra- nhamos esses conteúdos, quase como se não fossem nossos. Ou constatamos o quanto percepções cogniti- vas, visuais, auditivas ou mesmo memórias (que ten- demos, al iás, a crer que sejam mais confiáveis do que realmente são) podem nos enganar. Reconhecer que estamos sujeitos a sensações, per- cepções, sentimentos, anseios, conflitos e sintomas que não compreendemos e dos quais não nos apro- priamos pode ser incomodo - mas é também necessá- rio para o amadurecimento psíquico. E não se trata de desvendar esse universo, mas suportar sua existência. Nesta edição especial de Mente e Cérebro, o psica- nalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo (USP), escreve: "Quando saímos da concep- ção do inconsciente como 'aquelas contas que sei que .tenho de pagar... mas deixo para depois', ou seja, do in- consciente como um saber mais ou menos consciente, k o m o um saber que eu não queria saber, geralmente chamamos essa instância psíquica para nos ajudar a entender por que os outros nos incomodam tanto." Outras abordagens também são temas de artigos que tomam principalmente a psicologia cognitiva e a neuroci- ência como referencial teórico. Em um de seus dois artigos, o pesquisador Christof Koch lança uma pergunta intrigan- te: você está mesmo no comando da sua vida? E recorre à neurobiologia para entender como escolhemos o que chamamos de destino. Em outro texto ele mostra que mais de um século depois de Freud apresentar a polémica ideia de que habita em nós uma instância sobre a qual não temos controle - mas se mostra em nossas ações e pensamentos - muitos cientistas se rendem a essas evidências e buscam compreender a questão do ponto de vista da ciência. Os caminhos são muitos e as possibilidades, múltiplas. O que podemos afirmar, sem sombra de dúvida, é que há em nós um universo desconhecido - e, certamente, espaço para o olhar e a pesquisa embasada em diferentes aborda- gens teóricas. Nas páginas seguintes, é possível mergulhar nesse mundo interno tão desconhecido e ao mesmo tem- po tão íntimo e familiar. Boa leitura. G l á u c i a L e a l Editora-chefe glaucialeal@editorasegmento.com.br sumário Inconsciente - Um estranho na sua cabeça 06 Desejos (que tentamos guardar) longe da consciência por Gláucia Leal Sentimentos reprimidos costumam reaparecer dis- farçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto em situações do dia a dia 10 Inconsciente, o estranho que vive em nós por Christian Ingo Lenz Dunker Que aspecto é esse que nos habita, influencia es- colhas, organiza memórias, desejos e experiências, mas do qual sabemos tão pouco? 16 Você está mesmo no comando da sua vida? por Christof Koch A neurobiologia pode ajudar a entender como esco- lhemos nosso "destino" - mesmo sem perceber que fazemos certas opções 24 Mensagens secretas por Wolfgang Stroebe Propagandas com estímulos subliminares podem influenciar nosso comportamento? Às vezes sim, garantem cientistas mente c é r e b r o PRESIDENTE Edimilson Cardial DIRETORIA Carolina Martinez, Mareio Cardial, Rita Martinez e Rubem Barros DIRETOR EDITORIAL Rubem Barros EDITORA-CHEFE G láuc ia Leal SUBEDITORA Fernanda Teixeira Ribeiro EDITOR DE ARTE João Marcelo Simões ESTAGIÁRIA Jutlyanna Salles (redação) COLABORADORES Roberta Palma (redação), Maria Stella Valli (revisão) PROCESSAMENTO DE IMAGEM Paulo Cesar Salgado ANALISTA DE VENDAS AVULSAS Cinthya Muller PRODUÇÃO GRÁFICA Sidney Luiz dos Santos COMUNICAÇÃO E EVENTOS GERENTE Almir Lopes almir@editorasegmento.com.br ESCRITÓRIOS REGIONAIS: Brasíl ia - Sónia Brandão - (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304 sonia@)editorasegmento.com.br Paraná - Marisa Oliveira - (41) 3027-8490/9267- 2307 -parana@editorasegmento.com.br TECNOLOGIA GERENTE Paulo Cordeiro ANALISTA PROGRAMADOR Diego de Andrade MARKETING/WEB DIRETORA Carolina Martinez ANALISTA DIGITAL AmandaNoronha EVENTOSLila Muniz DESENVOLVEDOR Jonatas Moraes Brito ANALISTAS WEB Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva COORDENADOR DE CRIAÇÃO E DESIGNER Gabriel Andrade ASSINATURAS GERENTE Mariana Monné EVENTOS ASSINATURAS Ana Lúcia Souza VENDAS GOVERNO C láudia Santos VENDASTELEMARKETING ATIVOCleide Orlandoni FINANCEIRO ANALISTA Roseli Santos CONTAS APAGAR Simone Melo FATURAMENTO Weslley Patrik RECURSOS HUMANOS C láudia Barbosa PLANEJAMENTO Cinthya Muller CONTAS A RECEBER Viviane Carrapato Mente e Cérebro é uma publicação mensal da Editora Segmento com conteúdo estrangeiro fornecido por publicações sob licença de Scientific American. Gehirn&Geis Spektrum der Wissenschaft Verlagsgesellschaft, Slevogtstr. 3-5 69126 Heidelberg, Alemanha Editor-chefe: Carsten Kõnneker Gerentes editoriais: Hartwig Hanser e Gerhard Trageser Diretores-gerentes: Markus Bossle e Thomas Bleck 4 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 32 Outras vozes por Bettina Thràenhardt A alucinação auditiva é um sintoma nem sempre associado a transtornos psiquiátricos. Isolamento social ou eventos traumáticos podem desencadear esse quadro >r , 36 Algo errado no coi por Carrie Arnold Um sentido pouco conhecido - e do qual na maioria das vezes sequer nos damos conta - é responsável pela percepção de estímulos internos e externos como calor, fome ou sede 44 O que foi que eu disse? por Carola Bimbi, jornalista científica A troca de palavras e a inversão de sílabas, os cha- mados lapsos verbais, revelam como a linguagem se estrutura além das intenções racionais 48 Sob o olhar da ciência por Christof Koch Um século depois de Freud apresentar a (então) polémica ideia de que existe em nós uma instância sobre a qual não temos controle, cientistas se ren- dem a evidências e buscam estudá-las 52 De repente faz-se a luz por Gúnther Knoblich e Michael Õllinger O insight é uma compreensão repentina e espontâ- nea que permite, de um momento para o outro, en- carar situações de um ângulo diferente do habitual 60 Entrevista - Thomas Goschke por Steve Ayan A fascinante capacidade que nos permite reunir in- formações aparentemente desconexas e usá-las para tomar a melhor decisão 66 O que você sabe sem saber que sabe Memória implícita, que usamos "inconscientemen- te", ao dirigir ou ler, por exemplo, pode ser mais confiável que as lembranças conscientes MENTE E CÉREBRO ON-LINE Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. w w w . m e n t e c e r eb r o . c o m . b r www.facebook.com/mentecerebro w w w . t w i t t e r . c o m / m e n t e c e r e b r o Instagram: (©mentecérebro REDAÇÃO C o m e n t á r i o s sobre o conteúdo editorial, sugestões, cr í t icas às matérias e releases. redacaomec@editorasegmento.com.br tel . : 11 3039-5600 fax: l i 3039-5610 CARTAS PARA A REVISTA MENTE E CÉREBRO: Rua Cunha Gago, 412 - I a andar São Paulo/SP - CEP 05421-001 Cartas e mensagens devem trazer o nome e o endereço do autor. 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Distr ibuição nacional: DINAP S.A. Rua Kenkiti Shimomoto, 1678. 5 Desejos (que tentamos guardar) longe da consciência Há em nossa mente significados codificados, revestidos de metáforas e imagens; sentimentos reprimidos, porém, reaparecem disfarçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto no cotidiano por Gláucia Leal inconsciente é por definição incogno- cível. O psicanalista está, portanto, na posição infeliz de um estudioso daquilo que não se pode conhecer", escreveu Thomas Ogden, em The primitive edge of experience, de 1989. Na verdade, podemos pensar o in- consciente sob duas ópticas. Como adjetivo, é possível associá-lo ao que escapa à consciência, sem estabelecer d i s c r i m i n a ç ã o entre conteúdos dos s istemas pré- consciente e inconsciente. Para melhor compreender, vale observar aqui que a concepção de consciência parece semelhante à de atenção: estamos conscientes daquilo para o que nos voltamos e inconscientes daquilo com que não nos ocupamos. Poderíamos, segundo essa lógica, estar c o n s c i e n t e s de s i t u a ç õ e s e f e n ó m e n o s para os quais voltássemos nossa atenção - entraríamos então no que Freud chamou de pré-consciente. Aquilo para que evitamos dar atenção por acharmos que podem deflagrar perturbação e dor está no inconsciente reprimido. É possível, nesse caso, falar do inconsciente como substantivo, no sentido tópico. Trata-se, assim, de uma instância psíquica, faz parte da primeira teoria do aparelho psíquico desenvolvida por Freud, constituído de material recalcado, não di- retamente acessível à consciência. A consciência pode ser comparada com o que está visível na tela do computador. Te- mos acesso imediato a outras informações "pulando" para outra parte do documento ou mudando de janela. Esse gesto seria aná- logo às partes consciente e pré-consciente da mente. Mas pode ser mais difícil acessar outros conteúdos, pois podem estar cripto- grafados ou atachados, podem exigir senha ou ainda estar sido corrompidos, de modo que a informação esteja embaralhada e, portanto, incompreensível . A ideia de que guardamos motivações sobre as quais não temos controle (e, por vezes, nem mesmo, ciência) traz à tona a hi- pótese que oferece consistência a compor- tamentos e v ivências que, de outra forma, pareceriam completamente incoerentes. Freud se deu conta de que lapsos verbais e de escrita, falhas da memória, ações con- fusas e outros equívocos podem ser, em um nível mais profundo, não casuais - mas inconscientemente intencionais. Para ele, os sonhos constituem um caminho privi- legiado para o inconsciente, embora não seja possível desvendá-los completamente. Da mesma forma que os sonhos, outras formas de c o m u n i c a ç ã o podem apresentar representações de desejos e observações Características da mente oculta (*) Impulsos ou ideias incompatíveis podem existir simultaneamente sem parecer contraditórios. É aceitável que amor e ódio se expressem ao mesmo tempo, sem que haja discordância. Os significados podem ser facilmente deslocados de uma imagem para outra. Muitos significados podem ser reu- nidos em uma única imagem; é o que chamamos de condensação. Processos inconscientes são atem- porais e as ideias não têm ordem cronológica. Conteúdos referentes a anos atrás podem surgir misturados aos mais recentes. O inconsciente independe do mundo externo, representa a rea- lidade psíquica, interna. Por isso, sonhos e alucinações são percebi- dos como reais. (*) Identificadas por Freud no texto O inconsciente, de 1915. 8 I m e n t e c é r e b r o inconscientes que empregam os mesmos mecanismos onír icos. Os significados in- conscientes são codificados, revestidos de metáforas e imagens. Um exemplo muito comum disso se dá em situações em que sentimos raiva, mas reprimimos essa emo- ção por sabermos que desencadeará senti- mentos dolorosos e em especial quando é dirigida a alguém com quem temos relação mais próxima. Assim, os sentimentos re- primidos são disfarçados e deslocados - e aparecem, por exemplo, quando criticamos outra pessoa. É possível pensar na seguinte situação: a orientadora de pesquisa de uma jovem avisa que vai ausentar-se do país durante um período crítico do trabalho. A estudante pode até compreender, de forma sincera, as razões da orientadora. Mas, prosseguindo a conversa, ela fala de um caso que ouvira: uma mãe havia deixado o filho pequeno sozinho em casa para fazer compras, a cr iança acordou e terminou se ferindo ao cair da escada. A mensagem inconsciente é clara: a orientadora é tida como a mãe negligente, a aluna é o filho desprotegido. A queda faz alusão ao risco que ela julga correr. C o n s c i e n t e m e n t e , a garota fala c o m o a d u l t a , mas i n c o n s c i e n t e m e n t e se ressente com a orientadora que não cumpre a função de mãe. Cabe considerar que a consciência tem gradações. Vivências infantis que evocaram grande vergonha ou culpa podem ficar tão abafadas que se torna muito difícil resgata- das, sendo possível ter apenas indícios desse material. Já uma introspecção momentânea, aliada a alguma capacidade psicológica de tolerar o desconforto de lidar com algum conteúdo que estava inconsciente, pode levar o desejo que parecia escondido ao pleno co- nhecimento. Do mesmo modo, no decorrer de uma terapia psicanalítica na qual o pacien- te é encorajado a falar e pensar com maior liberdade para estabelecer associações, seus anseios e temores tendem a se aproximar, gradualmente, da consciência. ® PARA SABER MAIS O es t ranho (1919). S i g m u n d Freud. Obras C o m - pletas. Imago , 1985. Freud e o homem da areia • Em 1919 Freud escreveu o ensaio das Unheimliche, na maioria das vezes traduzido para o português como O estranho e, mais recentemente, por Paulo César de Souza, direto do alemão (e publicado pela Companhia das Letras), como O inquietante. Souza reconhece, porém, que é "desnecessário chamar a aten- ção do leitor para a insuficiência desse termo". Em seu texto, o criador da psicanálise nãotrata propriamente do inconsciente, mas de temas de afins, como castração, compulsão à repetição, pulsão de morte, narcisismo e o duplo, tomando como ponto de partida o conto de E. T. de A.Hoffman, O homem da areia. Para Freud, o estranhamento tem origem em traumas da infância, é recalcado no inconsciente e se torna algo, de alguma forma, "fa- miliar" e ao mesmo tempo "suspeito"; ele chega à conclusão de que o inquietante é algo já conhecido, enclausurado no incons- ciente - e quando vem à tona causa sensação de medo, terror, estranheza. O conto de Hoffman revela estreita ligação entre o medo de perder os olhos com a castração na fase edípica. Nes- sa época, "poetas e escritores já dominavam um pensamento diferente daquele racional imposto pela ciência positivista que Freud bem articulou à nova ciência humana emergente, a psica- nálise", escreve a psicanalista Sandra Edler, na apresentação de livro Freud e o estranho, organizado por Bráulio Tavares (Casa da Palavra, 2007). "A qualquer momento podemos nos confrontar com um episódio estranho, sem explicação à primeira vista, e por isso mesmo perturbador; mas Freud nos lembra que vamos acabar por reencontrá-lo ou ainda reviver a inquietante sensa- ção de estranheza que experimentamos." (C. L.) Inconsciente, o estranho que vive em nós Que aspecto é esse que nos habita, influencia escolhas, mas do qual sabemos tão pouco? Essa intrigante instância psíquica organiza memórias, desejos e experiências que preferimos esquecer ou dos quais não queremos saber - e se revela em sonhos, amores, desejos e fantasias por Christian Ingo Lenz Dunker Tempos atrás recebi um paciente que começou a falar sobre suas dificuldades no trabalho: - E além de tudo esse cara quer patronizarl Repeti para ele a curiosa palavra que emer- giu, provavelmente, como sugestiva combinação entre padronizar epatrão. Ele se referia a um colega de trabalho que queria que tudo fosse feito de modo meticulosamente correto. Mas o tal chato não era seu chefe de fato, apenas agia como tal. Ele poderia ter dito, simplesmente, que o colega se achava patrão, ou que ele era um seachão - uma pessoa arrogante, que "se acha" e se comporta como se fosse superior às demais. Mas ele não disse isso, o que OAUTOR CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER é psicanal ista, professor livre-docente do Ins t i tu to de Psicologia da Univers idade de São Paulo (USP). teria sido de toda sorte trivial. Patronizar emergia, assim, como uma possível formação do inconsciente combinan- do desejos contrários nesta troca de um "d" por um "t". Para minha surpresa ele responde: - Ah! Foi só um ato falho. O que eu queria dizer é padronizar. - Sim, um ato falho. Aqui é o lugar... análise, lembra? - Mas foi inconsciente! - Sim, justamente, por isso quero saber o que você vai fazer com seu ato falho. - Mas é inconsciente. Eu queria dizer... - Entendi o que você queria dizer. Estou interessado no que você disse. - Vocês psicanalistas querem ver sentido em tudo! ^ Assim não dá. - T á bom, vou patrocinar seu ato falho então. (Ele havia | 10 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a OUTRA CONVERSA: segundo Lacan, animais não t ê m inconsc ien te não pe lo fa to de se rem i r rac ionais e m u i t o menos po rque estão p r i vados de a fe tos e emoções , mas exc lus ivamente p o r q u e não fa lam me dito antes que detestava quando os ou- tros pagavam as contas para ele fazendo-se sentir incapaz de se virar sozinho.) - Como assim patrocinar? - Você prefere paitrocínio? (Eu sabia que o pai de meu paciente tinha um papel importante na posição que ele ocupava na tal empresa.) - T á bom, vou ver o que consigo associar, antes que aconteça um latrocínio por aqui... O caso ilustra como nosso entendimento sobre o inconsciente pode funcionar para neutralizar suas incidências reais. Ilustra também como o inconsciente não admite "genérico" - a própria pessoa tem de asso- ciar, por si mesma, para saber do que cada emergência do inconsciente é feita. Porém, o mais incrível - e contraditório em relação às origens históricas do inconsciente - é que essa instância passou a servir de subterfúgio e desculpa para as coisas com as quais não temos (ou não queremos ter) responsabilida- de alguma. Em inglês, "ato falho" passou a se cha mar/rei/ dian slip (escorregão freudiano) e a ideia de que existam intenções, organizadas ao modo de um roteiro ou de uma "agenda secreta" dentro de nós, tornou-se convencio- nalmente admitida. Como se não tivéssemos de pagar a conta pelas "obras" que nosso inconsciente produz com (e contra) nossas vidas. O inconsciente tornou-se uma espécie de catástrofe ecológica: sabemos que ela exis- te, vai acontecer e nos levará a todos para o buraco, mas poucos realmente se dedicam a fazer alguma coisa com a situação. Quando saímos da concepção do incons- ciente como "aquelas contas que sei que tenho de pagar... mas deixo para depois", ou seja, do inconsciente como um saber mais ou menos consciente, como um saber que eu não queria saber, geralmente cha- mamos essa instância psíquica para nos ajudar a entender por que os outros nos incomodam tanto. O filósofo francês Jean- -Paul Sartre escreveu que o "inferno são os outros". Nós estamos em uma época em que o inferno é o inconsciente do outro. E ele nos atrapalha porque não é só um saber, mas um fazer, um ato (no sentido de um ato falho), mas também de uma prática continuada. É aquele que diz "sei muito bem o que estou fazendo... mas vou continuar a fazê-lo assim mesmo". PÓNEI MALDITO Essas são duas das concepções pré-freudia- nas de inconsciente: um hábito irreflexivo e um saber inconsequente. Algo entre a complacência e o cinismo. Quando aparece do meu lado peço para ele dormir mansinho 12 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a como um pónei maldito, mas quando vem do lado "do outro" parece um Jason de Sexta-feira 13 que não descansa nem mor- re jamais. É nesta linha que dizemos que aquele motorista que "barbariza" no trân- sito é um "recalcado"; aquele que não tem piedade é um "perverso", sem falar naquela mistura de complicação com inconstância que c h a m a m o s , p ó s - m o d e r n a m e n t e , de histérica. Muitas operações neurocerebrais envolvendo, por exemplo, memória, emo- ções e tomadas de decisão ocorrem sem que possamos ter consciência delas. Outras tantas estruturas sociais, como linguagem, ideologia e trocas entre sistemas simbólicos ocorrem sem que exista um "fantasma na máquina" comandando com sua mão invi- sível as cordas do destino. Ora, o inconsciente freudiano não é apenas a inconsc iência , no sentido da não consciência ou no sentido de uma outra c o n s c i ê n c i a . Entre o inconsciente a céu aberto com suas profundezas obscuras e o inconsciente exposto a trovoadas, que nos atinge com um raio irracional, há espaço para uma d imensão produtiva e positiva. Nesse sentido, podemos dizer que o incons- ciente é algo simultaneamente descoberto e inventado, uma vez que é um sistema que organiza nossas memórias, desejos e expe- riências que pretendemos esquecer ou dos quais não queremos saber. Ele existiu desde sempre, desde que sonhamos, amamos ou fantasiamos. O psicanalista Jacques Lacan acrescentou que há inconsciente desde que falamos com os outros. Os animais não têm inconsciente não porque não são racionais, ou porque não tenham consciência e muito menos porque estão privados de afetos e emoções - mas exclus ivamente porque não falam. Mas se o inconsciente sempre existiu qual é a novidade da psicanál ise? Na verdade, o que Freud inventou foi uma forma de usar o inconsciente para alguma coisa - aliviar o sofrimento psíquicoe os s intomas, de modo a tornar a vida das pessoas mais interessante e, quiçá, menos dolorosa. Ele criou um método para ler o in- consciente e libertar o desejo do qual ele é feito usando uma maneira reduzida e muito mais concentrada de inconsciente que se chama transferência. Após algum tempo de anál ise, muitas pessoas se perguntam, surpresas, "o que acontece", ao percebe- rem que passaram a agir de forma menos repetitiva e mais autónoma, sem, contudo, saber precisar de forma exata os momentos nos quais se deram as transformações. É o inconsciente que "acontece" entre analista e analisando. Com essa constatação, Freud mudou também nosso entendimento do que é uma patologia mental. Note que a mesma neutral ização do inconsciente se dá com o que chamamos de "psicológi- co". Uma pessoa que pensa estar sendo fulminada por um ataque cardíaco recebe a agradável notícia de que aquela "tempes- tade" em meio à taquicardia, sentimento iminente de morte e pânico, é apenas... psicológica. De novo estamos diante desse saber que "não quer dizer nada". Agora, considere o problema do ponto de vista de quem está vivendo a situação: quando a "trovoada inconsc iente" vem para o lado do "inconsciente a céu aberto", aí temos problemas, que podemos chamar de sintomas. Eles chovem em nossa vida, erodindo o chão onde pisamos, tornando nosso caminho um lodaçal sem f im. SEXUAL, INFANTIL, RECALCADO Se o inconsciente sempre existiu, o que Freud inventou foi um método de tratamen- to usando o inconsciente como hipótese de trabalho e reforçando a ideia de que esse aspecto psíquico é algo que ocorre na relação entre pessoas, na forma como nós nos interpretamos e nos entendemos - ou nos desentendemos. Podemos pensar que o inconsciente tem três capítulos principais: o sexual, o infantil e o recalcado. São as três figuras deste estranho que nos habita: o vizinho lascivo que "só pensa naquilo", o passado de enganos e ilusões e a amnésia deliberada para coisas desagradáveis. O prefácio do inconsciente é a inconsciência e o epílogo eu não posso contar porque seria antecipar o final e estragar o desfecho. Muito se discute por que a psicanálise insiste no fato de que o inconsciente tem uma inflexão sexual, quando há tantas coisas mais interessantes e proveitosas na vida. É m u i t o m a i s f á c i l a d m i t i r que o inconsciente está ligado à infância. Neste caso precisamos deixar o passado para trás e ir em frente. Sempre em frente, diz nossa consciência desejante. Mas existem lemas dos quais nos valemos. Há um, bastante usado no exército: "Que ninguém seja deixado para trás". E outro, frequente no senso comum: "Para que ficar remoendo o passado?". Alguns pacientes usam o conceito de inconsciente - ou de autoconhecimento - para se desculpar pelo próprio desejo. Não raro, essas mesmas pessoas remoem o futuro que jamais acontece. Por outro lado, há uma afirmação que perdeu a graça: somos todos crianças, que mal há nisso? O sentido regressivo, histórico e temporal do incons- ciente é uma de suas facetas mais anacrónicas para nossa cultura. A ideia de que estamos fixados em algum lugar do passado, que nossa liberdade e au- tonomia são limitadas por certas disposições infantis, que existem fantasias inconscientes das quais podemos nos envergonhar, nos culpar ou nos agredir perdeu muito de sua popularidade diante da erotização da infância, do narcisismo da adolescência ou da covardia corporativa do adulto. Mas, curiosamente, DESCONFORTO SUBMERSO: g rande par te dos nossos con teúdos psíqu icos são inacessíveis ao p r ó p r i o conhec imen to ; apesar de "escond idos " , su rgem d is farçados e in f luenc iam nossas escolhas. Recen temente , ao pesquisar a ação de neurot ransmissores, o ps iqu ia t ra Eric Kandel , ganhado r d o Nobe l de med ic ina e m 2000, c o m p r o v o u que o inconsc ien te t e m t a m b é m o pape l de in tensi f icar as e m o ç õ e s e sensações de angúst ia que pa rec iam ocu l tas Carl Jung lembrou-nos de nossas aspirações à transcendência. Alfred Adler fala da impor- tância do poder. Wilhelm Reich ressalta que temos uma sexualidade muito mais "prática" e "económica" do que a proposta por Freud. Fritz Pearls e Levy Moreno tentaram dizer que somos mais criativos e ficcionais do que nosso inconsciente poderia pretender. Pierre Janet e Jean Piaget insistiam que a realidade ou o pensamento podem ser mais decisivos que a sexualidade. Sem falar dos teóricos que reivindicam um entendimento mais social e coletivo, contrariando interesses individua- listas e egoístas do inconsciente freudiano. É verdade, pensamos em sexo muito mais do que estamos dispostos a admitir. E quando não pensamos, a sexualidade se impõe, às vezes de forma inesperada. Há algo, porém, que precisa ser observado: o que c h a m a m o s de s e x u a l i d a d e em p s i c a n á l i s e é sempre mais amplo, mais c o m p l e x o , m a i s d e f o r m a d o do que parece. Teima em aparecer em tudo o que colocamos dentro do condomínio fechado do "não sexual". Talvez o que chamamos de "sentido", nos referindo ao que "faz ou não sentido", seja também mesmo textu- rizado sexualmente. 14 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a essa é uma daquelas ideias que fracassam quando triunfam. Sob certos aspectos, nossa educação parece ser equipada com blinda- gem antitrauma. A capacidade de desculpar alguém por sua "infância infeliz" deu à luz o masoquismo da vítima levado à condição de axioma político. Nossos ideais e heróis adquiriram a espessura moral de uma Barbie repleta de segurança, cuidado e busca cons- tante de autossatisfação. A terceira dimensão do inconsciente, o recalcamento, é o conteúdo que se oculta em deformações simbólicas, repetições reais ou em subtrações imaginárias, desejáveis e indesejáveis. Esta parece ser a face mais atual do inconsciente, pois estamos todos um tanto desconfortáveis quanto ao que "realmente que- remos" em um mundo de múltiplas ofertas de destinos e consumo de experiências. E isso só pode acontecer porque estamos escondendo, em algum lugar, o que seria a essência de nosso desejo e a verdade de nosso ser. Esse incons- ciente cheio de signos e símbolos, repleto de trocas reveladoras, que usa seus truques para desvendar segundas intenções naqueles anti- gos livros dos sonhos, não está mais à venda nas bancas de jornal. Agora ele está disponível em banda larga nos manuais para decodificar a dança da sedução, entender a linguagem secreta das entrevistas de emprego ou realizar a viagem interna para aprender as sete leis es- pirituais do sucesso. Até a hermenêutica de si perdeu a vergonha e está se apresentando com métricas de resultados. Toda mensagem que demore mais de cinco segundo para revelar do que é feita está errada, é proibida ou depende de alguma central telefónica mal intencionada. Tudo está tão "acessível" que enferrujamos a prática da intimidade, montamos greve geral contra o trabalho de decifração e tomamos toda experiência de sentido precário e incerto com desconfiança. Resumo: o inconsciente sexual tornou-se trivial por excesso de oferta, o inconsciente infantil tornou-se inútil porque serve como desculpa moral generalizada e o inconsciente recalcado não assusta mais ninguém porque nossa vida "líquida" tornou tudo transparente. Será mesmo? Ledo engano. O inconsciente não é a inconsciência. A inconsciência se resolve pela atenção, pelo cuidado e pela MUNDOS ESTRANHOS: para Freud, sonhos são a "via régia para o inconsciente". Segundo ele, po rém, aqui lo de que nos lembramos ao acordar é resultado da elaboração onírica, resultante da passagem d o con teúdo latente para uma representaçãoconsciente, o que impl ica u m processo de de formação daqui lo que está escondido em nossa mente. Para que esse "disfarce" ocorra, os e lementos são fundidos, combinados, des locados e os pensamentos, expressos e m palavras, sensações e pr inc ipa lmente imagens crítica, o inconsciente não se resolve. Não é um estado patológico, como a gripe ou a dor de dente, que um dia vai nos deixar em paz. Só que se você não cuida, escuta ou presta atenção ao seu inconsciente, é como se ele inchasse, apodrecesse e começasse a exalar um mau cheiro insuportável. E não há como extraí-lo, amputá-lo. Ele veio para ficar como uma dor no ombro que melhora, mas não cura (nem com a prática de pilates todo dia), como uma sombra que não larga seu dono. Daí o lema freudiano: "Ali onde há inconscien- te, lá preciso fazer um sujeito". ® PARA SABER MAIS Freud : uma le i tura a tua l . Rosine J. Perelberg e coí. A r t m e d , 2012. O es t ranho (1919). S i g m u n d Freud . Obras Comple tas . Imago, 1985. O inconsc ien te (1915). S i g m u n d Freud. Obras Comp le tas . Imago, 1985. As ps icoses. Jacques Lacan. O Seminár io. Livro 3. Zahar, 1985. Você está mesmo no comando da sua vida? Cientistas pesquisam como nossas decisões são controladas por aspectos físicos e psíquicos dos quais nem sempre temos consciência. A neurobiologia pode ajudar a entender como escolhemos nosso destino por Christof Koch O AUTOR CHRISTOF KOCH é diretor científ ico do Insti tuto Al len de Ciências do Cérebro, em Seattle, e professor de biologia compor tamenta l cognit iva do Insti tuto de Tecnologia da * Califórnia. Adap tado de Consciência: confissões de um reducionista romântico, por Christof Koch.© Insti tuto de Tecnologia de Massachusetts, 2012. Todos os direitos reservados. I 16 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a 17 m um canto remoto do Universo, em um pequeno planeta azul gravitando em ^ ^ ^ ^ | torno de um sol monótono, nos distritos • I exteriores da Via Láctea, organismos surgiram da lama e do lodo primordial em uma longa luta pela sobrevivência. Apesar de todas as evidências desfavoráveis, essas criaturas bípedes se consideram ex- tremamente privilegiadas, ocupando um lugar privilegia- do em um cosmos de um trilhão de trilhões de estrelas. Vaidosos, muitos desses seres incorrem no ledo engano de acreditar que somente eles podem escapar da lei de ferro da causa e efeito que rege tudo. E pensam que podem agir assim por se valer de algo que chamam de livre-arbítrio, essa capacidade de tomar decisões. Mas será que somos mesmo tão livres em nossas escolhas? A questão não é meramente uma ironia filosófica, mas nos diz respeito como poucas outras da metafísica. Trata-se, na verdade, do alicerce das noções de sociedade, res- ponsabilidade, reconhecimento e culpa. Em últ ima análise, diz respeito ao grau de controle que exercemos sobre nossa vida. Pense numa situação prática. Imagine que você vive com alguém amoroso, encantador e está satisfeito com sua vida afetiva. Ou, pelo menos, era o que pensava até encontrar, casualmente, um estranho que lhe desperta grande atração e deixa sua vida de cabeça para baixo. Vocês conversam por horas no telefone, compartilham segredos mais íntimos e iniciam um jogo de sedução. Por outro lado, você percebe perfeitamente que tudo isso é errado do ponto de vista ético e pode causar estragos na vida de várias pessoas. Além disso, não há nenhuma garantia de um futuro feliz e produtivo se continuar essa história. No entanto, algo em você anseia por mudança. Até que ponto de fato há interesse em resolver a situação? Esse tipo de escolha nos confronta com valores e desejos. Em princípio, você acha que pode terminar tudo. Mas, ape- sar de diversas tentativas, de alguma forma nunca consegue. Por que será? Embora a filosofia tenha trazido grandes contribuições para o debate sobre o livre— -arbítrio, podemos focar nas respostas - ainda que parciais - da psicologia, da física e da neurobiologia sobre esse antigo enigma. TONS DE LIBERDADE Recentemente, participei de um j ú r i no Tribunal Distrital dos Estados Unidos, em Los Angeles. O réu era um membro de uma gangue de rua que contrabandeava e trafica- va drogas. Ele era acusado de assassinar um colega de quarto com dois tiros na cabeça. Enquanto a cena do crime era discutida com parentes e membros atuais e passados da gangue (alguns algemados e vestidos com macacão laranja de prisioneiro), eu pensava sobre as forças individuais e so- ciais que moldaram aquele rapaz, sentado na cadeira do réu. Alguma vez ele teve es- colha? A educação violenta que recebeu o transformou em assassino? Felizmente, o júri não foi chamado para responder a esses questionamentos complexos ou determinar a punição. Tivemos apenas de decidir, mes- mo com alguma dúvida, se acreditávamos que ele seria culpado da acusação: atirar em certa pessoa num determinado lugar e numa ocasião específica. Foi o que fizemos. De acordo com o que alguns chamam de livre-arbítrio, um conceito articulado por René Descartes no século 17, somos livres se, em circunstâncias idênticas, podemos agir de formas diferentes. Condições análogas se referem não só a fatos externos, mas também a estados mentais. Assim, a mente pode escolher com autonomia, permitindo que a consciência expresse seus desejos, as- sim como um motorista que guia um carro pode optar por qual estrada prefere ir. Esse é um dos pontos de vista mais aceitos pelo senso comum. Agora, compare essa forte noção de liberdade com uma concepção mais prag- mática chamada "compatibilismo", a visão dominante em alguns círculos biológicos, psicológicos, jurídicos e médicos. Segundo essa ideia, somos livres se podemos seguir 18 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a nossos próprios desejos e preferências. Por exemplo, um fumante de longo prazo que tenta parar, mas reincide, não é livre - seu desejo é frustrado pela dependência. Se- gundo essa definição, poucos de nós somos totalmente livres. São raras as pessoas "autónomas" que me vêm à mente: Mahatma Gandhi, com sua força de aço, deixava de comer por se- manas a fio por um propósito ético elevado. Também o monge budista Thich Quang Duc, que cometeu autoimolação para protestar contra o regime repressivo no sul do Vietnã, em 1963. A natureza calma e deliberada de seu ato heróico, capturada por fotografia, é a s s o m b r o s a . Enquanto queima até a morte, Duc permanece na posição de lótus meditativo, sem mover um m ú s c u l o ou emitir qualquer som, enquanto as chamas o consomem. Para o resto de nós que, muitas vezes, luta para não comer a sobremesa, a liberdade é sempre uma questão de grau, e não um bem absoluto que temos ou não. UNIVERSO M E C Â N I C O O direito penal reconhece casos de respon- sabilidade diminuída. O marido que bate no amante de sua mulher até a morte durante um ataque cego de fúria depois de pegar o casal em flagrante é considerado menos culpado do que se tivesse premeditado uma vingança semanas mais tarde. O norueguês Anders Breivik, que disparou a sangue-frio contra mais de 60 pessoas, em julho de 2011, foi diagnosticado como esquizofréni- co paranóico. Considerado um criminoso insano, será confinado em uma instituição psiquiátrica. A sociedade contemporânea e o sistema judicial são construídos a partir dessa noção pragmática e psicológica de liberdade. Mas é possível ir mais fundo e investigar as causas por trás de ações tradi- cionalmente consideradas "livres". Em 1687, o célebre físico e matemático in- glês Isaac Newton publicou a obra Principia, com três volumes, na qual enunciou a lei da gravitação universal e as três leis domovi- mento. A segunda lei de Newton relaciona a força trazida a um sistema (por exemplo, uma bola de bilhar rolando sobre o feltro ver- de da mesa) à sua aceleração. Esse postulado tem consequências profundas, pois implica que posições e velocidade de todos os com- ponentes que constituem uma entidade, em qualquer momento particular, juntamente com a força entre eles, determinam inalte- PLUTÃO IMPREVISÍVEL: d e v i d o ao seu p e q u e n o t a m a n h o , a ó r b i t a d o p lane ta está su je i ta a pequenas f l u t u a ç õ e s g rav i tac iona is . Por isso, os c ien t i s tas não p o d e m prever o n d e estará d a q u i a a l gumas eras PARA O FILÓSOFO RENÉ DESCARTES, somos l ivres q u a n d o , e m c i rcunstânc ias idênt icas, p o d e m o s escolher agir de d i fe rentes fo rmas; p o r é m o de te rm in i smo , a ideia de que t odas as par t ícu las d o Un iverso seguem um c o n j u n t o de t ra je tór ias , desaf ia essa concepção ravelmente o destino dessa unidade - isto é, sua futura localização e velocidade. Essa é a essência do determinismo. A massa, a local ização e a velocidade dos planetas (que viajam em suas órbitas ao redor do Sol) estabelecem onde estarão em mil, um milhão ou bilhão de anos a partir de hoje, contanto que todas as forças que agem sobre eles sejam devidamente con- tabi l izadas. Uma vez em movimento, o Universo segue seu curso inexorável, como um relógio. O caos d e t e r m i n í s t i c o , porém, é um grande choque contra essa noção de que o futuro pode ser previsto com precisão. O meteorologista Edward Lorenz, morto em 2008, deparou com esse complexo sistema enquanto resolvia três equações matemáti - cas simples que caracterizam o movimento da atmosfera. A solução prevista pelo pro- grama de computador variava muito quan- do inseria valores iniciais que diferiam em pequenas quantidades. Essa é a marca do caos: irregularidades infinitesimais em pon- tos de partida das equações conduzem a re- sultados radicalmente diferentes. Em 1972, Lorenz cunhou o termo "efeito borboleta" para designar essa extrema sensibilidade às condições iniciais: o bater de asas de uma borboleta cria ondulações quase impercep- tíveis na atmosfera que, finalmente, alteram o caminho de um tornado em outro lugar. Extraordinariamente, essa dependência sensível às condições iniciais foi encontra- da nas engrenagens celestes, o resumo do universo m e c â n i c o . Planetas movem-se majestosamente, impulsionados pela rota- ção inicial da nuvem que formou o sistema solar. Foi uma incrível surpresa descobrir, por meio da modelagem computacional, na década de 90, que Plutão tem uma órbita caótica, com um tempo de divergência de milhões de anos. Astrónomos não podem afirmar se o planeta estará desse ou do outro lado do Sol (em relação à posição da Terra) daqui a 10 milhões de anos! Se a incerteza vale para um objeto com uma composição interna relativamente simples, que se move no vácuo do espaço sob uma única força, a gravitacional, imagine tentar prever o destino (influenciado por fatores incalculáveis) de uma pessoa ou de uma minúscula célula nervosa. ORIGENS DA INCERTEZA No entanto, o caos não invalida a lei natu- ral de causa e efeito. Ele continua a reinar. Físicos planetários podem ter dúvidas sobre onde Plutão estará em algumas eras, mas têm certeza de que sua órbita será comple- tamente dependente da gravidade para sem- pre. O que se rompe no caos não é a cadeia de ação e reação, mas a previsibilidade. O Universo é um relógio gigantesco, mesmo que não tenhamos certeza para onde os minutos e as horas vão apontar daqui a uma semana. O golpe m o r t a l c o n t r a a t e o r i a de Newton foi o célebre princípio da incerteza da mecânica quântica, formulado por Wer- ner Heisenberg em 1927- O enunciado impõe restrições à precisão com que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares de observáveis em nível subatômi- co. Basicamente, ele afirma que qualquer partícula, por exemplo um fóton de luz ou um eletro, não pode ter posição e impulso definidos ao mesmo tempo. Se a velocidade é precisa, a posição é correspondentemente 20 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a mal definida, e vice-versa. O princípio da in- certeza de Heisenbergé uma ruptura radical com a física clássica, substituindo a certeza dogmática pela ambiguidade. Considere um experimento em que há 9 0 % de probabilidade de um elétron estar aqui e 10% lá. Se a experiência for repetida mil vezes, em aproximadamente 900 a par- tícula estará numa posição e 100 noutra. O resultado estatístico, porém, não esta- belece onde o elétron estará na próxima verificação. Albert Einstein nunca pôde se reconciliar com esse aspecto aleatório da natureza. Foi nesse contexto que disse "Deus não joga dados". O Universo tem um caráter irredutível, aleatório. Se fosse um relógio, suas engrena- gens, molas e alavancas não seriam fabrica- das na Suíça, pois não seguem um caminho definido. O determinismo físico foi substitu- ído pelo determinismo das probabilidades. Nada mais é certo. Mas espere! Há sérias objeções. Não há dúvida de que o mundo macroscópico da experiência humana é construído sobre o mundo quântico microscópico. No entanto, isso não implica que objetos do cotidiano, como os carros, herdam todas as propriedades misteriosas da mecânica quântica. Quando estaciono meu miniconversível vermelho, sua velocidade é zero em relação ao solo. Ele é extremamente pesado em comparação com um elétron, portanto a imprecisão associada à sua posição é, para todos os efeitos, nula. Automóveis têm estruturas internas rela- tivamente simples. Já o cérebro de abelhas, cães beagles e meninos, é extremamente diferente: os componentes que o constituem têm um caráter frenético. A aleatoriedade é evidente em todos as regiões do sistema ner- voso, desde neurónios sensoriais receptores de imagens e aromas até células neurais mo- toras que controlam os músculos do corpo. Não podemos descartar a possibilidade de que a indeterminação quântica também leva à indefinição comportamental. A aleatoriedade pode desempenhar um pa- pel funcional. Uma mosca perseguida por um predador que faz uma virada de voo abrupta e repentina tem mais chances de ver a luz do dia por mais tempo do que um inseto mais previsível. É provável que a evolução favoreça circuitos que exploram a aleatoriedade quân- tica para certos atos ou decisões - e tanto a mecânica quântica quanto o caos determinís- tico levam a resultados imprevisíveis. DE PRONTIDÃO Deixe-me voltar a terra firme e falar sobre um experimento clássico que convenceu muita gente de que o livre-arbítrio é uma ilusão. O estudo foi feito no início de 1980 pelo neuropsicólogo Benjamin Libet, da Uni- versidade da Califórnia em São Francisco. O cérebro e o mar têm algo em comum: ambos são incessantemente agitados. Um eletroencefalograma (EGG) permite visua- lizar esse alvoroço por meio das pequenas flutuações do potencial elétrico (de alguns milésimos de volts) na parte de fora do couro cabeludo. Assim como um sismógrafo, o tra- çado do EGG se move freneticamente, regis- trando tremores invisíveis do córtex. Sempre que a pessoa testada está prestes a mover um membro, um potencial elétrico (ou de pronti- dão, como os cientistas chamam) aumenta. O fenómeno precede o início real do movimento por um ou mais segundos. INTERDEPENDÊNCIA: o t e r m o " e f e i t o b o r b o l e t a " fo i c u n h a d o p o r E d w a r d Lorenz , e m 1972, para des igna r a e x t r e m a sens ib i l i dade às l igações q u e os seres e os f e n ó m e n o s t ê m uns c o m os o u t r o s : o ba te r de asas cr iao n d u l a ç õ e s quase impe rcep t í ve i s na a t m o s f e r a que , f i na lmen te , a l t e r a m o c a m i n h o d e u m t o r n a d o e m o u t r o lugar d o p l ane ta O cérebro e o mar têm algo em comum: ambos são constantemente agitados em alguma parte; exames de imagem revelam pequenas flutuações do potencial elétrico neurológico I n t u i t i v a - mente, acredita- mos numa certa sequência de even- tos que leva a um ato v o l u n t á r i o . Quando decidimos levantar uma das mãos, o cérebro comunica essa in- tenção aos neuró- nios responsáveis pelo planejamen- to e execução dos m o v i m e n t o s re- lacionados. Essas c é l u l a s n e u r a i s transmitem os comandos apropriados para as motoras, que por sua vez contraem os músculos do braço. Libet, porém, não se convenceu desse processo. Não seria mais provável que o cérebro agisse ao mesmo tempo que a mente? Ou até mesmo antes? O neuropsicólogo decidiu determinar o momento em que acontece um evento men- tal, quando uma pessoa toma uma decisão deliberada, e compará-lo com o tempo de um evento físico, o início do potencial de prontidão após a decisão. Ele projetou numa tela um ponto de luz brilhante que girava em círculo, como a ponta do ponteiro dos minutos do relógio. Um grupo de voluntários, submetido a um exame de EGG com eletro- dos, deveria flexionar o pulso espontânea e deliberadamente. Os participantes agiram no momento em que prestaram atenção à posi- ção da luz, quando se tornaram conscientes da necessidade de fazer algo. Os resultados foram inequívocos e refor- çados por experiências posteriores. O início do potencial de prontidão antecede a decisão consciente de agir por meio segundo ou mais. O cérebro age antes de a mente decidir! A des- coberta é uma completa inversão da intuição profundamente arraigada da causação mental. DECISÃO CONSCIENTE Se quiser, pode tentar repetir a experiên- cia: flexione os pulsos. Você experimenta três sent imentos relacionados (mas di - ferentes): o planejamento para se mover (intenção), sua disposição (um sentimento que os especialistas chamam "de autoria") e a sensação provocada pelo movimento em si. Mas se um amigo dobra sua mão você v ivência somente o movimento, ou seja, não se sente responsável pela ação. Essa ideia, não raro, é negligenciada nos debates sobre l ivre-arbítr io: o nexo mente- -corpo cria uma experiência específica e consciente de "eu quis isso" ou "sou o autor dessa ação". O psicólogo Daniel Wegner, pesquisador da Universidade Harvard, é um dos pioneiros dos estudos modernos da volição. Em um experimento, ele pediu a uma voluntária que usasse luvas e ficasse na frente de um espe- lho, com os braços pendentes. Um membro do laboratório, vestido de forma idêntica, se posicionou atrás dela, estendendo seus braços sobre as axilas da moça, de modo que quando ela olhasse sua imagem refletida tivesse a impressão de que as mãos eram suas. Os dois usavam fones de ouvido, por meio dos quais Wegner emitia instruções, como "bater palmas" ou "estalar os dedos da mão esquerda". A voluntár ia deveria informar em que medida acreditava que as ações das mãos do assistente do laboratório eram dela. Quando ouvia as coordenadas do psicólogo antes que as mãos alheias se levantassem, relatava maior sensação de ter desejado realizar a ação, em comparação com os momentos em que as instruções de Wegner vinham depois. Diversos neurocirurgiões, acostumados a sondar o tecido cerebral com breves pulsos de corrente elétrica, sublinham a veracidade da sensação de intenção. Em um experimento, o cirurgião Itzhak Fried, da Universidade da Cal ifórnia em Los Ange- les, estimulou a área motora suplementar (situada no córtex cerebral e próxima ao córtex motor primário), desencadeando a necessidade de movimentar um membro. O neurocientista cognitivo Michel Desmurget, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, e a neuropsicóloga Angela Sirigu, do Instituto de Ciência Cognitiva, na França, descobriram algo semelhante ao estimular o córtex parietal posterior, uma área respon- sável por transformar informações visuais 22 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a MONGE BUDISTA THICH Q U A N G DUC, q u e c o m e t e u a u t o i m o l a ç ã o para p ro tes ta r c o n t r a o r e g i m e repress ivo no sul d o V ie tnã , e m 1963: e n q u a n t o q u e i m a a té a m o r t e , e le p e r m a n e c e na pos i ção de ló tus m e d i t a t i v o , s e m m o v e r u m m ú s c u l o ou em i t i r s o m . Para a ma io r i a de nós, q u e mu i tas vezes lu ta para não c o m e r a sob remesa , o d o m í n i o sobre si m e s m o é s e m p r e u m a q u e s t ã o de g rau , não a l g o a b s o l u t o em comandos motores. "Senti que queria mover um dos pés, mas não sei explicar o motivo", disse um dos voluntários. "Fiquei com vontade de rolar a língua pela boca", acrescentou outro. O sentimento surgiu sem que houvesse sugestão do examinador. Com isso, aprendi duas lições. Primeira: uma concepção mais pragmática sobre o l ivre-arbítr io. Eu me esforço para viver o mais livre possível de restrições. A única exceção se refere ao controle deliberado e consciente que me imponho, geralmente motivado por preocupações éticas, como não ferir os outros e tentar deixar o planeta melhor do que encontrei. Outras conside- rações incluem vida familiar, saúde, esta- bilidade financeira e consciência. Segunda: tento entender melhor minhas motivações inconscientes, desejos e medos. Procuro refletir mais profundamente sobre minhas próprias ações e emoções do que quando era mais jovem. O que proponho não é nenhuma novida- de. São lições que homens sábios de diversas culturas ensinam há mi lénios. Os gregos antigos tinham o aforismo seauton gnothi (conhece-te a ti mesmo) inscrito acima da entrada do Templo de Apolo, em Delfos. Os jesuítas mantêm a tradição espiritual de aproximadamente 500 anos, segundo a qual é imprescindível examinar a consciência duas vezes ao dia. Os budistas examinam seus atos quando se sentam para meditar e, a partir daí, refazem o compromisso pessoa de renunciar ao que faz mal e se aproximar daquilo que realmente querem para si. Esse interrogatório interno constante aguça a sensibilidade para nossas ações, vontades e motivações. A atitude permite não só nos compreendermos melhor, mas também vi - vermos mais harmoniosamente conosco e com nossas metas de longo prazo. ® PARA SABER MAIS Human v o l i t i o n : t o w a r d s a neurosc ience o f w i l l . Pat r ick Hagga rd e m Nature Reviews Neuroscience, vo l . 9, págs 9 3 4 - 9 4 6 , d e z e m b r o de 2 0 0 8 . Unconsc ious d e t e r m i n a n t s o f f ree dec is ions in t h e h u m a n bra in . Chun S iong Soon e ou t ros e m Nature Neuroscience, vo l . 11, n° 5, págs. 5 4 3 - 5 4 5 , ma io de 2 0 0 8 . The i l lus ion o f consc ious w i l l . Daniel M. Wegner. MIT Press, 2 0 0 3 . T ime o f consc ious i n t en t i on t o ac t in re la t ion t o onset o f ce reb ra l a c t i v i t y ( r e a d i n e s s - p o t e n t i a l ) t h e unconsc ious in i t ia t ion of a f ree ly v o l u n t a r y act . Ben jamin L ibet e ou t ros e m Brain, vo l . 106, n° 3, págs. 6 2 3 - 6 4 2 , s e t e m b r o de 1983. 23 Mensagens secretas Propagandas com estímulos subliminares podem influenciar nosso comportamento? Estudos recentes apontam que sim, mas apenas em circunstâncias bastante específicas por Wolfgang Stroebe A história de anúncios publicitários com con-teúdos ocultos se assemelha a um roteiro de programa de televisão. Na vida real, um dos personagens principais dessa história é James M. Vicary, pesquisador da áreade marketing. Em 12 de setembro de 1957, ele convocou a imprensa para anunciar os resultados de uma experiência incomum. Ao longo de seis semanas, durante o verão anterior, ele disparou as frases "Coma pipoca" e "Beba Coca-Cola" por 3 milésimos de segundo, a cada cinco segundos, em uma tela de cinema de Fort Lee, em New Jersey, en- quanto telespectadores assistiam ao filme Picnic (exibido O AUTOR WOLFGANG STROEBE é professor de psicologia social das universidades de U t rech t e de Gron ingen, na Holanda. no Brasil com o título Férias de amor). As mensagens eram muito rápidas para serem lidas, mas o tempo foi suficiente para serem registradas no subconsciente dos espectadores. Como prova dessa afirmação, ele apresen- tou dados que indicavam 18% de aumento na venda do refrigerante e 5 8 % da pipoca no cinema. O público reagiu com fúria. As descobertas de Vicary foram ao encontro de um medo popular da época: de que consumidores pudessem ser manipulados. A ideia de anúncios transmitidos de forma subliminar (abaixo do limiar da consciência) soava como lavagem cerebral. Em 5 de outubro de 1957, três semanas após esse even- to, Norman Cousins, editor-chefe do Saturday Review, escreveu o artigo "Subconsciente manchado", no qual criticou campanhas publicitárias destinadas a "entrar nas partes mais profundas e privadas da mente huma- 24 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a na, deixando terríveis marcas e arranhões". A Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) não demorou para emitir um relatório sobre o potencial operacional da percepção subliminar. O livro The hidden persuaders (Novas técnicas de convencer, Ibrasa, 1959), do jornalista Vance Packard, que descreve as alegações de Vicary em de- talhes, rapidamente se tornou um sucesso de vendas. Em resposta à pressão pública, o governo do Reino Unido, o da Austrália e a Associação Nacional de Emissoras, nos Estados Unidos, proibiram propagandas com mensagens escondidas. Porém, apesar de toda comoção, ficou constatado que o experimento era uma frau- de. Diversos pesquisadores tentaram sem sucesso replicar as descobertas anunciadas por Vicary. Cinco anos depois, ele reconhe- ceu que seu experimento era um "artifício". Sua confissão, no entanto, recebeu muito menos atenção do que seu golpe publicitá- rio inicial. Muitas pessoas, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, onde a divulgação inicial teve grande repercussão, continuaram a acreditar que a publicidade subl iminar poderia moldar a escolha do consumidor, apesar de todas as evidências mostrarem o contrário. Recentemente, porém, psicólogos come- çaram a apontar que, em algumas situações específicas, mensagens subliminares podem sim redirecionar nossas decisões, embora não da forma como Vicary propôs. Essas informações na verdade não excedem ou comandam nossas intenções e vontades. Pelo contrário, os cientistas acreditam que estamos suscetíveis a sugestões extrema- mente breves apenas em c i rcunstâncias bastante limitadas. Devido à rapidez com que esses estímulos passam pelos circuitos da memória, praticamente na mesma velo- cidade com que piscam em uma tela, não provocam efeitos além de reforçar objetivos imediatos ou incl inações naturais. DE TRÁS PARA A FRENTE Nas décadas após a experiência de Vicary, comerciantes, políticos, diretores de cinema e até mesmo serviços oficiais tentaram usu- fruir os benefícios da persuasão subliminar - mas sem sucesso mensurável. As táticas seguiam o modelo de Vicary: embutirflashes de milissegundos de palavras ou imagens em filmes. Por exemplo, em 1978, a estação de TV Wichita, do Kansas, recebeu permis- são da polícia para mostrar de maneira su- bliminar a frase "Ligue para a polícia agora" durante uma notícia sobre o assassino em série Dennis Rader, conhecido como BTK - a aposta era que o próprio criminoso se sen- tisse compelido a se entregar. Infelizmente, ele só foi capturado 27 anos depois. Em 2000, as mensagens subliminares en- traram na corrida presidencial dos Estados Unidos. Em uma das campanhas do Partido Republicano a palavra "rats" (ratos) aparece rapidamente em um quadro sobre o candi- dato democrata Al Gore. Embora o termo seja um fragmento da frase "bureaucrats decide" (burocratas decidem), as quatro últi- mas letras surgem na tela 30 milissegundos antes do restante. Apesar de o candidato republicano George W. Bush ter alegado se tratar de um incidente, o comercial foi rapidamente tirado do ar. Um presente dos deuses O fenómeno do culto à carga aparece em sociedades tribais quando entram em contato com a civilização industrializada. Surge com o fato de os nativos observarem grupos ociden- tais, geralmente militares, recebendo suprimentos - alimen- tos, medicamentos, cobertores etc. - por barcos e aviões. Sem compreender a origem dessa carga tão bem-vinda, os nativos acabam atribuindo sua chegada a causas sobrenatu- rais. Muitas vezes grupos imitam ritualisticamente a forma de andar e se vestir dos grupos industrializados na esperança de também receber o benefício. Há registro de grupos que abriram clareiras na selva imitando aeroportos e construindo rádios, fones de ouvido e inclusive falsos aviões de madeira que serviriam como isca para atrair a atenção das entidades "doadoras". O primeiro caso que se tem registro foi o movi- mento nas ilhas Fiji, em 1885, mas ocorreram vários outros, inclusive na Amazónia. (Da redação) 26 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a Outras campanhas polémicas envolve- ram a técnica backmasking (conhecida no Brasil como mensagem ao contrário), em que palavras ditas de trás para a frente são gravadas em uma faixa de áudio. Os defen- sores do método alegam que mensagens invertidas agem de maneira subliminar nos ouvintes. Na década de 80, muitos grupos religiosos americanos temiam que algumas bandas usassem backmasking para transmi- tir ensinamentos satânicos. Duas famí l ias , al iás, chegaram a pro- cessar o músico britânico Ozzy Osbourne alegando que frases ao contrário em suas canções incentivaram seus filhos a cometer suicídio. Os tribunais recusaram os casos, assim como ações semelhantes contra a banda de rock Judas Priest, porque não foram encontradas evidências suficientes da ação da backmasking. Diversos estudos comprovam que a técnica não deixa vestí- gios mensuráveis na memória. Ainda assim, em 1983 a prática foi proibida na Cal ifórnia. Também na década de 80, o mercado de fitas cassete de autoajuda com mensagens subliminares gravadas na direção correta começa a florescer. No entanto, em 1991 o psicólogo Anthony G. Greenwald e seus colegas da Universidade de Washington demonstraram que essas gravações também eram ineficazes. Para chegar a essa conclu- são, Greenwald e sua equipe solicitaram a 237 voluntários que escutassem música clássica gravada com dicas subliminares para aumentar autoconfiança ou memória (uma etiqueta identificava a finalidade), dia- riamente, durante cinco dias. O que eles não sabiam é que a informação estava trocada em metade dos cassetes. Os pesquisadores relataram que ouvir a fita não provocou efei- to nem na memória nem na autoconfiança dos participantes do experimento. Os volun- tários, porém, disseram sentir melhora na autoestima ou na capacidade de armazenar informações (de acordo com a identificação na fita que receberam) - possivelmente por estarem sugestionados pelo que acredita- vam estar desenvolvendo, o que os manteve mais atentos a essas habilidades. Para muitos c ientistas a exper iência foi suficiente para encerrar o assunto. Em 1992, o psicólogo Anthony R. Pratkanis, da Universidade da Cal ifórnia, Santa Cruz, um dos coautoresdo estudo da fita cassete, escreveu que a crença na eficácia da per- suasão subliminar oferece um exemplo do VEJA ISSO, COMPRE A Q U I L O : e s t u d o s recen tes s u g e r e m que m e n s a g e n s escond idas nos i n f l u e n c i a m da m e s m a f o r m a que es t ímu los amb ien ta i s ; a r o m a d e ca fé f resco p o d e a u m e n t a r nosso ape t i t e , che i ros c í t r i cos c o s t u m a m favo rece r p e n s a m e n t o s sob re l impeza e ce r tos t i p o s d e mús ica t e n d e m a a fe ta r o que c o m p r a m o s e m uma loja 27 Are we ali brainwashed? Or, have we iost our minds? PRSGMflliílG ^^ f^ jp . i L^FFJ/VARRICK TERROR SEM MOTIVO: cena d o d o c u m e n t á r i o sensacional is ta Programming the nation ( P r o g r a m a n d o a nação) , lançado e m o u t u b r o de 2011, no qua l era fe i ta a pe rgun ta : "Nossa men te está sendo man ipu lada?" que o físico Richard Feynman chamou de ciência do culto à carga (cargo-cultscience), em referência ao fenómeno encontrado em sociedades tribais, que encontram "carga" a partir de uma cultura tecnologicamente avançada e criam rituais em torno disso (veja quadro na pág. 20). Segundo definição de Feynman (extraída de parte de um discur- so no Instituto de Tecnologia da Cal ifórnia, em 1974) a ciência do culto à carga se asse- melha à ciência real e aparentemente tem objetividade e experimentação cuidadosa. Porém, falta algo fundamental: ceticismo. Ao longo da década de 90, o campo de pes- quisa de mensagens subliminares ficou em silêncio, sendo relegado ao reino da refle- xologia, percepção extrassensorial e outras disciplinas não científicas. Durante a últ ima década, no entanto, psicólogos voltaram a se interessar pelo assunto e a produzir trabalhos com resul- tados intrigantes. Em 2001, o psicólogo Ap Dijksterhuis e seus colegas da Universidade Radboud Nijmegen, na Holanda, e poste- riormente da Universidade de Amsterdã, submeteram um grupo de alunos a um teste computadorizado de atenção: na tela piscavam sílabas sem sentido e palavras como "Coca" e "beba". Em seguida, os pes- quisadores ofereceram Coca-Cola e água mineral aos voluntários. De fato, os partici- pantes foram mais propensos a aceitar uma das duas bebidas; no entanto, não pediram refrigerante com mais frequência. Um ano depois, Joel e Grant Cooper, da Universida- de de Princeton, replicaram o experimento adicionando as palavras "sede" e imagens de latas de Coca-Cola em um episódio de Os Simpsons. Mais uma vez ficou constatado que não houve diferença significativa em comparação com um grupo controle, que não recebeu o estímulo. C H Á GELADO Para entender por que as mensagens subli- minares ajudaram a deixar os participantes mais sedentos (mas não necessariamente inclinados a beber Coca-Cola), considere o que acontece quando entramos numa loja de conveniênc ia em busca de algo para matar a sede. Primeiramente, precisamos acessar em nosso cérebro o nome de uma bebida. Se você costuma consumir Coca, é provável que esteja imune a qualquer suges- tão subliminar para comprar outra marca. Mas se vez ou outra você opta por um chá gelado, por exemplo, mensagens abaixo do nível da consciência podem deixar o nome da marca (pelo menos temporariamente) mais acessível em sua memória, o que pode influenciar sua escolha. Decidimos testar a teor ia de que a marca Coca-Cola é imune aos efeitos de estímulos subliminares porque está profun- damente impressa na memória da maioria das pessoas. Em um estudo de 2006, os psicólogos Jasper Claus, da Universidade de Utrecht, John Karremans, da Univer- sidade Radboud, e eu sol icitamos a um grupo de voluntários que executasse uma tarefa de atenção usando um computador. Metade dos participantes foi bombardeada com flashes de 23 milissegundos com as palavras "Lipton ice". (Com base em um questionário, havíamos determinado o chá 28 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a Uma coisa puxa outra 0 priming é um efeito experimental que se refere à influência que um evento antecedente (prime) tem sobre o desempenho de um evento posterior (alvo). Nesse método, supõe-se que unjia palavra possa ser acessada mais rapidamente se precedida por outra com a qual ela partilhe características semânticas (médico/hospital), fonológicas (hora/oca), ou morfo- lógicas (dança/dançarino). gelado como adequado para nossos propó- sitos: é uma boa escolha para matar a sede, mas não é a primeira opção da maioria das pessoas.) E metade visualizou sílabas sem sentido na mesma velocidade. Em seguida, todos deveriam escolher entre chá gelado e água mineral . Como esperado, o primeiro grupo optou com maior frequência pelo Lipton Ice. Mais uma vez, como no estu- do anterior, ficou constatado que apenas voluntár ios com sede reagem assim, caso contrário a marca do produto registrado na m e m ó r i a não faz diferença. Em um segundo estudo, metade dos voluntários consumiu algumas gotas de sal (sem que soubesse) antes de assistir a uma propaganda com mensagens subliminares - o objetivo era deixá-los com vontade de beber algo. Desses, uma parte relatou estar com sede, 8 0 % decidiram tomar Lipton Ice. No grupo controle, cerca de 3 0 % (com sede) e 2 0 % (sem sede) escolheu a bebida. Em um estudo de 2011, os psicólogos Thijs Verwij - meren, Daniel Wigboldus, Karremans e eu refinamos esses resultados e demonstramos que o priming subliminar (veja quadro na pág. 22) funcionou só em pessoas que esta- vam com sede e gostavam da bebida mas não a tomavam regularmente. Não conse- guimos influenciar aqueles que disseram que o chá gelado era sua bebida favorita. Os resultados podem explicar, pelo menos em parte, por que pesquisas anteriores, geralmente envolvendo a marca Coca-Cola, não conseguiram demonstrar efeitos subli- minares em relação à escolha da marca. Há décadas esse refrigerante é a bebida prefe- rida de estudantes universitários, público geralmente recrutado por pesquisadores. Além disso, estes estudos geralmente não levam em conta os diferentes níveis de sede. Outros pesquisadores apontam v u l - nerabil idade semelhante entre pessoas cansadas. Em um estudo de 2009, a psi- cóloga alemã Christina Bermeitinger, da Universidade de Saarland (atualmente da Universidade de Hildesheim), em parceria com seus colegas da Universidade da Aus- trál ia Ocidental recrutou voluntários para participar de um estudo sobre os efeitos causados na c o n c e n t r a ç ã o pela droga dextrose. Os pesquisadores criaram duas marcas f ict íc ias de pí lulas e projetaram logotipos diferentes que foram apresenta- dos de maneira subliminar a metade dos participantes enquanto jogavam em um computador. Durante alguns intervalos, os cientistas ofereceram aos voluntários p í lu las de dextrose etiquetadas com as marcas falsas. Os cientistas constataram que aqueles que relataram se sentir mais cansados demonstraram maior incl inação em relação à marca disparada de maneira subliminar no jogo. DEPENDE DO QUE VOCÊ QUER: v o l u n t á r i o s d e e s t u d o o p t a r a m p o r t o m a r chá g e l a d o e m vez de água , mas o e fe i t o fo i mais e v i d e n t e en t re os p a r t i c i p a n t e s q u e es tavam c o m sede ANIMAÇÕES COMO MADAGÁSCAR são usadas e m e x p e r i m e n t o para esclarecer a in f luênc ia de in fo rmações perceb idas fora d o l imi te da consc iênc ia As pesquisas sugerem que a vulnerabi- lidade depende de diversos fatores, como necessidades físicas e hábitos. A mudança subliminar repentina (subliminal revulsion), um efeito relacionado, também pode ser desencadeada em condições específ icas. Demonstramos isso em um estudorecente, em que projetamos de maneira subliminar as palavras "Lipton Ice" em algumas sequ- ências da animação Madagáscar e em outras do perturbador filme sobre dependentes de heroína Trainspotting. Em seguida, ofe- recemos o chá gelado ou água mineral aos participantes. Os voluntários que assistiram ao primeiro (e disseram estar com sede) op- taram com maior frequência pelo Lipton Ice. Mas, entre aqueles que viram Trainspotting, a taxa foi menor. Mais uma vez, constatamos que mensagens subliminares influenciam somente voluntários com sede. LAVAGEM CEREBRAL NO MERCADO A ideia de que somos influenciados por pro- pagandas subliminares ainda assusta muita gente. Pesquisas na área ainda são tabus e recebem p o u q u í s s i m o f inanc iamento. Programming the nation (Programando a nação), um documentár io sensacionalista lançado em outubro de 2011, indagava: "So- fremos lavagem cerebral? Perdemos nossa mente?". Esse terror, porém, não se justifi- ca. Certamente ninguém gosta de se sentir manipulado, mas o fato é que tudo ao nosso redor influencia nossas escolhas o tempo todo e muitas vezes não nos damos conta disso. O aroma do café fresco pode nos in- duzir a querer um expresso, e a visão de um bolo de chocolate nos fazer salivar. Nossos estudos recentes indicam que mensagens subliminares influenciam o comportamento da mesma maneira que estímulos ambien- tais. Pessoas com sede são mais receptivas a sugestões subliminares em relação a uma bebida, assim como alguém com fome tem maior probabilidade de exagerar nas com- pras no supermercado. Em um estudo de 2005, o psicólogo Rob Holland e seus colegas da Universidade Rad- -boud decidiram testar a força de influências ocultas do dia a da. Os pesquisadores pediram a 56 alunos que listassem cinco atividades que pretendiam realizar durantes os próxí- 30 I m e n t e c é r e b r o I Inconsciente - um estranho na sua c a b e ç a mos dias. Metade dos participantes realizou a tarefa em uma sala com cheiro cítrico de limpador multiuso, e metade em um ambien- te inodoro. O primeiro grupo não relatou per- ceber qualquer aroma. E, mesmo assim, 3 6 % escreveu que planejava limpar o apartamen- to. Já no outro grupo, apenas 11% considerou fazer faxina. Os pesquisadores acreditam que o odor a u m e n t o u a acessibi l idade cognitiva do objetivo de limpeza. No entanto, os c i e n t i s t a s não sabem se de fato os voluntários concluíram a tarefa, que pode ter se perdido na memória em meio a assuntos mais urgentes que vieram à tona, como estudar para as provas. De f a t o , esse tipo de sugestão não dura muito tempo na memória . Gatilhos ambientais parecem ser mais potentes em cenár ios onde podemos atuar imediata- mente, o que os torna úteis em certos pon- tos comerciais. Lojas de departamento dis- param mús icas natalinas para nos deixar mais suscetíveis ao "espírito" de troca de presentes e aumentar as vendas. Em 1993, os economistas Charles Areni e David Kim, pesquisadores da Universidade Técnica do Texas, apontaram outra maneira em que a mús ica pode alterar o comportamento. Durante algumas semanas, os cientistas acompanharam as vendas em uma loja de vinhos, que alternou o som ambiente com faixas de m ú s i c a clássica, como As quatro estações, de Antonio Vivaldi, e canções de bandas populares, como Fleetwood Mac. O tipo de som não teve nenhuma inf luência sobre o número total de garrafas vendi- das. No entanto, os clientes que ouviram música erudita compraram bebidas mais caras em relação àqueles que escutaram o estilo pop. Os hábitos de pessoas que comem fora de casa também parecem variar de acor- do com est ímulos musicais. O psicólogo Adrian-North, na época da Universidade de Leicester, na Inglaterra, e seus colegas da instituição alternaram o som ambiente de um restaurante com música clássica, pop ou silêncio, por três semanas. Durante a execu- ção de música erudita, os clientes gastaram em média US$ 45; US$ 40 enquanto escuta- vam pop; e US$ 39 quando não havia som. Em alguns casos, a música de fundo pode de fato influenciar escolhas. Em outro ex- perimento, North e seus colegas expuseram uma seleção de quatro vinhos alemães e quatro franceses, igualmente caros, em um supermercado britânico. Durante alguns dias, os cientistas intercalaram canções alemãs e francesas no ambiente. Depois, entrevistaram os clientes que compraram a bebida e descobriram que poucos haviam se dado conta de ter escutado alguma m ú - sica. Aqueles expostos a canções francesas, porém, escolheram vinhos da mesma nacio- nalidade com maior frequência, e o mesmo se deu em relação às bebidas alemãs. Acreditamos que, assim como a música, a publicidade com mensagens abaixo do ní- vel da consciência pode exercer influência em situações imediatas do cotidiano. No entanto, para causar efeitos reais teriam de ser curtas, aparecer no momento em que decidimos algo e estarem relacionadas às nossas intenções imediatas ou aos nossos hábitos. Os resultados sugerem que é im- provável que anúncios publicitários com conteú-dos subliminares possam induzir consumidores a c o m p r a r determinada marca dias depois. Nossos estudos revelam que, na prática, mensagens escondidas são menos potentes ou aterrorizantes do que se acreditava no passado. E, em algumas ocasiões, podem até ser benéficas. Pesquisas mostram que a exposição em milissegundos às palavras "fu- rioso" e "relaxado" tende a provocar efeitos na frequência cardíaca e na pressão arterial de uma pessoa. O subconsciente registra diferentes tipos de sugestão e não apenas aquilo que interessa aos anunciantes. ® PARA SABER MAIS The w o r k i n g s and l im i ts o f sub l im ina l adve r t i s i ng : t h e ro le of hab i ts . Thijs Verwi jmeren, Johan C. Karremans, Wo l f gang St roebe e Daniel H. J. W igbo ldus e m Journal of Consumer Psychology, vol . 21, no 2, págs. 206-213, abri l de 2011. The h i d d e n persuaders b reak in to t he t i r e d b ra in . Chr is t ina Bermei t inger , Ruben Goelz, Nad ine Johr, Manf red Neumann , Ul l r ich K. H. Ecker e Robe r t Doerr e m Journal of Experimental Social Psychology, vo l . 45 , no 2, págs. 3 2 0 - 3 2 6 , 2 0 0 9 . Beyond vicary 's fantasies: t he impac t of sub l imina l p r im ing and b rand cho ice . Johan C. Karremans, W o l f g a n g S t roebe e Jasper Claus e m Journal of Expe- rimental Social Psychology, vo l . 42 , no 6, págs. 792-798, n o v e m b r o de 2 0 0 6 . On t h e p s y c h o l o g y o f d r i n k i n g : b e i n g t h i r s t y and pe rcep tua l l y ready. Henk Aar ts , A p Di jksterhuis e Peter De Vries e m British Journal of Psychology vo l . 92, págs 631-642, 2 0 0 1 . Outras vozes Segundo algumas estimativas, cinco em cada 100 pessoas já tiveram alguma alucinação auditiva, um sintoma nem sempre associado a transtornos psiquiátricos. Isolamento social ou eventos traumáticos podem desencadear o fenómeno por Bettina Thrãenhardt De repente, a lguém gritou seu nome: "Isa-bela!". Intrigada, a mulher deu uma volta pela casa em busca da voz misteriosa. A sala estava vazia. Ninguém nos quartos, na cozinha ou no banheiro. No quintal apenas o cachorro. Ela estava realmente a sós. Isabela sentiu um calafrio. E quem não sentiria? De fato, a alucinação auditiva é um sintoma comum em algumas doenças psiquiátri- cas, como a esquizofrenia. No entanto, nem todos que passam por essa experiência têm necessariamente um distúrbio mental. O filósofo grego Sócrates e a heroína francesa Joana d'Arc diziam ouvir vozes, assim como o psiquiatra suíço Carl Jung e o artista plástico americano Andy Warhol. O fenómeno já foi interpretado segundo diversos costumes e culturas. No século 12, a abadessa e f i ló- sofa Hildegarda de Bigen ignorou a hierarquia ecle- s iást
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