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Unidade I Notas Preliminares

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Direito Penal I
Professor Rafael De Luca
UNIDADE I - NOTAS PRELIMINARES 
1. INTRODUÇÃO 
Talvez a primeira indagação que venha à mente do leitor quando inicia o estudo do Direito Penal seja, a propósito, sua própria denominação. Por que Direito Penal e não Direito Criminal ou outra denominação qualquer? O Brasil, desde que se tornou independente, em 1822, somente utilizou a expressão Direito Criminal uma única vez, em seu Código de 1830 (Código Criminal do Império). Nos demais, passou a adotar a denominação Código Penal para o conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda legislação penal extravagante, desde que esta não disponha expressamente de modo contrário, conforme determina o art. 12 da Parte Geral do Código Penal (Lei n. 7.209/84), assim redigido: 
Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. 
Conforme as lições de Basileu Garcia, criticava-se a expressão Direito Penal porque esta dava ênfase à pena e não abrangia as medidas de segurança, que visam não à punição do agente que cometeu um injusto típico, mas, sim, ao seu efetivo tratamento. Contudo, noticiava ainda o renomado mestre que alguns sustentavam ser "mais apropriado dizer Direito Criminal, porquanto as mencionadas medidas visam a evitar os crimes e pressupõem, em regra, que o seu destinatário tenha praticado algum". 
Nilo Batista, adepto da expressão Direito Penal, justifica sua posição dizendo: "Em primeiro lugar [ ...], a pena é condição de existência jurídica do crime - ainda que ao crime, posteriormente, o direito reaja também ou apenas com uma medida de segurança. Pode-se, portanto, afirmar com Mir Puig que a pena 'não apenas é o conceito central de nossa disciplina, mas também que sua presença é sempre o limite daquilo que a ela pertence. Em segundo lugar, porque as medidas de segurança constituem juridicamente sanções com caráter retributivo, e portanto com indiscutível matiz penal'." 
Embora façamos o estudo de um Direito Penal, não descartamos o uso do vocábulo criminal do nosso sistema jurídico. Por exemplo, o local onde tramitam ações de natureza penal chama-se Vara Criminal; o recurso interposto em virtude de uma decisão proferida por um juízo monocrático é dirigido e submetido ao crivo de uma Câmara Criminal; o advogado que milita na seara penal é conhecido como advogado criminalista. Apesar da discussão existente, a denominação Direito Penal é, ainda, a mais difundida e utilizada, inclusive pela própria Constituição Federal, de 1988, v.g., no art. 22, inciso I.
2. FINALIDADE DO DIREITO PENAL 
A finalidade do Direito Penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou, nas precisas palavras de Luiz Regis Prado, "o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos - essenciais ao indivíduo e à comunidade". Nilo Batista também aduz que "a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena". A pena, portanto, é simplesmente o instrumento de coerção de que se vale o Direito Penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. Com o Direito Penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do Direito. Quando dissemos ser político o critério de seleção dos bens a serem tutelados pelo Direito Penal, é porque a sociedade, dia após dia, evolui. Bens que em outros tempos eram tidos como fundamentais e, por isso, mereciam a proteção do Direito Penal, hoje, já não gozam desse status. Exemplo disso foi a revogação dos delitos de sedução, rapto e adultério, levada a efeito pela Lei n. 11.106, de 28 de março de 2005. A mulher da década de 1940, período em que foi editado nosso Código Penal, cuja parte especial, com algumas alterações, ainda se encontra em vigor, é completamente diferente daquela que participa da nossa sociedade já no século XXI. Hoje, a mulher é voltada para o trabalho; divide, efetivamente, os encargos relativos à manutenção de seu lar juntamente com o marido; atua ativamente na vida política do País, enfim, há uma diferença gritante entre a que viveu na década de 1940, e a deste novo século. Conceitos modificam-se durante o passar dos anos. É por isso que o Direito Penal vive, como não poderia deixar de ser, em constante movimento, tentando adaptar-se às novas realidades sociais. Em virtude dessa constante mutação, bens que outrora eram considerados de extrema importância e, por conseguinte, carecedores da especial atenção do Direito Penal já não merecem, hoje, ser por ele protegidos. Assim, já que a finalidade do Direito Penal, como dissemos, é proteger bens essenciais à sociedade, quando esta tutela não mais se faz necessária, ele deve afastar-se e permitir que os demais ramos do Direito assumam, sem a sua ajuda, esse encargo de protegê-los. Esse raciocínio a respeito da finalidade protetiva de bens jurídicos atribuída ao Direito Penal teve início com Birnbaum, em 1834. Antes dele, Feuerbach afirmava que o Direito Penal tinha por fim proteger direitos subjetivos, pois o delito significava uma lesão de um direito subjetivo alheio. Portanto, desde Birnbaum a doutrina majoritária tem afirmado ser esta a finalidade do Direito Penal. No entanto, atualmente, parte da doutrina tem contestado esse raciocínio, a exemplo do Prof. Günther Jakobs, que afirma que o Direito Penal não atende a essa finalidade de proteção de bens jurídicos, pois, quando é aplicado, o bem jurídico que teria de ser por ele protegido já foi efetivamente atacado. Para Jakobs, o que está em jogo não é a proteção de bens jurídicos, mas, sim, a garantia de vigência da norma, ou seja, o agente que praticou uma infração penal deverá ser punido para que se afirme que a norma penal por ele infringida está em vigor. Conforme destacado por Guillermo Portilla Contreras, para Jakobs, "o essencial no Direito Penal não é a proteção de bens jurídicos senão a proteção de normas, dado que os bens se convertem em jurídicos no momento em que são protegidos normativamente"; e continua dizendo que "o delito já não se caracterizará pelo conceito de dano social, senão pelo de infidelidade ao ordenamento, e a pena cumprirá a missão de confirmar o mandato jurídico como critério orientador das relações sociais". Apesar da posição do emérito catedrático da Universidade de Bonn, prevalece aquela a respeito da finalidade protetiva de bens que é atribuída ao Direito Penal. Consequentemente, se o Direito Penal tem por fim proteger bens jurídicos, não pode ocorrer a criação típica sem que algum bem esteja sendo por ele tutelado. Merece destaque, no entanto, a advertência levada a efeito por André Estefam, quando aduz que "a missão crucial do jurista do Direito Penal, muito mais do que simplesmente definir o que é bem jurídico, deve ser encontrar quais são os limites para a sua proteção por meio das normais penais". Indo mais além, podemos dizer que também faz parte dessa missão conter a "fúria legislativa", ou seja, o desejo incontido do legislador de criar tipos penais, proibindo ou impondo determinados comportamentos cujos bens não mereciam ser protegidos pelo direito penal, mas, sim, por outros ramos do ordenamento jurídico menos radicais do que aquele.
3. A SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICO-PENAIS 
Sendo a finalidade do Direito Penal a proteção dos bens essenciais ao convívio em sociedade, deverá o legislador fazer a sua seleção. Embora esse critério de escolha de bens fundamentais não seja completamente seguro, pois que nele há forte conotação subjetiva, naturalda pessoa humana encarregada de levar a efeito tal seleção, podemos afirmar que a primeira fonte de pesquisa encontra-se na Constituição. Os valores abrigados pela Constituição, tais como a liberdade, a segurança, o bem-estar social, a igualdade e a justiça, são de tal grandeza que o Direito Penal não poderá virar-lhes as costas, servindo a Lei Maior de norte ao legislador na seleção dos bens tidos como fundamentais. A Constituição exerce, como veremos mais adiante, duplo papel. Se de um lado orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade, por outro, segundo a concepção garantista do Direito Penal, impede que esse mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos, violadores de direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana, também consagrados pela Constituição. Nesse sentido são as lições de André Copetti, quando assevera: "É nos meandros da Constituição Federal, documento onde estão plasmados os princípios fundamentais de nosso Estado, que deve transitar o legislador penal para definir legislativamente os delitos, se não quer violar a coerência de todo o sistema político-jurídico, pois é inconcebível compreender-se o direito penal, manifestação estatal mais violenta e repressora do Estado, distanciado dos pressupostos éticos, sociais, econômicos e políticos constituintes de nossa sociedade".
 
4. CÓDIGOS PENAIS DO BRASIL 
Depois da proclamação da Independência, em 1822, e depois de ter-se submetido às Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, o Brasil editou, durante sua história, os seguintes Códigos: 
- Código Criminal do Império do Brasil, aprovado em 16 dezembro de 1830; 
- Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, Decreto nº 847 , de 11 de outubro de 1890; 
- Consolidação das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932; 
- Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - cuja Parte Especial, com algumas alterações, encontra-se em vigor até os dias de hoje; 
- Código Penal, Decreto-Lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969 - que permaneceu por um período aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado pela Lei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978, sem sequer ter entrado em vigor; 
- Código Penal, Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984 - com esta lei foi revogada, tão somente, a Parte Geral do Código Penal de 1940. 
O nosso atual Código Penal é composto por duas partes: geral (arts. 1º a 120) e especial (arts. 121 a 361). É a Parte Geral do Código destinada à edição das normas que vão orientar o intérprete quando da verificação da ocorrência, em tese, de determinada infração penal. Ali encontramos normas destinadas à aplicação da lei penal, preocupando-se o legislador em esclarecer, v.g., quando se considera praticado o delito, ou seja, o tempo do crime; cuida de conceitos fundamentais à existência do delito, como a conduta do agente (dolosa ou culposa), bem como o nexo de causalidade entre esta e o resultado; elenca causas que excluem o crime, afastando sua ilicitude ou isentando o agente de pena; dita regras que tocam diretamente à execução da pena infligida ao condenado, bem como à aplicação de medida de segurança ao inimputável ou semi-imputável; enumera causas de extinção da punibilidade; enfim, ocupa-se de regras que são aplicadas não só aos crimes previstos no próprio Código Penal, como também à toda legislação extravagante, isto é, àquelas normas que não estão contidas no corpo do Código, mas que dispõem também de matérias penais. A Parte Especial do Código, embora contenha normas de conteúdo explicativo, como, v.g., aquela que define o conceito de funcionário público (art. 327), ou mesmo causas que excluam o crime ou isentem o agente de pena, é destinada, precipuamente, a definir os delitos e a cominar as penas. No Código Penal ainda percebemos que, quase sempre ao lado dos artigos, de forma destacada, encontramos determinadas expressões que se destinam à sua maior inteligibilidade. Vejamos o exemplo do art. 1º. Antes mesmo de fazermos a sua leitura, podemos perceber que esse artigo cuidará de algo que diz respeito à anterioridade da lei. E por que chegamos a essa conclusão? Por uma razão muito simples: o próprio legislador preocupou-se em nos informar, por intermédio daquilo que chamamos de indicação marginal ou rubrica, que aquele artigo seria destinado a tratar da matéria já por ele anunciada. Vejamos outro exemplo: no art. 121, caput, temos a seguinte redação: matar alguém. O legislador, neste caso, deu a esse crime o nomen iuris de homicídio, colocando essa expressão em sua rubrica. A indicação marginal ou rubrica variará de acordo com cada infração penal ou instituto da Parte Geral ou Especial do Código, podendo também ser utilizada na legislação extravagante. Curiosamente, nosso Código Penal tinha, em sua Parte Especial, dois delitos diferentes que possuíam a mesma indicação marginal. Havia, nos arts. 332 e 357, a rubrica exploração de prestígio. A primeira dizia respeito ao crime praticado por particular contra a administração em geral e a segunda importava, especificamente, em crime contra a administração da justiça. Com a entrada em vigor da Lei n. 9.127/ 95, que deu nova redação ao art. 332 do Código Penal, o legislador entendeu por bem modificar a rubrica. Agora, aquele que solicita, exige, cobra ou obtém, para si ou para outrem, vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função, comete o delito de tráfico de influência, e não mais o de exploração de prestígio. O movimento de codificação, que teve suas raízes no período iluminista e se concretizou no século XIX, cuja finalidade era tentar acabar com a insegurança e a incerteza que os inúmeros diplomas penais esparsos traziam - principalmente pela falta de sistematização entre eles-, que eram, até muitas vezes, contraditórias e incoerentes, está sendo minado pela inflação legislativa que assola a maioria dos ordenamentos jurídicos, a exemplo do que ocorre no Brasil. 
Em nosso ordenamento jurídico-penal existem dezenas, para não dizer centenas, de leis especiais ou extravagantes definindo inúmeras infrações penais, a exemplo do que ocorre com a tortura, o racismo, as drogas, os crimes hediondos etc. Isso faz com que se perca a visão sistêmica, proporcional e racional do nosso ordenamento jurídico-penal, surgindo dúvidas no momento da interpretação conjugada desses textos legais. A descodificação penal, como alerta Sergio Gabriel Torres, "altera a eficácia da lei penal e traz como consequência uma severa lesão aos princípios da necessidade, sistematicidade, racionalidade, unidade, simplicidade e proporcionalidade que devem orientar a matéria".
5. DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO
Direito Penal Objetivo é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal, v.g., excluindo o crime, isentando de pena, explicando determinados tipos penais. O Estado, sempre atento ao princípio da legalidade, pilar fundamental de todo o Direito Penal, pode, de acordo com sua vontade política, ditar normas de conduta ou mesmo outras que sirvam para a interpretação e a aplicação do Direito Penal. Todas essas normas que ganham vida no corpo da lei em vigor formam o que chamamos de Direito Penal Objetivo. Direito Penal Subjetivo, a seu turno, é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Poder Judiciário. É o próprio ius puniendi. Se determinado agente praticar um fato típico, antijurídico e culpável, abre-se ao Estado o dever-poder de iniciar a persecutio criminis in judicio, visando alcançar, quando for o caso e obedecido o devido processo legal, um decreto condenatório. Mesmo que em determinadas ações penais o Estado conceda à supostavítima a faculdade de ingressar em juízo com uma queixa-crime, permitindo-lhe, com isso, dar início a uma relação processual penal, caso o querelado venha a ser condenado, o Estado não transfere ao querelante o seu ius puniendi. Ao particular, como se sabe, só cabe o chamado ius persequendi ou o ius accusationis, ou seja, o direito de vir a juízo e pleitear a condenação de seu suposto agressor, mas não o de executar, ele mesmo, a sentença condenatória, haja vista ter sido a vingança privada abolida de nosso ordenamento jurídico. O chamado ius puniendi, no entanto, não se limita à execução da condenação do agente que praticou, por exemplo, o delito. A própria criação da infração penal, atribuída ao legislador, também se amolda a esse conceito. Assim, tanto exerce o ius puniendi o Poder Legislativo, quando cria as figuras típicas, como o Poder Judiciário, quando, depois do devido processo legal, condenado o agente que violou a norma penal, executa sua decisão. Podemos subdividir, ainda, o ius puniendi em: positivo e negativo. Jus puniendi positivo seria o citado anteriormente, vale dizer, o poder que tem o Estado não somente para criar os tipos penais, como também para executar suas decisões condenatórias. Jus puniendi em sentido negativo seria, conforme as lições de Antonio Cuerda Riezu, "a faculdade de derrogar preceitos penais ou bem restringir o alcance das figuras delitivas", atribuição essa que compete ao Supremo Tribunal Federal, quando declara a inconstitucionalidade de lei penal, produzindo eficácia contra todos e efeito vinculante, conforme determina o § 2º do art. 102 da Constituição Federal. Assim, concluindo, podemos considerar o Direito Penal Objetivo e o Direito Penal Subjetivo como duas faces de uma mesma moeda. Aquele, como o conjunto de normas que, de alguma forma, cuida de matéria de natureza penal; este, como o dever-poder que tem o Estado de criar os tipos penais, e de exercer o seu direito de punir caso as normas por ele editadas venham a ser descumpridas. 
6. MODELO PENAL GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI 
Conforme as lições de Bobbio, "as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento possui uma norma fundamental, que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento". 
E é justamente sobre essa hierarquia de normas, existente no chamado Estado Constitucional de Direito, que Luigi Ferrajoli vai buscar os fundamentos do seu modelo garantista. 
Num sistema em que há rigidez constitucional, a Constituição, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a "mãe" de todas as normas. Todas as normas consideradas inferiores nela vão buscar sua fonte de validade. Não podem, portanto, contrariá-la, sob pena de serem expurgadas de nosso ordenamento jurídico, em face do vício de inconstitucionalidade. A Constituição nos garante uma série de direitos, tidos como fundamentais, que não poderão ser atacados pelas normas que lhe são hierarquicamente inferiores. Dessa forma, não poderá o legislador infraconstitucional proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de uma sanção penal, se o fundamento de validade de todas as leis, que é a Constituição, não nos impedir de praticar ou, mesmo, não nos obrigar a fazer aquilo que o legislador nos está impondo. Pelo contrário, a Constituição nos protege da arrogância e da prepotência do Estado, garantindo-nos contra qualquer ameaça a nossos direitos fundamentais. Nesse sentido, Ferrajoli aduz que o "garantismo - entendido no sentido do Estado Constitucional de Direito, isto é, aquele conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa o único remédio para os poderes selvagens", e distingue as garantias em duas grandes classes: "as garantias primárias e as secundárias. As garantias primárias são os limites e vínculos normativos - ou seja, as proibições e obrigações, formais e substanciais - impostos, na tutela dos direitos, ao exercício de qualquer poder. As garantias secundárias são as diversas formas de reparação -a anulabilidade dos atos inválidos e a responsabilidade pelos atos ilícitos - subsequentes às violações das garantias primárias''. A magistratura, segundo a concepção garantista de Ferrajoli, exerce papel fundamental, principalmente no que diz respeito ao critério de interpretação da lei conforme a Constituição. O juiz não é mero aplicador da lei, mero executor da vontade do legislador ordinário. Antes de tudo, é o guardião de nossos direitos fundamentais. Ante a contrariedade da norma com a Constituição, deverá o magistrado, sempre, optar por esta última, fonte verdadeira de validade da primeira. Nas palavras de Ferrajoli, "a sujeição do juiz à lei já não é, como o velho paradigma positivista, sujeição à letra da lei, qualquer que fosse seu significado, senão sujeição à lei enquanto válida, quer dizer, coerente com a Constituição. E no modelo constitucional garantista a validez já não é um dogma associado à mera existência formal da lei, senão uma qualidade contingente da mesma ligada à coerência de seus significados com a Constituição, coerência mais ou menos opinável e sempre remetida à valoração do juiz. Disso se segue que a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a lei mesma, que corresponde ao juiz junto com a responsabilidade de eleger os únicos significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais estabelecidos pelas mesmas". 
Como bem destacou Saio de Carvalho, "a teoria do garantismo penal, antes de mais nada, se propõe a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a 'defesa social' acima dos direitos e garantias individuais. Percebido dessa forma, o modelo garantista permite a criação de um instrumental prático-teórico idôneo à tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam públicos ou privados. Os direitos fundamentais adquirem, pois, status de intangibilidade, estabelecendo o que Elias Diaz e Ferrajoli denominam de esfera do não-decidível, núcleo sobre o qual sequer a totalidade pode decidir. Em realidade, conforma uma esfera do inegociável, cujo sacrifício não pode ser legitimado sequer sob a justificativa da manutenção do 'bem comum'. Os direitos fundamentais-direitos humanos constitucionalizados - adquirem, portanto, a função de estabelecer o objeto e os limites do direito penal nas sociedades democráticas". 
6.1. Dez axiomas do garantismo penal
A teoria garantista penal, desenvolvida por Ferrajoli, tem sua base fincada em dez axiomas, ou seja, em dez máximas que dão suporte a todo o seu raciocínio. São eles: 
l. Nulla poena sine crimine; 
2. Nullum crimen sine lege; 
3. Nulla lex (poenalis) sine necessitate; 
4. Nulla necessitas sine injuria; 
5. Nulla injuria sine actione; 
6. Nulla actio sine culpa; 
7. Nulla culpa sine judicio; 
8. Nullum judicium sine accusatione; 
9. Nulla accusatio sine probatione; 
10. Nulla probatio sine defensione. 
Por intermédio do primeiro brocardo - nulla poena sine crimine -, entende-se que somente será possível a aplicação de pena quando houver, efetivamente, a prática de determinada infração penal, que, a seu turno, também deverá estar expressamente prevista na lei penal - nullum crimen sine lege. A lei penal somente poderá proibir ou impor comportamentos, sob a ameaça de sanção, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tidos como fundamentais ao nosso convívio em sociedade, em atenção ao chamado direito penal mínimo - nulla lex (poenalis)sine necessitate. As condutas tipificadas pela lei penal devem, obrigatoriamente, ultrapassar a pessoa do agente, isto é, não poderão se restringir à sua esfera pessoal, à sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibição de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros - nulla necessitas sine injuria -, exteriorizados mediante uma ação - nulla injuria sine actione -, sendo que, ainda, somente as ações culpáveis poderão ser reprovadas - nulla actio sine culpa. Os demais brocardos garantistas erigidos por Ferrajoli apontam para a necessidade de adoção de um sistema nitidamente acusatório, com a presença de um juiz imparcial e competente para o julgamento da causa - nulla culpa sine judicio - que não se confunda com o órgão de acusação - nullum judicium sine accusatione. Fica, ainda, a cargo deste último o ônus probatório, que não poderá ser transferido para o acusado da prática de determinada infração penal - nulla accusatio sine probatione -, devendo ser-lhe assegurada a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes - nulla probatio sine defensione. 
7. PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PENAL 
Temos assistido, ultimamente, à retomada do prestígio da vítima no processo penal. Depois da Segunda Guerra Mundial, com a descoberta das atrocidades do nazismo, surge pela primeira vez o termo vitimologia. Conforme esclarece Heitor Piedade Júnior, "o termo 'vitimologia', foi pela primeira vez, segundo se afirma, empregado por Benjamin Mendelson, em 1947, numa conferência pronunciada no Hospital do Estado, em Bucareste". Muitos institutos penais e processuais penais foram criados mais sob o enfoque dos interesses precípuos da vítima do que, propriamente, do agente que praticou a infração penal. Sua vontade é levada em consideração, por exemplo, nas ações de iniciativa privada, ou mesmo nas ações de iniciativa pública condicionadas à representação; no arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, tem-se em mira a reparação dos prejuízos por ela experimentados; a própria Lei que criou os Juizados Especiais Criminais (9.099/95), em seu art. 62, depois de esclarecer que o processo deverá ser orientado pelos critérios da oralidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, afirma que os seus objetivos serão, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade etc. Vemos, assim, que a vítima, esquecida que foi durante décadas, começa a retomar posição de proeminência, sendo seus interesses priorizados pelo Estado. Essa influência da vítima no direito e no processo penal fez com que alguns autores cunhassem a expressão privatização do direito penal, entendendo-a como uma outra via de reação do Estado. Ulfrid Neumann esclarece que "recentemente, a introdução da relação autor-vítima-reparação no sistema de sanções penais nos conduz a um modelo de 'três vias', onde a reparação surge como uma terceira função da pena conjuntamente com a retribuição e a prevenção". A referida Lei dos Juizados Especiais nos fornece outro exemplo que se amolda ao conceito de privatização do Direito Penal, vale dizer, a composição dos danos, na qual, nas hipóteses de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação, nos termos do parágrafo único do art. 74 da Lei n. 9.099/95. 
8. O DIREITO PENAL MODERNO 
Conforme lições de Edgardo Alberto Donna, o "chamado Direito Penal moderno se encontra com um fenômeno quantitativo que tem seu desenvolvimento na parte especial. Não há código que nos últimos anos não haja aumentado o catálogo de delitos, com novos tipos penais, novas leis especiais e uma forte agravação das penas". 
De acordo com as lições do renomado autor, podemos citar como exemplos, dentre outros, do chamado Direito Penal moderno, cujas previsões se fazem presentes na maioria dos Códigos Penais, principalmente nos países ocidentais: 
• direito penal do risco; 
• antecipação das punições; 
• aumento dos crimes de perigo abstrato; 
• delitos econômicos; 
• crime organizado; 
• lavagem de dinheiro; 
• direito penal ambiental; 
• terrorismo; • responsabilidade penal da pessoa jurídica; 
• crimes cibernéticos; 
• drogas; 
• mudança de tratamento do criminoso, enxergando-o como um inimigo; 
• aumento de proteção a bens jurídicos abstratos, como a saúde pública; 
• recrudescimento das penas; 
• dificuldade para reintegração social do preso, aumentando o efetivo tempo de cumprimento da pena, dificultando sua saída do cárcere no que diz respeito à progressão de regime ou livramento condicional. 
O Direito Penal moderno, como se percebe, segue as orientações político-criminais de um Direito Penal máximo, deixando de lado, muitas vezes, as garantias penais e processuais penais, sob o argumento, falso em nossa opinião, de defesa da sociedade.

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