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1 DIREITO DO CONSUMIDOR DIREITO DO CONSUMIDOR Graduação DIREITO DO CONSUMIDOR 23 U N ID A D E 2 RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR Devidamente compreendido o que vem a ser consumidor, fornecedor, produto e serviço, bem como os princípios constitucionais e específicos atinentes à matéria, estudaremos na UNIDADE II os atos e a sua conseqüente responsabilidade, praticados por aqueles que colocam o produto ou serviço à disposição do consumidor. OBJETIVO DA UNIDADE: Identificar os atos e responsabilidade do fornecedor. PLANO DA UNIDADE: • Responsabilidade solidária. • Responsabilidade pela qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. • Responsabilidades pelo fato do produto e do serviço. • Vício ou defeito. • Profissionais liberais. • Prazo para sanar vício ou defeito. • Serviço público. • Decadência e prescrição. • Desconsideração da pessoa jurídica. • A Desconsideração da personalidade jurídica e sua previsão no ordenamento. Bons estudos! UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 24 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA O parágrafo único do art. 7º do CDC estabeleceu o princípio da solidariedade legal para responsabilidade decorrente da reparação de danos causados ao consumidor, da mesma forma que não excluiu as demais normas protetoras dos interesses do consumidor, inserindo a possibilidade de utilização de outros direitos tratados e regras administrativas mais favoráveis ao consumidor. O art. 264 do CC determina que “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado pela, à dívida toda”. Completando o art. 265 do CC determina “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”. Diante desse entendimento, os tribunais passaram a decidir a respeito de matéria específica, inserindo o CDC às mesmas: a) Lei de Incorporação Imobiliária (L. 4591/64), sobre ele incide o CDC (STJ, Resp. 80036/SP, DJU 25/03/1996, p. 86, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, j. Em 12/02/1996, 4ª T.) b) Código Brasileiro de Aeronáutica (L. 7565/86), há relação de consumo (STJ, Resp. 196031/MG, DJU 11/06/2001, p. 199, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 24/04/2001, 3ª T.). c) Liquidação extrajudicial de instituição financeira (L. 6.024/74) e o CDC. “Resgate de aplicações financeiras de instituição sob o regime de liquidação extrajudicial. A Lei 6.024/74 não conflita com o CDC, sendo certo, na forma de precedente da Corte, que a liberação dos valores depositados em instituição financeira sob o regime de liquidação extrajudicial obedece ao rito próprio nela estabelecido.” (STJ, Resp. 239704/BA, DJU 05/ 02/2001, p. 102, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23/11/2000, 3ª T.). RESPONSABILIDADE PELA QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, DA PREVENÇÃO E DA REPARAÇÃO DOS DANOS. Os arts. 8º, 9º e 10 da Seção I do CDC tratam da proteção à saúde e segurança dos consumidores. Inicialmente, encontramos uma contradição no art. 9º com o 8º. No art. 9º regulamenta que “o fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos”, enquanto o art. 8º determina que “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde”. Já o art. 10, determina que “O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”. DIREITO DO CONSUMIDOR 25 O art. 10 proíbe os produtos e serviços altamente nocivos, o art. 9º permite a venda dos “potencialmente nocivos e perigosos à saúde ou segurança”. Diante disso, indagamos: a cola de sapateiro e o cigarro (L.9294/96, restrições à publicidade de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos e terapias) se enquadram em qual dispositivo normativo? Uma vez colocados os produtos e serviços à disposição dos consumidores, caberá ao fornecedor o dever de alertar os consumidores, através de anúncios publicitários, logicamente que às suas custas, no rádio, televisão e jornais, devendo, por sua vez, comunicar as autoridades competentes. Apenas à guisa de curiosidade, é através do § 1º do art. 10 que a fábrica automobilística procede ao recall, quando foi colocado no mercado, algum produto com defeito. Cabe aqui uma indagação: e se o consumidor não for encontrado, e se o foi e não compareceu, o fornecedor se exonera da obrigação? A responsabilidade do fornecedor é objetiva, e como tal, não pode se exonerar. Ocorrendo o dano, o fornecedor responderá pelo mesmo, na forma do art. 12 a 14 do CDC, não havendo, nos dispositivos, excludentes de responsabilidade. No máximo, poderia haver culpa concorrente, uma vez que foi chamado e não compareceu, sendo, portanto, negligente. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO. Inicialmente, há que se fazer um pequeno prolegômeno a respeito da responsabilidade civil. Na apreciação da responsabilidade, o Código Civil adotou a teoria clássica chamada teoria subjetiva, segundo a qual a vítima tem o ônus de provar a culpa (em sentido amplo) do causador do dano. Essa teoria passou a ser injusta para a vítima, uma vez que, em alguns casos, é muito difícil provar a culpa do causador do dano. Em decorrência dessa dificuldade, adotou-se a presunção de culpa em certas situações, como é o caso da presunção de culpa do dono de animal que causa dano, como se verifica no art. 936 do CC. Surge então, uma nova teoria chamada teoria objetiva, segundo a qual aquele que obtém vantagens no exercício de determinada atividade deve responder pelos prejuízos que essa atividade lucrativa venha causar. Nessa teoria a culpa não é discutida, a responsabilidade baseia-se no risco (princípio da eqüidade). A responsabilidade objetiva trata-se daquela em que a vítima está dispensada de provar a culpa do causador do dano, seja porque essa culpa é presumida, seja porque a própria lei dispensa a prova. A responsabilidade objetiva comporta graus. O grau mais elevado é aquele em que a lei exige, daquele que causou o dano, a indenização, sem que seja conferida ao agente qualquer possibilidade de provar sua inocência. UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 26 No grau menos elevado, há possibilidade de inversão do ônus da prova, no caso de culpa presumida. Por isso, a doutrina classifica essa responsabilidade objetiva em imprópria ou impura, pois o causador do dano pode provar que não teve culpa. Essa responsabilidade se encontra no Código Civil em alguns casos, como no art. 936, que admite a inversão do ônus da prova. A responsabilidade imprópria ou impura (que admite inversão do ônus da prova) é a que impera no Código de Defesa do Consumidor. VÍCIO OU DEFEITO A seção II do Capítulo IV, arts.12 a 17, do CDC fala sobre a “responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”, ou seja, o consumidor, na utilização do produto ou serviço, pode sofrer riscos à sua segurança ou até mesmo de terceiros, podendo ocorrer uma situação fática danosa. Assim, antes do produto chegar ao consumidor, ela passa por uma linha de produção e, conseqüentemente, existe a probabilidade desse produto chegar ao consumidor com vício ou defeito, que possuem conceitos distintos. Podemos dar alguns exemplos para diferenciar vício e defeito. 1) 2 consumidores se dirigem a uma loja de eletrodoméstico e compra, cada um, 1 liquidificador. O primeiro, de posse do produto, chega a casa e o liga e não acontece absolutamente nada. O segundo, entretanto, ao ligar o aparelho, o copo do liquidificador começa a trepidar, ato contínuo, sua esposa segura o copo que se desprende do aparelho e a lâmina alcança a sua mão, causando-lhe danos à pessoa. Comrelação ao primeiro, estamos diante de um vício, que gera responsabilidade na forma do art. 18 a 25 do CDC. Com relação ao segundo, estamos diante de um acidente de consumo gerado por defeito no aparelho, que gera responsabilidade na forma do art. 12 a 17 do CDC. 2) Um consumidor se dirige a um supermercado e compra um extrato de tomate. Em casa, abre a caixa e verifica que o produto está estragado. Estamos diante de um vício. Um outro consumidor compra o mesmo extrato de tomate. Em casa, abre-o de qualquer maneira e o entorna dentro da panela, para fazer uma macarronada e o serve para a família. Todos que comeram da macarronada tiveram uma infecção estomacal, tendo que ser hospitalizados. É caso de defeito. DIREITO DO CONSUMIDOR 27 Podemos afirma que há vício sem defeito, mas nunca teremos defeito sem vício. O vício é uma característica intrínseca do produto ou serviço em si. O defeito é o vício acrescido de um problema extra, uma situação extra, extrínseca do produto ou serviço, que causa um dano maior. João Batista de Almeida, em sua obra (Manual de Direito do Consumidor, São Paulo, SP, Saraiva, 2003, p. 66), enumera “três modalidades os defeitos que geram a responsabilização do fornecedor: a) defeitos de fabricação – aqueles que decorrem de fabricação, produção, montagem, manipulação, construção ou acondicionamento dos produtos; b) defeitos de concepção – os de projeto ou de fórmula; c) defeitos de comercialização – por insuficiência ou inadequação de informações sobre a utilização e riscos (CDC, art. 12). Os primeiros (a e b) são intrínsecos; o último (c) extrínsecos”. Poderá, entretanto, o fabricante, o construtor, o produtor ou importador, se defender, isentando-se da responsabilidade se provar: 1) que não colocou o produto no mercado; 2) que embora tenha colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; 3) culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme se pode verificar no § 3º do art. 12, do CDC. Com relação ao art. 13 do CDC, temos a responsabilidade do comerciante, que também será objetiva, porém será sempre subsidiária, ou seja, o comerciante somente responderá se não conservar adequadamente o produto perecível ou quando o fabricante, construtor, produtor ou o importador não puderem ser identificados. O art. 14 do CDC trata da responsabilidade pelo fato do serviço, que será nos mesmos moldes do art. 12, contendo as mesmas características. Ressaltamos a questão do produto ser colocado no mercado com adoção de nova técnica, não sendo considerado, por esta razão, produto defeituoso. Questão interessante é saber a natureza jurídica do requerimento da prestação jurisdicional, quando não sanado o vício ou defeito do produto. O art. 84 do CDC determina que “na ação de obrigação de fazer ou não fazer”, logo, trata-se de obrigação de fazer. PROFISSIONAIS LIBERAIS É de se destacar, entretanto, a responsabilidade do profissional liberal, que será apurada mediante culpa, ou seja, responsabilidade subjetiva (tem que provar a culpa, nas seguintes modalidades, imperícia, imprudência e negligência). Isso porque a relação jurídica de direito material é de meio e não de resultado. O profissional liberal se compromete a prestar seus serviços com zelo, não se responsabilizando pelo resultado. É o exemplo do médico (que não promete a cura), advogado (que não promete ganhar a causa), enfermeiro (a mesma situação do médico). Diferentemente, encontramos alguns profissionais liberais que desempenham suas atividades esperando um resultado, é o caso da medicina estética (cirurgia plástica), estes sim possuem responsabilidade objetiva. UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 28 PRAZO PARA SANAR VÍCIO OU DEFEITO O prazo estipulado pelo CDC para sanar vício ou defeito é de 30 dias (§ 1º do art. 18, CDC). Poderá, entretanto, alternadamente, e de acordo com a vontade do consumidor, substituir o produto por outro da mesma espécie ou a restituição imediata da quantia paga, corrigida monetariamente e com perdas e danos ou o abatimento proporcional do preço. Uma vez feita a escolha (e somente pelo consumidor, uma vez que a lei determina que “alternadamente à sua escolha”) de uma dessas 3 situações, não poderá o consumidor alterá-la. Poderão as partes, também, convencionarem a redução ou ampliação do prazo, não podendo, entretanto, ser inferior a 7 dias ou superior a 180 dias (§ 2º, art. 18, CDC). SERVIÇO PÚBLICO A pessoa jurídica seja de direito público ou privado, prestadoras de serviço público, estão submetidos ao CDC. Outro ponto de nodal importância consiste na possibilidade de corte do fornecimento por inadimplemento (água, luz, telefone), uma vez que sob os dispositivos legais (arts. 22 e 42, do CDC), não existe impedimento à paralisação quando há inadimplência e o consumidor foi previamente avisado, aplicando à espécie o art. 6º, § 3º, II, da Lei 8987/95, devendo, entretanto, se for o caso, ser aplicado o art. 42 c/c art. 71, ambos do CDC. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO Quando um titular de um direito subjetivo sofre lesão, nasce um direito de ação para poder exigir a reparação do direito violado. Este direito de ação tem um lapso temporal dentro do qual deve ser exercido. Se o titular fica inerte e não exerce o direito de ação, há perda da ação atribuída àquele direito violado, Mas o direito ainda existe, embora violado e sem ação para exigir sua reparação (ex.: devedor não paga a dívida — lesão e nascimento da ação — e não proponho a ação no prazo). Não posso mais cobrar, mas o devedor pode pagar, renunciando a prescrição já consumada. A decadência é a perda do direito de ação a ele correspondente pela inércia do seu titular. Quando o titular de um direito potestativo, que está legado a uma ação para ser exercido, não a propõe no prazo previsto na lei, perde a pretensão (meio de exerce o direito) e, por conseqüência, o próprio direito. Os prazos, entretanto, podem ser suspensos ou interrompidos. A suspensão decorre automaticamente de certos fatos previstos em lei, ou seja, acontecendo um fato que a lei considera como causa de suspensão, a prescrição será suspensa automaticamente, recomeçando a correr pelo período faltante, ou seja, somam-se os períodos. A interrupção depende de provocação do credor, ou seja, exige-se um comportamento ativo do credor. A maneira mais utilizada para interromper a DIREITO DO CONSUMIDOR 29 prescrição é a notificação judicial. O credor faz uma notificação judicial ao devedor para fim de interromper a prescrição, devolvendo-se o prazo por inteiro. Ponto importante também é no tocante à interrupção e à suspensão dos prazos. É pacífico na doutrina de que ambos só ocorrem com os prazos prescricionais. Uma vez definido o que vem a ser prescrição e decadência, bem como os eventos da suspensão e da interrupção, passemos agora a esses institutos no CDC. DECADÊNCIA O tema é abordado no CDC nos arts. 26 e 27, na Seção IV, do Capítulo IV, do Título I, do CDC. O legislador tratou da decadência no art. 26, quando diz “direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em” e a prescrição no art. 27, quando determina que “prescreve em 5 anos a pretensão à reparação”(...) Verifica-se, claramente, ao tratar do assunto, o legislador inverteu os conceitos, ou seja, o que era prescrição ele definiu como decadência e o que era decadência ele definiu como prescrição. Desta forma, o CDC determina que o prazo de decadência será: SE VÍCIOS APARENTES OU DE FÁCIL CONSTATAÇÃO 1) de 30 dias, se produtos ou serviços não-duráveis, com início da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços; 2) de 90 dias, se produtos ou serviços duráveis, com início da entrega efetivado produto ou do término da execução dos serviços. SE VÍCIOS OCULTOS 1) de 30 dias, se produtos ou serviços não-duráveis, com início no momento em que se evidenciar o defeito; 2) de 90 dias, se produtos ou serviços duráveis, com início no momento em que se evidenciar o defeito. Importante frisar que tem que haver a comprovação da reclamação efetuada pelo consumidor e a instauração de inquérito civil para obstar o prazo decadencial. O STJ já se pronunciou que a simples denúncia ao Procon não obsta a decadência (REsp. 65498/SP). Da mesma forma, não foi reconhecida a decadência quando foram feitas diversas reclamações do consumidor para sanar o defeito (REsp. 286202/RJ). PRESCRIÇÃO Destaca-se, inicialmente, que a prescrição será em função a pretensão fundada em “reparação pelos danos causados por fato do produto ou do UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 30 serviço prevista na Seção II deste Capítulo”, ou seja, referente aos arts. 12 a 17 do CDC, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Com base nesse entendimento, o STJ vem entendendo que não se aplica o prazo de 5 anos do CDC quando houver um inadimplemento do contrato, sem que haja o acidente de consumo, aplicando-se, desta feita, o prazo de 1 ano, com base no art. 206, § 6º, II do CC e na Súmula 101 do STJ. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA Faz-se necessário analisar o significado da expressão “desconsideração da personalidade jurídica”, para que possamos ter uma breve noção do termo, aqui, objeto de estudo. Como sabemos o vocábulo desconsideração sugere: tornar sem efeito, ignorar, anular, ou seja, não reconhecer. O que? A personalidade jurídica das sociedades empresárias. Como visto anteriormente, a sociedade e os sócios que a compõe são pessoas diferentes. Logo, portam personalidades distintas. Se a personalidade da sociedade é ignorada, da mesma forma, também, será a capacidade. Sem capacidade, a sociedade não terá direitos, nem obrigações. E as obrigações anteriormente adquiridas? Como se pagam os credores? Com a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, quem responderá pelas obrigações contraídas pela sociedade serão os sócios que a compõe, pois não haverá mais distinção entre seus patrimônios. Histórico A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou disregard doctrine, utilizada como um instrumento para coibir fraudes ou abuso de direito, obteve seu inicial desenvolvimento através da jurisprudência nos Estados Unidos da América, no começo do século XIX. A disregard doctrine tornou-se efetivamente conhecida, após sua aplicação em algumas disputas judiciais americanas em que foi aplicada. Essas disputas tornaram-se marcos jurisprudenciais. São elas: o caso B.N.S.A x Deveraux e o caso Salomon x Salomon & Co. O caso B.N.S.A. x Deveraux Antonio Bottan, Carlos Roslindo e Gislaine Mohr em artigo publicado no periódico de jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, citando Suzy Elisabeth Cavalcante Koury, prelecionam o seguinte: Conforme os estudos de Koury, em 1809, nos EUA, já se discutiam a Disregard Doctrine. No caso Bank of United States v. Deveaux, o Juiz Marshall conheceu a causa com a intenção de preservar a jurisdição das Cortes Federais sobre as Corporations, já que a Constituição Federal Americana, no seu artigo 3º, seção 2ª, limitava tal jurisdição às controvérsias entre cidadãos de diferentes estados. A decisão, em si, não foi relevante, visto DIREITO DO CONSUMIDOR 31 que foi repudiada pela doutrina da época, mas, já em 1809, as Cortes levantaram o véu personal e consideraram as características dos sócios individuais. Este foi, portanto, o leading case, ou seja, o primórdio do que se conhece hoje por disregard doctrine. Este é o caso de desconsideração da personalidade jurídica mais antiga já registrada pela doutrina. Foi, também, através das decisões de juízes americanos que começaram os primeiros estudos sobre a teoria. Sabe-se, contudo, que o desenvolvimento da teoria deve muito a decisões ocorridas na Inglaterra, onde a teoria ganhou força. O caso Salomon x Salomon & Co. A disputa judicial mais famosa envolvendo a Disregard Doctrine, que deu importância à teoria e tornando necessária e efetivando a contribuição doutrinária à matéria, seja o caso Salomon v. Salomon & Co., ocorrido no ano de 1897 na Inglaterra. O sistema jurídico Inglês é o Common Law, que tem como fundamental fonte do direito: o costume. Aaron Salomon constituiu, no ano de 1892, uma sociedade por ações, Company. Distribuiu, então, uma ação para cada um dos seis membros de sua família, ficando com 20.000 ações para si. Aaron constitui para si um crédito privilegiado no valor de dez mil libras esterlinas, tornando, posteriormente, insolvente a companhia. Como ele era credor privilegiado, nada restou aos outros credores. A justiça inglesa em sua decisão de primeiro grau, optou por desconsiderar a pessoa jurídica da sociedade fundada por Aaron, entendendo que houve fraude no negócio, o que atingiria seu patrimônio, mas esta decisão foi, posteriormente, reformada pela Câmara dos Lordes sob o fundamento de que a sociedade havia sido constituída de forma válida, ou seja, sem nenhum vício para as leis da época. Posteriormente reformada em instância superior, esta decisão desencorajou maiores desenvolvimentos doutrinários na época sobre a teoria em tela no direito inglês, mas é certo que posteriormente também serviu como precedente à formulação da disregard doctrine. A teoria no Brasil. A teoria da desconsideração, no Brasil, começou a ser usada em algumas decisões judiciais. Mas, só ganhou conhecimento quando começou a ser estudada por doutrinadores. O primeiro deles, foi Rubens Requião. O autor trouxe a concepção da teoria ao direito brasileiro, fazendo o possível para adequá-lo ao nosso ordenamento jurídico. Traduziu a expressão de disregard of legal entity para desconsideração da personalidade jurídica, bem como cuidou para que o instituto da pessoa jurídica, sua personalidade e capacidade não tivessem seus preceitos feridos. UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 32 Mostrou a compatibilidade da matéria com a estrutura do ordenamento brasileiro, mostrando que e a fraude ou o abuso de direito seriam elementos essenciais que autorizariam o poder judiciário a quebrar o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e o efeito disto seria a possibilidade de se atingir o patrimônio dos sócios, quando do uso indevido da sociedade. Outro autor de grande importância na aplicação da teoria no Brasil foi Fábio Konder Comparato, que adotou critérios objetivos em seus estudos sobre a matéria, retirando o seu caráter subjetivo, para que pudesse ser aplicado pelos magistrados nas questões judiciais sobre o assunto. No Brasil, existem duas formulações diferentes sobre a matéria. A teoria menor e a maior. A maior é a mais difundida no Brasil, por isso trataremos desta com maiores detalhes. A TEORIA MENOR Elaborada por Fábio Konder Comparato, vê a teoria da desconsideração de uma forma mais objetiva. Deixa de lado sua subjetividade, elencando fatores necessários para determinar se há ou não possibilidade de haver a desconsideração da personalidade. Essa teoria não está preocupada em saber se há ou não fraude ou abuso de direitos pela sociedade através de seus sócios. Os fatores objetivos que segundo Fabio Konder Comparato são fundamentos da desconsideração: • ausência do pressuposto formal estabelecido em lei; • desaparecimento do objetivo social específico ou do objetivo social e confusão entre estes; • uma atividade ou interesse individual de um sócio. Essa doutrina é falha, pois a simples insolvência ou a falência da sociedade,enseja a quebra da autonomia patrimonial, visando atingir o patrimônio particular do sócio, pois, para esta visão da doutrina, o credor não pode sair prejudicado quando o sócio não for insolvente. Portanto, a aplicação dessa teoria, seria tornar ineficaz o instituto da pessoa jurídica. A TEORIA MAIOR O maior responsável pela difusão dessa teoria no Brasil foi Rubens Requião, o mesmo que trouxe a teoria ao Brasil. Traduziu seu nome para desconsideração da personalidade jurídica e a adequou ao ordenamento jurídico, respeitando o instituto da pessoa jurídica. A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica é também chamada de teoria subjetiva. Essa visão da teoria adota, para caracterização da desconsideração, a fraude ou abuso de direito, critérios subjetivos para ensejar a desconsideração. Para a teoria maior, a fraude e o abuso de direito, quando presentes no caso concreto, outorgariam ao magistrado a oportunidade de aplicar a teoria da desconsideração ao seu alvedrio, isto é, estaria o juiz autorizado DIREITO DO CONSUMIDOR 33 a utilizar o seu livre convencimento para aplicá-la, devido ao caráter subjetivo que a teoria comporta. Isto a difere profundamente da teoria menor em que este critério de subjetividade praticamente inexiste. Rubens Requião demonstra isso dizendo, que diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos. Princípios fundamentais da desconsideração da personalidade jurídica são, portanto, a fraude e o abuso do direito. Deve-se, portanto, estudar seus conceitos separadamente, para que se possa entender melhor a aplicação da matéria. A Fraude é um meio pelo qual se tenta ludibriar, iludir, enganar, com a finalidade de prejudicar terceiro. Fabio Ulhoa Coelho, melhor explica, dizendo que a autonomia da pessoa jurídica, a despeito de sua fundamental importância no regime capitalista, pode dar ensejo à realização de fraudes contra a lei, o contrato ou credores. Ocultando-se atrás da personalidade jurídica de uma sociedade, associação ou fundação, pode, por vezes, o devedor frustrar a efetivação de sua responsabilidade ou, de qualquer forma, lesar os interesses legítimos do credor. A fraude perpetrada com o uso da autonomia patrimonial de pessoa jurídica, em geral, resulta em imputar-lhe responsabilidade de um ato ou de atos praticados em seu nome apenas com o objetivo de ocultar uma ilicitude. O abuso de direito, criado pelos tribunais franceses, mais bem entendidos, se analisarmos que a sociedade garante a certas pessoas prerrogativas. E o abuso dessas prerrogativas, ou seja, excessivo e injustificado uso de determinado instituto, caracteriza o abuso de direito. Como preceitua o Código Civil, em seu artigo 187, o qual prescreve: também comete ato ilícito (abuso de direito) o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Desta forma, podemos fazer um traço dist int ivo entre a aplicabilidade da Teoria Menor e a Teoria Maior da desconsideração da pessoa jurídica: No Código de Defesa do Consumidor (art. 28): 1) as hipóteses de aplicação são bem mais amplas; 2) aplica-se a Teoria Menor; 3) basta haver a insolvência da pessoa jurídica para pagamento de suas obrigações; 4) pode ser aplicada de ofício. São normas públicas e de interesse social. UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 34 No Código Civil (art. 50): 1) as hipóteses são restritas; 2) aplica-se a Teoria Maior; 3) exige-se a confusão patrimonial (forma objetiva) ou desvio de finalidade (forma subjetiva); 4) não pode ser aplicada de ofício. Exige-se requerimento da parte ou do MP, quando este funcionar no processo. A TEORIA INVERSA DA DESCONSIDERAÇÃO Ocorre quando a pessoa devedora de obrigações pessoais destina seus bens a determinada sociedade, fundação ou associação, para cobri- los com o manto da proteção da pessoa jurídica. Nesse caso desconsidera- se a personalidade da pessoa jurídica, de modo a afetar bens que, na realidade, são formalmente da sociedade, mas materialmente são do sócio, fundador ou associado. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E SUA PREVISÃO NO ORDENAMENTO Histórico A teoria da desconsideração está presente na doutrina e na jurisprudência no Brasil desde a década de 70, porém demorou a aparecer na legislação. Foi somente em 1990, com o advento do Código do Consumidor, que a teoria pela primeira vez foi descrita no ordenamento jurídico, se tornando grande conquista para a aceitação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na legislação brasileira. Foi dessa forma possível, então, que, em 1994, a matéria fosse também abordada pela lei antitruste, que tem como objetivo prevenir e reprimir infrações contra a ordem econômica. Mais uma vez a teoria foi abordada, agora no âmbito do direito penal e do direito ambiental, inserida, em 1998, na lei de Crimes Ambientais. Mas, a teoria realmente se efetivou no ordenamento jurídico brasileiro quando em 2002 foi incluso no texto do novo Código Civil. Foi aí que a matéria realmente foi positivada no direito brasileiro. 2.11 - A desconsideração da personalidade jurídica no Código do Consumidor A primeira legislação brasileira a abordar a desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor – CDC, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. No capítulo IV, Sessão V, do CDC, está assim disposto: “Seção V Da desconsideração da personalidade jurídica DIREITO DO CONSUMIDOR 35 Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração. § 1º.Vetado – A pedido da parte interessada, o juiz determinará que a efetivação da responsabilidade da pessoa jurídica recaia sobre o acionista controlador, o sócio majoritário, os sócios-gerentes, os administradores societários e, no caso de grupo societário, as sociedades que o integram. § 2º. As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 3º.As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código. § 4º. As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5º.Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”. Como diz Juliano Junqueira de Faria “A análise do dispositivo legal acima transcrito demonstra que o mesmo não guarda, em sua totalidade, coerência com o dispositivo que objetiva disciplinar.” Os parágrafos 2º, 3º e 4º, do artigo 28 do CDC, tratam de hipóteses distanciadas da desconsideração da personalidade jurídica, não guardando qualquer relação com a mesma. Embora estejam integrados sob o rótulo da desconsideração, as hipóteses ali previstas afastam-se do tema. Nesses parágrafos, há apenas a preocupação com a responsabilidade das sociedades controladas, consorciadas e integrantes de grupo de empresas, sendo-lhes dada responsabilidade solidária ou subsidiária ereforçados os limites das coligadas. Inúmeros são os doutrinadores que criticam o dispositivo. Inicialmente, por seu caput, em que é adota a expressão “O juiz poderá desconsiderar”. Onde foi colocado “poderá” deveria ter sido colocado “deverá”. Pois, uma vez assim disposto, o juiz tem a faculdade de nos casos apresentados desconsiderar ou não a personalidade da sociedade em questão. Além disso, nem todos os casos apresentados pela legislação correspondem à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Fabio Ulhoa Coelho entende que as hipóteses de (1) infração de lei, (2) fato ou ato ilícito, (3) violação dos estatutos ou contrato social e quando houver (4) falência, (5) estado de insolvência, (6) encerramento ou inatividade de pessoa jurídica provocados por má administração. Para ele, estes elementos presentes em parte do caput do artigo 28 não seriam casos de desconsideração da UNIDADE 2 - RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR 36 personalidade jurídica e sim pertinentes a tema societário diverso. E quanto aos primeiros três elementos, são eles referentes à responsabilidade do sócio ou representante legal da sociedade empresária por ato ilícito próprio, já quanto aos últimos (4), (5) e (6), seriam eles casos de responsabilidade por má administração, quando a personalização da sociedade não impede que o administrador tenha que ressarcir os danos causados. Conclui-se, portanto, que, prevista foi a teoria no código do consumidor, porém não foi feliz o legislador na elaboração do dispositivo, uma vez que não aborda a matéria esgotando todo o seu conteúdo e equivoca-se ainda em algumas afirmações que destoam do que realmente, na teoria, discorriam os doutrinadores e na prática, aplicava-se na jurisprudência. É HORA DE SE AVALIAR! Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas no caderno e depois as envie através do nosso ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco! Estudamos nessa unidade os atos praticados pelo fornecedor de produto e serviço, bem como a sua responsabilização pela prática incorreta desses atos. Estudaremos na unidade seguinte (UNIDADE III) a prática dos atos pelo fornecedor de produto e serviço, como a oferta e a publicidade, para colocá-los no mercado consumerista.
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