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A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas

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A responsabilidade tributária dos sócios e administradores de sociedades limitadas
Rafael Severo de Lemos
 
CAPÍTULO II - A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO NÃO-ADMINISTRADOR
2.1 Responsabilidade pela integralização do capital
Mesmo o sócio que não exerce a gerência da sociedade responde, solidariamente, pela integralização do capital social (Código Civil, art. 1.052), podendo a credora na relação tributária cobrar de um, alguns ou todos os sócios a dívida do remisso, assegurado ao pagamento direito regressivo contra o inadimplente. Assim sendo, não estando o capital completamente integralizado, e não havendo bens da sociedade suficientes para satisfazer o crédito, todos os sócios respondem solidariamente pela parte que faltar para preencher o pagamento das quotas não inteiramente integralizadas [70].
Ressalte-se, no entanto, que os bens destes sócios só poderão ser executados depois de exauridos os bens sociais. O art. 1.024 do Código Civil dispõe expressamente que "os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais". Assim como o art. 596 do Código de Processo Civil dispõe que "os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade". Neste sentido, Sérgio Campinho destaca que:
Como o Código Civil de 2002, em seu art. 1.052, não mais se impôs a falência como condição para a efetivação da solidariedade entre os sócios, hoje já não mais se pode ter incerteza em afirmar que, na execução judicial proposta em face da sociedade, podem os credores, na ausência de patrimônio da pessoa jurídica, visto que a responsabilidade dos sócios sempre será em grau subsidiário, pretender a responsabilização até a integralização do capital social a que os sócios são solidariamente obrigados, citando-os na causa para extrair o pretendido efeito. Contudo, repita-se, isso somente poderá ocorrer em não havendo patrimônio da sociedade, posto que o benefício de ordem é sempre oponível pelos sócios aos credores sociais [71].
A conclusão que se tira sobre estes artigos, portanto, é que a execução só pode ser redirecionada contra qualquer dos sócios quando o capital ainda não foi totalmente realizado, e somente quando exauridos os bens da sociedade. Neste sentido, a seguinte decisão do STJ:
PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA - EXISTÊNCIA DE BENS PATRIMONIAIS DA EXECUTADA - PRETENSÃO DE SUBSTITUIÇÃO COM OUTROS DO PATRIMONIO PESSOAL DOS SOCIOS - CTN, ART. 135 - LEI 6.830/80 (ARTS. 15 E 24). 1. Existentes, localizados e penhorados bens patrimoniais da pessoa jurídica executada, descabe a substituição por outros do patrimônio pessoal dos sócios, até que, não arrematados, ou não adjudicados, reavaliados, fique demonstrada a insuficiência do valor para quitar a dívida fiscal atualizada. 2. Recurso improvido [72].
A doutrina é unânime em acolher este entendimento, até porque essa foi a razão de criação desse tipo societário. Entretanto, se um sócio minoritário que detém apenas 1% (um por cento) do capital social, por exemplo, tiver de responder subsidiariamente pelas obrigações contraídas pela sociedade, até o total do capital social, que será no caso cem vezes maior do que seu investimento, o risco do empreendimento se torna desproporcional à perspectiva de ganho, afastando por completo a atratividade do negócio. Nesse caso, não se verifica o princípio de que os sócios são responsáveis pelos lucros e pelas perdas, na forma de sua participação contratual [73].
Após totalmente integralizado, contudo, a regra é de que o patrimônio pessoal do sócio não-administrador fica resguardado contra execuções fiscais dirigidas à sociedade limitada, visto que não se aplicam às sociedades limitadas o art. 134 do CTN, eis que o mandamento é dirigido às sociedades tipicamente de pessoas, o que não é o caso das limitadas, entendidas pela maior parte da doutrina como híbridas [74]. Se não fosse assim, não haveria interesse algum em constituir-se uma sociedade. De fato, no dizer de Fábio Ulhoa Coelho, "poucas pessoas – ou nenhuma – dedicar-se-iam a organizar novas empresas se o insucesso da iniciativa pudesse redundar na perda de todo o patrimônio, amealhado ao longo de anos de trabalho e investimento, de uma ou mais gerações" [75].
O que deveria existir, entretanto, era um mecanismo de controle da efetividade do capital social. No Brasil se adotou a liberdade quanto à fixação do montante do capital social, não havendo estipulação legal quanto a um piso ou um teto. Por isso, a responsabilidade pela integralização do capital social não dá muita garantia à Fazenda, pois na prática, a maioria das sociedades limitadas inicia as suas atividades com o capital já integralizado. O que irá garantir os credores da sociedade será o seu efetivo patrimônio, pois o capital social, apesar de não distribuído aos sócios, ou mesmo ausente qualquer má-fé na administração, pode-se diluir no momento seguinte à sua integralização, sem a aquisição de qualquer patrimônio que pudesse substituí-lo [76].
2.2 Natureza e limitação da responsabilidade tributária
A responsabilidade pelas dívidas tributárias de uma sociedade limitada não pode ser imputada aos seus sócios pelos simples fato de serem sócios, mas somente ao sócio que exerça a administração da sociedade. A esse respeito, Manoel Pereira Calças comenta que:
Rigorosamente falando, o art. 135, III, do Código Tributário Nacional não disciplina a responsabilidade dos sócios por dívidas fiscais, mas sim a responsabilidade dos administradores de sociedade limitada por tais débitos. O sócio da limitada, pela simples circunstância de ostentar tal status, não responde pessoalmente com seu patrimônio pelas dívidas fiscais da sociedade [77].
Mas a interpretação do Código Civil, e anteriormente do Decreto 3.708, levaram à recriminação de julgamento de certos tribunais, de nítida tendência fazendária, com o objetivo de ampliar a responsabilidade dos sócios. Nesta linha de pensamento, Rubens Requião já fez a seguinte análise crítica a certos julgamentos, especialmente do extinto Tribunal Federal de Recursos, no qual dizia:
Encontramos, com efeito, certos julgamentos, sobretudo do Tribunal Federal de Recursos, em matéria tributária, nos quais se pretendeu envolver a responsabilidade de sócio-quotista por obrigações fiscais, quando a exaustão do patrimônio social não propiciou nenhuma garantia para o pagamento da dívida. Pretendeu-se, nesses casos, promover, com a penhora de bens particulares do sócio, a responsabilidade deste. O Supremo Tribunal, após algumas vacilações, deixou claro que a responsabilidade do sócio somente se torna ilimitada quando resultar de ato infrator da lei ou do contrato [78].
Ainda assim, o sócio que não fosse investido de poderes de gestão não poderia, em princípio, ser responsabilizado por débitos fiscais [79]. A norma do art. 135 do CTN é dirigida apenas aos administradores, uma vez que o simples sócio-quotista não exerce poderes de que possa abusar. Não se poderia enquadrar, nesse caso, a omissão por parte do sócio não-administrador contra atos do administrador, pois a redação legal prevê apenas a forma comissiva [80].
Atualmente, conforme Jorge Lobo destaca, é pacífico na jurisprudência do STJ o entendimento que o sócio não-administrador não é responsável pelas dívidas tributárias da sociedade limitada com a União, Distrito Federal, Estados e Municípios [81]. Nesse sentido, o seguinte aresto do STJ:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO QUOTISTA. ART. 135, III, DO CTN. 1. "Os bens do sócio de umapessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade" (EREsp n. 260.107, Primeira Seção, Ministro José Delgado). 2. Em se tratando de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o sócio que não participa da gestão da empresanão deve ter a execução fiscal redirecionada contra si. 3. Embargos de divergência providos [82].
No mesmo entendimento, o seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SÓCIO SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. INCLUSÃO NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O sócio-quotista sem poderes de administração da pessoa jurídica não é responsável por solidariedade pelos débitos fiscais da sociedade.[...] [83].
Coerentemente, restou afastada a responsabilidade do sócio não-administrador nas sociedades limitadas com o capital já integralizado [84]. Mesmo no caso em que há a dissolução irregular da sociedade, a maciça jurisprudência considera responsáveis apenas os administradores [85].
Em sentido contrário, Amador Paes de Almeida entende que, sempre que a sociedade se dissolver irregularmente, com ofensa à lei e ao contrato, é admissível a responsabilidade residual dos sócios, nos termos do art, 135, I e III, do CTN [86].
2.3 Os débitos tributários na liquidação da sociedade
A norma do art. 134, VII, do Código Tributário Nacional refere-se à responsabilidade dos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Nesse caso, os sócios respondem solidariamente com o contribuinte nos atos que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte [87].
Para Luciano Amaro, "as várias figuras de administradores previstas no artigo só responderão se tiverem concorrido para o não cumprimento da obrigação tributária" [88]. Se a empresa se liquida sem haver o suficiente para arcar com todas obrigações fiscais, por exemplo, a responsabilidade do sócio só ocorrerá se demonstrado que o patrimônio da empresa foi para ele desviado, ou seja, o responsável só responde por tributos impagos em razão de atos em que interveio ou omissões de que foi responsável [89].
Já para Hugo de Brito Machado, embora a responsabilidade no caput do artigo refira-se apenas aos atos que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis, essa responsabilidade aí depende unicamente da condição de sócio, e por isso se restringe à sociedade de pessoas. Por isso, não admite que fosse o caso de responsabilizar os sócios de uma sociedade limitada, visto não considerá-la, em regra, uma sociedade de pessoas [90]. Na verdade, o autor considera, com o mesmo entendimento de Hugo de Brito Machado Segundo, que há valioso argumento no sentido de que a expressão "sociedade de pessoas", na hipótese, é imprecisão técnica do legislador, que na verdade faz referência às sociedades com responsabilidade ilimitada de seus sócios [91].
Houve muita discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza da sociedade limitada. Os que a consideravam sociedade de pessoas invocavam, principalmente, o seu caráter pessoal intuitu personae, e a corrente contrária defendia ser uma sociedade de capital. Hoje, a grande maioria da doutrina a considera um tipo societário híbrido, com características tanto de pessoas como de capital [92]. Independente de ser de capital ou híbrida, o importante é que no conceito de sociedade de pessoas não se enquadra a sociedade limitada [93].
No caso de falência de uma sociedade limitada, como já foi visto, tanto na vigência do Decreto 3.708 como com a vigência do Código Civil de 2002 o sócio é solidariamente responsável pela integralização do capital ainda não realizado. A diferença é que, enquanto antes essa solidariedade ocorria somente no caso de falência, no atual Código a solidariedade ocorre sempre, em qualquer momento.
Na época do advento do Código Tributário Nacional, o STF, cuja jurisprudência era até então pacífica no sentido de reconhecer a irresponsabilidade de sócio por dívida fiscal da sociedade por quotas, passou a acolher a tese fazendária, considerando a sociedade por quotas como uma sociedade de pessoas, para aplicar o disposto no art. 134, VII, do CTN. A interpretação do STF, entretanto, acabou por se pacificar no sentido de não considerar a sociedade limitada como uma sociedade de pessoas, influenciada sobretudo pela doutrina de Aliomar Baleeiro [94].
Aliomar Baleeiro destaca que "sociedades de pessoas, no art. 134 do CTN, são as em nome coletivo e outras, que não se enquadram nas categorias de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade limitada" [95]. No mesmo sentido, Pedro Decomain ensina que nas sociedades limitadas, uma vez integralizadas suas quotas de capital, os sócios não respondem pelas dívidas sociais, incluindo as tributárias, pois como não são sociedades de pessoas, a elas não se aplica esse artigo [96]. Esse foi então o entendimento que se firmou no STJ, pois "o preceito do art. 134 não faz referência alguma ao integrante da sociedade limitada, mas refere-se aos sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas" [97]. Neste sentido, entende também a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
DIREITO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO E DO ADMINISTRADOR DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO: TEM SUA ORIGEM NA PRÁTICA ILÍCITA DO FATO GERADOR, E NÃO NA FALTA DE PAGAMENTO DO TRIBUTO. 1. A responsabilidade tributária do sócio, na liquidação de sociedade de pessoas, prevista no art. 134, VII, do CTN, nas quais não se incluem as sociedades limitadas, que, segundo a doutrina, são sociedades mistas […] [98].
Essa responsabilidade, ressalta José Waldecy Lucena, "somente pode alcançar os sócios que eram gerentes/administradores, não os sócios não-integrantes da administração da sociedade, já que, notadamente em execuções fiscais, vem ocorrendo uma indevida extensão da responsabilidade a estes últimos" [99].
Em sentido contrário, entretanto, Antônio Carlos Diniz Murta [100] entende que a sociedade limitada é uma sociedade de pessoas, e o sócio-quotista, enquadrado no regramento do art. 134, V, e VII, do CTN, responde por culpa in eligendo e in vigilando nos atos em que intervir ou pelas omissões de que for responsável. No mesmo sentido, Júlio César Lorens ressalta que, ainda que subsidiária e solidária, a responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, mesmo do não-administrador, é objetiva [101].
Situação diferente, no entanto, se dá na hipótese de o sócio concorrer para o não-cumprimento da obrigação tributária, pois nesse caso o sócio poderá ser responsabilizado; não pelo inciso VII do artigo 134, mas sim pelo inciso III do artigo 135[102]. Se houver dissolução irregular da sociedade, por exemplo, sendo um ato que caracteriza a infração à lei, pode gerar não só a responsabilidade solidária dos sócios-gerentes, mas também daqueles que não exercem a gerência, se estes colaborarem para a dissolução, como recebendo bens sociais, subtraindo-se à execução pelos créditos tributários devidos. Não serão ilimitadamente responsáveis, mas no limite do que receberam dos bens sociais [103]. Inexiste previsão legal para o não sócio ser responsabilizado na dissolução irregular, mas pela vedação ao enriquecimento ilícito, terá que responder até o montante dos bens a ele desviados [104].
2.4 A responsabilidade perante a seguridade social
De acordo com a Lei 8.620/1993, pelos débitos junto à seguridade social os sócios das sociedades limitadas respondem, solidariamente, com seus bens pessoais. Diz a lei, em seu art. 13:
O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.
Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.
Na vigência do Decreto 3.708, esse dispositivo era uma exceção à limitação da responsabilidade dos sócios, atingindo mesmo os que não exercessem a gerência, e sem haver benefício de ordemque obrigasse primeiro à execução dos bens da sociedade. O Código Civil de 2002 em nada alterou essa regra, seguindo o sócio, nos termos da lei, responsável solidária e ilimitadamente com seus bens, ainda que o capital já esteja integralizado [105]. Manoel Pereira Calças, a respeito dessa exceção, destaca que:
O Instituto de Nacional de Seguro Social (INSS), autarquia federal encarregada da seguridade social, é o único credor das sociedades limitadas que é favorecido expressamente pelo sistema legal para o fim de responsabilizar ilimitadamente os sócios das sociedades limitadas pelo pagamento das contribuições sociais de responsabilidade da sociedade [106].
No caso das dívidas previdenciárias, portanto, Amador Paes de Almeida apura como majoritária a doutrina no sentido de que os sócios e os administradores respondem solidária e ilimitadamente [107]. A jurisprudência também tem considerado a responsabilidade como objetiva dos sócios ou administradores pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados [108]. O que há divergência, entretanto, tanto na doutrina como na jurisprudência, é quanto à fundamentação da responsabilidade destes, e se essa responsabilização se estende aos sócios não-administradores, ou somente aos administradores.
Para Gustavo Saad, ainda que fazendo referência à natureza tributária das contribuições sociais, a responsabilização dos sócios está sujeita à disciplina diversa da dos tributos em geral, e tanto os administradores como os sócios cotistas responderão solidária e subsidiariamente com a sociedade [109]. Sérgio Campinho entende como válida a regra do art. 13 da Lei 8.620/1993, estando os administradores sócios aí incursos. Quanto aos administradores não sócios, conforme o parágrafo único do artigo, o autor considera que estes respondem solidária e subsidiariamente, com seus bens pessoais, por dolo ou culpa [110].
A jurisprudência do STJ não é pacífica quanto a essa matéria. Entendendo como válida a regra da Lei 8.620, o voto do Ministro Teori Albino Zavascki, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 374.139/RS:
Assim, nos casos de débitos para com a Seguridade Social, a responsabilidade atribuída pelo citado dispositivo ao sócio-cotista tem respaldo no art. 124, II, do CTN. Nessa situação, portanto, por ser a responsabilidade de todo e qualquer sócio imposta por determinação legal, não há cogitar da necessidade de comprovação, pelo credor exeqüente, de que o não-recolhimento da exação decorreu de ato praticado com violação à lei, ou de que o sócio deteve a qualidade de dirigente da sociedade devedora. Todavia, cumpre salientar que o prosseguimento da execução contra o sócio-cotista, incluído no rol dos responsáveis tributários, fica limitado aos débitos da sociedade no período posterior à Lei 8.620/93, que não pode retroagir para alcançar o patrimônio do sócio quanto à satisfação de obrigações anteriores à sua entrada em vigor. Quanto aos débitos anteriores, aplica-se a sistemática geral de responsabilização subsidiária prevista no art. 135 do CTN [111].
Admitindo a responsabilidade objetiva dos sócios por dívidas junto à previdência, mas não com o respaldo na Lei 8.620, a seguinte decisão do Tribunal Federal da 4ª Região:
EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. SÓCIO. RESPONSABILIDADE. MASSA FALIDA. MULTA. 1. É dispensável a prova de que o sócio agiu com excesso de poder ou infração à lei, uma vez que o simples deixar de recolher as contribuições previdenciárias na época própria caracteriza infração à lei, levando à responsabilidade do sócio pelos débitos da empresa. 2. O sócio responde pelo pagamento de multa por força da legislação tributária, sendo que esta exclui tal pagamento, apenas com relação à massa falida [112].
Em sentido contrário, o voto do Ministro do STJ Luiz Fux, no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial nº 536.098/MG:
É cediço que a contribuição para a seguridade social é espécie do gênero tributo, devendo, portanto, seguir o comando do Código Tributário Nacional. O CTN, por seu turno, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar. Destarte, não há que se falar na aplicação da lei ordinária 8.620/93, posto ostentar grau normativo hierarquicamente inferior ao CTN, mercê de esbarrar no princípio da hierarquia das leis, de natureza constitucional, que foge aos limites do recurso especial traçados pela Constituição Federal, ao determinar a competência do STJ [113].
Neste sentido, Jorge Lobo também entende que a responsabilidade dos sócios das limitadas pelas contribuições previdenciárias segue o tratamento dado às dívidas fiscais [114]. Sendo assim, para Amador Paes de Almeida, a responsabilidade solidária recai, então, exclusivamente sobre o sócio gerente [115]. Neste sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região inclusive já entendeu como inconstitucional o art. 13 da Lei 8.620/1993, corroborando o entendimento de que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre responsabilidade tributária, conforme demonstra o seguinte aresto:
EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. SÓCIOS SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. ART. 13 DA LEI 8620/93. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Incabível a responsabilização do sócio que não exercia poderes de administração da sociedade. 2. O Plenário desta Corte declarou inconstitucional o artigo 13 da Lei nº 8620/93 na parte em que estabelece: "e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada" por invadir área reservada à lei complementar, vulnerando, dessa forma, o art. 146, III, b, da Constituição Federal. […] [116].
Para essa parte da doutrina e da jurisprudência, portanto, incide quanto aos débitos previdenciários a norma do art. 135, III, do CTN, com preterição do art. 13 da Lei 8.620/1993, qualificando-se como responsável tributário apenas o sócio com poder de gerência ou administração da sociedade limitada [117]. Não haveria assim a atribuição de responsabilidade objetiva ao administrador nas hipóteses em que este deixa de recolher as contribuições previdenciárias, conforme exposto por Rodrigo Campos Zequim, o qual considera que:
também nestas hipóteses, o não-recolhimento destas contribuições só configurará infração à lei prevista no artigo 135 do CTN quando estiver presente o elemento subjetivo na conduta do administrador, como no caso em que este se apropria indevidamente dos valores descontados dos salários dos empregados. Assim, deixando o administrador de recolher as contribuições em razão de dificuldades financeiras que atravessa a empresa, não pode lhe ser atribuída a responsabilidade do art. 135, III, do CTN, pois não estará caracterizada a infração à lei em sentido estrito [118].
Neste sentido, a jurisprudência do Tribunal regional Federal da 4ª Região:
EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NÃO É OBJETIVA. ALTERAÇÃO UNILATERAL DE ACORDO DE PARCELAMENTO COM REDUÇÃO DE PARCELAS. 1. A responsabilidade tributária, prevista no art.135, do CTN, não é objetiva, devendo ser comprovada, pelo exeqüente, a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, bem como, a má-fé. 2. O simples não recolhimento das contribuições não configura infração à lei para efeito de responsabilidade pessoal pelo débito. Ilegitimidade passiva do sócio executado.[...] [119].
No mesmo sentido, o seguinte aresto do STJ:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - SÓCIO GERENTE -RESPONSABILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte pacificou-se no sentido de não admitir seja responsabilidade objetiva do sócio gerente o não recolhimento de tributos e contribuições. 2. A imputação da responsabilidade só é admitida quando comprovado haver comportamento doloso ou culposo por parte do sócio, hipótese configurada nos autos de forma cristalina, porque condenada uma das sócias na esfera penal, por arrecadação e não recolhimento de contribuições previdenciárias. 3. Responsabilidade limitada ao período em que esteve a sócia à frenteda administração da empresa. 4. Recurso especial improvido [120].
Por fim, cabe-se ressaltar que, desde a alteração do art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 20, de Dezembro de 1998, passou a ser de competência da Justiça do Trabalho "a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir". Quanto à responsabilização dos sócios, a tendência da Justiça do Trabalho é de entender no sentido de que mesmo os sócios-quotistas são responsáveis. O Tribunal Regional do Trabalho de da 3ª Região já proferiu decisão nesse sentido:
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - EXECUÇÃO PREVIDENCIÁRIA - POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO SÓCIO - O art. 13 da Lei 8.620/93 é de clareza meridiana ao dispor que "O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social." Portanto, não há nulidade no direcionamento da execução previdenciária contra o sócio da empresa, devedor solidário, eis que o título executivo é a sentença homologatória do acordo com reconhecimento de parcelas trabalhistas que dão ensejo à incidência da contribuição previdenciária, cujo adimplemento forçado cabe a esta mesma Justiça, por força da competência atribuída pelo art. 114, VIII, da CF/88. Veja-se que esta execução tem contornos peculiares e, em verdade, substitui aquela regulada na Lei 6.830/80, cujo art. 4º, V, prevê expressamente a possibilidade de ela ser promovida contra "o responsável, nos termos da lei, por dívida tributária ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado" [121].
2.5 A responsabilidade do ex-sócio
Na sociedade limitada, como já foi visto, a responsabilidade de cada sócio é, em princípio, restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital. Logo, se ao retirar-se da sociedade, o capital social ainda não foi completamente integralizado, o ex-sócio continua responsável no limite do capital faltante, observado o prazo de dois anos, conforme o disposto no parágrafo único do art. 1.003 do Código Civil [122]. Logo, à exceção deste caso, como a simples condição de sócio não implica a responsabilidade tributária, o ex-sócio só poderá ser responsabilizado se exerceu cargo de gerência na sociedade, e se agiu com abuso de poder ou se infringiu lei ou contrato social. Ainda assim, essas obrigações tributárias cuja responsabilização se busca deve ter resultado de tais atos administrativos societários. A situação é regida pelo art. 135 do CTN e, se o ex-sócio não era o administrador, não há que se falar, via de regra, em responsabilidade deste [123].
O seguinte aresto demonstra o entendimento do STJ:
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. EX-SÓCIA DE SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE DE SÓCIOS. LIMITES. ARTIGO 135, INCISO III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. Já se encontra assente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, em relação às dívidas fiscais contraídas por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou de poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, a teor do que dispõe a lei tributária, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. […] [124].
Portanto, se o sócio se exonera regularmente da sociedade, sem extinção ilegal da empresa, sem ter agido com excesso de poderes ou infração à lei ou ao contrato social, não será ele responsável por dívida tributária da sociedade. Nesse entendimento, Amador Paes de Almeida leciona que "o sócio que se retira regularmente da sociedade, continuando a empresa suas atividades normais, não tem responsabilidade por dívidas fiscais apuradas e cobradas posteriormente, ainda que contraídas ao seu tempo de sócio" [125].
E não só "descabe responsabilizar-se pessoalmente sócio que se retirou regularmente da empresa que continuou em atividade, mas que só posteriormente veio a extinguir-se de forma irregular" [126], como tampouco prospera a execução fiscal ajuizada contra ex-sócio, quando a sociedade da qual se retirou foi regularmente dissolvida [127]. Logo, as condições que podem (mas que não necessariamente irão) gerar a responsabilidade do ex-sócio de uma sociedade limitada são que ele tenha exercido a gerência e que ele tenha a responsabilidade comprovada pelos débitos da sociedade, por ter infringido a lei ou o contrato.
CAPÍTULO III - A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES
3.1 A administração nas sociedades limitadas
Em geral, "administrador" é o gênero do qual "diretor", "gerente" e "representante" são espécies. Juridicamente falando, entretanto, "gerente" é o administrador da sociedade. Mas não importa o nome dado ao cargo, mas sim as atribuições ou poderes que lhe são conferidos pela lei ou pelo contrato. Essa importância reside no fato de o Código Tributário Nacional imputar a essas figuras a responsabilidade pelos créditos decorrentes de obrigações tributárias resultantes de atos praticados com abuso de poder, infração de lei ou do contrato social [128].
Importante, outrossim, é a definição da natureza jurídica da relação entre a sociedade e o administrador, para se demonstrar a natureza da responsabilidade do administrador [129]. Para a exteriorização da vontade da sociedade e condução dos negócios sociais de acordo com as metas dos sócios, é imprescindível a intermediação de um órgão que, na sociedade, é a administração [130]. Gustavo Saad conceitua a administração da sociedade limitada como:
o órgão societário, composto por uma ou mais pessoas naturais, com poderes específicos atribuídos pelo contrato social para administrar a sociedade no âmbito interno e atuar por ela nas relações jurídicas com outras pessoas naturais e jurídicas, privadas ou públicas [131].
Na elaboração do contrato social, os sócios da sociedade limitada podem dar-lhe uma estrutura simplificada ou podem esquematizar uma estrutura mais sofisticada. A administração pode ser exercida por apenas um sócio, que desempenha a função de gerência e representa ativa e passivamente a sociedade, ou pode estabelecer uma gerência colegiada, em que dois ou mais sócios desempenham a função de administração da sociedade [132].
Na vigência do Decreto 3.708, o uso da firma cabia ao "sócio-gerente", mas se o contrato fosse omisso, todos os sócios dela poderiam usar. Com o Código Civil, fica ultrapassada a antiga designação "sócio-gerente", pois os gestores dasociedade limitada passaram a denominar-se "administradores", podendo o contrato social atribuir-lhes o título de diretores. Se o contrato social atribuir a administração a todos os sócios, essa atribuição não se estenderá aos futuros sócios, exceto se houver outorga específica [133].
Durante o Decreto 3.708, havia a presunção de que os sócios de sociedades limitadas eram administradores, com todas as responsabilidades da posição, e mesmo que o próprio contrato tivesse cláusula dispondo que não eram sócio-gerente, deveriam provar que não estavam envolvidos na administração da sociedade para eximir-se de responsabilização por débitos da sociedade. Quanto a esta questão, importante inovação do Código Civil é a de reconhecer que na sociedade limitada os sócios não são automaticamente administradores da sociedade [134]. Isto quer dizer que não há a presunção de que qualquer sócio da sociedade limitada seja administrador, assim como, para o Direito Tributário, não há obrigação solidária ou subsidiária automática em relação ao sócio da sociedade. A solidariedade ou subsidiariedade só ocorrem em decorrência de uma sanção aplicada ante a prática de atos abusivos ou ilegais na condução da administração da sociedade [135].
Pelas razões expostas, note-se que é fundamental para o Estado, como sujeito ativo da relação jurídico-tributária, conhecer a estrutura da pessoa jurídica, para exercer corretamentea formalização do crédito tributário, quando do lançamento, e para a eventual execução fiscal [136].
3.2 O administrador não-sócio
No regime do Decreto 3.708, somente os sócios poderiam integrar a administração, cujos cargos não podiam ser preenchidos por quem não fizesse parte do corpo societário [137]. Era admitida, entretanto, a delegação de poderes de gerência, nos termos do art. 13 do Decreto [138]. Ainda que o teor do dispositivo tenha sido extensamente debatido pela doutrina, tendo interpretação controvertida durante muito tempo, firmou-se o entendimento pelo qual, no silêncio do contrato, a delegação podia ser feita sem restrições [139]. Mesmo que houvesse expressa vedação de delegação no contrato, esta não era nula, mas o sócio-gerente que a fizesse ficava responsável pessoalmente pelas obrigações contraídas pelo gerente-delegado[140].
O Código Civil pôs fim à delegação da gerência a terceiros por ato unilateral do sócio-gerente, mas possibilitou a eleição de administrador estranho à sociedade limitada. Mas para que sejam admitidos administradores não sócios, é indispensável que haja previsão contratual [141]. Devem estar presente no contrato social, devidamente registrado na Junta Comercial, a permissão de administrador não-sócio e todas as responsabilidades e poderes desse administrador.
Por conseguinte, a função de administrador da sociedade limitada, pelo regramento do Código Civil, poderá ser exercida por sócio ou por pessoa estranha à sociedade. A diferença é que se exige, para escolha de administrador não-sócio, aprovação dos sócios por unanimidade, enquanto o capital não estiver integralizado, e por dois terços, se o capital estiver integralizado [142]. A regra para destituição do administrador não-sócio é a mesma para o sócio, ou seja, é necessário a concordância de mais da metade do capital social (art. 1.076, II, do Código Civil). Quanto à responsabilidade do administrador da sociedade, por culpa no desempenho de suas funções, a lei não faz distinção entre sócio administrador e administrador não-sócio, logo, seja qual for a natureza da relação, o administrador responderá pelos débitos tributários da sociedade, nos casos previstos em lei [143].
Do mesmo modo que alguém pode ter sido sócio, mas nunca ter exercido função de administração de uma sociedade, o Código Civil de 2002 passou a permitir que alguém possa ser administrador de uma sociedade limitada da qual nunca foi sócio. Assim, presente o pressuposto do excesso de poderes ou da violação à lei ou do contrato, surgirá a responsabilidade desse administrador que, seja ou não sócio, será responsabilizado com fundamento no art. 135, III, do CTN [144].
3.3 O fundamento da responsabilidade do administrador
Os administradores de uma sociedade limitada possuem o poder de gerir os atos da sociedade, buscando atingir os objetivos da sociedade. Agindo de forma correta, praticando atos em nome e em benefício da sociedade, não assume o administrador da sociedade limitada a responsabilidade por eventuais transtornos que advenham de sua administração [145].
Existe, entretanto, uma constante evolução no direito brasileiro para responsabilizar os administradores, abandonando as simples previsões de que a administração deveria fundar-se meramente no respeito à lei, dentro dos limites dos contratos sociais [146]. Mas para se questionar essa questão, segundo Gustavo Saad, existe um visível problema, qual seja o da "natureza indisponível das regras de admissão de responsabilidade pessoal do administrador da sociedade limitada, tendo em vista a sua derivação do princípio da segurança jurídica e da violação do sistema jurídico vigente" [147].
Como a atribuição da administração é administrar a sociedade, os membros do órgão devem ser diligentes e leais, sendo responsabilizados quando desatendidos os deveres gerais dos administradores [148]. Mas os administradores que poderão ser responsabilizados, nos termos do art. 135, III, do CTN, são apenas aqueles incumbidos dos comandos financeiro e comercial da empresa, que opinam e decidem sobre o recolhimento de tributos, e não, por exemplo, o diretor de um departamento técnico [149]. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou neste sentido:
EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. LEGITIMIDADE ATIVA. DIRETOR TÉCNICO. RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO. 1. Havendo outros sócios com designação contratual para a direção financeira e comercial da empresa, não é responsável tributário o diretor técnico, de departamento autônomo com finalidade técnica específica não sendo caso em que incida o Art. 135, III do CTN. Sentença reformada. Apelação provida para julgar procedentes os embargos de terceiro, excluindo o sócio embargante da execução [150].
A regra, então, é a da irresponsabilidade do administrador pelos atos de representação e gestão ordinária da sociedade, mas respondem pelas obrigações tributárias causadas por culpa no desempenho de suas funções, quando ultrapassam os atos regulares de gestão ou quando procedem com violação do contrato social ou lei [151]. O mero exercício da administração não implica automaticamente responsabilidade do administrador pelos débitos fiscais da sociedade. O fisco deve provar que ele praticou um ato ilícito, e sua responsabilidade decorre desse ato ilícito que ensejou o não pagamento do tributo, e não do simples inadimplemento da obrigação tributária da sociedade [152].
Neste sentido, Itamar Gaino observa que "trata-se, portanto, de uma responsabilidade de natureza subjetiva. Sua caracterização depende do elemento subjetivo da culpa (em sentido amplo, compreensivo do dolo)" [153]. Sendo assim, sem caráter objetivo, o mero não recolhimento do tributo não constitui causa de responsabilidade. Itamar Gaino ainda destaca que:
A imputação da responsabilidade ao terceiro deriva, portanto, da presença de provas diretas ou indiretas (indícios) quanto a ter ele agido maliciosamente, com o propósito de prejudicar o fisco ou, ao menos, com a previsão de que, ao praticar o ato significativo de excesso de poderes, de infração de lei ou do contrato social, poderia tornar a sociedade inadimplente com respeito às obrigações tributárias [154].
Conforme José Waldecy Lucena, é majoritária a doutrina com o entendimento de que se trata de uma responsabilidade subjetiva, na qual há a ocorrência fática de uma conduta ilícita, com liame de causalidade com o dano conseqüente, qualificada pelo elemento subjetivo (dolo ou culpa) [155]. Dessa forma, conclui Zelmo Denari, nem todas obrigações tributárias estão compreendidas nessa responsabilidade, pois "o dispositivo faz expressa referência a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos" [156]. Mesmo assim, somente depois de comprovado que a sociedade não tem bens suficientes para o adimplemento da obrigação, pode o processo ser redirecionado contra o sócio-gerente [157].
A regra do art. 135 do CTN, entretanto, tem sido usada em diversos julgados com o alcance que efetivamente não tem, conforme salienta Hugo de Brito Machado, "ensejando soluções que não se harmonizam com as garantias fundamentais que o nosso ordenamento jurídico oferece, ou que negam vigência a dispositivos expressos de lei" [158]. É importante destacar este aspecto, pois por muito tempo a jurisprudência considerou a simples falta de pagamento do tributo como infração à lei, atribuindo a responsabilidade ao dirigente da pessoa jurídica, onde na verdade há "espaço para a simples culpa, para o dolo específico e também para o estado de necessidade, na medida em que os donos da empresa não tenham numerário ou ordenem verbalmente o não pagamento" [159]. Rubens Requião relembra que:
o Tribunal Federal de Recursos tentou impor jurisprudência nesse sentido, considerando o sócio-gerente ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais, quando a sociedade se tornar insolvente, pela exaustão de seu patrimônio, ou quando, dissolvida, não restar bens para pagar os créditos tributários.O Supremo Tribunal corrigiu o exagero e a injustiça [160].
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, adotou em um primeiro momento a tese da responsabilidade objetiva do administrador da sociedade limitada, pela ausência de recolhimento de tributo, conforme demonstra a decisão a seguir:
TRIBUTARIO - EXECUÇÃO FISCAL - PENHORA DE BENS – RESPONSABILIDADE DO SOCIO - ARTIGOS 135 E 136, CTN. 1. O sócio responsável pela administração e gerência de sociedade limitada, por substituição, é objetivamente responsável pela dívida fiscal, contemporânea ao seu gerenciamento ou administração, constituindo violação a lei o não recolhimento de divida fiscal regularmente constituída e inscrita. [...] [161].
Seguindo o STJ, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu decisão no mesmo sentido:
EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. MEAÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. Desnecessária a produção de prova pericial visando demonstrar a lisura do sócio-gerente na administração da pessoa jurídica uma vez que, nos termos do art. 135, III, do CTN, a responsabilidade dos sócios-gerentes das sociedades por quotas pelos atos praticados com infração à lei decorre da falta de recolhimento do tributo no prazo estipulado.[...] [162]
Mas, posteriormente, o STJ mudou seu posicionamento, e vem julgando acolhendo a tese de responsabilidade subjetiva, não caracterizando o mero não pagamento do tributo infração à lei passível de responsabilização do administrador, conforme expresso no seguinte aresto:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SÓCIO-QUOTISTA. RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO NÃO-PAGAMENTO DO FGTS. AUSÊNCIA DE PROVA DE INFRAÇÃO À LEI, CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTO. 1. O não recolhimento do tributo, por si só, não constitui infração à lei, suficiente a ensejar a responsabilidade pessoal do sócio, devendo-se comprovar a prática de atos fraudulentos ou com excesso de poderes. […] [163]
Em seu voto no julgamento do Recurso Especial nº 662.379, a Ministra Eliana Calmon sintetizou da seguinte maneira a posição do STJ, ao confirmar a decisão do acórdão recorrido:
Sobre o tema da responsabilidade do sócio, estabeleceu algumas premissas para bem interpretar-se os arts. 134 e 135 do CTN, dos quais destacamos: a) o redirecionamento da execução pressupõe o desaparecimento da pessoa jurídica, ou a total ausência de patrimônio que possibilite garantir a dívida fiscal; b) a imputação de responsabilidade pessoal ao sócio não é objetiva, devendo ser demonstrada a conduta culposa ou dolosa do sócio gerente, para só assim ser possível atribuir-lhe pessoalmente a responsabilidade; c) a prova do agir doloso ou culposo do sócio é ônus do exeqüente [164].
Leandro Paulsen, neste sentido, também analisa o entendimento jurisprudencial quanto à questão do inadimplemento do tributo como infração à lei:
O mero inadimplemento de obrigação tributária não é suficiente para configurar a responsabilidade do art. 135 do CTN. Nesse sentido é que se consolidou o entendimento tanto da 1ª como da 2ª Turmas do STJ, que, assim, adotam a melhor posição, acatando a doutrina bastante consistente que já vinha preconizando uma interpretação adequada e sistemática desse dispositivo. Em setembro de 2001, também a 1ª Seção do TRF4 revisou sua posição anterior em sentido contrário para, à luz da nova orientação do STJ, alinhar-se pela interpretação que descarta o simples inadimplemento como fundamento para a responsabilização dos sócios-gerentes [165].
Em outras palavras, no dizer de Luiz Emygdio da Rosa, "só se pode aplicar a referida regra se o ato for ao mesmo tempo tributável, sem ter havido pagamento de tributo, e constituir infração de lei, contrato social ou estatuto" [166]. O auto ainda expressa sua indignação ao dizer que:
Assim, recusamo-nos a aceitar a tese de alguns julgados, entendendo que o mero não pagamento do tributo pela sociedade implica na responsabilidade pessoal do deu administrador. O administrador é órgão da sociedade, e como tal gera a vontade social. Daí a lei estabelecer, como regra, que ele não responde pelas obrigações sociais porque os resultados, positivos ou negativos, dos atos praticados pelo administrador recaem sobre a sociedade. Assim, o administrador só responde pessoalmente, em caráter excepcional, se o ato por ele praticado for com infringência de lei, contrato social ou estatutos (...). A regra é a personificação jurídica da sociedade e, por isso, ela é quem responde pelas obrigações sociais [167].
Esse vem sendo, então, o entendimento quase unânime da doutrina. Neste sentido, Luiz Felipe Difini justifica sua posição dizendo que:
Tal postura simplesmente aniquila o princípio da separação dos patrimônios e responsabilidades das pessoas físicas e jurídicas. A exceção é tão ampla que da regra geral nada sobra, e os sócios-gerentes respondem sempre e por tudo, objetivamente. Sempre que houver execução fiscal terá havido não pagamento de tributos: é obviedade gritante que, se os tributos tivessem sido pagos, o fisco não os estaria cobrando [168].
Sacha Calmon Navarro Coelho ressalta que:
o simples não recolhimento do tributo constitui, é claro, uma ilicitude, porquanto o conceito lato de ilícito é o de descumprimento de qualquer dever jurídico decorrente de lei ou de contrato. Dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134, anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador alheio. No art. 135 o dolo é elementar [169].
Aliomar Baleeiro, fazendo uma análise dos dispositivos sobre a responsabilidade de terceiros no CTN, entende no mesmo sentido:
A responsabilidade pessoal e exclusiva dos terceiros, arrolados no art. 135, se desencadearia com a simples ausência de recolhimento do tributo devido – sem dúvida um ilícito ou infração de lei. Mas, se assim fosse, qual seria a diferença entre os art. 134 e 135? Observe-se que as mesmas pessoas, mencionadas no art. 134, estão repetidas no art. 135, I. (...) Por isso que hipóteses de singelo não pagamento do tributo a cargo de terceiro se enquadram no art. 134 e não no art. 135 [170].
Quanto à responsabilidade de antigos administradores, questiona-se se estes podem ser responsabilizados pelo período em que exerciam cargo de gerência ou administração. Nesse ínterim, surge a dúvida de se o novo administrador pode ser cobrado pelo não-recolhimento do tributo relativo a período em que não exercia a gerência [171]. O STJ tem entendido que o administrador não responde pelas dívidas da sociedade, no período que exerceu a gerência, se dela se afastou regularmente, e a sociedade continuou regularmente suas atividades. Nesse sentido, o voto do Ministro José Delgado, ao transcrever e confirmar a sentença de 1° grau nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 100.739:
"[...] o sócio/embargado retirou-se da sociedade antes do ajuizamento da execução, continuando a empresa a exercer as suas atividades. Esse panorama está caracterizado nos autos, de modo inquestionável, passando a exercer forte influência para a interpretação e aplicação do art. 135, III, do CTN, em face de o embargado não ser apontado como tendo, no exercício de diretoria, dissolvido irregularmente a sociedade nem violado a legislação em vigor ou os estatutos sociais. Esta, após a saída do embargado dos seus quadros sociais, continuou cumprindo as suas atividades. Configurado esse quadro determinador da relação jurídica em debate, há de se acompanhar entendimento jurisprudencial já esposado no âmbito do STJ, em eximir a responsabilidade de sócio quando não lhe é apontada a culpa pelo insucesso da sociedade ou por sua irregular dissolução. [...] O Recurso não prospera, quanto a este argumento. A hipótese que nos é apresentada nestes autos é diferente: o embargante varão alienou suas cotas a terceiros, sem dissolver a pessoa jurídica. Assim, asociedade continuou a existir e operar a empresa, com outros gerentes, por longo tempo após a retirada do Embargante. [...] Se o sócio desligou-se regularmente da sociedade, que permaneceu em plena atividade, não há como falar em responsabilidade solidária." O meu entendimento segue a linha dos precedentes supra-referidos [172].
No mesmo sentido, o Recurso Especial n° 101.597:
TRIBUTÁRIO – SOCIEDADE LIMITADA – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO PELAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS DA PESSOA JURÍDICA (CTN, ART. 173, III) – SÓCIO-GERENTE – TRANSFERÊNCIA DE COTAS SEM DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE – RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR – CTN, ARTS. 135 E 136. [...] 5. Não é responsável tributário pelas dívidas da sociedade o sócio-gerente que transferiu suas cotas a terceiros, os quais deram continuidade à empresa [173].
E corroborando o entendimento, a recente decisão de Embargos de Divergência no Recurso Especial n° 260.107:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES. [...] 4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. [...] [174]
Portanto, conclui Amador Paes de Almeida, "a responsabilidade do sócio-gerente está, obviamente, condicionada à contemporaneidade das obrigações fiscais e do seu gerenciamento" [175]. Ainda assim, cabe-se ressaltar mais uma vez, esta será afastada se este sócio se afastou regularmente do quadro societário da sociedade, que teve continuidade às suas atividades após sua saída.
3.4 Excesso de poder e infração de lei ou de contrato
Quando o art. 135 do CTN menciona "excesso de poderes", está se referindo aos poderes conferidos, pela legislação comum, às pessoas mencionadas em seu inciso II e àqueles decorrentes de mandatos e funções inerentes à sua atividade. Assim, a referida expressão aplica-se, em princípio, somente às pessoas mencionadas no inciso II do artigo. Como o administrador da sociedade limitada recebe seus poderes, em princípio, diretamente do contrato social, qualquer "excesso de poderes" seu caracteriza "infração ao contrato". Mas como poderia haver infração ao contrato que não se caracterizasse como infração à lei, fez-se necessária a presença da expressão "infração à lei" no caput do art. 135, como hipótese de responsabilização [176].
Sem relevar o fato de que qualquer excesso de poder seria uma infração ao contrato, Itamar Gaino escreveu que:
Pratica excesso de poderes, por exemplo, o sócio-gerente que adquire, sozinho, um bem imóvel para a sociedade quando, pelo contrato social, faz-se necessária a presença de mais um sócio ao ato. Não sendo pagos os tributos relacionados a essa operação, ele responde perante o fisco, subsidiariamente à sociedade, segundo o art. 135, III, do CTN.
Nesse caso acontece excesso dos poderes de gestão e de representação da sociedade, a par de caracterizar também, sem dúvida, infração do contrato social, o que constitui outra causa de responsabilidade prevista no art. 135, III, do CTN [177].
Mas o grande problema acerca da responsabilidade atribuída aos administradores das sociedades limitadas pelo crédito constituído em desfavor da pessoa jurídica por eles representada, é justamente quando o crédito é decorrente de prática de atos em infração à lei [178]. Por isso, "é preciso delimitar o conteúdo e a extensão destes atos geradores de responsabilidade do administrador, tarefa esta que vem sendo objeto de controvérsias tanto na doutrina quanto na jurisprudência" [179].
Para Rodrigo Zequim, o que se questiona nesse tema é se a infração à lei prevista no art. 135, caput, do CTN, deve ser compreendida em sentido lato, ou seja, a responsabilidade do administrador se originaria do descumprimento de qualquer norma, inclusive a tributária, ou em sentido restrito, abrangendo apenas a não-observância da lei civil ou comercial. Explanando sua posição, o autor argumenta que:
Assim, deve este ato gerador da responsabilidade tributária do administrador ser compreendido de modo restrito e não lato, pois, caso contrário, qualquer descumprimento de preceito normativo material ou formal levaria à atribuição de sua responsabilidade. [...] Portanto, exemplo de infração à lei cometida pelo administrador, gerando a sua responsabilidade tributária, é a sonegação de tributos, escondendo receitas, manipulando documentos, forjando despesas, escamoteando rendimentos, auferindo "caixa dois" [180].
Logo, conforme Itamar Gaino, a lei referida pelo art. 135, III, do CTN, pode ser tributária ou não:
O que importa, para a imputação da responsabilidade ao terceiro, é a lesão ao interesse do fisco, ou seja, a falta de recolhimento do tributo devido. Essa lesão pode derivar, entretanto, de infração de lei tributária ou de infração de lei civil ou comercial [181].
Exige-se, ainda assim, o elemento subjetivo por parte do administrador, ou seja, que a sua conduta tenha sido praticada de modo a causar prejuízo tanto à empresa como ao fisco, conforme elucida Luciano Amaro:
Para que a responsabilidade se desloque do contribuinte para o terceiro, é preciso que o ato por este praticado escape totalmente das atribuições de gestão ou administração, o que freqüentemente se dá em situações nas quais o representado ou administrado é (no plano privado), assim como o fisco (no plano público), vítima de ilicitude praticada pelo representante ou administrador [182].
Outra questão que se pode discutir é se as obrigações a que se refere o artigo são somente as principais ou também as acessórias. Como o artigo menciona "obrigações tributárias", para José Otávio Vaz o mesmo se aplica tanto ao crédito decorrente da obrigação principal quanto àquele decorrente da obrigação acessória. Mas o autor também entende que a "infração à lei" mencionada no art. 135 não se refere à lei tributária, mas a leis que regem os diversos tipos societários. A aplicação desta regra, entretanto, deve ser feita após a análise do caso concreto, evitando-se dano ao Erário e, também, à empresa [183].
Conforme Hugo de Brito Machado, a violação da lei societária, ensejando a responsabilização do administrador, pode ocorrer em dois momentos distintos:
O primeiro, quando o fato gerador é praticado pelo diretor ou sócio-gerente fora de suas funções, extrapolando os limites impostos pelos atos constitutivos ou pela lei societária. É o caso, por exemplo, do sócio-gerente que realiza operação mercantil vedada pelo contrato social. O segundo, quando embora o fato gerador tenha sido realizado pela pessoa jurídica, a dívida tributária não for adimplida em virtude de ato contrário à lei societária praticado pelo diretor ou sócio-gerente, como é o caso da liquidação irregular da sociedade, do desvio de recursos desta para a pessoa natural do diretor (...). Deve-se distinguir, repita-se, o ato da pessoa jurídica do ato da pessoa natural que corporifica, para se saber quem praticou a infração à lei. Se o tributo (direto ou indireto) não é pago pela pessoa jurídica, que não dispõe de recursos, ou os utiliza para outros fins lícitos (v.g. pagamento de folha de salários), tem-se uma dívida da sociedade não paga pela sociedade. Entretanto, se esse mesmo tributo (direto ou indireto) não é pago porque desfalcado o patrimônio da pessoa jurídica pelos que a dirigem, que dolosamente não recolhem o tributo e do valor respectivo se apropriam, em infração da lei societária, tem-se nítida incidência da norma contida no artigo 135, III, do CTN. Nesse último caso, ressalte-se, não foi da pessoa jurídica o ato que infringiu a lei, não pagando o tributo, mas do seu diretor ou gerente, enquanto pessoa natural [184].
A infração à lei, portanto, pode assumir os mais diversos aspectos, como o débito declarado e não pago, assim exemplificado por Amador Paes de Almeida [185]. Para o STJ, issoconstitui infração à lei para os fins do art. 135, III, do CTN, conforme se observa no seguinte aresto:
EXECUÇÃO FISCAL - SOCIEDADE POR QUOTAS - RESPONSABILIDADE DO SOCIO-GERENTE. Os sócios-gerentes de sociedade por quotas são pessoalmente responsáveis pelas obrigações tributárias concernentes a ICM declarado e não pago, resultante de atos praticados com infração à lei. Infringe a lei quem quer o imposto de seus clientes (embutido no preço de seus produtos) e não o recolhe no tempo, forma e lugar determinado e ainda transfere suas quotas a pessoas fictícias ou sem qualquer patrimônio, para fugir de uma obrigação para com o fisco. Recurso improvido [186].
Para Zelmo Denari, existe importante distinção que depende de o débito ter sido declarado ou não:
Assim, quando uma sociedade comercial desobedece exigências legais (v.g., furtando-se denunciar ou declarar operações tributáveis) sujeita-se, ipso facto, à ação fiscal, podendo a fiscalização proceder o levantamento do qual resulte a lavratura do auto de infração. Neste caso, o debitum decorrente desse levantamento fiscal é, na linguagem do código, uma obrigação resultante de infração da lei, implicando, portanto, responsabilidade pessoal dos administradores daquela sociedade.
A contrario sensu, tratando-se de operações regularmente escrituradas e denunciadas pelo contribuinte, mas, de todo modo, inadimplidas, a responsabilidade pessoal dos administradores deixa de subsistir, por isso que não se trata, com rigor terminológico, de uma obrigação resultante de infração da lei.
A questão não pode assumir outra quadratura: o propósito do legislador foi o de responsabilizar pessoalmente os sócios-gerentes e administradores de empresas privadas quanto às obrigações tributárias resultantes de sonegação, fraude fiscal ou irregularidades, constatadas por iniciativa da fiscalização e apuradas através de auto de infração [187].
Em suma, para se caracterizar a responsabilidade, é imprescindível que o ato cometido seja com infração de lei ou contrato social. Para Luiz Emygdio da Rosa, isso ocorre, por exemplo, quando a sociedade desconta o imposto de renda na fonte de seus empregados e não recolhe o valor correspondente ao erário público, caracterizando apropriação, o não recolhimento de contribuição previdenciária descontada de empregados da sociedade, o não recolhimento de ICMS recebido de consumidor final e tendo ocorrido a extinção da empresa, além da dissolução irregular da sociedade [188].
Itamar Gaino também exemplifica quais as infrações legais, na sua opinião, passíveis de responsabilização do administrador, que poderia até mesmo ser um preceito da própria legislação tributária:
Ocorre infração de lei tributária, por exemplo, quando o sócio-gerente, recebendo dos consumidores finais o ICMS, não o transfere, porém, ao erário público. (...) Ocorre infração da lei civil em caso de alienação de bens da sociedade quando ela já era devedora do fisco, caracterizando-se, aí, a fraude contra credores. A infração compreende também a lei tributária, segundo o art. 185 do CTN (...) [189].
Quanto a esse artigo, note-se que a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, substituiu o seu caput por texto onde foi suprimida sua parte final que dizia "em fase de execução", resultando na presunção de fraude contra o fisco desde a inscrição em dívida ativa, ainda que não tenha se dado início à execução fiscal [190].
Com entendimento contrário aos que consideram o não repasse ao erário do ICMS uma infração à lei, passível de responsabilização do administrador da sociedade, Luiz Felipe Difini só reconhece essa responsabilização nos casos do Imposto sobre Produtos Industrializados, do Imposto sobre a Renda retido na fonte dos empregados, e das contribuições previdenciárias dos empregados:
É correto entender a responsabilidade aos sócios-gerentes ou administradores nos casos de IPI, imposto de renda na fonte descontado de empregados (por expressa disposição legal) e contribuições previdenciárias descontadas de empregados, pois nesses casos o não-pagamento revela mais que inadimplemento, mas descumprimento do dever jurídico de repassar ao erário valores descontados de empregados. Nos demais casos, a responsabilização de sócios-gerentes ou administradores depende de prova de ato praticado com infração da lei, do contrato social ou estatutos, ou com excesso de poderes [191].
Assim como no caso de contribuições previdenciárias, para o IPI e o IR retido na fonte dos empregados, existe legislação específica dispondo sobre a responsabilização dos administradores de sociedades. Dispõe o art. 8° do Decreto-Lei 1.736/1979:
São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo os acionistas controladores, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos decorrentes do não recolhimento do imposto sobre produtos industrializados e do imposto sobre a renda descontado na fonte.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas referidas neste artigo restringe-se ao período da respectiva administração, gestão ou representação.
Observando esta disposição legal, o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPI. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DIRETORES. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. 1. Em análise de plausibilidade de direito, laborou com acerto o juiz a quo, porquanto "a citação de um dos co-devedores, alcança aos demais, bem como de prescrição da exigibilidade, pois esta foi interrompida pela citação, conforme disposto no artigo 176, do CC, e art. 125, III, do CTN; II - o fato de não ter sido notificado de sua inscrição no CADIN, gera apenas penalidade administrativa ao funcionário que deu causa, conforme art. 1º, § 5º, da MP 1542-28/97, não nulidade do ato; III - o fato deste afirmar ser direito apenas da área comercial, não o exime de qualquer responsabilidade, pois os diretores possuem responsabilidade solidária decorrente de lei, conforme o artigo 135, III, do CTN, e art. 158, §2º, da Lei nº 6404/76." 2. Ademais, cumpre lembrar que, em se tratando de débito referente ao IPI, a responsabilidade solidária dos diretores decorre do artigo 8º do Decreto-Lei nº 1.736/79 [192].
No mesmo posicionamento de Luiz Felipe Difini, entendendo que não pagar ICMS não é, por si só, infração à lei, já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. MASSA FALIDA. RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES. Para que possam os administradores da sociedade falida ser tributariamente responsabilizados necessário faz-se que o fisco prove tenham eles agido com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (CTN, art. 135, III), não bastando o simples não-pagamento do tributo, presumindo-se, de resto, ausentes os referidos pressupostos se não foram eles condenados por crime falimentar. Negaram provimento ao agravo. Unânime [193].
Em sentido contrário, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – INCLUSÃO DOS SÓCIOS DA EMPRESA NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS PELA PRÁTICA DE INFRAÇÃO À LEI (NÃO RECOLHIMENTO DO ICMS) QUANDO NO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DA EXECUTADA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 1. Consoante jurisprudência pacífica deste STJ, os sócios gerentes são responsáveis pela dívida tributária da empresa, resultante de atos praticados com infração à lei, a exemplo do não recolhimento do ICMS devido. 2. Quem, na condição de gerente da empresa, deixa de recolher tributos devidos pela sociedade, pode figurar no pólo passivo da execução fiscal contra ela ajuizada. 3. Recurso provido [194].
Há divergência jurisprudencial também quanto à caracterização do não recolhimento do FGTS como uma infração à lei. Entendendo como infração legal, o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. FGTS. INFRAÇÃO À LEI 8.036/90. ART. 135 DO CTN. INCLUSÃO DO SÓCIO DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. 1. Tratando-se o não-recolhimentodas contribuições devidas ao FGTS infração à Lei nº 8.036/90, poderá a Fazenda Nacional, nos termos do art. 135, III, do CTN, cobrar a dívida do sócio da empresa executada, que é co-responsável pelo débito. 2. Agravo de instrumento provido [195].
Em sentido contrário, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO PARA O FGTS. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA OS SÓCIOS-GERENTES. ART. 135 DO CTN. INAPLICABILIDADE. A Eg. Primeira Seção pacificou o entendimento de que a responsabilidade tributária imposta ao sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente, só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Recurso especial improvido [196].
Já foi analisada a questão do não recolhimento do tributo como infração à lei ensejadora da responsabilidade do administrador, cabe agora analisar a questão da dissolução de fato ou irregular como caracterizadora de infração à lei para esse fim. Como destaca Waldecy Lucena, exemplo comum de infração à lei é o encerramento da empresa sem que se dissolva regularmente a sociedade. E como os gerentes obraram, neste caso, contra legem, continuam responsáveis, solidária e ilimitadamente, pelas dívidas sociais [197].
3.5 A dissolução irregular da sociedade
A dissolução de toda sociedade, quando houver causa para que ocorra, deve se dar nos termos da lei, de forma imperativa. Esse procedimento pode se dar da forma mais simples, que é o distrato da sociedade, ao mais complexo, que é a dissolução judicial. À extinção de sociedade limitada que simplesmente encerrou suas atividades, sem que os administradores a tenham dissolvido e liquidado regularmente, a doutrina deu o nome de dissolução de fato [198].
Mas quando ocorre esse encerramento da atividade social e o desaparecimento dos bens, sem que antes se tenha solvido o débito tributário, há uma afronta de lei comercial. Essa dissolução irregular da sociedade constitui a infração de lei de maior profusão nos repertórios jurisprudenciais [199].
Historicamente falando, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, à época de sua competência para julgar a matéria, na tentativa da Fazenda de responsabilizar os sócios de sociedade limitada, invocando o art. 135, III, do CTN, visto o insucesso em responsabilizá-los com fundamento no art. 134, VII, do CTN, acabou acolhendo a tese de que, dissolvida de fato a sociedade por quotas, o sócio-gerente (e não qualquer sócio) responderia pessoal e ilimitadamente pelas dívidas fiscais, por ter agido contra a lei. O Tribunal Federal de Recursos pacificou sua jurisprudência em consonância com a do Supremo Tribunal Federal. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, segue hoje com o mesmo entendimento que tinha o Supremo[200]. Entretanto, já chegou a decidir inclusive pela responsabilidade ilimitada dos sócios, mesmo se dissolvida regularmente, conforme se observa no seguinte aresto:
TRIBUTARIO. CTN. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE.. RESPONSABILIDADE DO SOCIO. I - Dissolvida a sociedade, mesmo que sob o império da legalidade, a responsabilidade dos sócios permanece no que pertine à relação tributária-fiscal. Precedentes. II - Recurso provido [201].
Por muito tempo, e até hoje, a dissolução irregular foi apontada como a hipótese mais característica da responsabilização dos sócios com fundamento no art. 135, III, do CTN. Mas para Leandro Paulsen a irregularidade não atrai incidência do referido artigo porque:
o art. 135, II, do CTN diz respeito à responsabilização por créditos correspondentes a obrigações tributárias "resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos". Ora, a dissolução irregular é posterior, não decorrendo dela as obrigações tributárias. Assim, não é suficiente, por si só, para trazer os sócios automaticamente para a posição de sujeitos passivos das obrigações tributárias da sociedade, na qualidade de responsáveis tributários. Há precedentes do TRF4 destacando que a invocação, pelo credor, da dissolução irregular da sociedade, é insuficiente para que se configure a responsabilidade dos sócios e para se possa contra eles ajuizar ou redirecionar execução, apontando a necessidade de, mesmo em tal situação, haver a demonstração de atos dolosos ou culposos que impliquem a responsabilidade. O STJ tem precedentes recentes reafirmando que a dissolução irregular configura a responsabilidade e no sentido de que a dissolução irregular inverte o ônus da prova [202].
Mas para rebater esta posição, Hugo de Brito Machado ensina:
O próprio nascimento da obrigação tributária já teria de ser em decorrência de atos irregulares, mas tal posição levaria a excluir-se a responsabilidade em exame toda vez que os atos irregulares, violadores da lei ou do estatuto, fossem posteriores à ocorrência do fato gerador do tributo. Operar-se-ia, assim, injustificável redução no alcance da regra jurídica em estudo [203].
Por isso, conforme já foi dito, a jurisprudência já vem entendendo há algum tempo que existe a responsabilidade do administrador quando houver dissolução irregular da sociedade, por constituir uma infração à lei, conforme explica decisão do STJ:
TRIBUTÁRIO - RESPONSABILIDADE DE SÓCIO (ART. 135 DO CTN). 1. A solidariedade do sócio na responsabilidade tributária é subsidiária, o que difere da solidariedade do Código Civil. 2. O sócio só deve ser acionado depois da empresa, não se lhe imputando a responsabilidade por simples inadimplemento da obrigação tributária. 3. A responsabilidade do sócio só está presente quando há dissolução irregular da sociedade, comprovado o seu agir com dolo ou culpa. 4. Existindo na empresa outros sócios, não se pode imputar a responsabilidade tributária a sócio que já se retirou da sociedade.5. Recurso especial improvido [204].
Firmou-se, aliás, no STJ, o entendimento que, no caso de dissolução irregular, o redirecionamento da execução fiscal para o administrador independe de dolo ou culpa:
TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA - REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS – POSSIBILIDADE -PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...] 2. A jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de que a responsabilidade do sócio-gerente, em relação às dívidas fiscais contraídas pela sociedade apenas ocorre quando aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, exorbitou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatuto, a teor do que dispõe o artigo 135 do Código Tributário Nacional ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. [...] 4. A dissolução irregular da sociedade oportuniza redirecionamento da execução independente de culpa ou dolo dos sócios. Esse o entendimento adotado neste Superior Tribunal de Justiça: "É cabível o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente quando a sociedade tiver sido dissolvida de forma irregular. Precedentes da Corte." (AgRg no RESP 622736/RS, Ministro LUIZ FUX DJ 28.06.2004) 5. Portanto, ocorrendo a dissolução irregular, afirmativa não contestada nos autos, torna-se possibilitado o redirecionamento da execução contra os sócios, os quais poderão, oportunamente, oferecer embargos do devedor, onde argüirão toda matéria de defesa. O que não é possível é o fisco ficar sem ter a quem dirigir a cobrança do crédito fiscal em face de a sociedade não mais existir. 6. Recurso especial provido [205].
Neste sentido, Pedro Decomain destaca que nossos tribunais "tem entendido, e com razão, que essas extinções irregulares e meramente de fato das sociedades, deixando débitos tributários, mas com desaparecimento total do patrimônio, representam atos de violação à lei por parte de seus administradores, fazendo nascer a responsabilidade pessoal deles pelo pagamento desses tributos" [206].
Seguindo esse entendimento, para Jorge Lobo:
os sócios, gerentes ou não, que decidirem encerrar as atividades operacionais, cerrar as portasdo estabelecimento, furtarem-se ao pagamento das dívidas sociais e evadirem-se, sem dissolver, liquidar e extinguir a sociedade limitada na forma da lei, respondem pelos tributos federais, estaduais e municipais (…) [207].
No mesmo sentido, Amador Paes de Almeida [208], Luiz Emygdio da Rosa [209] e Sacha Calmon Navarro de Côelho[210] entendem igualmente que a dissolução irregular da sociedade resulta em responsabilidade do administrador.
Por fim, cabe-se ressaltar que a insuficiência ou inexistência de patrimônio social por motivos alheios à administração, de caso fortuito ou força maior, não pode ensejar a responsabilidade tributária prevista nos artigos 134 e 135 do CTN [211]. Mas nessas ocasiões os sócios não são eximidos de proceder ao encerramento regular da sociedade, conforme a seguinte decisão do STJ:
PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO. RESPONSABILIDADE NÃO DESCARACTERIZADA. […] 3. A ocorrência do caso fortuito (incêndio), conquanto exonere o representante legal da empresa das obrigações cujo adimplemento restou afetado pela ocorrência do sinistro, tais como exibição de livros e documentos porventura destruídos na ocasião, não o exime das obrigações relacionadas ao encerramento regular das atividades empresariais, com baixa na junta comercial e respectivo pagamento dos créditos tributários. O caso fortuito, in casu, não retira o caráter irregular da dissolução, porquanto não a afeta, tampouco desautoriza o redirecionamento da execução em face do sócio-gerente com fundamento nesta irregularidade. 4. Recurso Especial provido [212].
Portanto, ainda que a sociedade tenha se dissolvido em decorrência de um caso fortuito, isto não retira o caráter irregular da dissolução e a possibilidade de redirecionamento da execução contra o administrador caso não seja feita a sua dissolução nos termos da legislação comercial.
3.6 A apuração da responsabilidade e outros aspectos processuais
Ao analisar a questão da inclusão do sócio administrador no pólo passivo de uma execução fiscal, é preciso recorrer à chamada Certidão de Dívida Ativa (CDA). Essa certidão é o título executivo extrajudicial, do qual a Fazenda Pública vale-se para executar tributos não pagos. Ela goza, segundo o art. 204 do CTN, c/c art. 3º da Lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais) dos pressupostos de liquidez, certeza e exigibilidade, devendo nela constar, entre outras informações, o nome do devedor e dos co-responsáveis. Ela é a peça instrutória da ação de execução fiscal, mas necessita de um processo administrativo tributário para lhe garantir essa liquidez, certeza e exigibilidade [213].
Entretanto existe uma divergência na doutrina e na jurisprudência quanto ao procedimento para se apurar a responsabilidade dos administradores da sociedade. Conforme relata Rodrigo Campos Zequim, para alguns autores, a Certidão de Dívida Ativa só tem presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do crédito contra o devedor principal (pessoa jurídica), mas quanto ao responsável, não traz prova alguma que a ele devam ser estendidos os efeitos da execução. Mas o posicionamento majoritário é, em sentido contrário, o que admite a apuração da responsabilidade do administrador pelas dívidas da sociedade pela sua simples citação na execução fiscal, ainda que seu nome não conste da CDA [214].
Seguindo a corrente majoritária, Itamar Gaino entende que o fato de não constar o nome do sócio-gerente como responsável não impede o redirecionamento da execução contra ele [215]. Neste sentido, Luiz Felipe Difini ensina que a responsabilidade da execução aos administradores pode ser apurada nos próprios autos da execução fiscal movida contra a sociedade e mesmo que seus nomes não constem no título executivo, ou seja, proposta a execução contra a sociedade e não encontrada esta, a execução é redirecionada contra os administradores, prosseguindo com sua citação em nome próprio e penhora de seus bens particulares [216].
No mesmo sentido, Luiz Emygdio da Rosa entende que "é irrelevante para a execução fiscal o fato de não constar o nome do responsável tributário da Certidão da Dívida Ativa" [217]. Isso porque, acrescenta Leandro Paulsen, não é necessária, por parte do fisco, a comprovação exaustiva da responsabilidade do administrador, "pois, neste momento, estará o Juiz simplesmente verificando a legitimidade passiva, o que lhe cabe fazer de ofício. Eventual dilação probatória dependerá de provocação do executado em sede de Embargos" [218].
Nesse caso, caberia então aos sócios ou administradores demonstrarem que agiram de forma regular, ou seja, criou-se o ônus ao sócio de primeiro ter seus bens apreendidos judicialmente, para então se opor à cobrança, decorrente de uma presunção relativa, em favor do fisco, de que o sócio sempre age de forma irregular, impondo-se a ele o difícil encargo de fazer prova negativa [219].
Ricardo Zequim entretanto, com posicionamento divergente, por ter a apuração de responsabilidade complexa análise de cognição, entende que parece mais razoável o entendimento minoritário que defende pela existência de um processo administrativo prévio para a apuração da responsabilidade tributária dos administradores de sociedade. O autor esclarece seu posicionamento ao dizer que:
o administrador só poderá ser citado juntamente com a empresa para responder a um processo executivo fiscal, na hipótese em que seu nome também conste da Certidão de Dívida Ativa, título hábil para a propositura da execução, comprovando-se, assim, a ocorrência de anterior processo administrativo ou judicial em que foi apurada a sua responsabilidade [220].
No mesmo sentido, Humberto Theodoro Jr., ainda que reconhecendo a forçosa jurisprudência em sentido contrário, entende por "inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidades de terceiros ou coobrigados que não figuram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa" [221].
Neste sentido, para José Otávio Vaz, que entende como pessoal a responsabilidade do administrador, a obrigação tributária deve ser constituída em nome daquele que deve responder por ela, no caso, o responsável. Portanto, dentro de seu posicionamento, o autor entende igualmente que deveria haver processo administrativo prévio, com o devido lançamento do débito em nome do responsável e extração de Certidão da Dívida Ativa em nome deste [222].
Já a jurisprudência tem entendido praticamente em sua unanimidade não ser necessária a prévia inscrição do débito da sociedade em nome do sócio-gerente para que a execução seja direcionada contra ele, bastando, por vezes, um simples pedido da Fazenda Pública para que o magistrado mande citar o administrador, juntando com a CDA a cópia do contrato social da sociedade. Conforme o ministro José Delgado, esse já é o entendimento remansoso do STJ [223]. Neste sentido, o recente aresto do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO DE SÓCIO INDICADO NA CDA. PROVA DA QUALIDADE DE SÓCIO-GERENTE, DIRETOR OU ADMINISTRADOR PELO EXEQÜENTE. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA DA CDA FORMULADA COM BASE NOS DADOS CONSTANTES DO ATO CONSTITUTIVO DA EMPRESA. É consabido que os representantes legais da empresa são apontados no respectivo contrato ou estatuto pelos próprios sócios da pessoa jurídica e, se a eles se deve a assunção da responsabilidade, é exigir-se em demasia que haja inversão do ônus probatório, pois basta à Fazenda indicar na CDA as pessoas físicas constantes do ato constitutivo da empresa, cabendo-lhes a demonstração de dirimentes ou excludentes das hipóteses previstas no inciso III do art. 135 do CTN. A certidão da dívida ativa, sabem-no todos, goza de presunção juris tantum de liquidez e certeza. "A certeza diz com os sujeitos da relação jurídica (credor e devedor), bem como com a natureza do direito (direito de crédito) e o objeto devido (pecúnia)" (in Código Tributário Nacional comentado.

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