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UM ROMANCE DE CHICO BUARQUE tJtoryo é um livro brilhante, escrito com engenho e mão leve. Empoucas liúas o leitor sabe que está diante da lóúca de u_u fo._u- a naÍâüva corre em ritmo acelerâdo, na primeira pessoa e no presente: aação que presenciamos consiste nta, raz, vê e.imasin". A rinsuus",i: l"ïï"" ïi,ïffi'":ffi:j:"J:::ï:, tratade ser despretensiosa _ palavras de um homem quafqu". _,'aì. arnda asslm abeÍa para o lado menos imediato das coiìas. Acombina_ ção funciona muito e produz uma poesia especial, que é u; ;;;;.Chico Buarque. A expressão simples faz pú. O".ituuço"rrnul..iil. "complexas do que ela. _ . O romance começa com o narrador semidormido diante do olho mágico de um quarto-e_sala. A cara do outro lado da poÍa, ;;.;;; cida nem desconhecida, o decide a tomar a fuga que irá movimentar oentrecho. Havia razão? Não havia? Alucinaçães e reatiAaOe receUen,tratamento literifuio igual, e têm o mesmo grau de evidência. Como aforça motivadora das primeiras é maior, o "ii.u ," to-u ooiri"o "ìuiulizado: o futuro pode dar mais errado ai"Ou. eint"rp"n"t uça;";*;dade e imaginações, que requer boa técnica, torna os fa;. po.o;;;.Esta caraé feita de outras caras, a barbu "u "ont "ço a. out o q;ü;presente é composto de outros momentos. Orelatosecoe factui aoou" está aí, bem como do que não está, ou da ausência na presed.;;;; transmutação da ficção de consumo em li reratura exilente (uqu.iu qu.busca estar à altura da complexidaoe oa vroa.y. As necessidades da fuga, com suas pressas e seus vagares, filtram o sentimento da cidade. O Rio existe ìortemente no l;";", _;.;; maneira Íntima, de relance, sem nada de cartão_postâI. Nu, ""rurlni_ 178 179 ciais háo que se poderia chamar de emoçãodatopografiae dos contras- tcs: o narrador desce às carreiras a escada de serviço, dobra a esquina que há um momento observara do sexto andar, corre pelo túnel na con- tramão, emerge aliviado noutro bâirro, onde respiÍa outros ares' e começa a subida da encosta em direção ao verde e às mansões de blin- dex, de onde vê o oceano. O leitor conffa na imaginação a poesiadessa seqüência. Dependendo clo ponto de vista, o narrador é umjoão-ninguém ou umfilho-famíliadesgarrado' O primeiro mora num quarto-e-sala, anda de jeans, camiseta branca e tênis, bebe água na pia de mictórios fedi- dos, e arrasta a sua mala pelas calçadas. Mas sabemos também que o seu falecido pai tinha naturalidade para gritar com empregados; que a mãe fica quieta quando atende o telefone, porque acha impróprio uma senhora dizer alô; que a irmã, casada com um milionário, mora na man- são de blindex; que o belo sítio da famflia virou plantação de maconha e refúgio de bandidos. Pode-se dizer também que se trata de um filho-famflia vivendo como joão-ninguém a caminho da marginalidade. Quais os conflitos embutidos nessa composição? Note-se que a tônica do romance não está no antagonismo, mas na fluidez e na dissolução das fronteiÍas entre as categorias sociais - estaríamos nos tornando uma sociedade sem classes, sob o signo da delinqüência? -, o que não deixa de assinalar um momento nacional. Ainda assim, não se entende o nivelamento sem considerar as oposições que ele desmancha. A fala em primeiro plano, muito simpática, é do homem qualçer' cuja ética é uma estética, ou cuja birra das presunções sociais se tÍaduz' no plano da expressão, pela exclusão de fricotes e afetações literá-rias' Desse prisma, refinado a seu modo, e cuja data é o radicalismo estudan - úl dos anos í), o luxo dos ricos não passade desafinação' Acasa de con- creto e vidro está errada, os cavalheiros com caÍa de iate cìube também' e a irmã muito produzida idem: "Eis minha irmã de peignoir, tomando café da manhã numa mesa oval". Mas os tempos são outros, e a antrpa- tia pelo dinheiro não impede o nâÍÍador de aproveitar uma visita paÍa roubar asjóias que o levarão para o campo da marginiália Por seu lado os ricos não lhe condenam o temperamento "de anista", como aliás não antipatizam deveras com o mundo do crime. O assunto que excita o cunhado é o estupro de que foi vítima a mulher, que entretanto flerta com o delegado que se encarregou do caso' o qual se dá com os bandi- dos, que podem seros do crime ou outros. Uma promiscuidade apocir lípúca, à qual todos já parecem acostumados, e que pode ser ima ina. ção do narrador, mas pode também não ser. Comà a geografia, a hlstr; ria está neste livro só indiretamente, mas faz a sua força. Numa grande cena de rua, com corre_corre, camúurões e rv, uma baixinha com cara de índiaprocura impedir a prisão do filho, aos gritos e com bons argumentos. O narrador sente que vai ficar a favor delal m as logo vê que se enganou, pois a mulher pára de gritar quando percebc que não está sendo filmada. O episódio, que o narrador preferia que não úvesse acontecido, explica muita coisa, talvez marque umhorizãnteoe época. O desejo de tomar o paíido dos pobres e de vê_los defender na rua os seus direitos sobe de supetão, para se apagar em seguida. É como um reflexo antigo, antediluviano, hoje uma reação no vazio, já que a alegria do povo é apaÍecer na televisão. O desójo de umu.o.i"àud" diferente e melhor parece ter ficado sem ponto àe apoio. Estaríamos forçando a nota ao imaginar que a suspensão do júzã moral, a quase_ atoniacom que o narrador vai circulando entre as;ituações e ", "ü...",sela a perplexidade de um veterano de 6g? O outro local importante do livro é o velho sítio da famíia. Como espaço da infância, da gente simples e da naturez4 pareceria um refú_gio, o remédio para os desajustamentos do narraAor. Ao chegar lá, entretanto, este encontra um povo _ criançâs inclusive _ organizado e_escravizado para a contravenção, siderado por videogames]motoci_ cletas, blusões e tintura para cabelos, além de preparado para negociar com as autoridades. Ou seja, fechando o círculo, a mesma coisa ãue nu mansão de blindex: no reservatório das vinudes anügas não há mais água limpa.Assim, depois dos tempos em que apobrezãignorante seria educada pela elite, e de outros tempos em que os malfeitos dos ricos seriam sanados pela pureza popular, chegamos agora a um atoleiro deque ninguém quer saire em que todos se dão mal. - Por um paradoxo profundamente modemo, a indefinição interior dos caÌacteres tem como contrapaÍida uma visibilidade intensificada, Gestos e movimentações têm a nitidez a que nos acostumam a históri:. emquadrinhos, as gags de cinema, os episódios dew, bemcomo o so_ nho ou o pesadelo. Essa exatidão, muito notável, decorre em primeiro lugar da felicidade literária e da observação segura do escritor, e tam_ bém da escola do romance policial. Mas há nela um outro aspecto, bempeÍturbador. E como se no momento ela não fosse apenas urna qualida_ 180 181 de artística, mas uma aspiração real das coisas e das pessoas ao Ïrgun- no "uia"ot", uo togotipó delas mesmas A irresistível atração da mídia ensinâe ensaia afigura cornunicável' o comportamento que câbe nüma fórmula simples, onde apalavrae acoisacoincidam E poresse laoo oe .-üõuri.'i,,iti" que c;ico BuaÍque fixa as suas personag*: Á-Ï: elesante sobe as escadas e gira o corpo' conforme o enslnamento oa moãeto profissional; o marido desfere o saque bufando' como os 1eÌÌls- ,". .áÃi"o".t os marginais fazem roncar as suâs Ìnotos vermelhas' Ãrnu l"ïu qo" "t". mÃrnos já viram em filme' e usam anéis enormes' "u"ìr"t."* ""-. faróis. Ìrialandros, miìionários' empregados' ban- ãiJo. ",nututut-"nte, a polícia, todos participam do mundo.da ima- g"ã, ona" Uiffturn acima de seus conflitos' que ficam relegados a um ãstranho sursis. O acesso ao espetáculo dos circuitos e dos objetos aoì"rno* pu.""" "ompensar de modo mâis do que suficiente a sua substância hoÍenda. ---- Vi*tu no "oniunto' a linha da ação tem a força da simplilidade' aPe- sar das alucinações. A fuga não vai a nenhuma paÍte' ou melhot o nar- raao.-ncu uottaoOoaos mesmos lugares' São reincidências,sem Íim à nistu, e-bora nao possam tamMm ser infinitas' pois a situação ry aqra- "u " ""ao t-. N"t cenas finais o monstÍuoso toma conta' De olhar fixo no qrotesco dos outros, que de fato é extremo' o naÌrador não nota a cros- ta õe sujeira, hematomas, feridas e cacos dê vidro - sem menclonar a "o"i#o *o*f - que acumulou e o deve estâr desfigurando' Essas informações cabe aoleitor reunir, para visuaìizar a. personaeel l,t1 he ìda, nao *"nos -ômala e acomoãada no intolerável que as faunas do io*á ou ao tut-undo. A certa altura, numa de suas alucinações' incons- .ì"ì,ãã".* "tp;"o, o narrador quer abraçar na rua um homem quejul- sa reconhecer Èste não hesita em se defender com uma taca de cozlnna' Ërãp"aì, " ""."0- pega o ônibus e segue viagem' pensando que tal- ue, u -ae, um umigo, u i.aã ou u "*-tulherpossam lhe dar *um canto oár"n* Jlát". r.,uãisposição absurda de continuarigualem circunstân- ãias impossíueis é a fórte metáfora que Chico Buarque inventou para o Brasil contemporâneo, cujo livro talvez tenha escúto'
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