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ABORDAGEM HISTóRICA DAS CONTROVéRSIAS METODOLóGICAS NA EDUCAçãO DE surdos

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CONTROVÉRSIAS METODOLÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE SURDOS E O DESPERTAR DO BILINGUISMO: ABORDAGEM HISTÓRICA
Quais foram as primeiras iniciativas de educação de surdos? Quando e onde ocorreram?
 1) Em meados do século XVI (anos 1520-1584) com o primeiro professor de surdos - Frei Ponce de Leon.
Quais as Características do Método de Ponce de Leon? Ele tinha como proposta inicial o ensino da escrita das palavras, acompanhado do objeto correspondente. Mas vejam como esse método tinha suas limitações: como ensinar palavras cujo significado eram conceitos abstratos?
Depois de Ponce de Leon surgiram muitos outros como Juan Pablo Bonet (1579-1633) que desenvolveu seu método associando fala (oralização) e dactilologia (movimentos manuais), começando com o ensino das vogais através do alfabeto manual e depois fazer a transferência da visão para a vocalização.
 
2) Na metade do século XVII surge George Dalgano (1628- 1687). Ele tinha avançado com as ideias iniciais de educar crianças surdas. Acreditou que a criança surda poderia se desenvolver, afirmando que o bebé surdo poderia aprender a comunicar-se desde que a mãe se comunicasse com ele através das mãos. Comparou a eficiência das mãos à eficiência da língua (parte do órgão fonador) para a comunicação. Podemos ver aqui, com Dalgano um crédito à gestualidade como possibilidade de estabelecimento de comunicação.
Quais as ideias ou que pensamentos circulavam na época que possam ter fundamentado essas primeiras iniciativas de educar surdos? Qual o Contexto Histórico? 
Vivia-se o Renascimento. Naquela época (séc. XVI e XVII) vivia-se, também, um momento de supervalorização da oralidade, quando se acreditava que o pensamento só podia ser expresso na forma verbal, mediante a fala. Portanto, naquela época, não falar era intolerável, inaceitável.
Quem se beneficiou desses métodos e dessas práticas, e quais foram os resultados deles? 
Sabe-se que foram experiências pontuais. Seus resultados eram duvidosos e, ainda, que se restringiram aos surdos nobres, não atingindo aos demais surdos.
E o que era feito dos surdos que não tiveram oportunidades educacionais? 
 
 Naquela época o Regime Feudal se exauria, chegava ao fim e, consequentemente, a Industrialização dava seus primeiros passos. Com ela surgem os primeiros aglomerados e a formação das Cidades, permitindo a formação, também, de pequenas comunidades, dentre elas, as comunidades surdas.
Qual a principal decorrência disso? 
 
 A construção e o desenvolvimento social, coletivo e histórico das línguas de sinais. Sabe-se que uma língua não se constrói a partir de indivíduos isolados. Ela é o resultado de interações, ocorrem num determinado lugar e sofrem modificações ao longo do tempo. E assim, ocorreu com as línguas gestuais. Daí se falar em línguas de sinais, no plural. Até esta época, embora alguns pensadores já tenham se referido à língua gestual dos surdos, ela ainda não tinha ganho o status de uma língua, ela ainda não era reconhecida nem valorizada como qualquer outra língua oral.
Pois bem, a humanidade chega ao século XVIII impregnada dessas ideias. Quais as consequências de tudo isso para a educação de surdos? 
 
 O "Império do Oralismo", com o primeiro representante K. Amman (1724), médico suíço, mas residente na Holanda. Ele dava às palavras uma natureza divina. Ele divulgou seu método, porém, conforme alguns historiadores, seus escritos eram muito confusos.
Quando começaram os embates metodológicos? 
 
 Na segunda metade do século XVIII (anos de 1700) quando os oralistas difundem e defendem a ideia de que era preciso superar a surdez mediante a reabilitação da fala, levando o surdo a se comportar como se não fosse surdo; e os gestualistas acreditando no desenvolvimento da linguagem do surdo mediada por sua língua natural, a língua de sinais.
Quais os grandes representantes desse embate?
1) O criador do Gestualismo foi o abade francês Charles Michel de L Epée (1712-1789). Ele reconheceu a língua de sinais utilizada por surdos em Paris. No ano de 1775, fundou com recursos próprios a primeira escola para surdos onde, tanto professor quanto alunos, usavam a língua de sinais parisiense. Os surdos egressos dessa escola tornavam-se professores de crianças surdas, manejavam adequadamente a escrita e puderam, então, ocupar posições importantes na sociedade da época. Seu método pode ser comparado ao atual português sinalizado. Essa experiência se expandiu por vários países da Europa e EUA. Pode-se realçar como consequência deste método e dessa experiência dois elementos importantes: a priorização de desenvolvimento do pensamento e a valorização social do surdo.
2) Contemporâneo de L’Epée, surge o criador do Oralismo, o autodidata e militar alemão Samuel Heinicke (1729-1784). Pouco se sabe de detalhes do seu método, pois Heinicke foi um dos que não divulgou seus experimentos. O eixo de sua proposta se fixava na ideia de que o pensamento só é possível através da língua oral, da fala. Para ele a escrita tinha importância secundária e devia ser ensinada após a oralização. Na época, o método não teve tantos sucessos, no entanto, suas ideias, seus princípios e sua concepção sobre a surdez, o surdo e a educação de surdos permaneceram, até hoje.
Quando se deu o ápice do embate metodológico? 
 No II Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos (1880), quando o oralismo se estabelece oficialmente, e o uso das línguas de sinais fica proibido nas práticas educativas.
Quais as razões para a supremacia do oralismo em detrimento do gestualismo? 
 Acredita-se que além de todos os argumentos de ordem filosófica, religiosa e política, acrescenta-se a condição hegemónica que assumia a Alemanha no contexto político europeu e mundial. Mas havia outro elemento, ainda, que favoreceu a ascensão e expansão do oralismo. Até o século XIX a surdez que era tema de debates sociais e pedagógicos, na passagem do século XIX para o século XX, passa a ser alvo da medicina, momento em que a surdez é compreendida como enfermidade, patologia, doença, falta, deficiência. A partir daí o oralismo ou os oralistas se agarram na ciência médica e se fortificam, então, com o aval da medicina. Nesse contexto, só tinham duas alternativas para o surdo: ou aprender a falar ou ser absolutamente excluído.
No decorrer de mais cem anos muitas coisas ocorreram, muitas pesquisas foram desenvolvidas que trouxeram algumas mudanças importantes. Destaco que:
1) Na década de 1960, a língua de sinais foi reconhecida cientificamente (Stokoe-linguista americano) como uma língua como qualquer outra, com sintaxe, morfologia e semântica própria;
2) A linguagem (linguagem ≠ língua ≠ fala ou gestos) não pode ser ensinada, pois ela é uma estrutura mental interna e complexa que se constrói nas relações e interações sociais e culturais, mediada pelo outro, adulto. Assim, se recomenda, hoje, para que a criança surda desde muito cedo tenha contato sistemático com adultos surdos ou ouvintes usuários da língua de sinais;
3) As pesquisas desenvolvidas nas quatro últimas décadas vêm apontando para o fracasso do oralismo como procedimento pedagógico na educação de surdos. Os resultados disso, aqui no Ceará, pode ser facilmente observado quando nos deparamos com o incipiente nível de escolarização de adultos surdos;
4) A Psicologia Psicogenética (Piaget e Vygotsky) tem nos levado a ter que repensar a aprendizagem como processo e não em seus resultados. Sendo assim somos levados a admitir que existem formas diferentes de aprender;
5) Os estudos desenvolvidos nos últimos trinta anos pela antropologia social tem ressaltado a necessidade do reconhecimento cultural de agrupamentos humanos, levando-nos a pensar a surdez não mais como simples deficiência, mas como uma diferença sócio-cultural fundada, sobretudo, nas experiências e "aprendizagens visuais;
6) É que se aponta hoje para uma proposta de educação bilíngue, garantindo-se a construção da estrutura linguística da pessoa surda,mediada pela língua de sinais, como possibilidade para a aprendizagem da segunda língua (língua portuguesa, no caso do Brasil) na forma escrita e/ou oral, quando possível. Nessa proposta a língua de sinais (Libras) deve ser adotada como instrumento mediador na interação entre professor(a) e aluno(a) surdo(a). Pois, a partir de depoimentos de surdos, é somente através da língua de sinais que eles têm a possibilidade de expressarem seus pensamentos, narrarem fatos, descreverem situações vividas, planejarem suas atividades futuras.

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