Buscar

Unidade II Evolução Histórica do Direito Penal e Escolas Penais

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 27 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Direito Penal I
Professor Rafael De Luca
UNIDADE II - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PENAL E ESCOLAS PENAIS
1. INTRODUÇÃO
Definitivamente, o homem não nasceu para ficar preso. A liberdade é uma característica fundamental do ser humano. A história da civilização demonstra, no entanto, que, logo no início da criação, o homem se tornou perigoso para seus semelhantes. Segundo o livro de Gênesis, capítulo 3, versículo 8, Deus se encontrava com o homem sempre no final da tarde, ou seja, na virada do dia. Seu contato era permanente com Ele. Contudo, após sua fatal desobediência, Deus se afastou do homem. Começava, aqui, a história das penas. A expulsão do primeiro casal do paraíso foi, com certeza, a maior de todas as punições. Logo após provar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem deixou de lado sua pureza original, passando a cultivar sentimentos que até então lhe eram desconhecidos. Anos mais tarde, a desobediência inicial do homem gerou o primeiro homicídio. Caim, enciumado pelo fato de que Deus havia se agradado mais da oferta de seu irmão Abel, traiçoeiramente, o matou. Caim recebeu sua sentença diretamente de Deus, que decretou que ele seria um fugitivo e errante pela terra. A partir desses acontecimentos, o homem não parou de praticar fatos graves contra seus semelhantes. O plano original de Deus era para que o homem tivesse domínio sobre todas as coisas (Gênesis 1: 28). Sua desobediência, contudo, levou-o a distanciar-se de Deus, dando início à prática de comportamentos nocivos àqueles que se encontravam ao seu redor. Todo grupo social sempre possuiu regras que importavam na punição daquele que praticava fatos contrários a seus interesses. Era uma questão de sobrevivência do próprio grupo ter algum tipo de punição que tivesse o condão de impedir comportamentos que colocavam em risco sua existência. Segundo as lições de Maggiore "a pena - como impulso que reage com um mal ante o mal do delito - é contemporânea do homem; por este aspecto de incoercível exigência ética, não tem nem princípio nem fim na história. O homem, como ser dotado de consciência moral, teve, e terá sempre, as noções de delito e pena." A palavra "pena" provém do latim poena e do grego poiné e tem o significado de inflição de dor física ou moral ao transgressor de uma lei. Conforme as lições de Enrique Pessina, a pena expressa "um sofrimento que recai, por obra da sociedade humana, sobre aquele que foi declarado autor de delito". A história do Direito Penal, portanto, confunde-se com a própria história da humanidade. Desde que o homem passou a viver em sociedade, sempre esteve presente a ideia de punição pela prática de atos que atentassem contra algum indivíduo, isoladamente, ou contra ao próprio grupo social. Essa punição não era originária de leis formais, que não existiam naquela época, mas sim de regras costumeiras, culturais, destinadas à satisfação de um sentimento inato de justiça, e também com a finalidade de preservar o próprio corpo social. Obviamente que, no início, as reações não tinham de ser, obrigatoriamente, proporcionais ao mal praticado pelo agente infrator. Em muitas situações prevalecia, como se podia esperar, a lei do mais forte. A ideia de retribuição pelo mal sofrido, ou mesmo de vingança, eram muito claras. Conforme as lições de Magalhães Noronha, "A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça. Em regra, os historiadores consideram várias fases da pena: a vingança privada, a vingança divina, a vingança pública e o período humanitário. Todavia deve advertir-se que esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios característicos de cada um: uma fase penetra a outra, e, durante tempos, esta ainda permanece a seu lado''. 
1.1. Vingança privada 
A primeira modalidade de pena foi consequência, basicamente, conforme explicitado por Magalhães Noronha, da chamada vingança privada. O único fundamento da vingança era a pura e simples retribuição a alguém pelo mal praticado. Essa vingança podia ser exercida não somente por aquele que havia sofrido o dano, como também por seus parentes ou mesmo pelo grupo social em que se encontrava inserido. A Bíblia relata a existência das chamadas "cidades refúgio", destinadas a impedir que aquele que houvesse praticado um homicídio involuntário, ou seja, um homicídio de natureza culposa, fosse morto pelo vingador de sangue. Se, no entanto, o homicida viesse a sair dos limites da cidade refúgio, poderia ser morto pelo mencionado vingador. A lei de Talião pode ser considerada um avanço em virtude do momento em que havia sido editada. Isso porque, mesmo que de forma insipiente, já trazia em si uma noção, ainda que superficial, do conceito de proporcionalidade. O "olho por olho" e o "dente por dente" traduziam um conceito de Justiça, embora ainda atrelada a vingança privada. Conforme esclarecem María José Falcón y Tella e Fernando Falcón y Tella: "durante milênios o castigo dos atos criminais se levava a cabo mediante a vingança privada. A intervenção da coletividade se dava somente para aplacar a cólera de um deus que se supunha ofendido. Se produzia uma identificação delito pecado, ideia que informará durante anos de forma decisiva toda a fisionomia penal. Nesta evolução, o talião supôs um tímido intento a fim de superar a absoluta arbitrariedade com que se aplicava a pena anteriormente". 
1.2. Vingança divina
Seguindo, ainda, as lições de Magalhães Noronha, no que diz respeito à vingança divina: "Já existe um poder social capaz de impor aos homens normas de conduta e castigo. O princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza do deus ofendido. É o direito penal religioso, teocrático e sacerdotal. Um dos principais Códigos é o da Índia, de Manu (Mânava, Dharma, Sastra). Tinha por escopo a purificação da alma do criminoso, através do castigo, para que pudesse alcançar a bem-aventurança. Dividia a sociedade em castas: brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores. Era a dos brâmanes a mais elevada; a última, a dos sudras, que nada valiam. Revestido de caráter religioso era também o de Hamurabi. Aliás, podemos dizer que esse era o espírito dominante nas leis dos povos do Oriente antigo. Além da Babilônia, Índia e Israel, o Egito, a Pérsia, a China etc". Era o direito aplicado pelos sacerdotes, ou seja, aqueles que, supostamente, tinham um relacionamento direto com um deus e atuavam de acordo com sua vontade. Incontáveis atrocidades foram praticadas em nome dos deuses, muitas delas com a finalidade de aplacar-lhes a ira. A criatividade maligna dos homens não tinha limites. As sociedades, nesse período, eram carregadas de misticismos e crenças sobrenaturais. Eventos da natureza, como chuvas, trovões, terremotos, vendavais etc., podiam demonstrar a fúria dos deuses para com os homens e, para tanto, precisava ser aplacada, mediante o sacrifício humano. Alguém era apontado como culpado e, consequentemente, devia ser entregue aos deuses. 
1.3. Vingança pública
A vingança pública surge, nessa fase da evolução histórica do Direito Penal, e fundamentada na melhor organização social, como forma de proteção, de segurança do Estado e do soberano, mediante, ainda, a imposição de penas cruéis, desumanas, com nítida finalidade intimidatória. Nessa fase, ainda há resquícios das fases anteriores, ou seja, a vingança privada continua a ser aplicada no seio das tribos, sendo carregada, também, de misticismos, típicos da fase da vingança divina. Conforme esclarece João Mestiere, "a vingança divina cede naturalmente lugar à vingança pública, produto da paulatina afirmação do direito no contexto sócio cultural. As várias sociedades,já politicamente organizadas, contam com um poder central, procurando por todos os meios se afirmar e manter a coesão e a disciplina do grupo social. Leis severas são ditadas e a sociedade não demora muito a sentir a enorme perda que está sofrendo dia-a-dia, com a aplicação da justiça. As mortes e as mutilações apenas enfraqueciam a tribo, sendo necessário então outra forma de retribuição". Pelo fato de as mutilações serem praticadas com muita frequência, enfraquecendo, sobremaneira, o grupo social, surge uma nova forma de resolução dos conflitos: a compositio. 
Segundo as lições de Maggiore, "ao transformar-se o talião em composição, se realiza o processo subsequente. Assim, o agravo já não se compensa com um sofrimento pessoal, senão com alguma utilidade material, dada pelo ofensor. O preço do resgate, e já não mais o da vingança, está representado pela entrega de animais, armas, utensílios ou dinheiro. E a proporção entre a reparação e o agravo, está contida às vezes na chamada 'tarifa de composição', em sua medida precisa". 
2. DIREITO PENAL NA GRÉCIA ANTIGA. DIREITO PENAL ROMANO. DIREITO PENAL GERMÂNICO. DIREITO PENAL CANÔNICO 
2.1. Direito Penal na Grécia Antiga 
Após passar pelos períodos da vingança privada e da vingança divina, numa terceira época, denominada "histórica", a pena deixou de se assentar sobre fundamento religioso, passando a ter uma base moral e civil, embora essas fases ainda fossem interligadas, ou seja, não havia ocorrido uma separação absoluta entre elas. A evolução mais significativa, de acordo com as lições de Luís Jiménez de Asúa, ocorreu no que diz respeito à responsabilidade, "que durante o transcurso de vários séculos passou de sua índole coletiva, do genos, à individual. Certo que, inclusive nas épocas mais antigas, o direito grego somente castigou o autor, quando se tratava de delitos comuns. Mas, no tocante às ofensas de caráter religioso e político, existiram durante longos períodos sanções de caráter coletivo. Os traidores e os tiranos eram mortos e com eles toda sua família. Glotz assinala episódios históricos de pena de morte coletiva, de privação coletiva de direitos, de expulsão coletiva da paz, chamada pelos gregos atimia, que acarretava terríveis consequências: qualquer um podia matar o excluído da comunidade e apoderar-se de seus bens". 
2.2. Direito Penal Romano
O Direito Romano pode ser considerado um dos marcos mais importantes da nossa história. Roma foi fundada em 753 a.C. e surgiu de uma pequena comunidade agrícola existente na península itálica no século VIII, tornando-se um dos maiores impérios do mundo antigo. Em virtude de uma proposta levada a efeito por um plebeu chamado Gaius Terentilius, em 462 a.C., que se opunha ao modo pelo qual as leis eram conhecidas e aplicadas, principalmente pelos patrícios, foi designado um decenvirato (um grupo de dez homens), que teve por encargo a preparação de um conjunto de leis que, posteriormente, ficou conhecido como Lei das XII Tábuas, que chegou a seu termo e foram promulgadas de 451 e 450 a.C. Foram, originalmente, escritas em doze tabletes de madeira, que foram afixados no Fórum Romano, permitindo, assim, que todos as conhecessem e pudessem fazer a sua leitura. Sua temática estava dividida da seguinte forma: Tábuas I e II - Organização e procedimento judicial; Tábua III - Normas contra os inadimplentes; Tábua IV - Pátrio poder; Tábua V - Sucessões e tutela; Tábua VI - Propriedade; Tábua VII - Servidões; Tábua VIII - Dos delitos; Tábua IX - Direito público; Tábua X - Direito sagrado; Tábuas XI e XII - Complementares. 
Cezar Roberto Bittencourt nos informa ainda: "Nos primeiros tempos da realeza, surge a distinção entre os crimes públicos e privados, punidos pelo ius publicum e ius civile, respectivamente. Crimes públicos eram a traição ou conspiração política contra o Estado (perduellio) e o assassinato (parricidium), enquanto os demais eram crimes privados - delicta - por constituírem ofensas ao indivíduo, tais como furto, dano, injúria etc. O julgamento dos crimes públicos, que era atribuição do Estado, através do magistrado, era realizado por tribunais especiais, cuja sanção aplicada era a pena de morte. Já o julgamento dos crimes privados era confiado ao próprio particular ofendido, interferindo o Estado somente para regular seu exercício. Os crimes privados pertenciam ao Direito privado e não passavam de simples fontes de obrigações. Na época do império romano surge uma nova modalidade de crime, os crimina extraordinaria, 'fundadas nas ordenações imperiais, nas decisões do Senado ou na prática da interpretação jurídica, que resulta na aplicação de uma pena individualizada pelo arbítrio judicial à relevância do caso concreto". E conclui o renomado autor, dizendo que, naquele período, "os romanos não realizaram uma sistematização dos institutos de Direito Penal. No entanto, a eles remonta a origem de inúmeros institutos penais que na atualidade continuam a integrar a moderna dogmática jurídico-penal. Na verdade, os romanos conheceram o nexo causal, dolo, culpa, caso fortuito, inimputabilidade, menoridade, concurso de pessoas, penas e sua medição. Não procuraram defini-los, trabalhavam-nos casuisticamente, isoladamente, sem se preocupar com a criação, por exemplo, de uma Teoria Geral de Direito Penal".
2.3. Direito Penal Germânico
O Direito Germânico primitivo não possuía fontes escritas, sendo suas normas transmitidas por meio dos costumes. Os problemas penais eram resolvidos pela vingança ou pela perda da paz (fried/osigkeit). O agente infrator era colocado fora da proteção jurídica do grupo a que pertencia, podendo ser perseguido e morto por qualquer pessoa. Por essa razão, segundo Aníbal Bruno, a friedlosigkeit "se torna uma modalidade de pena de morte, a mais velha e persistente das formas de reação anticriminal - também a mais absurda, nas condições do Direito Penal moderno". O direito aplicado a cada indivíduo variava de acordo com grupo a que efetivamente pertencia. Aos poucos, o contato com o mundo romano fez com que esse direito consuetudinário fosse sendo modificado, uma vez que Roma prezava por suas leis escritas. As ordálias, ou juízos de Deus, foram amplamente utilizadas pelo Direito Penal Germânico durante toda a Idade Média, onde era considerada uma espécie de prova judiciária utilizada para a determinação da culpa ou mesmo da inocência dos acusados. A palavra "ordália" tem o significado de um julgamento onde não existe interferência dos homens, pois seu resultado depende exclusivamente de Deus. O acusado, portanto, deveria provar sua inocência se submetendo a diversas provas, a exemplo de segurar, durante determinado tempo, uma pedra incandescente ou colocar suas mãos dentro da água fervente. Se suportasse o sofrimento, significava que era inocente e que Deus o havia absolvido; caso contrário, estaria comprovada sua culpa. A vingança de sangue (blutrache) era entendida mais como um dever do que como um direito. Tempos depois, foi superada pela composição, que, no começo, era tida como voluntária e, posteriormente, passou a ser legal. No entanto, conforme assevera Aníbal Bruno, "o uso primitivo de resolver pela força as questões criminais não desapareceu: a prática da vingança recrudesceu com a queda da monarquia franca, quando a influência do Direito romano cedeu novamente o passo aos velhos costumes germânicos, sendo preciso para combatê-la a instituição das tréguas de Deus, do asilo religioso, das pazes territoriais. Penetrou mesmo nas práticas do processo penal. Depois das ordálias, o juízo de Deus acabou prevalecendo sob a forma do duelo judiciário, que reaparece, levando o julgador a reconhecer a razão do mais forte, na realidade tomando a sorte das armas e, portanto, a força como prova do Direito. Era uma consequência, talvez, da predominância do individual no Direito germânico, que o levou a fazer persistir nos regimes jurídicos sob a sua influência, como o dominante no maior trecho da Idade-Média, a vingança privada e a composição entre as partes, ou acentuando apena pecuniária e tomando em consideração, na apreciação do crime, mais o dano que o elemento subjetivo do agente". 
2.4. Direito Penal Canônico 
O ano de 313 d.C. foi fundamental para o Cristianismo. Depois de um longo período de perseguições, o Imperador Constantino, o Grande, proclamou a liberdade de culto, com a expedição do chamado Édito de Tolerância, após sair vencedor na batalha de Monte Milvio, em 28 de outubro de 312, quando, na noite anterior, sonhou com uma cruz, onde nela estava escrito em latim: in hoc signo vinces (sob este símbolo vencerás). Se, por um lado, a suposta conversão de Constantino, interrompendo um ciclo de perseguição aos cristãos, pode ter tido seu mérito, por outro, a igreja cristã primitiva, pura, viu-se impregnada de rituais pagãos, que não foram abolidos pelo Imperador e que permanecem até os dias de hoje, já que Constantino, até seus últimos dias de vida, continuou sendo um "adorador do deus sol''. Em 27 de fevereiro de 380, por meio do Édito de Tessalônica, o Imperador Teodósio I determinou que o cristianismo fosse a única religião autorizada em todo o Império Romano, ao contrário de Constantino, que, embora o tolerasse, não o colocou acima de outras religiões. A partir de então, o poder da Igreja, mesmo impregnada de rituais pagãos, foi crescendo. De acordo com as lições de Heleno Fragoso, "o direito canônico dividia os crimes em delicta eclesiastica (de exclusiva competência dos tribunais eclesiásticos); delicta mere secularia (julgados pelos tribunais leigos) e delicta mixta, os quais atentavam ao mesmo tempo contra a ordem divina e a humana e poderiam ser julgados pelo tribunal que primeiro deles conhecesse. As penas distinguem-se em espiritualesi (penitências, excomunhão etc.) e temporales, conforme a natureza do bem que a atingem. As penas eram, em princípio, justa retribuição (zelo justitiae et bano animo), mas dirigiam-se também ao arrependimento e à emenda do réu (poenae medicinalis). A influência do direito canônico foi benéfica. Proclamou a igualdade de todos os homens, acentuando o aspecto subjetivo do crime, opondo-se, assim, ao sentido puramente objetivo da ofensa, que prevalecia no direito germânico. Favorecendo o fortalecimento da justiça pública, opôs-se à vingança privada decisivamente, através do direito de asilo e da trégua de deus (treuga dei). Por força desta última, da tarde de quarta-feira à manhã de segunda-feira nenhuma reação privada era admissível, sob pena de excomunhão. Opôs-se também o direito canônico às ordálias e duelos judiciários e procurou introduzir as penas privativas da liberdade, substituindo as penas patrimoniais, para possibilitar o arrependimento e a emenda do réu". Até 1917, a Igreja Católica era regida por um conjunto disperso de normas, e chegou-se à conclusão de que havia necessidade de condensá-las em um único corpo, compilando aquelas que estavam em vigor. Assim, em 27 de maio de 1917, foi promulgado, pelo papa Bento XV, o Código de Direito Canônico (Codex Juris Canonici), regulando a organização da Igreja Católica Romana (de rito latino), a hierarquia do seu governo, os direitos e obrigações dos fiéis e o conjunto de sacramentos e sanções que se estabelecem pela contravenção das mesmas normas, o que, na prática, pode ser considerada como a "Constituição" da Igreja Católica. Em 25 de janeiro de 1983, o Papa João Paulo II, substituindo o anterior, promulgou um novo Código de Direito Canônico, que entrou em vigor em 27 de novembro do mesmo ano. 
3. PERÍODO HUMANITÁRIO
As modalidades de penas foram variando ao longo dos anos. A privação da liberdade, como pena principal em virtude da prática de um fato criminoso, é relativamente recente. Até basicamente o período iluminista, as penas possuíam caráter aflitivo, ou seja, o corpo do homem pagava pelo mal que ele havia praticado. Seus olhos eram arrancados, seus membros mutilados, seus corpos esticados até se destroncarem, sua vida esvaía-se numa cruz, enfim, o mal da infração penal era pago com o sofrimento físico e mental do criminoso. Sobretudo a partir do final do século XVIII, as penas corporais, aflitivas, foram sendo substituídas, aos poucos, pela pena de privação de liberdade que, até aquele momento, com raras exceções (a exemplo do que ocorria com a punição dos monges religiosos em seus monastérios, cuja finalidade era levá-los a refletir sobre a conduta praticada, ou ainda com as casas de correção, criadas a partir da segunda metade do século XVI na Inglaterra - houses of correction e bridewells - e na Holanda - rasphuis para os homens e spinhuis para as mulheres), era tida tão somente como uma medida cautelar, ou seja, sua finalidade precípua era fazer com que o condenado aguardasse, preso, a aplicação de sua pena corporal. Santiago Mir Puig sublinha que a evolução histórica das penas ocorreu, sem embargo, sob o signo de uma paulatina atenuação de seu rigor, paralelamente ao aumento do conforto material e da sensibilidade da humanidade ante o sofrimento. Assim, por exemplo, em nosso âmbito de cultura, desapareceram das legislações as penas corporais, como a tortura ou os açoites. O progresso mais importante nesse sentido teve lugar com a passagem do absolutismo do Antigo Regime ao Estado Constitucional. A prisão do acusado, naquela época, era uma necessidade processual, uma vez que tinha de ser apresentado aos juízes que o sentenciariam e, se fosse condenado, determinariam a aplicação de uma pena corporal, de natureza aflitiva, ou mesmo uma pena de morte. Na verdade, sua prisão era destinada a evitar que fugisse, inviabilizando a pena corporal que lhe seria aplicada, em caso de condenação, ou mesmo para que fosse torturado, com a finalidade de obter a confissão do fato que supostamente por ele havia sido praticado. Assim, o corpo do acusado tinha de se fazer presente, razão pela qual, em muitos casos, aguardava preso seu julgamento. No entanto, logo após a execução da sua pena - se não fosse, obviamente, a de morte - era libertado. Essa gradativa substituição fez com que as penas privativas de liberdade fossem ocupando, prioritariamente, o lugar das penas corporais. Até o século XVIII, portanto, as penas mais utilizadas eram as corporais, a pena de morte, além das chamadas penas infamantes e, em alguns casos menos graves, as penas de natureza pecuniária. Com a virada do século XVIII, principalmente após a Revolução Francesa, em 1789, a pena de privação de liberdade começou a ocupar lugar de destaque, em atenção mesmo a um princípio que, embora embrionário, começava a ser discutido, vale dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana. Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas, sim, sobre sua alma. O período iluminista teve importância fundamental no pensamento punitivo, uma vez que, com o apoio na "razão", o que outrora era praticado despoticamente, agora necessitava de provas para ser realizado. Não somente o processo penal foi modificado, com a exigência de provas que pudessem conduzir à condenação do acusado, mas, e sobretudo, as penas que poderiam ser impostas. O ser humano passou a ser encarado como tal, e não mais como mero objeto, sobre o qual recaía a fúria do Estado, muitas vezes sem razão ou fundamento suficiente para a punição. Mediante um raciocínio jusnaturalista, passou-se a reconhecer direitos inatos ao ser humano, que não podiam ser alienados ou deixados de lado, a exemplo de sua dignidade, do direito a ser tratado igualmente perante as leis etc. Até mesmo no que dizia respeito à pena de morte, algumas formas de aplicação foram sendo aperfeiçoadas, com a finalidade de trazer o menor sofrimento possível ao condenado, como ocorreu com a utilização da guilhotina, sugerida por Ignace Guillotin, pela primeira vez no dia 25 de abril de 1792, que consistia em fazer com que a morte ocorresse rapidamente por meio de um golpe seco, produzido por uma lâmina afiadíssima e pesada, que pendia sobre a cabeça do executado. As penas, que eramextremamente desproporcionais aos fatos praticados, passaram a ser graduadas de acordo com a gravidade do comportamento, exigindo-se, ainda, que a lei que importasse na proibição ou determinação de alguma conduta, além de clara e precisa, para que pudesse ser aplicada, deveria estar em vigor antes da sua prática. Era a adoção do exigível princípio da anterioridade da lei. 
3.1. A importância da obra de Beccaria 
O ano de 1764 foi singular para a história do Direito Penal. Naquele ano, veio a público um livro revolucionário, que traduzia as ideias defendidas pelos mais entusiasmados iluministas de seu tempo. Esse "pequeno grande livro", que recebeu o título de Dos delitos e das penas, foi concebido por um Marquês, um homem que, embora gozasse das regalias que sua condição lhe proporcionava, não virava as costas para os acontecimentos sociais de seu tempo. Um homem que, preocupado com a dignidade do ser humano, não ficou inerte ante o sofrimento infligido aos cidadãos, pelo próprio Estado opressor. O autor desse pequeno grande livro chamava-se Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, que nasceu na cidade Italiana de Milão, em 15 de março de 1738. Filho primogênito de uma família de nobres, iniciou seus estudos em um colégio de jesuítas, chamado Colégio dos Nobres de Parma, conhecido pela rigidez com que ensinava e disciplinava seus alunos. Vinte anos mais tarde, Beccaria finalizava seus estudos de jurisprudência na Universidade de Pavia, regressando à sua cidade natal. Em Milão, na Academia dei Pugno, reuniu-se com um grupo de amigos, podendo-se destacar dentre eles os irmãos Alessandro e Pedro Verri. Ali, naquele ambiente acadêmico e revolucionário, discutiam não somente as obras dos enciclopedistas franceses, como também debatiam sobre as injustiças do sistema no qual se encontravam inseridos. A brutalidade do regime monárquico absoluto, os abusos praticados pelos detentores do poder, as injustiças realizadas contra os menos favorecidos, enfim, a existência de uma sociedade desigual e tirana fez com que os amigos de Beccaria, principalmente os irmãos Verri, o estimulassem a escrever um manifesto, uma obra mostrando os erros e a necessidade de correção imediata de um sistema que, resumidamente, não se preocupava com o ser humano. Assim, a partir de 1763, Beccaria deu início à redação do seu opúsculo, completando-o em 1764. A força das suas palavras ecoou não somente pela Itália, mas por toda a Europa Continental. Temeroso pelo que certamente lhe aconteceria, caso fosse descoberta a autoria daquele manual revolucionário, no livro, quando da sua primeira publicação, foi omitida, propositadamente, a data e o nome do seu autor. Logo após o início de sua circulação, como não poderia deixar de ser, os detentores do poder se uniram, com o fim de aniquilar aqueles pensamentos revolucionários. Conforme relata Maria Asunción Moreno Castillo, "o livro de Beccaria, da mesma forma que teve grande acolhida, também foi objeto de duras refutações e censura, entre as quais podemos mencionar as realizadas por Fachieri, quem, em 1766, escreveu Notas e Observações sobre um livro intitulado Dos delitos e das penas, no qual imputa ao anônimo autor 23 acusações de impiedade e 7 de sedição, por opor-se às máximas das escrituras. Impiedade por 'acusar de cruel a Igreja Católica' e sedição por 'tratar de cruéis a todos os Príncipes e soberanos do século ... '. Também Mouyart de Vouglans publica Refutações ao Tratado dos delitos e das penas, em que sustenta que as propostas de Beccaria lhe parecem irrealizáveis, inimigas do sentido comum, da tranquilidade pública do Estado e da Religião". O tempo passou e Beccaria foi reconhecido e louvado por ter escrito esse livro revolucionário, que evidenciava tudo o que de mais terrível ocorria na sociedade de sua época. Suas ideias refletiam o sentimento de um povo, cansado de ser oprimido pelos governantes inescrupulosos, cruéis e corruptos, desprovidos de legitimidade para administrar a res publicae. Como não poderia deixar de acontecer, após o sucesso do livro, vieram as críticas de seus próprios amigos, que o acusavam de ter utilizado ideias que não eram originariamente dele. O ser humano continuava igual. Com ou sem revolução, o egoísmo ainda era uma marca indelével. Seus diletos amigos, companheiros de discussão e de ideais, agora o criticavam duramente. Após retornar de uma viagem à França, onde foi recebido pelos homens que se destacaram por seus pensamentos iluministas, seus principais amigos, os irmãos Verri, romperam relações com ele e passaram a criticá-lo duramente, inclusive colocando em dúvida, como já havia acontecido, a originalidade dos seus textos. Luís Jiménez de Asúa, em seu espetacular Tratado de derecho penal, trouxe a público uma carta escrita por Pedro Verri, dirigida a seu irmão, em 1780, onde faz duras críticas a Beccaria: "O livro feito por Beccaria; tudo que diga respeito ao estilo, tem que compreender que não é o meu, mas podia dizer que, na verdade, sem mim, aquele livro não teria sido feito e nem publicado, que boa parte das ideias estão desenvolvidas por você e por mim, que a parte da tortura é o extrato das minhas observações ... " . Em 1794, aos 56 anos de idade, morria Beccaria, na cidade de Milão, afastado de suas funções como professor e ocupando um cargo como alto funcionário. Independentemente das críticas sofridas, se foi ou não o pensador original das ideias colocadas em sua magnífica obra, por incrível que isso possa parecer, mesmo decorridos mais de duzentos anos da primeira edição do livro de Beccaria, suas lições, com pouquíssimas adaptações, ainda podem ser perfeitamente aplicadas aos dias de hoje. Parece que o tempo parou, que ainda estamos vivendo a mesma sociedade cruel e despótica da época de Cesare Bonesana. Os governos, despreocupados com a população, somente têm os olhos voltados para a punição, para a criação de tipos penais cujo valor não ultrapassa o mero simbolismo. Os pensamentos de Beccaria, ainda hoje, servem de inspiração a muitos autores. Não se pode cogitar de garantismo penal e processual penal sem buscar socorro e fundamento na obra de Beccaria. Não se pode questionar seriamente o sistema prisional sem antes se aprofundar nos estudos do mestre de Milão. Neste capítulo, fazemos uma visita, mesmo que superficial, a alguns tópicos marcantes da obra de Beccaria, que têm o condão de influenciar nosso sistema prisional, pugnando por um cumprimento de pena que não seja ofensivo à dignidade da pessoa humana, que leve em consideração o fato de que o homem pode errar, mas o Estado, não. Não compete ao Estado aniquilar com direitos que são inatos ao ser humano, direitos que não podem ser alienados ou mesmo sacados arbitrariamente de sua personalidade. Por isso, ninguém melhor do que Beccaria para, além de fazer essa radiografia de um sistema penal iníquo e injusto, propor soluções que são aplicáveis ainda nos dias de hoje. A sociedade do século XVIII vivia numa situação de terror e desigualdades. O processo penal era inquisitivo, realizado secretamente, sem que o acusado tivesse conhecimento das provas que contra ele estavam sendo produzidas. A tortura era um meio oficial utilizado pelo Estado para obter a confissão daquele a quem se escolheu para ocupar o lugar de culpado. A confissão era compreendida como a rainha das provas. O réu, na verdade, era quase que obrigado a confessar, a fim de expiar sua culpa. Os juízes, principalmente na França, eram peças fracas e frágeis a serviço de um governo despótico. Sempre parciais, julgavam com desigualdade os processos que envolviam ricos e pobres. As penas eram indeterminadas, ou seja, ficavam ao alvedrio do julgador aplicá-las de acordo com a sua conveniência. As leis existentes eram confusas, de redação rebuscada, que impediam a sua compreensão. Era permitido o uso da analogia para que se pudesse condenar alguém. Enfim, o caos reinou até que surgiram os pensadores iluministas, que se colocaram contra todo esse sistema, e Beccaria se transformou em um dos principais mentores de uma reformaque já se fazia tardia. As lições e os princípios propostos por Beccaria modificaram completamente a maneira de tratar o ser humano, que tem em seu favor, como um direito inato, sua dignidade. O direito de castigar ainda continuava sendo necessário? Claro que sim, mas, a partir daquele momento, sem a desproporção, a crueldade e a desigualdade com que era aplicado. A teoria do pacto social nos levava a acreditar que todos nós, integrantes de determinada sociedade, havíamos acordado, tacitamente, com esse pacto, que significava que abriríamos mão de uma parcela de nossos direitos para que o direito de todos pudesse prevalecer. Assim, embora tivéssemos, ainda, nosso direito de liberdade, esse mesmo direito cederia caso não cumpríssemos as cláusulas constantes do pacto, necessárias à manutenção da própria sociedade, onde o infrator se encontrava inserido. No entanto, esse pacto social deveria observar os direitos inatos e inalienáveis de todo cidadão, concentrados, principalmente, em sua dignidade como ser humano. Por causa disso, inúmeros princípios foram sendo construídos. O mérito maior de Beccaria não foi a originalidade da construção dos princípios, já há muito discutidos, principalmente pelos revolucionários franceses, mas o fato de ter tido a coragem de torná-los públicos, mediante fundamentos que contrariavam, perigosamente, os interesses dos detentores do poder da época em que houve a sua publicação. Tais princípios colidiam frontalmente com os interesses dos administradores despóticos, que, em geral, não se preocupavam com o bem-estar de seus administrados. Sua consciência, se é que existia, não os incomodava. Por isso, infelizmente, é que o livro de Beccaria é tão atual. Nossos governantes, guardadas as devidas proporções, atuam como se não conhecessem as ruas; nossos julgadores decretam suas decisões como se não conhecessem a realidade social; nossos legisladores criam leis que jamais atingirão as pessoas de classe alta, mas que, por outro lado, oprimem os menos favorecidos. Assim, como na época de Beccaria, os ricos e abastados continuam soltos, por mais grave que tenha sido a infração penal por eles praticada, enquanto os pobres são presos, mesmo que insignificante tenha sido o delito cometido. Após discorrer, no capítulo segundo de sua obra, sobre a origem das penas e do direito de punir, Beccaria, justificando a teoria do contrato social, esclarece: "As leis representam as condições sob as quais homens independentes e separados se uniram em sociedade, cansados de viver em um contínuo estado de beligerância e de gozar de uma liberdade que resultava inútil diante da incerteza de poder conservá-la. Dessa mesma liberdade, sacrificaram uma parte, para poder gozar o resto com segurança e tranquilidade. A soma de todas essas porções de liberdade sacrificadas ao bem de cada um constitui a soberania do povo, e o seu soberano é o seu depositário e legítimo administrador." E continua seu raciocínio: "Foi, portanto, a necessidade que compeliu os homens a ceder parte de sua própria liberdade; é certo, porém, que ninguém pretende colocá-la em um depósito público com um limite superior à mínima porção possível, aquela exclusivamente suficiente para induzir aos demais para que a defendam. A soma de todas essas mínimas porções possíveis constitui o direito de punir; tudo o que for para mais é abuso, não justiça; é fato, não direito". Consequentemente, no capítulo terceiro, conclui Beccaria que somente a lei é que poderia fixar penas com relação aos delitos praticados. Só ela, portanto, é que tinha a possibilidade de fazer com que o homem perdesse uma parcela do seu direito de liberdade. É o princípio da legalidade, portanto, o pilar fundamental que sustenta o chamado Estado de Direito, onde todos serão tratados de maneira igual perante a lei, onde ricos e pobres, cultos e analfabetos, independentemente de raça, cor, religião, sexo, serão tratados igualmente, de acordo com suas desigualdades. Não basta, no entanto, simplesmente a publicação de uma lei anterior ao fato para que reste preservado o princípio da legalidade e, em consequência, resguardado o direito de liberdade do cidadão. Beccaria percebeu que, ao seu tempo, embora algumas leis fossem editadas, sua redação era incerta, obscura, imprecisa, ou seja, embora existente uma lei, os cidadãos ficavam nas mãos dos seus intérpretes, uma vez que quase ninguém conseguia alcançar exatamente o seu conteúdo. Com a lucidez de quem entendia a importância de um Estado de Direito, Beccaria, no capítulo V de sua obra, afirma: "Se a interpretação das leis é um mal, é evidente que o é, da mesma forma, a obscuridade que arrasta consigo necessariamente a interpretação, e assim igualmente será um grande mal, se as leis são escritas em linguagem estranha ao povo, e colocadas, assim, apenas na dependência de uns poucos, não podendo a maioria dos cidadãos julgar por si mesma qual seria o limite de sua liberdade ou dos demais membros da sociedade; uma língua que faz de um livro solene e público, algo particular e doméstico." Apontava Beccaria, assim, a falácia de uma suposta legalidade formal. Não bastava, dessa forma, que a lei fosse um diploma que tivesse sido editado pelo Poder competente, vale dizer, pelo Poder Legislativo. Não bastava que o então projeto de lei tivesse obedecido ao procedimento necessário para a sua conversão em lei. Não bastava, ainda, que a lei fosse publicada e estivesse em vigor com anterioridade ao fato. Nada disso importaria se a redação da lei fosse obscura o suficiente para impedir a leitura e a sua apreensão pelo mais humilde dos cidadãos. A lei foi feita para o povo e, consequentemente, seu destinatário deve compreendê-la em todos os seus sentidos para que não seja surpreendido por interpretações que importarão na diminuição ainda maior da parcela de sua liberdade de que, volitivamente, de antemão, tinha renunciado ao integrar determinado corpo social. A clareza da lei, principalmente após a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, passou a ser identificada pelo brocardo nullum crimen nulla poena sine lege certa. Assim, existe, atualmente, a exigência daquilo que se convencionou denominar taxatividade da lei penal. Outro desdobramento natural do princípio da legalidade diz respeito à proporcionalidade das penas. Além de clara a redação constante no tipo penal que proíbe ou impõe determinado comportamento, a pena nele cominada deve, obrigatoriamente, procurar ser proporcional ao mal praticado pelo agente que descumpriu a norma e, com isso, produziu uma lesão ou perigo de lesão a algum bem juridicamente protegido. Beccaria destinou o capítulo XXIII de sua obra para discutir a necessidade de proporção entre os crimes e as penas. Em sua época, como também ocorre em muitas situações nos dias de hoje, o legislador tratava com rigor excessivo determinadas situações que não o exigiam e, por outro lado, de forma extremamente branda fatos que mereciam um rigor maior. Além disso, não raras as vezes, como as penas eram, na sua maioria, corporais, aflitivas, normalmente eram desproporcionais ao delito praticado pelo agente. Por causa disso, conclui, em seu capítulo XV: "Para que uma pena alcance o seu efeito, é suficiente que o mal proveniente da pena supere o bem que nasce do delito; e nesse excesso de mal deve-se calcular a infalibilidade da pena e a perda do bem que o crime viria produzir. Tudo, além disso, é, portanto, supérfluo, e, ao mesmo tempo, tirânico." 
Isso significa, resumidamente, que a pena será o termômetro da gravidade do fato praticado. Quando maior o dano e maior a importância do bem atacado, maior deverá ser a punição, desde que atendido, obviamente, o princípio da dignidade da pessoa humana. Todos esses raciocínios culminarão, portanto, numa aplicação de pena que tenha sido previamente conhecida, de forma clara e precisa, pelo agente que, mesmo sabendo de antemão das consequências do seu ato, não deixou de praticar a conduta proibida ou de levar a efeito aquela imposta pela lei penal, razão por que o Estado, a partir desse momento,ou seja, a partir da prática da infração penal, viu-se possibilitado a dar início à investigação, resguardadas as garantias do acusado, que culminaram em um oferecimento de denúncia perante a Justiça Criminal que, através de um processo contraditório, respeitando a ampla defesa, condenou-o à pena proporcional, prevista no preceito secundário do tipo penal incriminador. A partir do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tem início nova etapa, vale dizer, a do cumprimento da pena que fora imposta legitimamente pelo Estado. O condenado, agora, pelo fato de ter descumprido uma das cláusulas do imaginário contrato social, perderá uma parcela do seu direito de liberdade. Nos dias de hoje, nos países onde se preserva a dignidade da pessoa humana, afora a pena de morte, o máximo que se poderá impor ao agente que praticou o delito será a sua privação de liberdade, ficando preservados seus demais direitos. Nesse sentido, determina o art. 3º da LEP: 
Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política. 
A pena deverá, ainda, ter um fim utilitário, isto é, deverá servir para impedir que o delinquente venha a praticar novos crimes, seja na forma de prevenção especial negativa (segregação momentânea do convívio em sociedade), seja como prevenção especial positiva (ressocialização), bem como, ainda, como espécie de prevenção geral (também positiva e negativa), dissuadindo-se os demais membros da sociedade a praticar infrações penais. Beccaria, em conclusão à sua obra, no capítulo XLII, diz que "para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, eficaz, necessária, a mínima das possíveis nas circunstâncias dadas, proporcionada aos crimes, ditadas pelas leis".
O mestre de Milão, foi, portanto, um dos grandes pensadores iluministas de seu tempo, e suas lições continuam atuais. Por mais incrível que isso possa parecer, vivemos em um período talvez até pior do que aquele em que se encontrava Beccaria quando seu livro foi escrito. Pior no sentido de que o Estado, mesmo não sendo despótico, tirano, trata seus presos com indignidade. Parece que aquele que praticou alguma infração penal, ao ser preso, processado e condenado, junto com a sua privação de liberdade, perde também seus demais direitos. O livro de Beccaria deverá, em suma, ainda hoje, ocupar as cabeceiras daqueles encarregados de promover a Justiça, entendida aqui de uma forma ampla, vale dizer, por aqueles detentores do Poder que são capazes, em razão do cargo que ocupam, de mudar a mentalidade de um sistema falido e cruel. Já não mais existe qualquer novidade no pensamento de Beccaria. No entanto, parece que não queremos tirar proveito das lições do passado para que o presente e o futuro sejam melhores. Toda vez que os índices de criminalidade aumentam, toda vez que algum crime bárbaro acontece, a sociedade, estimulada pelo movimento da mídia, pede uma punição sempre mais severa ou mesmo a criação de novas infrações penais. A neopenalização e a neocriminalização, contudo, já haviam sido diagnosticadas por Cesare Bonessana como um erro. Na verdade, o que estimula o cometimento de crimes, em todos os níveis, é a certeza da impunidade. Por isso, diz Beccaria que "a certeza do castigo, ainda que moderado, despertará sempre uma impressão maior, do que o receio mais cruel, ligado à esperança da impunidade". Além disso, outro fator inibidor de determinadas infrações penais seria o implemento de políticas públicas, ou seja, ações sociais no sentido de minimizar a desigualdade existente na sociedade, onde riqueza e pobreza extrema convivem em um mesmo espaço. Não resta dúvida de que o livro de Beccaria poderia ter sido escrito para o nosso século. O homem se esqueceu das lições do passado e, por isso, sofre no presente. Mas temos o poder de mudar nosso futuro. Basta que, para isso, exista vontade política. O livro de Beccaria ainda pode ser considerado uma semente que já brotou e que necessita ser regada para que cresça, floresça e dê frutos. Há esperança. 
3.2. John Howard e a reforma penitenciária 
Sem dúvida, um dos personagens mais marcantes na história da reforma penitenciária foi John Howard. John Howard nasceu em Clapton - Hackney -, nos arredores de Londres, em 1726. Sua mãe faleceu quando ele ainda era uma criança e seu pai, um próspero comerciante, quando ele tinha 16 anos de idade, deixando-lhe uma fortuna considerável. Sua educação foi fundamentada em ideais calvinistas (cristão evangélico), o que fez com que fosse tratado com certa discriminação, uma vez que tais ensinos eram diferentes e, na verdade, contrários aos da Igreja Católica, que ainda predominavam. Após ficar curado de uma grave doença, que o debilitou por algum tempo, Howard, com o coração agradecido, resolveu casar-se com Sara Lodoire, a viúva que dele havia cuidado, sem considerar o fato de que ele contava somente com 25 anos e ela já com 50 anos de idade. Três anos mais tarde morria Sara Lodoire. Após a morte de sua primeira esposa, Howard, em 1955, aos 30 anos de idade, resolveu ir a Lisboa contemplar o que havia ocorrido naquela cidade depois do grande terremoto que a destruiu. Essa viagem seria um marco extremamente importante na sua vida, pois, a partir dela, começaria a entender o que significava a privação da liberdade de um ser humano e as condições a que era submetido. Conforme relata Luis Jimenez de Asúa, "a viagem teria as mais fecundas consequências em sua existência, repleta, desde então, de um afã filantrópico. Ao voltar daquela excursão, à altura de Brest, no ângulo extremo da Bretanha, quase à entrada do Canal da Mancha, o barco de Howard que voltava à sua pátria, foi atacado por um corsário francês, que o reteve como prisioneiro durante vários meses. Conheceu, assim, por experiência própria, a privação da liberdade". Em 1758, Howard contraiu novas núpcias, agora com Enriqueta Leeds. Ambos, cristãos evangélicos, envolveram-se profundamente com as doutrinas da Igreja Batista. Tiveram um filho que, infelizmente, foi acometido de um problema de saúde mental, o que o levou a ficar internado. Esse fato fez com que Howard conhecesse os hospitais a que se destinavam esses tipos de doentes. Sua segunda esposa faleceu em 1765. Em 1773, aos 45 anos de idade, Howard foi nomeado sheriff do condado de Bedford, fazendo, assim, com que, agora, viesse a se familiarizar com as misérias das prisões de sua época, os lugares fétidos onde serem humanos eram jogados como se fossem animais, pois uma das suas principais funções era visitar os estabelecimentos carcerários. Essas visitas periódicas permitiram-lhe um contato direto e intenso com os presos e fizeram com que o humanista inglês ficasse ainda mais sensibilizado com os problemas que presenciava diariamente, tornando-se, assim, um incansável crítico e defensor da melhora do sistema. 
As enfermidades eram uma constante, já que os presos não recebiam tratamento adequado, permitindo, dessa forma, que doenças se alastrassem facilmente nos cárceres. A promiscuidade também era um mal que deveria ser combatido. No entanto, como os encarregados de cuidar dos presos e de vigiá-los não recebiam qualquer remuneração dos cofres públicos, a situação ficava ainda pior - as cobranças recaiam diretamente sobre os próprios presos, via de regra miseráveis, pertencentes às classes menos favorecidas, que não tinham como pagar e, assim, permaneciam presos indefinidamente, até que acertassem suas contas com aquele que detinha as chaves da sua cela. Conforme esclarece Javier Galvete, citado por Fernando Bejerano Guerra, "Em Belford [ ...], nem o prefeito e nem os carcereiros cobravam soldos do Estado, senão que viviam de certas quotas impostas aos presos, de maneira que nenhum deles podia sair da prisão, ainda que houvesse cumprido a sua condenação, ou sido absolvido, enquanto não abonasse 75rs ao prefeito e 10 ao carcereiro.Alguns infelizes permaneciam anos inteiros detidos por não poder pagar esses tributos". Essa imposição de pagamento feita ao preso pelo carcereiro fazia com que muitas injustiças fossem praticadas. Por isso, Howard propôs que os carcereiros fossem pagos pelo próprio Estado, ou seja, pela própria administração pública da prisão, e não pelos presos. Howard foi um obstinado pelo problema carcerário. Além de conhecer e trabalhar para a melhoria das prisões da Inglaterra e em Gales, também empreendeu viagens para outros países, a exemplo de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Holanda, Finlândia, Irlanda, Suíça, Dinamarca, Áustria, Prússia, Rússia, Itália, Turquia, dentre outros, procurando conhecer e comparar os sistemas prisionais. Realizou algumas grandes viagens que lhe renderam anotações importantes. Fazia comparações entre os sistemas carcerários dos vários países, registrando o que de mau havia em entre eles, bem como o que se podia aproveitar para a construção de um sistema que atendesse não somente aos interesses da sociedade, que se via livre, mesmo que temporariamente, daquele que havia praticado uma infração penal, como também para o acusado ou condenado, que deveria permanecer preso durante certo período. Sua vida foi dedicada à modificação de um sistema que começava a ser implementado, com a privação temporária ou perpétua da liberdade dos presos. Esse sistema, no entanto, era muito cruel e severo. Não se podia esquecer de que se estava diante de seres humanos que erraram, sim, mas que ainda continuavam a gozar do status de seres humanos. Não tinham perdido essa condição, mas tão somente o direito de liberdade. Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro intitulado The state of the prisons in England and Wales, fixou as bases para um cumprimento de pena que não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2) disciplina distinta para presos provisórios e os condenados; 3) educação moral e religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando. Howard identificou inúmeros problemas que, se melhorados, proporcionariam uma condição de vida mais digna aos presos que cumpriam suas penas naqueles estabelecimentos. Embora, resumidamente, sejam os pontos acima os indicados, genericamente, para o aperfeiçoamento das condições carcerárias mínimas, o filantropo inglês apontava que a resolução de simples problemas, como o de fornecimento de água constante; a necessidade de ventilação das celas, a fim de permitir a passagem de um ar limpo e respirável; o fornecimento de alimentação adequada; a utilização de uniformes que possibilitassem a identificação e a melhor apresentação dos detentos; o oferecimento de trabalho para que as mentes permanecessem ocupadas com algo útil, diminuindo, dessa forma, não somente a depressão e o desejo de fugir, mas o de eliminar a própria vida, com a prática de suicídios; a permanente visita de magistrados e de funcionários do governo que inspecionassem as prisões, ouvindo e solucionando os problemas relativos aos presos; enfim, medidas que, por mais incrível que se possa parecer, ainda carecem de aplicação nos dias de hoje. Na verdade, diante do que ocorre com inúmeras penitenciárias ao redor do mundo, parece que as anotações e sugestões feitas por John Howard são dirigidas a nós. Infelizmente, depois de mais de duzentos anos, as condições carcerárias ainda permanecem as mesmas. Howard faleceu em 20 de janeiro de 1790, após ter contraído, no meio em que tanto lutou para ser melhorado, vale dizer, em algum estabelecimento carcerário de Kerson, na Crimea, a chamada "febre carcerária" (tifus exantemático). Sua luta, porém, não foi em vão. Fez despertar um sentimento de solidariedade, de humanidade, até então deixados de lado. Inúmeros estabelecimentos carcerários, principalmente os da Europa, acabaram adotando e aplicando as orientações desse grande humanista. No mundo de hoje, diversas organizações não governamentais (ONGs) defendem os posicionamentos de Howard, pugnando por melhorias das condições carcerárias, chegando, em alguns casos, mesmo a lutar pelo fechamento de estabelecimentos prisionais. 
Suas lições são utilizadas para a construção de penitenciárias mais humanas, que visem à recuperação do condenado ou que, pelo menos, não o façam sair de lá pior do que quando entrou. Os problemas detectados por Howard ainda persistem. Suas lições e experiências devem nortear a sociedade, que vive na chamada pós-modernidade. Assim, podemos concluir com Fernando Bejerano Guerra, quando diz: "Se a obra de Howard é considerada por muitos a obra de partida da reforma carcerária, não podemos olvidar sua transcendência e atualidade, já que seus princípios seguem vigentes hoje, encontrando-se muitas de suas propostas incorporadas nas disposições que na atualidade regem os estabelecimentos penitenciários do Ocidente." 
3.3. Jeremy Benthan e sua influência no sistema penitenciário 
O período que antecedeu o século XVIII foi marcado pela crueldade com que as leis penais eram aplicadas. Não somente os suplícios, como também a forma degradante com que as pessoas eram presas, faziam com que o condenado preferisse a morte a viver em tais condições. Com a chegada do século XVIII, sobretudo com o movimento que recebeu a denominação de iluminista, justamente porque vinha colocar luzes sobre as trevas até então existentes, a história das penas começou a mudar. O ser humano passou a ser visto de forma mais digna. Havia uma preocupação em sua preservação, com diminuição significativa das penas cruéis, infamantes, que somente deixavam transparecer a fúria do Estado opressor e covarde, contra um de seus súditos, que não podia buscar socorro em nada, tampouco em ninguém. Grandes pensadores e defensores humanistas levantaram suas vozes durante esse período, como vimos. Parecia que os gritos de dor estavam ecoando por todo o globo terrestre, fazendo com que em diversos países um exército de valentes começasse a formar-se, a exemplo do que ocorreu na Itália, na França, na Inglaterra, na Alemanha etc. A uma voz perdida entre a multidão, gritos de protestos começaram a se juntar, formando um grande coro. Novos pensamentos surgiram, novas ideias começaram a ser construídas por um mundo melhor, sem tanta inflição de dor. O Estado, que deveria nos fornecer condições mais dignas de vida, não podia ser o nosso maior carrasco. O crime, que sempre existiu na história e ainda continuará a existir nesta terra dominada pelo mal, embora tivesse de ser reprimido, o seria com menos crueldade. 
O final do século XVIII foi marcado por uma mudança de mentalidade estatal quanto à pena de privação de liberdade. Inicialmente, como vimos, havia um caráter meramente provisório, cautelar, fazendo as vezes de local para que o acusado ou mesmo o condenado aguardasse sua execução, normalmente de uma pena corporal, que lhe infligiria um castigo pelo mal que havia cometido, ou mesmo a morte. A prisão começava a ganhar novo status. Agora, de mera coadjuvante, passou a ocupar o lugar principal. Mas seus problemas eram evidentes. A desumanidade ainda fazia parte do seu contexto. Lugares insalubres, sem ventilação adequada, úmidos, desprovidos do mínimo necessário para que uma pessoa pudesse habitá-los, eram os utilizados para que o condenado cumprisse sua pena de privação de liberdade. Era um ambiente fétido, promíscuo, que tinha somente por finalidade fazer o condenado pagar pelo seu erro, e nada mais. Essas verdadeiras masmorras foram duramente combatidas pelos pensadores iluministas, destacando-se dentre eles a figura de Jeremy Bentham, um renomado filósofo e jurista inglês, nascido em Londres, na rua Red Lion, em 1748. Bentham foi o criador do utilitarismo do Direito, sendo considerado uma das mentes mais importantes da Inglaterra de seu tempo. Conforme relembra Ricardo González Parra, "seu profundo interesse pela Revolução Francesa, os ilustrados franceses, o empirismo inglês, e os penalistas italianos ilustrados, entre os quais se destacava Beccaria, influenciaram Benthame o animaram em sua longa luta em defesa do projeto panóptico e, posteriormente, o encontro com seus principais discípulos - Etienne Dumont y James S. Mill - entre outros, converteram o filósofo de Queen's Square Place, no líder espiritual dos liberais ingleses e estrangeiros da época". O utilitarismo de Bentham tinha como ponto de partida a crítica que fazia ao direito natural, que pressupunha a existência de um contrato social imaginário, que a todos vinculava. Para Bentham, o cidadão deveria obedecer ao Estado não pelo fato de que estaria a ele vinculado por um suposto contrato social, mas, sim, porque a obediência contribuiria para a felicidade geral, ao contrário da desobediência, que a todos prejudicava. A felicidade geral, entendida como o interesse da comunidade, era fruto de um cálculo de natureza hedonista, ou seja, o resultado da soma do bem comum e das dores dos indivíduos. 
Dessa forma, substituiu a teoria do direito natural pela teoria da utilidade. Mediante um estudo empírico, dizia, é que se podia provar se um comportamento ou uma instituição podia ou não ser considerada útil. De certa forma, opôs-se também aos revolucionários franceses, quando eles se fundamentavam no direito natural a fim de afirmar os direitos universais do homem. Para Bentham, o indivíduo somente possuía direitos à medida que conduzisse seus comportamentos para o bem da sociedade. Assim, criticava a proclamação dos direitos expressos pelos revolucionários franceses, uma vez que os entendia como demasiadamente individualistas. O fundamental, para ele, era a reconciliação entre o indivíduo e a sociedade, ainda que fosse necessário o sacrifício de supostos direitos humanos. A teoria utilitarista seria de extrema importância para sua luta reformista. Como um humanista, Bentham propunha a reforma do sistema prisional por um modelo que garantisse a dignidade da pessoa humana. Passou a dedicar-se a encontrar esse modelo, o que ocorreu com a criação do chamado panóptico. O prefixo pan, de origem grega, tem o significado de totalidade; optico, palavra também originária do grego, refere-se à visão. Assim, Bentham projeta, arquitetonicamente, o chamado panóptico, ou seja, um edifício destinado ao cumprimento de penas privativas de liberdade, construído de modo que toda a sua parte interior pudesse ser vista de um único ponto. Descrevendo o panóptico de Bentham, Jacques-Alain Miller esclarece: "O edifício é circular. Sobre a circunferência, em cada andar, as celas. No cento, a torre. Entre o centro e a circunferência, uma zona intermediária. Cada cela volta para o exterior uma janela feita de modo a deixar penetrar o ar e a luz, ao mesmo tempo que impedindo ver o exterior - e para o interior, uma porta, inteiramente gradeada, de tal modo que o ar e a luz cheguem até o centro. Desde as lojas da torre central se pode então ver as celas. Em contraposição, anteparos proíbem ver as lojas desde as celas. O cinturão de um muro cerca o edifício. Entre os dois, um caminho de guarda. Para entrar e sair do edifício, para atravessar o muro do cerco, só uma via é disponível. O edifício é fechado". Na verdade, conforme entendia Bentham, o modelo panóptico não servia tão somente para o encarceramento de pessoas. Sua utilidade arquitetônica ia muito além disso. Podia servir, com algumas adaptações, para escolas, asilos, hospitais, workhouses, etc. 
No que diz respeito à utilização do panóptico como prisão, do ponto central, ou seja, internamente, da torre, podiam-se visualizar todas as celas. Os dois princípios fundamentais da arquitetura do panóptico são a posição central da vigilância e sua invisibilidade. Cada andar podia ser, tranquilamente, vigiado por apenas um funcionário. Esse funcionário era considerado um "olho que não podia ser visto", ou seja, somente ele tinha acesso às celas, não tendo os presos condições de vê-lo. Bentham dedicou vinte anos de sua vida à realização do projeto panóptico. Todos os detalhes, desde a construção do prédio até as vestimentas dos presos foram minuciosamente pensados por ele. Nada lhe passou despercebido. Tudo foi projetado, sopesado, avaliado. Até mesmo a evacuação dos excrementos dos presos foi objeto de longa exposição de seu trabalho. Faleceu no dia 6 de junho de 1832, aos 84 anos de idade, em Quem's Square. Seu projeto, no entanto, continuou a ser desenvolvido por amigos e discípulos. Ainda hoje, o panóptico de Bentham exerce forte influência sobre o sistema carcerário, principalmente o existente nos Estados Unidos da América. 
4. PERÍODO CRIMINOLÓGICO 
Após o período humanitário, marco importantíssimo para o direito penal, surgiu, com mais intensidade, no século XIX, o chamado período criminológico. De acordo com as lições de Antonio Garcia-Pablos de Molina, "a atual denominação (criminologia) desta disciplina tem sua origem, ao que parece, no antropólogo francês Toppinard (1830-1911), se bem que somente adquiriu força graças a célebre obra de Garofalo, publicada seis anos depois, em 1885". Embora não se possa atribuir uma definição única ao termo criminologia, podemos defini-la como uma ciência interdisciplinária que tem como objeto o estudo do comportamento delitivo e a reação social. lnterdisciplinária porque, embora sugestivo o seu título - criminologia - não somente as ciências penais se ocupam do seu estudo, sendo este, inclusive, mais aprofundado em outras áreas, a exemplo da sociologia, da psicologia, da psiquiatria, da antropologia, da medicina forense, dentre outras. No que diz respeito às ciências penais propriamente ditas, serve a criminologia como mais um instrumento de análise do comportamento delitivo, das suas origens, dos motivos pelos quais se delinque, quem determina o que punir, quando punir, como punir, bem como se pretende, com ela, buscar soluções que evitem ou mesmo diminuam o cometimento de infrações penais. O estudo do criminólogo, na verdade, não se limita ao comportamento delitivo em si, visto que vai mais longe, procurando descobrir sua gênese, retrocedendo, como um historiador do crime, em busca das suas possíveis causas. 
Conforme esclarece Magalhães Noronha, "após o período humanitário, novos rumos para o direito penal são traçados e que se ocupam com o estudo do homem delinquente e a explicação causal do delito. Quem primeiro os apontou foi um médico: César Lombroso. Em 1875, escreve seu livro L'uomo delinquente, que bastante repercussão tem, granjeando adeptos e provocando opositores. Ao invés de considerar o crime como fruto do livre arbítrio e entidade jurídica, tem-no qual manifestação da personalidade humana e produto de várias causas. A pena não possui fim exclusivamente retributivo, mas, sobretudo, de defesa social e recuperação do criminoso, necessitando, então, ser individualizada, o que evidentemente supõe o conhecimento da personalidade daquele a quem será aplicada. O ponto nuclear de Lombroso é a consideração do delito como fenômeno biológico e o uso do método experimental para estudá-lo. Foi o criador da antropologia criminal. Ao seu lado surgem Ferri, com a sociologia criminal, e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra Criminologia, podendo os três serem considerados os fundadores da Escola Positiva". A pesquisa do criminólogo, esquecendo momentaneamente o ato criminoso praticado, mergulha no seio da família do delinquente, no seu meio social, nas oportunidades sociais que lhe foram concedidas, no seu caráter; enfim, mais do que saber se a conduta praticada pelo agente era típica, ilícita ou culpável, busca-se investigar todo o seu passado, que forma um elo indissociável com o seu comportamento tido como criminoso. Retrocede-se, em busca das possíveis causas do crime. Percebe-se, portanto, que o conceito criminológico de comportamento delitivo é mais amplo do que aquele adotado pelo Direito Penal. A reação social também é objeto de estudo do criminólogo. Segundo Garrido, Stangeland e Redondo, "sua extensão abarca desde a mera desaprovação e o controle paterno de algumas condutas infantis ou juvenis desapropriadas (mediante pequenos castigos)até os sistemas de justiça penal estabelecidos pela sociedade para os delitos (leis penais, Polícia, Ministério Público, Tribunais, prisões etc.)". A reação social dá origem a um controle pela própria sociedade, que pode ser entendido como formal ou informal. Tem-se como formal o controle que é 
exercido pelos meios oficiais de repressão, a exemplo da Polícia, do Ministério Público, da Magistratura. Informal é o controle exercido pelo próprio meio social onde o agente está inserido, a começar pela sua família, a escola, os vizinhos, os meios de comunicação etc. O papel do criminólogo mostra-se importantíssimo, podendo-se dizer indispensável na compreensão e na prevenção da delinquência. Sendo eleitas como objeto da criminologia a análise do comportamento delitivo e a reação social, deverá o criminólogo delimitar seu âmbito de estudo, sob pena de se perder ao longo de divagações extremamente abstratas que fogem à sua finalidade. Podemos destacar como suas principais áreas de estudo: a) o delito; b) o delinquente; c) a vítima; e d) o controle social. Mesmo que tal raciocínio não se possa dizer absoluto, para efeitos de estudos criminológicos, considera-se delito aquele definido na lei como tal, com todos os seus elementos integrantes (tipicidade, ilicitude e culpabilidade). Aqui, não se poderá desenvolver um estudo completo e geral sobre todas as infrações penais, dada a diversidade de sociedades, de costumes, de bens considerados relevantes em algumas e de pouca ou nenhuma importância em outras. O que em determinada sociedade pode ser considerado infração penal, em outra, o comportamento pode ser lícito e até mesmo estimulado a ser praticado. A título de comparação, imagine-se a hipótese, no Brasil, em que a nossa lei penal pune os maus-tratos praticados contra animais, domesticados ou não, comparativamente às touradas espanholas, em que o espetáculo, covarde para nossa cultura, é plenamente aceito e idolatrado por aquele povo. Cite-se, ainda, o fato de que em alguns países da Europa o aborto é tolerado, ao contrário, também, do direito brasileiro, onde a lei prevê somente duas hipóteses em que o aborto é permitido, conforme se verifica pelos incisos I e II, do art. 128 do Código Penal. Competirá ao criminólogo investigar os mecanismos que fazem com que algumas atividades sejam consideradas delitos em determinada sociedade e perfeitamente lícitas em outras. A política criminal, ou seja, a conclusão entre o embate de correntes ideologicamente diferentes, fará com que ocorra a seleção dos comportamentos que se quer incriminar. Existem, como afirmam Garrido, Stangeland e Redondo, três principais categorias de comportamentos delitivos, a saber: a) comportamentos penalizados e castigados em quase toda sociedade moderna; b) comportamentos penalizados, mas sobre os quais a lei se aplica com escassa frequência; c) comportamentos em via de penalização ou despenalização. 
Assim, mesmo que uma das principais áreas de estudo do criminólogo seja a infração penal em si, haverá diferença entre profissionais de países diferentes. Contudo, isso não impede que haja uma zona de consenso, ou seja, de estudo de infrações penais, na qual basicamente em todos os países sejam reconhecidas como tal, a exemplo do delito de homicídio. Há comportamentos, ainda, tipificados pela lei penal, cuja aplicação é pouca, ou quase nenhuma, a exemplo do que ocorria com o delito de adultério, revogado pela Lei nº 11.106/2005. Outros comportamentos encontram-se naquele estágio de discussão político-criminal, havendo correntes que almejam sua proibição por meio do Direito Penal, e outras que apregoam a desnecessidade de uma intervenção tão radical por parte do Estado. Também existem aqueles em que as opiniões políticas tendem a descriminalizá-los, deles afastando o Direito Penal, tal como ocorre com o uso de substâncias entorpecentes, o aborto eugênico etc. O delinquente, certamente, é aquele que recebe as maiores atenções, uma vez que, independentemente da infração penal que se queira apurar, mediante estudos criminológicos, procura-se aferir por que o ordenamento jurídico foi por ele violado. Pesquisam-se sua raiz, a gênese do comportamento delitivo, os motivos que o levaram a comportar-se diferentemente dos demais. As Escolas Clássica e Positiva, cuja análise será realizada mais adiante, tiveram o mérito de tentar decifrar o enigma da delinquência, lançando suas luzes para a moderna criminologia, surgida no início do século XX. O estudo da vítima, vale dizer, a vitimologia, também interessa ao criminólogo sob diversos aspectos. Podemos aferir sua contribuição para o delito, ou seja, se seu comportamento de alguma forma estimulou a prática da infração penal, o porquê da sua escolha, o tratamento que lhe é deferido pelo Estado etc. As leis penais modernas procuram, de alguma forma, voltar sua atenção para as vítimas do delito. Tome-se, por exemplo, as inspirações de política criminal que fizeram inserir em nosso Código Penal o instituto do arrependimento posterior (art. 16), cuja finalidade, embora de natureza híbrida, é fazer com que a vítima se veja ressarcida dos prejuízos e dos danos por ela experimentados com a prática do crime, bem como a composição dos danos trazida pela Lei nº 9.099/ 95. Por outro lado, o comportamento da vítima pode minimizar a reprimenda a ser aplicada pelo Estado ao agente, como se verifica na redação do art. 121, § 1º, segunda parte, do Código Penal, que diz que se este último cometer o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, a pena poderá ser reduzida de um sexto a um terço. 
A vitimologia, conforme preleciona Lélio Braga Calhau, "nasceu do sofrimento dos judeus na Segunda Guerra Mundial, sendo reconhecido como seu sistematizador, à época Professor Emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, Benjamim Mendelsohn, que como marco histórico proferiu uma famosa conferência, Um horizonte novo na ciência biopsicossocial: a vitimologia, na Universidade de Bucareste, em 1947 ". O controle social é exercido por meio de duas categorias, como deixamos antever. Existe um controle formal, realizado por profissionais ligados diretamente ao Estado, a exemplo dos policiais, promotores de justiça, juízes etc., e outro, de natureza informal, que é procedido por qualquer pessoa que não tenha especificamente essa função, podendo ser levado a efeito por pessoas próximas ao agente, como seus pais, vizinhos, colegas de trabalho, professores, transeuntes, imprensa etc. Também é tarefa do criminólogo investigar como são exercidos tais tipos de controle e sua influência na gênese e na prática do delito. Podemos concluir com Garrido, Stangeland e Redondo que "a delinquência não tem nem explicação simples nem remédios fáceis, e os estudos criminológicos devem abarcar temas mais variados para descrever e entender os fenômenos delitivos". 
5. ESCOLAS PENAIS 
5.1. Introdução 
A pena deve tão somente reprovar o agente pelo mal que ele praticou mediante o cometimento da infração penal, ou deve ir além, buscando, além da efetiva reprovação, ter uma finalidade utilitária, vale dizer, tentar impedir que futuros delitos venham a ser levados a efeito? A pena deve ser entendida somente como um ato de vingança pública, compensando o mal produzido pelo agente com a prática da infração penal, ou deve ser vista como um instrumento cuja aplicação tentará garantir, no futuro, uma maior segurança para a vida em sociedade? Como preleciona Basileu Garcia, "as doutrinas acerca dos fins atribuídos à pena podem classificar-se em absolutas, relativas ou utilitárias e mistas. Três lemas indicam-lhes a essência: punitur quia peccatum est (absolutas); punitur ut ne peccetur (relativas ou utilitárias); punitur quia peccatum est et ne peccetur (mistas). Pune-se porque pecou; pune-se para que não peque; pune-se porque pecou e para que não peque". Manuel de Lardizábal y Uribe, dissertando sobre o tema, já em 1782, preleciona: "O direito de impor penas é tão próprio e peculiar da sociedade, que nasceu com elamesma, e sem ele não podia subsistir. Como o primeiro e o principal fim de toda sociedade é a segurança dos cidadãos e a saúde da república, segue-se, por consequência necessária, que este é também o primeiro e geral fim das penas. A saúde da república é a suprema lei." De acordo com as lições de Ferrajoli, são teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como "castigo", "reação", "reparação" ou, ainda, "retribuição" do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, "relativas" todas as doutrinas utilitaristas que consideram e justificam a pena enquanto um meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. As teorias absolutas, com os olhos voltados para o passado, ou seja, simplesmente para a infração penal praticada pelo agente, advogam a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas, com suas lentes voltadas para o futuro, buscando evitar que outras infrações penais sejam cometidas, apregoam a prevenção. Na reprovação, conforme preconiza a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. A punição se justifica pelo fato de ter o agente cometido uma infração penal. Ao mal do crime, retribui-se com o mal da pena. Emanuel Kant foi o grande expoente da teoria absoluta. Para ele, a pena é imperativo categórico e deve ser aplicada porque a exigem a razão e a justiça. Ao lado de Kant, Hegel foi outro grande defensor da teoria absoluta da pena. Nesse sentido é a lição de Roxin: "A teoria da retribuição não encontra o sentido da pena na perspectiva de algum fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Se fala aqui de uma teoria 'absoluta' porque para ela o fim da pena é independente, 'desvinculado' de seu efeito social. A concepção da pena como retribuição compensatória realmente já é conhecida desde a antiguidade e permanece viva na consciência dos profanos com uma certa naturalidade: a pena deve ser justa e isso pressupõe que se corresponda em sua duração e intensidade com a gravidade do delito, que o compense". 
Conforme destaca Alicia Rodriguez Nufíez "a pena privativa de liberdade executada exclusivamente como vingança, exemplo, expiação ou retribuição não tem nenhum sentido prático para a coletividade, que não pode eliminar de seu seio, definitivamente, o indivíduo inadaptado. Se não se projeta conseguir uma mudança de atitude no apenado, o único efeito de utilidade que se consegue é satisfazer, momentaneamente, os cidadãos perturbados na convivência. O manter encarcerada uma pessoa sem um objetivo, como único recurso para lutar contra a delinquência, não é remédio suficiente para conseguir, a médio ou a longo prazo, a paz social interrompida pelas atividades ilegais de certos indivíduos. Como a pena justa há de ser proporcional ao fato e à culpabilidade do sujeito, senão que, passado um tempo de privação de liberdade, essa pessoa há de retornar ao convívio em sociedade, sendo desejável o conseguir que reinicie uma convivência harmônica com seus congêneres". A sociedade em geral se satisfaz e, na verdade, busca tão somente fazer com que a pena tenha essa finalidade retributiva, pois tende a fazer com ela uma espécie de "pagamento" ou compensação ao condenado que praticou a infração penal, desde que, obviamente, a pena seja, pelo menos, privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensação, para a sociedade, é de impunidade, uma vez que o homem, infelizmente, ainda se regozija com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator. Ressalta Santiago Mir Puig sobre a teoria retributiva: "Responde a arraigada convicção de que o mal não deve ficar sem castigo, e o culpado deve encontrar nele o seu merecido. A função da pena se centra, segundo esse ponto de vista, na realização da justiça, impedindo que a injustiça 'triunfe'. A pena não aparece, então, como um instrumento dirigido a consecução de fins utilitários de bem estar social, como seria o de proteção da sociedade, senão como exigência ética derivada do valor Justiça. 'A lei penal - dizia Kant, em seu Metafísica dos costumes - é um imperativo categórico'. Sua necessidade não procede de sua possível conveniência para frear a delinquência, senão que é independente de que possa ou não servir a tal finalidade. Seja útil ou inútil para assegurar a paz social, a pena deve impor-se se o exige a Justiça". 
A concepção retributiva da pena parte do pressuposto de que o homem é livre, que possui o direito e a faculdade de escolher entre o bem e o mal. Se opta em praticar o mal, deve receber a sanção previamente determinada pelo Estado. Sua preocupação não está na prevenção de futuros atos semelhantes praticados pelo próprio agente, ou mesmo por outras pessoas. Por isso, a teoria retributiva é conhecida, também, como uma teoria absoluta, já que a pena é um fim em si mesma. É importante frisar que essa concepção retributiva, principalmente no pensamento de Kant, surgiu em um Estado Liberal, onde se pressupunha que todos eram iguais perante a lei. No entanto, esse conceito de igualdade formal não é suficiente. Que igualdade poderia haver entre um homem que foi criado em meio à pobreza absoluta e outro em "berço de ouro"? A maioria esmagadora dos delinquentes, selecionada pelo Direito Penal, é oriunda das classes sociais mais baixas e desfavorecidas. Assim, questiona Santiago Mir Puig: "Pode pretender-se que o delito, produto desta desigualdade, deva ser castigado porque assim o reclama a Justiça?" Embora seja criticável esse raciocínio de Justiça proposto pela teoria retributiva, seu surgimento, no século XVIII, teve como fundamento limitar o arbítrio no que dizia respeito à aplicação das penas. Se a pena era uma compensação, uma retribuição do mal praticado pelo agente, essa retribuição, obrigatoriamente, devia ser proporcional ao mal praticado. Assim, a retribuição não permite que se castigue além da gravidade do fato cometido. A teoria relativa, a seu turno, sob o enfoque utilitarista, fundamenta-se no critério da prevenção, que se biparte em: a) prevenção geral - negativa e positiva; b) prevenção especial - negativa e positiva. No que diz respeito à teoria de prevenção geral, disserta Roxin que ela "não vê o fim da pena na retribuição, nem em sua influência sobre o autor, senão a influência sobre a comunidade que, mediante ameaças penais e a execução da pena, deve ser instruída sobre as proibições legais e afastada da sua violação. Também aqui se trata, pois, de uma teoria que tende à prevenção de delitos [...], como consequência do qual a pena deve, sem embargo, atuar não especialmente sobre o condenado, senão de forma geral, sobre a comunidade. Por essa razão se fala de uma teoria da prevenção geral". 
A teoria de prevenção geral foi desenvolvida de forma mais eficaz por Paul Johann Anselm von Feuerbach, tendo sido extraída de uma teoria por ele formulada, denominada "teoria psicológica da coação". Dissertando sobre a importância de Feuerbach no desenvolvimento das ideias preventivas, Jescheck preleciona: "As teorias penais dos séculos XVII e XVIII estavam certamente determinadas pelas ideias preventivas, mas unicamente Paul Johann Anselm v. Feuerbach (1775-1833), o maior criminalista alemão da primeira metade do século XIX, distinguiu, a partir do ponto de vista teórico, claramente entre prevenção geral e prevenção especial. Feuerbach vinculou a prevenção geral à cominação penal, fazendo dela o centro de seu sistema. Deste modo, conduziu a teoria da ilustração a seu zénit. Feuerbach não se apoiava já no utilitarismo clássico de Beccaria y Bentham, senão que intentava estender uma ponte entre sua teoria e a ética kantiana. A cominação penal tinha que produzir 'prevenção geral através da coação psicológica'; a imposição da pena somente vinha a

Outros materiais