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Unidade XIII Consumação e Tentativa

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Curso de Direito
Direito Penal II
Professor Rafael De Luca
Unidade XIII - CONSUMAÇÃO E TENTATIVA.
1. DISPOSITIVO LEGAL 
O Código Penal, em seu art. 14, preocupou-se em conceituar o momento da consumação do crime, bem como quando o delito permanece na fase da tentativa (conatus), esclarecendo o seguinte: 
Art. 14. Diz-se o crime: 
I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; 
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. 
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. 
2. ITER CRIMINIS 
Segundo Zaffaroni e Pierangeli, "desde que o desígnio criminoso aparece no foro íntimo da pessoa, como um produto da imaginação, até que se opere a consumação do delito, existe um processo, parte do qual não se exterioriza, necessariamente, de maneira a ser observado por algum espectador, excluído o próprio autor. A este processo dá-se o nome de iter criminis ou 'caminho do crime', que significa o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito". 
Vimos, inicialmente, que a ação é composta por duas fases: interna e externa. Na fase interna, o agente antecipa e representa mentalmente o resultado, escolhe os meios necessários a serem utilizados no cometimento da infração, bem como considera os efeitos concomitantes que resultarão dos meios por ele escolhidos, e em seguida exterioriza sua conduta, colocando em prática tudo aquilo que por ele fora elucubrado. 
Desde o início até o fim da infração penal, o agente passa por várias etapas, como se caminhasse por uma trilha que pudesse levá-lo ao êxito de seu plano criminoso. 
O iter criminis, assim, é composto pelas seguintes fases: 
a) cogitação (cogitatio); 
b) preparação (atos preparatórios); 
c) execução (atos de execução); 
d) consumação (summatum opus); 
e) exaurimento.
Cogitação é aquela fase do iter criminis que se passa na mente do agente. Aqui ele define a infração penal que deseja praticar, representando e antecipando mentalmente o resultado que busca alcançar. 
Uma vez selecionada a infração penal que deseja cometer, o agente começa a se preparar com o fim de obter êxito em sua empreitada criminosa. Seleciona os meios aptos a chegar ao resultado por ele pretendido, procura o lugar mais apropriado à realização de seus atos, enfim, prepara-se para que possa, efetivamente, ingressar na terceira fase do iter criminis. 
Em seguida, depois da cogitação e da preparação, o agente dá início à execução do crime. Quando, efetivamente, ingressa na fase dos atos de execução, duas situações podem ocorrer:
• o agente consuma a infração penal por ele pretendida inicialmente; ou, 
• em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade, a infração não chega a consumar-se, restando, portanto, tentada. 
Como última fase do iter criminis, e em somente determinadas infrações penais, temos o chamado exaurimento. É a fase que se situa após a consumação do delito, esgotando-o plenamente. 
Merece ser frisado, finalmente, que o iter criminis é um instituto específico para os crimes dolosos, não se falando em caminho do crime quando a conduta do agente for de natureza culposa. 
3. CONSUMAÇÃO 
Segundo o inciso I do art. 14 do Código Penal, diz-se consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Conforme a sua classificação doutrinária, cada crime tem sua particularidade. Assim, nem todos os delitos possuem o mesmo instante consumativo. A consumação, portanto, varia de acordo com a infração penal selecionada pelo agente. Podemos, dessa forma, dizer que ocorre a consumação nos crimes: 
a) materiais e culposos: quando se verifica a produção do resultado naturalístico, ou seja, quando há a modificação no mundo exterior. Ex.: homicídio (art. 121); 
b) omissivos próprios: com a abstenção do comportamento imposto ao agente. Ex.: omissão de socorro (art. 135); 
c) mera conduta: com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico. Ex.: violação de domicílio (art. 150); 
d) formais: com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo, independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será considerado como mero exaurimento do crime. Ex.: extorsão mediante sequestro (art. 159); 
e) qualificados pelo resultado: com a ocorrência do resultado agravador. Ex.: lesão corporal qualificada pelo resultado aborto (art. 129, § 2º, V); 
f) permanentes: enquanto durar a permanência, uma vez que o crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga, perpetua-se no tempo. Ex.: sequestro e cárcere privado (art. 148). 
4. NÃO PUNIBILIDADE DA COGITAÇÃO E DOS ATOS PREPARATÓRIOS 
O inciso II do art. 14 do Código Penal assevera que o crime é tentado quando, iniciada a sua execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. 
A lei penal, com a redação dada ao aludido inciso, limitou a punição dos atos praticados pelo agente a partir de sua execução, deixando de lado a cogitação e os atos preparatórios. 
Regra geral é que a cogitação e os atos preparatórios não sejam puníveis. Em hipótese alguma a cogitação poderá ser objeto de repreensão pelo Direito Penal, pois cogitationis poenam nemo patitur. Contudo, em determinadas situações, o legislador entendeu por bem punir de forma autônoma algumas condutas que poderiam ser consideradas preparatórias, como nos casos dos crimes de associação criminosa (art. 288 do CP) e a posse de instrumentos destinados usualmente à prática de furtos (art. 25 da LCP). 
Essa punição somente acontece quando o legislador eleva à categoria de infração autônoma um ato que, por sua natureza, seria considerado preparatório ao cometimento de uma outra infração penal, como acontece com o referido crime de associação criminosa. Se três pessoas se reúnem, v.g., com o fim de praticar um único crime de furto, essa reunião será considerada um ato preparatório para aquele fim. Entretanto, se o grupo se reúne com a finalidade de praticar crimes, não sendo uma reunião eventual, mas sim de caráter duradouro, o que seria um mero ato preparatório é elevado ao status de infração autônoma, ou seja, o delito de associação criminosa, nos termos preconizados pela nova redação do art. 288 do Código Penal, conferida pela Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Somente nesses casos vale dizer, quando o legislador cria uma figura típica específica para um ato que, em tese, seria considerado preparatório para o cometimento de um outro delito, é que ele poderá ser punido. 
Concluindo, em virtude da redação do inciso II do art. 14 do Código Penal, podemos afirmar que não poderão ser punidos a cogitação e os atos preparatórios, pois o mencionado inciso exige, pelo menos, início de execução, não se contentando com os fatos que lhe são anteriores. 
5. DIFERENÇA ENTRE ATOS PREPARATÓRIOS E ATOS DE EXECUÇÃO 
Talvez um dos maiores problemas que enfrentamos ao iniciarmos o estudo do Direito Penal seja justamente tentar diferenciar os atos preparatórios, não puníveis pela nossa lei, dos chamados atos de execução, uma vez que a linha que os separa é por demais tênue. 
Várias teorias surgiram, ao longo do tempo, com a finalidade de elaborar essa distinção. A conclusão de que determinado ato praticado pelo agente é preparatório ou de execução tem repercussões importantíssimas. Como já foi visto, a cogitação e os atos preparatórios não são puníveis, uma vez que a lei penal somente se interessa pelo fato quando o agente, ressalvadas as hipóteses de punição dos atos preparatórios como infrações autônomas, inicia os atos de execução. 
Assim, se considerarmos como preparatório o ato, com ele não se importará o Direito Penal, ao passo que, se o interpretarmos como de execução, sobre ele já terá incidência a lei, podendo-se falar, a partir daí, pelo menos, em tentativa, caso o agente não chegue à consumação por circunstâncias alheias àsua vontade. 
Dentre as inúmeras teorias que surgiram com a finalidade de definir a tentativa, podemos citar as seguintes: 
• Teoria subjetiva - Haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua conduta no sentido de praticar a infração penal. Essa teoria se satisfaz tão somente com o fato de o agente revelar sua intenção criminosa através de atos inequívocos, não fazendo distinção, outrossim, entre atos preparatórios e atos de execução. Segundo Hungria, para os adeptos dessa teoria, o inciso II do art. 14 do Código Penal deveria estar assim redigido: "Tentativa é a manifestação, por atos inequívocos, da intenção de cometer um crime, que não se consuma por circunstâncias independentes da vontade do agente". A título de exemplo, praticaria um homicídio tentado aquele que, depois de ter sido agredido por outrem, fosse rapidamente até a sua casa buscar uma arma para, logo em seguida, colocar-se à espera de seu agressor, no caminho em que este habitualmente passava, mas que, por desconfiar da vingança do agente, tomara rumo diverso. Segundo a teoria subjetiva, tais atos demonstrariam, de maneira inequívoca, a intenção criminosa do agente, razão pela qual deveria responder pela tentativa, uma vez que a consumação só não ocorrera por circunstâncias alheias à sua vontade. 
• Teorias objetivas: 
1ª) Objetiva-formal - Segundo essa teoria, formulada por Beling, somente poderíamos falar em tentativa quando o agente já tivesse praticado a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado como ato preparatório. Na precisa lição de Juarez Cirino dos Santos, "a teoria objetiva formal indica a ação do tipo como elemento do início da execução. A tentativa se caracteriza pelo início da execução da ação do tipo: ações anteriores são preparatórias; ações posteriores são executivas. Como a ação do tipo é o objeto do dolo, o início de execução da ação do tipo é o início de realização do dolo. Assim, no homicídio com arma de fogo, a ação de matar começa no acionamento do gatilho da arma carregada apontada para a vítima; no furto com destreza, a ação de furtar começa da remoção da coisa do bolso da vítima".
2ª) Objetiva-material - Essa teoria busca ser um complemento da primeira, de natureza formal. Segundo Carlos Parma, por intermédio dela se incluem "ações que por sua necessária vinculação com a ação típica, aparecem como parte integrante dela, segundo uma natural concepção ou que produzem uma imediata colocação em perigo de bens jurídicos". Podem ser citados como exemplo da aplicação da mencionada teoria, no homicídio, o fato de apontar a arma para a vítima; no furto com destreza, na conduta dirigida à coisa que se encontra no bolso da vítima. 
• Teoria da hostilidade ao bem jurídico - Era a teoria preconizada por Mayer. Para se concluir pela tentativa, teria de se indagar se houve ou não uma agressão direta ao bem jurídico. Ato executivo (ou de tentativa) é o que ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico; ato preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico.
Na verdade, não obstante os esforços expendidos por um grande número de doutrinadores a fim de demarcar a fronteira entre os atos preparatórios e os de execução, tal tarefa, mesmo nos dias de hoje, ainda não foi superada. Há atos que, com toda certeza, reputaríamos como preparatórios ao início da execução da infração penal, como, v.g., a aquisição da arma pelo agente e a procura pelo automóvel mais fácil de ser subtraído, em face da ausência de dispositivos de segurança; há outros que, também com absoluta certeza, entenderíamos como de execução, como no caso de o agente já estar se retirando do interior da casa da vítima levando consigo algumas joias a ela pertencentes, ou mesmo daquele que inicia o acionamento da arma puxando o seu gatilho. 
Embora existam os atos extremos, em que não há possibilidade de serem confundidos, a controvérsia reside naquela zona cinzenta na qual, por mais que nos esforcemos, não teremos a plena convicção se o ato é de preparação ou de execução. Ainda não surgiu, portanto, teoria suficientemente clara e objetiva que pudesse solucionar esse problema. 
6. DÚVIDA SE O ATO É PREPARATÓRIO OU DE EXECUÇÃO 
Se, no caso concreto, depois de analisar detidamente a conduta do agente e uma vez aplicadas todas as teorias existentes que se prestam a tentar distinguir os atos de execução, que se configurarão em tentativa, dos atos meramente preparatórios, ainda assim persistir a dúvida, esta deverá ser resolvida em benefício do agente. Seguindo a lição de Hungria, "nos casos de irredutível dúvida sobre se o ato constitui um ataque ao bem jurídico ou apenas uma predisposição para esse ataque, o juiz terá de pronunciar o non liquet, negando a existência da tentativa". 
7. TENTATIVA E ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO MEDIATA 
Tivemos a oportunidade de dizer que, em razão do princípio da legalidade, somente a lei penal pode proibir condutas sob a ameaça de sanção. 
Essas proibições devem, ainda, vir expressas de forma clara e precisa, de modo que todos nós possamos entender o conteúdo da norma penal. 
Dissemos também que tipicidade formal é a adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei. Assim, se Alfredo dolosamente causar a morte de João, sua conduta se amoldará ao tipo do art. 121 do Código Penal. Agora, como adequar a conduta de Alfredo ao tipo do art. 121 se este não conseguir chegar à consumação do crime de homicídio? Se ele não consegue alcançar o resultado morte, embora tenha dirigido sua ação nesse sentido, como dizer que sua conduta se subsume ao modelo abstrato previsto pelo legislador? 
Para evitar que tais situações restassem impunes e também para não fugir à técnica legislativa de narrar, no tipo penal, como regra geral, a consumação da infração penal, foram criadas as chamadas normas de extensão, como a prevista no inciso II do art. 14 do Código Penal, fazendo com que se amplie a figura típica, de modo a abranger situações não previstas expressamente pelo tipo penal. 
Conforme ensinamentos de Paulo José da Costa Júnior, "o tipo contido no inciso II do art. 14 configura um tipo de extensão, como aquele descrito no art. 29 (concurso de pessoas). Isto porque, aglutinado aos vários tipos da Parte Especial, confere-lhes maior abrangência".
Entende-se, portanto, que nos casos de tentativa, quando a lei dela não fizer previsão expressa no tipo - a exemplo do art. 352 do Código Penal-, haverá uma adequação típica de subordinação mediata ou indireta, pois, para que possa existir esta adequação, será necessário socorrer-se de uma norma de extensão. 
Caso não houvesse essa previsão, alargando o âmbito de abrangência do tipo penal, quando a infração não chegasse a ser consumada, não haveria possibilidade de punição pela simples prática do conatus, uma vez que, se assim agíssemos, estaríamos ferindo o princípio da legalidade, em face da ausência de previsão legal para tanto. 
8. ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O CRIME TENTADO 
Para que se possa falar em tentativa, é preciso que: 
a) a conduta seja dolosa, isto é, que exista uma vontade livre e consciente de querer praticar determinada infração penal; 
b) o agente ingresse, obrigatoriamente, na fase dos chamados atos de execução; 
c) não consiga chegar à consumação do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade. 
Não há um dolo próprio para o crime tentado. O dolo do agente é dirigido a realizar a conduta descrita no tipo penal. Quando o agente exterioriza sua ação, o faz com a vontade de consumar a infração penal. Quando sua ação é interrompida por circunstâncias alheias à sua vontade, o seu dolo não se modifica. Conforme preleciona Alberto Silva Franco, "se a tentativa é um tipo objetivamente incompleto, é, no entanto, do ângulo subjetivo, um tipo completo, tanto que o dolo que a informa é o mesmo dolo do crime consumado. De qualquer modo, para conceituar a tentativa, não basta o só desencadeamento do processo executivo de um fato, masse exige também que se identifique a presença de uma vontade voltada na direção do resultado, que é a mesma do crime consumado". 
No que diz respeito aos atos de execução, reportamo-nos ao que foi dito quando se fez a sua distinção dos atos preparatórios. 
Por circunstâncias alheias à vontade do agente, podemos entender qualquer fato externo que, de qualquer modo, influencie na interrupção da execução que levaria, normalmente, à consumação da infração penal. Não importa, aqui, se o agente havia esgotado todos os meios que tinha à sua disposição para que pudesse alcançar o resultado inicialmente pretendido (tentativa perfeita), ou se foi interrompido durante a execução do crime (tentativa imperfeita). Sendo a circunstância alheia à sua vontade a causa impedidora da consumação do crime, podemos falar em tentativa. Isso já não acontecerá nos casos em que o agente, voluntariamente, interrompe a execução, desistindo de nela prosseguir (desistência voluntária), ou vem a impedir a produção do resultado, mesmo depois de praticar tudo aquilo que estava ao seu alcance para chegar à consumação do delito (arrependimento eficaz). 
9. TENTATIVA PERFEITA E IMPERFEITA 
Podemos distinguir a tentativa em perfeita e imperfeita. Fala-se em tentativa perfeita, acabada, ou crime falho, quando o agente esgota, segundo o seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita, ou inacabada, a tentativa em que o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não chegando, assim, a fazer tudo aquilo que intencionava, visando consumar o delito. 
Por exemplo, se o agente, munido de uma pistola com capacidade para 15 disparos, depois de efetuar tão somente dois deles contra a vítima, acertando-a em região que considere letal, resolver que não há necessidade de prosseguir porque entende que os ferimentos produzidos certamente a levarão à morte, e se a vítima, depois da prática dos atos tidos pelo agente como necessários e suficientes à consumação do crime de homicídio, vier a ser salva em virtude de uma precisa intervenção cirúrgica, estaremos diante de um caso de tentativa perfeita. 
Por outro lado, se o agente, ainda durante a prática dos atos de execução, for interrompido sem que, de acordo com o seu entendimento, tenha exaurido tudo aquilo que entendia como necessário à consumação do crime de homicídio, sendo a vítima salva, o caso será de tentativa imperfeita. 
10. TENTATIVA E CONTRAVENÇÃO PENAL 
O Código Penal, em seu art. 12, determina a aplicação de suas regras gerais aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Em virtude desse dispositivo, podemos indagar o seguinte: Há possibilidade de falarmos em tentativa de contravenção penal aplicando-se a norma do art. 14, II, do Código Penal ao Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais)? Não, uma vez que a Lei das Contravenções Penais, considerada especial em relação ao Código Penal, dispõe de modo diverso em seu art. 4º, asseverando não ser punível a tentativa de contravenção. 
Então, somente quando o agente alcançar a consumação de uma contravenção penal é que por ela poderá ser responsabilizado, pois, caso contrário, embora tenha iniciado atos de execução, se não chegar à consumação, sua conduta será considerada um indiferente penal. 
Isso porque nas contravenções penais o legislador entendeu por bem não permitir a aplicação da norma de extensão prevista no art. 14, II, do Código Penal. Neste caso, não sendo permitida, no que diz respeito à tentativa, a chamada adequação típica de subordinação mediata ou indireta, se não houver a consumação, o fato será considerado atípico. 
11. CRIMES QUE NÃO ADMITEM A TENTATIVA 
Podemos falar que o crime admite tentativa toda vez que pudermos fracionar o iter criminis. Assim, se o agente, percorrendo o iter criminis, der início à execução de um crime que não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade, poderemos atribuir-lhe o conatus. 
A doutrina, entretanto, especifica alguns delitos que, pelo menos em tese, não admitem a tentativa, ressalvando, sempre, a total impossibilidade de falarmos em tentativa de contravenção penal, em face da norma contida no art. 4º da Lei das Contravenções Penais. Podemos citar os seguintes: 
• Crimes habituais - São delitos em que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. Ou o agente comete a série de condutas necessárias e consuma a infração penal, ou o fato por ele levado a efeito é atípico. Exemplos: casa de prostituição (art. 229) e curandeirismo (art. 284). Entretanto, embora seja essa a posição majoritária, não podemos descartar a hipótese de tentativa. Isso porque poderá o agente ter dado início à cadeia dos atos que, sabidamente, seriam habituais, quando é impedido de continuar a exercer o comportamento proibido pelo tipo, por circunstâncias alheias à sua vontade. Mirabete, com precisão, afirma que, como regra, "o crime habitual não admite tentativa, pois ou há reiteração de atos e consumação, ou não há essa habitualidade e os atos são penalmente indiferentes. Não há que se negar, porém, que, se o sujeito, sem ser médico, instala um consultório e é detido quando de sua primeira 'consulta', há caracterização da tentativa do crime previsto no art. 282".
• Crimes preterdolosos - Fala-se em preterdolo quando o agente atua com dolo na sua conduta e o resultado agravador advém de culpa. Ou seja, há dolo na conduta e culpa no resultado; dolo no antecedente, culpa no consequente. Os crimes culposos são delitos que, obrigatoriamente, para sua consumação, necessitam de um resultado naturalístico. Se não houver esse resultado, não há falar em crime culposo. Exemplificando, não se fala em tentativa de lesão corporal seguida de morte, ou de tentativa de lesão corporal qualificada pelo resultado aborto, uma vez que o resultado não pode ter sido querido ou assumido pelo agente, pois, caso contrário, responderá por outras infrações penais (tentativa de homicídio e tentativa de aborto). 
• Crimes culposos - Quando falamos em crime culposo, queremos dizer que o agente não quis diretamente e nem assumiu o risco de produzir o resultado, ou seja, sua vontade não foi finalisticamente dirigida a causar o resultado lesivo, mas sim que este ocorrera em virtude de sua inobservância para com o seu dever de cuidado. Aqui, o agente não atua dirigindo sua vontade a fim de praticar a infração penal, somente ocorrendo o resultado lesivo devido ao fato de ter agido com negligência, imprudência ou imperícia. Não se fala, portanto, em tentativa de crimes culposos, uma vez que se não há vontade dirigida à prática de uma infração penal não existirá a necessária circunstância alheia, impeditiva da sua consumação. Não se cogita, não se prepara e não se executa uma ação dirigida a cometer um delito culposo. Já afirmamos não existir um iter criminis para os delitos culposos. Contudo, a doutrina costuma excepcionar essa regra dizendo que na chamada culpa imprópria, prevista no § 1º do art. 20 do Código Penal, que cuida das descriminantes putativas, pode-se cogitar de tentativa, haja vista que o agente, embora atuando com dolo, por questões de política criminal, responde pelas penas relativas a um delito culposo. 
• Crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do crime consumado - crimes de atentado ou de empreendimento - Como exemplo dessa situação, podemos citar o art. 352 do Código Penal (evasão mediante violência contra a pessoa). Ali, para que se caracterize a infração penal, não importa que o agente consiga evadir-se ou somente tenha tentado evadir-se, pois, para a lei penal, as duas situações são equiparadas, sendo a tentativa punida da mesma forma que o crime consumado. Aqui, na verdade, pode haver tentativa. Contudo, isto não conduzirá à qualquer redução na pena aplicada ao agente. 
• Crimes unissubsistentes- Unissubsistente é o crime no qual a conduta do agente é exaurida num único ato, não se podendo fracionar o iter criminis. A injúria verbal é um típico exemplo de crime unissubsistente. Ou o agente profere as palavras ofensivas à honra subjetiva da vítima e consuma a infração penal, ou cala-se, caso em que, como é cediço, não poderá ser punido. 
• Crimes omissivos próprios - Nessa modalidade de infração penal, ou o agente não faz aquilo que a lei determina e consuma a infração, ou atua de acordo com o comando da lei e não pratica qualquer fato típico. Exemplo: omissão de socorro (art. 135). 
12. TENTATIVA E CRIME COMPLEXO 
Diz-se complexo o crime quando numa mesma figura típica há a fusão de dois ou mais tipos penais. É o caso, por exemplo, do delito de roubo, em que à subtração da coisa alheia móvel também é adicionada a violência ou a grave ameaça. Nesse tipo vislumbramos pelo menos três figuras que, de forma isolada, são previstas pela lei penal: a subtração (art. 155), a violência à pessoa (art. 129) e a ameaça (art. 147). 
Nesse caso, consuma-se o crime quando o agente preenche o tipo penal levando a efeito as condutas que, unidas, formam a unidade complexa. Tomando, ainda, o exemplo do delito de roubo, somente poderemos concluir pela sua consumação quando, aliada à violência ou à grave ameaça, o agente tiver conseguido subtrair a coisa alheia móvel. Caso contrário, ou seja, embora o agente tenha feito uso de violência ou grave ameaça, se não obtiver sucesso no que diz respeito à subtração da coisa, o delito permanecerá tão somente tentado. 
Pela definição fornecida, podemos concluir, também, que o latrocínio, sendo uma modalidade qualificada do delito de roubo (art. 157, § 3º, do CP), é um crime complexo. Poderíamos afirmar que esse crime permaneceria na fase do conatus se não fossem preenchidos todos os elementos que o compõem, vale dizer, a subtração da coisa alheia móvel, mais o resultado morte. Quanto a essa infração penal, especificamente, a discussão não é tão simples assim. Se temos um homicídio consumado e uma subtração consumada, não hesitamos em afirmar que estamos diante de um latrocínio consumado. Da mesma forma, se temos um homicídio tentado e uma subtração tentada, também somos convencidos de que houve um latrocínio tentado. Agora, se há o homicídio consumado e a subtração tentada, ou se a subtração foi consumada e o homicídio tentado, as discussões doutrinárias e jurisprudenciais começam a surgir. Faremos, então, a análise das duas últimas situações isoladamente. 
• Subtração consumada e homicídio tentado - Para Hungria, haveria aqui uma tentativa de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, V), pois que, segundo o renomado autor, "se se admitisse tentativa de latrocínio quando se consuma o homicídio (crime-meio) e é apenas tentada a subtração patrimonial (crime-fim) ou, ao contrário, quando é tentado o homicídio, consumando-se a subtração, o agente incorreria, no primeiro caso, em pena inferior à do homicídio simples e, no segundo, em pena superior à da tentativa de homicídio qualificado pela conexão de meio a fim com outro crime (art. 121, § 2º, V), ainda que este 'outro crime' seja de muito maior gravidade que o roubo. A solução que sugiro, nas hipóteses formuladas, como menos subversiva dos princípios é a seguinte: o agente responderá, e tão somente, por consumado ou tentado o homicídio qualificado (121, § 2º, V), dada a relação de meio a fim entre o homicídio consumado e a tentativa de crime patrimonial ou entre homicídio tentado e a consumada lesão patrimonial". 
Fragoso e Noronha, analisando a mesma situação, discordando do posicionamento de Hungria, entendem que, havendo uma subtração consumada e um homicídio tentado, resolve-se pela tentativa de latrocínio, posição à qual nos filiamos.
• Homicídio consumado e subtração tentada - Aqui, tentando elucidar o problema, surgiram, pelo menos, três correntes: A primeira delas, na esteira de Frederico Marques, citado por Damásio, entende que houve um latrocínio tentado em virtude de ser um crime complexo. 
Assim, já decidiu o TJRJ: "Dada a unidade de tipo, como crime complexo, não se vê razão para não ser aplicado ao latrocínio o princípio do art. 12, parágrafo único, do Código Penal (atual 14), fazendo incidir sobre a pena correspondente ao crime consumado a diminuição própria da tentativa". 
A segunda posição, encabeçada por Hungria, conclui que, no caso de subtração tentada e homicídio consumado, deve o agente responder tão somente por homicídio qualificado, ficando afastada a punição pela tentativa de subtração, pois, segundo o citado autor, "a única solução que nos parece razoável é a de, sem desrespeito à unidade jurídica do crime, aplicar exclusivamente a pena mais grave, considerados os crimes separadamente, ficando absorvida ou abstraída a pena menos grave. Tome-se, por exemplo, o crime de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), e suponha-se que o homicídio (crime-meio) seja apenas tentado, enquanto a subtração da res aliena (crime-fim) se consuma: deve ser aplicada tão somente a pena de tentativa de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, V), considerando-se absorvida por ela a do crime patrimonial. Se, ao contrário, o homicídio se consuma, ficando apenas tentado o crime patrimonial, a pena única a aplicar-se é a do homicídio qualificado consumado". 
Finalmente, hoje, como terceira e majoritária posição, temos aquela adotada pelo STF, o qual deixou transparecer seu entendimento por meio da Súmula nº. 610, assim redigida: Súmula nº. 610. Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima. 
Para essa corrente, basta que tenha ocorrido o resultado morte para que se possa falar em latrocínio consumado, mesmo que o agente não consiga levar a efeito a subtração patrimonial.
Por entendermos que para a consumação de um crime complexo é preciso que se verifiquem todos os elementos que integram o tipo, ousamos discordar das posições de Hungria e do STF e nos filiamos à posição de Frederico Marques, concluindo que, havendo homicídio consumado e subtração tentada, deve o agente responder por tentativa de latrocínio e não por homicídio qualificado ou mesmo por latrocínio consumado. 
13. TENTATIVA BRANCA 
Fala-se em tentativa branca, ou incruenta, quando o agente, não obstante ter-se utilizado dos meios que tinha ao seu alcance, não consegue atingir a pessoa ou a coisa contra a qual deveria recair sua conduta. A título de exemplo, se o agente, agindo com animus necandi, atira em direção à vítima, que sai ilesa, fala-se, neste caso, em tentativa branca. 
Importante frisar que, havendo a tentativa branca, para que possamos concluir por alguma infração penal é preciso que pesquisemos o dolo do agente. É necessário que, juntamente com a análise do conjunto probatório, para podermos identificar o dolo do agente, nos façamos a seguinte indagação: A conduta do agente era dirigida finalisticamente a quê? Somente depois de ser respondida essa pergunta é que poderemos imputar ao agente a prática de uma infração penal. 
Suponhamos que alguém atire contra outra pessoa e erre o alvo. Sem identificar o dolo do agente, não podemos concluir se ele desejava matar (art. 121), ferir (art. 129) ou tão somente expor a vida de terceiro a perigo (art. 132). 
14. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DO CRIME TENTADO 
Para solucionar o problema da punição da tentativa, surgiram basicamente duas teorias: a subjetiva e a objetiva. 
Segundo a teoria subjetiva, o agente que deu início aos atos de execução de determinada infração penal, embora, por circunstâncias alheias à sua vontade, não tenha alcançado o resultado inicialmente pretendido, responde como se a tivesse consumado. Basta, como se vê, que a sua vontade seja dirigida à produção de um resultado criminoso qualquer, não importando se efetivamente ele venha ou não a ocorrer. Aqui será aplicada ao agente a pena cominada ao crime consumado, não incidindo, outrossim, redução alguma pelo fato de ter permanecido a infração penalna fase do conatus. 
Já a teoria objetiva, adotada como regra pelo nosso Código, entende que deve existir uma redução na pena quando o agente não consiga, efetivamente, consumar a infração penal. Quer dizer, a pena para a tentativa deve ser menor do que aquela aplicada ao agente que consegue preencher todos os elementos da figura típica. 
Tal regra, contudo, sofre exceções, como no caso em que o legislador pune a tentativa com as mesmas penas do crime consumado, prevendo-a expressamente no tipo, a exemplo do art. 352 do Código Penal, assim redigido: Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa. Nessa hipótese, não se fala em redução de pena nos moldes previstos pelo parágrafo único do art. 14 do Código Penal, uma vez que a tentativa foi equiparada ao crime consumado. 
Por essa razão, ou seja, por causa da ressalva contida no parágrafo único do art. 14, é que podemos concluir ter o Código Penal adotado a teoria objetiva temperada, moderada ou matizada, isto é, a regra é que a pena correspondente ao crime tentado sofra uma redução. Contudo, tal regra sofre exceções, conforme previsto pelo próprio artigo. Assim, embora adotando-se uma teoria objetiva, ela não é pura, mas sim, como já o dissemos, temperada, moderada ou matizada. 
15. PUNIÇÃO DA TENTATIVA COMO DELITO AUTÔNOMO 
Em algumas ocasiões, entendeu por bem o legislador punir a tentativa como se fora um delito autônomo, deixando, assim, de ocorrer a adequação típica de subordinação mediata, com a aplicação da norma de extensão contida no art. 14, II, do Código Penal, passando-se àquela de subordinação imediata ou direta. O próprio parágrafo único do mencionado art. 14 deixou transparecer essas situações excepcionais quando disse: Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. 
Verificamos esse fenômeno em várias passagens na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170, de 14/12/83), como, v.g., nos arts. 9º e 11, assim redigidos: 
Art. 9º Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país. 
Art. 11. Tentar desmembrar parte do território nacional para constituir país independente. 
Também podemos apontar situações análogas no próprio Código Penal, como é o caso do art. 352, que diz: Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa. 
Nesses casos, como deixamos antever, não há necessidade de utilizar a norma de extensão prevista no art. 14, II, do Código Penal, pois o próprio tipo penal trouxe, expressamente, para dentro de si, a forma tentada. 
Assim, quando o julgador for aplicar a pena, deverá desconsiderar o percentual de redução previsto no parágrafo único do art. 14 do Código Penal, uma vez que a pena da tentativa será a mesma do crime consumado. 
16. TENTATIVA E APLICAÇÃO DA PENA 
Conforme redação do parágrafo único do art. 14 do Código Penal, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Quer dizer que se Pedro tentar contra a vida de Maria, terá a pena cominada ao crime de homicídio diminuída entre um a dois terços. 
Qual o critério a ser seguido pelo aplicador da lei a fim de escolher o percentual de diminuição? Como podemos verificar, a diferença de escolha entre os percentuais terá séria e importante repercussão quando da aplicação da pena. Suponhamos que Pedro tenha tentado praticar um homicídio qualificado, uma vez que havia utilizado recurso que tornara impossível a defesa da ofendida. A pena mínima para essa espécie de infração penal é de doze anos. Vamos considerar, ainda, que Pedro faça jus à aplicação dessa pena mínima. Sobre ela, como salientamos, deverá incidir a diminuição entre um a dois terços em razão de ter o delito permanecido na fase do conatus. Se o juiz aplicar o percentual mínimo de redução, a pena será reduzida para oito anos; se resolver fazer incidir a redução máxima, a pena cairá para quatro anos. Nota-se com clareza a importância da escolha do percentual de redução relativo à tentativa. 
O percentual de redução não é meramente opção do julgador, livre de qualquer fundamento. Assim, visando trazer critérios que possam ser aferidos no caso concreto, evitando decisões arbitrárias, entende a doutrina que quanto mais próximo o agente chegar à consumação da infração penal, menor será o percentual de redução; ao contrário, quanto mais distante o agente permanecer da consumação do crime, maior será a redução. 
Tendo esse critério como norte, poderá o julgador fundamentar com mais facilidade o percentual por ele aplicado, evitando-se, ainda, decisões extremamente subjetivas e injustas. Poderá o condenado, a seu turno, recorrer da decisão que impôs este ou aquele percentual, de acordo com o estágio em que se encontrava o crime. 
17. TENTATIVA E DOLO EVENTUAL 
Questão extremamente complexa é a possibilidade de ser admitida a tentativa nas hipóteses de dolo eventual. Ao contrário do que possa parecer, mesmo tratando-se de dolo (eventual), o raciocínio não flui de forma tranquila como acontece quando estamos diante do nosso dolo por excelência, que é o dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau. 
A doutrina espanhola, em sua maioria, entende, no caso em exame, ser perfeitamente admissível o conatus. Muñoz Conde, com o brilhantismo que lhe é peculiar, mesmo admitindo a controvérsia sobre o tema, assevera que, "na medida em que o tipo do respectivo delito admita a comissão dolosa eventual, [...], caberá também a tentativa com esta forma de imputação subjetiva, ainda que o normal na tentativa seja o dolo direto, pelo menos de segundo grau". José Cerezo Mir, sem enfrentar o tema com profundidade, afirma que "a tentativa é compatível, segundo a opinião dominante, com o dolo eventual". No Brasil, Frederico Marques também entende como perfeitamente admissível a tentativa no dolo eventual.
Apesar da força do pensamento dos mencionados autores, acreditamos ser o dolo eventual completamente incompatível com a tentativa. Isso porque, a título de comprovação de nosso raciocínio, devemos tentar visualizar, nos casos concretos, tal possibilidade. 
Bustos Ramirez e Hormazábal Malarée não admitem essa hipótese, dizendo que "não é possível a tentativa com dolo eventual, pois (...) o dolo eventual tem a estrutura de uma imprudência a que, por razões político-criminais, se aplica a pena do delito doloso". 
Independentemente do paralelo que se tente traçar entre o dolo eventual e a culpa consciente, o fato é que, nos casos concretos, o raciocínio da tentativa torna-se inviável. Quando falamos em tentativa, devemos trabalhar com todas as suas modalidades, inclusive aquela analisada anteriormente, denominada tentativa branca ou incruenta, que ocorre, vale frisar, quando o agente não consegue acertar a coisa ou a pessoa contra a qual recaía sua conduta. 
Imagine-se, para fins de raciocínio com a tentativa no dolo eventual, o exemplo em que o agente, perigoso traficante de drogas, visualiza sua vítima, um dependente químico que, não tendo condições de arcar com sua dívida com a "boca de fumo", foi jurado de morte. Nesse instante, aponta-lhe o fuzil que trazia consigo. A vítima estava acompanhada de sua namorada, sendo que o traficante, ao mirar a sua arma, representou como possível também atingir esta última, pois se encontravam abraçados, namorando. Se o agente, ao efetuar o disparo, vier a acertar no usuário de drogas, causando-lhe a morte, estaremos diante de um delito de homicídio doloso consumado, com dolo direto de primeiro grau. Se, em vez de acertar no mencionado usuário de drogas, vier a atingir sua namorada, causando-lhe a morte, também aqui estaremos diante de um homicídio doloso consumado, com dolo eventual. Essas hipóteses, na verdade, não traduzem qualquer problema. A discussão surge, contudo, quando levamos a efeito o seguinte raciocínio: Se existe possibilidadede tentativa no dolo eventual, quando o agente efetua o disparo de sua arma em direção ao usuário de drogas, mesmo representando como possível acertar também em sua namorada, fato que lhe é indiferente, ou seja, aceita a produção de tal resultado, haveria concurso formal entre um homicídio consumado (quanto ao usuário de drogas) e outro tentado (no que diz respeito a namorada)? 
A própria definição legal do conceito de tentativa nos impede de reconhecê-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual. Quando o Código Penal, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, nos está a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento. O art. 14, II, do Código Penal adotou, portanto, para fins de reconhecimento do dolo, tão somente, a teoria da vontade. 
Para aqueles que admitem, até mesmo, a possibilidade de ocorrência de dolo eventual nas infrações de trânsito, como seria a solução do problema em que o agente, por exemplo, dirigindo embriagado e em velocidade excessiva, viesse, com seu automóvel, causar a morte de duas pessoas, ferindo outras três. Teria, para aqueles que admitem essa possibilidade, de ser denunciado por dois homicídios consumados e três tentativas? Ou, como forma alternativa de raciocínio, de ser denunciado por dois homicídios consumados e três lesões corporais? 
As duas conclusões são inadmissíveis. A primeira porque, admitindo-se a tentativa no dolo eventual, nos casos de delito de trânsito, embora o agente tenha atingido cinco pessoas, matando duas e ferindo outras três, temos de apontar o início da execução dos crimes. Quando seria tal início de execução? Poderíamos dizer que, segundo a fórmula já mencionada - embriaguez + velocidade excessiva = dolo eventual -, quando o agente, embriagado, estivesse imprimindo velocidade excessiva em seu veículo, já estaria praticando atos de execução? Entendendo-se dessa forma, imagine-se que o agente, naquelas condições apontadas, partisse do ponto A com seu automóvel, a fim de chegar ao ponto B, destino por ele pretendido. Entre o ponto A e o ponto B houve o atropelamento, no local que chamaremos de ponto X. Entre o ponto A e o ponto X o agente passou por aproximadamente 100 pessoas, até que o acidente ocorresse. Teríamos aqui, também, de computar mais 100 tentativas de homicídio, já que, admitindo-se a tentativa no dolo eventual, não poderíamos deixar de lado aquela considerada tentativa branca? 
No segundo caso, ou seja, quando o agente é denunciado pelas mortes e pelas lesões, também tal solução não é apropriada, uma vez que não podemos trabalhar com um "dolo bipartido". Se mata, responde pelo homicídio; se fere, com o mesmo comportamento em virtude do qual já responde o agente pelo delito de homicídio, deverá ser responsabilizado pelas lesões corporais. 
Apesar da força da posição favorável à possibilidade de se aplicar o conceito de tentativa ao dolo eventual, entendemos, pelos exemplos demonstrados acima, bem como pela redação do art. 14, II, da nossa lei penal, ser tal hipótese inadmissível. 
Nesse sentido, já decidiu, com acerto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, "Tribunal do Júri. Tentativa. Dolo eventual. Incompatibilidade. O dolo eventual, em linhas gerais definido como a aceitação, pelo agente, da produção do resultado mais grave, mas que conscientemente não pretende obter, é incompatível com o instituto da tentativa, que exige o dolo direto" (RESE nº 70010200020, 3ª Cam. Crim., Rel. Des. Newton Brasil de Leão, j. 28/04/2005). 
"Tentativa de Homicídio e Dolo Eventual. Incompatibilidade. A tentativa é diretamente relacionada à intenção, e, no dolo eventual, esta é dirigida a outro fim que não o obtido, cuja ocorrência foi meramente admitida, aceita, pelo agente - o qual, na realidade, buscava (tentava) algo diverso. Ainda, no dolo eventual o agente não assume o risco de causar UM resultado, mas sim QUALQUER resultado, mais danoso que o que efetivamente objetivava, o que reforça a ideia de que somente pelo resultado efetivo pode ser responsabilizado. Finalmente, por conhecidas razões político-criminais, o instituto da tentativa comporta, sempre, a hipótese de desistência voluntária por parte do agente, que, desistindo de cometer o crime mais grave, só será responsabilizado pelos danos que até então houver produzido. Entretanto, não há possibilidade de alguém desistir de assumir o risco - uma vez assumido o risco, obviamente impossível desistir de assumi-lo" (TJRS, AC 70024594707, Rel. Des. Marcel Esquivel Hoppe, D] 01/09/2008). 
O STJ, no entanto, havia decidido pela possibilidade de tentativa no dolo eventual, fazendo, permissa venia, indevida equiparação entre ele e o dolo direto, como se percebe pela ementa abaixo transcrita: 
"Penal. Processual penal. Inépcia da denúncia. Ausência de suporte probatório para a ação penal. Crime cometido com dolo eventual. Possibilidade da forma tentada. Habeas corpus. Recurso. 
l. Não há que se dizer inepta a denúncia que preenche todos os requisitos impostos pelo CPP, art. 41. 
2. A ausência de suporte probatório para a ação penal não pode ser verificada na estreita via do habeas corpus; só após o regular curso da instrução criminal poderá se chegar a conclusão sobre sua efetiva participação. 
3. Admissível a forma tentada do crime cometido com dolo eventual, já que plenamente equiparado ao dolo direto; inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento equivale tanto quanto querê-lo. 
4. Recurso conhecido, mas não provido" (RHC 6797 /RJ - Recurso Ordinário em Habeas Corpus 1997/0065157-6 - 5ª Turma - Rel. Min. Edson Vidigal, julgado em 16/12/1997, publicado no DJ em 16/2/1998, p. 114).

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