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Tempo Integral como Política Pública em Educação

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TEMPO INTEGRAL COMO POLÍTICA PÚBLICA EM EDUCAÇÃO: DILEMAS DA
UNIVERSALIZAÇÃO E DA EDUCAÇÃO PRIORITÁRIA
MARIA CELESTE REIS FERNANDES DE SOUZA
EIXO: 1. EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
O artigo coloca em debate a universalização e a educação prioritária como políticas de
educação no tempo integral. As reflexões são respaldadas por um estudo que investiga as
relações que estudantes dos anos finais estabelecem com o saber e com a escola em
tempo integral. O referencial teórico toma como referência as contribuições de Bernard
Charlot sobre relação com o saber, em diálogo com estudos sobre ampliação da jornada
escolar. O material de análise foi produzido por meio dos balanços de saber e entrevistas.
Os resultados apontam o descompasso entre o tempo integral e os outros tempos de vida
dos/das estudantes; a contradição entre o mais tempo na escola para quem não deseja
mais escola; e o mais tempo para quem encontra dificuldades na escola e considera
importante nesse tempo a mais a presença do professor, mas perde, com o Programa
Mais Educação, justamente essa presença.
Palavras Chave: Tempo Integral, Relação com o Saber, Políticas Públicas.
Introdução
Na última década temos acompanhado no cenário nacional o fortalecimento das
discussões e estudos sobre a ampliação da jornada escolar, especialmente após a
instituição do Programa Mais Educação – PMEd, ação do Ministério da Educação – MEC
para educação integral e tempo integral, cuja intencionalidade é induzir políticas públicas
de tempo integral no País. Este texto insere-se nesse campo de debates ao apresentar
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reflexões sobre o tempo integral, como política pública em educação, respaldadas por
uma pesquisa que investiga a relação que estudantes do Ensino Fundamental
estabelecem com o saber e a escola, no tempo integral.
O contexto do estudo é uma rede municipal de educação que universalizou em 2010 a
jornada escolar para 8 horas de atividades diárias, em um turno único, nas 49 unidades
educacionais, da cidade e do campo, que atendia, no ano supracitado, a cerca de 18 mil
estudantes no ensino fundamental. A proposta de Escola em Tempo Integral – ETI,
política de educação municipal, investiu na elaboração de um currículo no qual o/a
estudante vivencia em um turno único (de 7h às 15h) atividades relacionadas às
disciplinas tradicionalmente propostas nos currículos (história, matemática etc.), e
atividades artísticas e culturais, incorporadas por meio do PMEd.
Nos ano subsequentes esta política foi mantida, e embora o número de escolas tenha sido
ampliado para as atuais 54 escolas, o número de estudantes no ensino fundamental foi se
reduzindo ano a ano, especialmente no último ano do ensino fundamental (9º ano). A
busca pela compreensão da saída dos/das estudantes da ETI motivou este estudo, cujo
aporte teórico e metodológico são as contribuições de Bernard Charlot relativas à relação
com o saber (CHARLOT, 2000, 2001, 2005, 2009). Para o estudo foram selecionadas três
escolas que apresentavam um maior índice de saída dos/das estudantes na transição do
8º para o 9º ano, e os sujeitos são estudantes do último ano do ensino fundamental.
O material empírico foi produzido por meio de dois instrumentos: balanços de saber e
entrevistas. O balanço de saber, instrumento proposto por Charlot (2009), consiste na
elaboração de um texto no qual o/a estudante é convidado a produzir um inventário de
suas aprendizagens desde que nasceu (na escola, na rua, em outros lugares) e o que
considera importante nessas aprendizagens. Para este estudo foi feita uma adaptação no
balanço original e os estudantes foram convidados a elaborar um texto sobre as suas
aprendizagens na ETI: o que desejam aprender no mais tempo na escola e o que
aprenderiam em outros lugares, se ficassem menos tempo na escola. Os balanços foram
produzidos por 114 estudantes e participaram das entrevistas 22 estudantes (11 do sexo
feminino e 11 do sexo masculino). Se os balanços de saber permitem traçar um quadro
mais geral sobre o conjunto dos estudantes com relação a ETI, busca-se com as
entrevistas compreender como os sujeitos singulares vivenciam a experiência do tempo
integral.
Tendo como referência resultados deste estudo selecionamos como eixo de discussão
para nossas reflexões, neste texto, as tensões postas na universalização do tempo
escolar, portanto obrigatória para todos/as os/as estudantes, e o tempo integral como
política de educação prioritária, destinado a um grupo específico de estudantes.
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Universalização do tempo integral versus política de educação prioritária
O mundo dos adultos criou a escola como uma das instituições responsáveis por educar a
cria do homem o que compreende apresentar a ela o que a humanidade produziu ao
longo do tempo, e torná-la um ser humano adequado, para viver em seu próprio tempo.
De um ponto de vista antropológico a cria do homem, tem pois o direito a educar-se, e
portanto o direito à escola.
A obrigação e o direito de aprender para ser, para apropriar-se de uma parte do
patrimônio legado pelas gerações humanas precedentes, para tornar-se membro de uma
sociedade (desigual) de uma cultura, para construir-se como sujeito insubstituível.
(CHARLOT, 2013, p. 49).
Assim, é a partir desse ponto de vista que olhamos o movimento de ampliação da jornada
escolar desencadeado no Brasil, na última década, especialmente após a emergência do
PMEd. Uma pergunta que nos parece central é “por que se busca ampliar a jornada
escolar no Brasil?
”
Uma análise dos documentos editados pelo Ministério da Educação sobre o PMEd mostra
que a ampliação da jornada no Brasil se norteia por uma perspectiva de inclusão social e
educacional. Esta preocupação legítima encontra-se definida no Manual Operacional do
Programa, na orientação feita às escolas para a seleção dos/das estudantes preferenciais
para o tempo integral:
Estudantes que apresentam defasagem idade/ano; Estudantes das séries finais da 1ª fase
do ensino fundamental (4º e/ou 5º anos), onde existe maior saída espontânea de
estudantes na transição para a 2ª fase; Estudantes das séries finais da 2ª fase do ensino
fundamental (8º e/ou 9º anos), onde existe um alto índice de abandono após a
conclusão; Estudantes de anos/séries onde são detectados índices de evasão e/ou
repetência; Estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família. (BRASIL, MEC, 2014,
p.18)
A educação integral se configura nas orientações do MEC com nuances de Política de
Educação Prioritária (PEP), destinadas “a certas categorias da população com o propósito
de reduzir as desigualdades de escolarização e sucesso escolar (...) por meio de um
tratamento preferencial que consiste em dar mais (ou melhor, ou de outra maneira) aos
que possuem menos” (ROCHEX, 2011, p.1, grifos do autor).
No cenário brasileiro esse parece ser um direcionamento para os próximos anos, se
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considerarmos que a educação integral comparece como uma das metas do Plano
Nacional de Educação – PNE(2014-2024), em uma perspectiva de não universalização: “o
atendimento a no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas do país e o
atendimento a pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos(as) alunos(as) da educação
básica (BRASIL, 2014, p. 12)”. A educação integral que visa a uma formação integral, a
multidimensionalidade do sujeito, o acesso a diferentes espaços culturais, a vivência de
outras experiências culturais, artísticas, desportivas, a mudanças curriculares, dentre
outros propósitos como se encontra posto na literatura brasileira sobre o tema (COELHO e
CAVALIERE, 2002; COELHO, 2009 a; COELHO, 2009b), não será para todos – mas, para
alguns.
A ampliação da jornada escolar não se faz sem tensões. Assim, tanto a universalização do
tempo de atividades diárias (em um turno único, ou no contra turno escolar), tanto as
propostas que se alinham à perspectiva de educação prioritária destinadas a alguns
estudantes, apresentam dilemas específicos,como discutiremos a seguir.
Dilemas postos na universalização do tempo integral
Na proposta da ETI o tempo integral foi pensado para todos/as os/as estudantes, pela
Secretaria Municipal de Educação, considerando-se a questão do direito à educação e a da
vulnerabilidade – em sua grande maioria as escolas municipais encontram-se situadas em
bairros nos quais crianças e adolescentes encontram-se expostos aos territórios do
tráfico. De modo geral, “retirar crianças e jovens da rua” é uma justificativa que
comparece como lugar comum ao se colocar em debate o tempo integral, e uma das
tendências presentes nesse debate na contemporaneidade é o binômio educação/proteção
(COELHO, 2009b) que atribui à escola um papel fundamental de guarda e vigilância. É
esse binômio, aliado à questão do direito, que justifica a universalização do atendimento
em tempo integral na ETI: “a necessidade de constituir uma ampla rede de proteção e
educação exigia que a escola de tempo integral fosse para todos.” (UFMG, 2012, p. 21).
Entretanto, a universalização nem sempre é bem vinda para os/as estudantes dos anos
finais. Nos balanços de saber e nas entrevistas eles/elas afirmam que o tempo integral é
bom “para as crianças”, “bom para as mães”, “lugar para deixar os filhos”, “cuidar das
crianças para as mães trabalharem”, “devia ser para os menores para as mães
trabalharem, mas não para nós”.
Com relação aos jovens ele/elas justificam a importância do tempo integral afirmando que
ele “faz bem aos jovens, porque não ficam na rua”, “retira o jovem da rua”, mas,
questionam a efetividade da proposição do tempo integral como cuidado e proteção. O
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tom dos balanços de saber é dado por este viés da proteção e do cuidado e, comparece
nos balanços, mesmo quando os/as estudantes dizem gostar do mais tempo na escola, a
interferência das 8 horas na escola sobre seus projetos pessoais: “está atrapalhando
muito” (Estudante, 14 anos, sexo masculino), “esse tempo ocupa demais o nosso tempo”
(Estudante, 15 anos, sexo feminino)
Os excertos abaixo, transcritos de dois balanços de saber, expõem a fragilidade do
binômio proteção/educação e mostram o tempo integral interceptando projetos,
interesses e necessidades pessoais:
E o combinado era que de 7h às 11:30h seria aulas normais e depois seria lazer.
Disseram que isso era para tirar os jovens e adolescentes das ruas, mas isso não resolveu
o problema, porque os meninos (jovens e adolescentes) saíram das escolas e foram virar
“vagabundos”. Eles não cumpriram o combinado que fizeram e muitos estão tendo que
estudar à noite, e eu já presenciei porque muitos de meus colegas foram pra noite e
voltaram a estudar de manhã, ou de noite. Eu acho que eles tinham que liberar, ou criar
uma licença para quem está trabalhando ou fazendo cursos. (Estudante, 15 anos, sexo
masculino, aspas do original).
Tem o seu lado bom como tirar jovens imprudentes das ruas (isto é os que estão
matriculados), oficinas, entre outros; mas como “boa” aluna eu tenho que confessar que
também tem o seu lado ruim, por exemplo: não é possível conciliar escola, curso,
trabalho; se quiséssemos fazer cursos, sem contar que chega a um ponto em que ficamos
cansados de maneira geral, cansados de ficar tanto tempo em um lugar só, cansados da
cara dos professores etc. (Estudante, 14 anos, sexo feminino, aspas do original).
O texto desses dois excertos apresentam a reinvindicação do/da estudante de um tempo
para outras necessidades – como o trabalho, por exemplo, ou a preparação para o
trabalho por meio de cursos. Esta é uma reivindicação que possui um peso no conjunto
dos balanços de saber – os/as estudantes se ressentem de não poderem participar de
programas como o Menor Aprendiz, ou fazer cursos que propiciariam a realização de
atividades de trabalho – conciliadas com a escola – , como aprendizes de cabeleireiro,
mecânico, eletricista, pintura etc. Se ressentem, também, de não poderem participar de
outros espaços nos quais aprendiam – como programas desenvolvidas por igrejas,
Organizações não Governamentais, ou o Programa Fica Vivo, dos quais participavam.
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Se eu não ficasse no tempo integral eu aprenderia bem mais coisas no Fica Vivo que
incentiva o jovem ou adolescente a não ir para o lado ruim. Afinal, na rua aprendemos
mais do que na escola. São praticamente duas vidas devido a convivência. (Estudante, 15
anos, sexo masculino).
Não só aprende coisas boas na escola, mas também fora dela. Aprenderíamos várias
outras coisas importantes na vida também. (Estudante, 14 anos, sexo feminino).
Charlot em diferentes escritos vai alertar para uma certa arrogância da escola por se
considerar a mais importante e exclusiva instituição possibilitadora de outras
aprendizagens. Na escola, aprende se coisas específicas e importantes, mas aprende-se,
também, coisas importantes, em outros lugares, com outras pessoas.
A escola não é o único lugar em que se aprende. Fora dela aprendem-se outras coisas
que valem a pena ser aprendidas. Desse ponto de vista, a escola deve prestar bastante
atenção para não ceder a uma certa tentação de arrogância em relação a outras formas
de aprender (CHARLOT, 2008, p. 177)
Assim, um dos dilemas postos pela universalização do tempo integral é o reconhecimento
de que os/jovens aprendem coisas interessantes fora da escola, que estabelecem metas,
desenham seus projetos pessoais e não estão necessariamente ociosos, e que precisam
do tempo integral para o preenchimento de lacunas temporais em seu cotidiano. Outro
dilema posto é a questão das aprendizagens escolares, da especificidade do saber escolar,
e do que se encontra envolvido no ato de aprender. Charlot propõe, em seus estudos,
uma sociologia do sujeito: não há saber sem que um sujeito singular estabeleça uma
relação com o aprender e o saber. (CHARLOT, 2000).
A relação com o saber é, portanto, constituída por um conjunto de relações empreendidas
com diversas formas de aprender que variam de acordo com a situação colocada pelo tipo
de saber e pelas circunstâncias nas quais ocorrem a aprendizagem. Essa noção opõe-se a
uma análise “negativa”, aquela que identifica os elementos que “faltam” ao sujeito para
atingir a atitude adequada em relação à aprendizagem.
Charlot, também, esclarece que a relação com o saber é uma relação de sentidos e que o
aprender supõe a mobilização do sujeito. O sentido, liga-se à mobilização – “mobilizar-se
é pôr-se em movimento” (CHARLOT, 2000, p. 54). O sujeito se mobiliza para aquilo que
faz sentido para ele cujas referências ele encontra em sua história pessoal e social –
“porque existem boas razões para fazê-lo”( CHARLOT, 2000, p. 55).
Sentido e mobilização são referenciais importantes para se pensar o tempo integral.
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Amplia-se o tempo por motivos alheios aos estudantes, mas como se sentem os/as
estudantes?
Caio, um estudante de 15 anos, apresenta em sua entrevista diferentes dilemas
relacionados a aprendizagem e que envolvem mobilização, sentido e o modo como é
considerado pela escola, com relação aos estudos:
Pesquisadora:- A partir de 2010 você começou estudar em tempo integral não foi?
Foi uma surpresa boa?
Caio: -Não. Foi esse ano, foi no meio do ano passado.
Pesquisadora: - Ah é você veio de uma escola que não era tempo integral pra uma escola
que é tempo integral e aí?
O quê que você achou?
Caio: - Pra mim foi péssimo, foi a treva porque eu estudava só quatro horas, de 7h as 11:
15h. Aí do nada eu estudar de 7h as 3h da tarde. Eu falei assim: nossa, isso é horrível! Eu
odiava. Eu fiquei uma semana sem vir na aula só de pirraça. Eu voltei e fiquei na casa de
um colega meu onde que eu morava, uma semana lá, porque eu não queria ficar aqui de
jeito nenhum.
Pesquisadora: - Lá na outra cidade?
Caio: -Eu odiava esse lugar. Aí até hoje eu não gosto muito daqui, eu fico pensando e
lembrando dos momentos que eu ficava lá.
Pesquisadora: - Então não foi uma surpresa boa estudar emtempo integral?
Caio: - Não. É horrível pra mim. Foi. No começo foi ruim demais. Agora, também, fiz
novos amigos.
Um dos dilemas é a falta de opção desses/as jovens, pois o tempo a mais na escola não é
uma escolha deles, ou de suas famílias. A escola mais próxima de sua casa, portanto
viável de frequentar por não ter custos com o deslocamento, funciona em tempo integral.
Para Caio a permanência no tempo integral, que considera horrível, é atenuada pelo
encontro com “novos amigos”
Ao traçar planos para o futuro, Caio expõe o tempo interceptando seus projetos e as
necessidades de realização de algum trabalho para ajudar a família. Cursar o Ensino
Médio para ele no próximo ano, possibilita um retorno à realização de outras atividades e
aprendizagens.
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...nesse tempo que eu vou estudar meio período eu vou trabalhar no outro período. Eu
vou estudar um período, e vou trabalhar o outro. Porque eu sempre fui de trabalhar.
Desde pequeno eu sempre trabalhava, vendia picolé, trabalhava em mecânica, lava-jato,
sempre tive um meio de ajudar meus pais, sempre ajudando.
Na mecânica, eu limpava a oficina e ajudava, também, tipo desmontar um motor uma
coisa assim, eu ia aprendendo, mesmo contratado pra limpar a oficina, só que como eu
sou curioso demais eu ficava lá aprendendo, ficava lá... é até uma parte boa mas é ruim
ser muito curioso porque tudo que tá fazendo tô em cima lá querendo aprender. Eles
estão mexendo lá e eu tô olhando, tô tentando fazer, pega uma coisa, vou tentar fazer, aí
é isso.
Como é o estudante Caio na escola?
Caio, se define como curioso: “gosto de criar, fazer, montar e desmontar. Para mim
mexer com elétrica é tudo.”. Entretanto, essa curiosidade não chega à escola. Afirma não
ter dificuldades em aprender as matérias, mas se define como “bagunceiro”, e relata
durante a entrevista que a escola não o considera um bom aluno “por não querer estudar
e fazer bagunça”. Ficou retido um ano na escola e teme ser retido novamente, ao final do
ano. Se interessa mais pelas aulas de Ciências e Matemática e realiza em casa diversas
experiências que vê nos livros didáticos, ou em vídeos no YouTube, mas a escola
desconhece essa sua curiosidade.
Sobre a aprendizagem no tempo integral reflete:
Caio: ... porque não basta ter só o professor, a competência do professor pra explicar a
matéria, você tem que ter vontade de próprio de aprender. Porque não adianta você tá
explicando uma coisa e não querer entender, entra num ouvido e sai no outro.
Pesquisadora: - Você acha então, já que você tem essa experiência recente de estudar no
tempo que não é integral. O quê que você acha, o tempo integral é mais cansativo,
menos cansativo?
Como que é isso aí?
Caio: - É mais cansativo. Porque ficar lá oito horas também sentado ou então... é
complicado. É diferente né! Você ficar sentado ali oito horas né olhando... que a gente...
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os quatro primeiros horários é normal porque eu já acostumei, mas depois dos quatro, os
últimos pra lá a cabeça dói, fica enjoativo, cansativo, o professor falando. É diferente. Até
hoje não me acostumei assim.
Ampliação da jornada escolar para todos?
Com que objetivos e propósitos?
Como é a vida de crianças e adolescentes nos bairros nos quais as escolas se inserem?
Que redes de proteção à infância existem nesses bairros?
O tempo integral deve se organizar do mesmo modo para as crianças e para os/as
adolescentes?
Como o tempo a mais pode contribuir para que os/as professores/as conheçam melhor
os/as estudantes, como o Caio, por exemplo?
Essas são algumas das questões necessárias a se responder na proposição de
universalização do tempo integral. Uma outra questão urgente e necessária ao debate é
que não basta ampliar o tempo desta mesma escola, “dobrar os horários” de aula, sem
colocar em pauta outros desenhos curriculares nos quais os/as estudantes se sintam
envolvidos e possam se mobilizar em direção ao aprender. Dificilmente, um estudante
que permanece “oito horas sentado, olhando”, como relata Caio, aprenderá – aprender
supõe a atividade do sujeito (CHARLOT, 2013).
Dilemas postos pela educação prioritária
A ampliação da jornada escolar pelo viés de educação prioritária também não se faz sem
tensões. Uma das tensões é o olhar posto sobre os estudantes considerados prioritários
(os defasados, os repetentes, os beneficiários do bolsa família – os “pobres”)
A noção de relação com o saber possibilita desmistificar o que denominamos muito
fortemente no campo da educação brasileira, especialmente, nos anos de 1980/1990,
como “fracasso escolar”. Ao argumentar sobre as impossibilidades de existência de um
objeto chamado “fracasso escolar”, (CHARLOT, 2000) e dos perigos de tais estudos sobre
esse “objeto”, que pode nos conduzir “ao olhar da falta”, o autor propõe a “análise da
relação com o saber [que] implica ao contrário uma leitura ‘positiva’ dessa realidade:
liga-se à experiência dos alunos, à sua interpretação do mundo, à sua atividade”
(CHARLOT, 2000, p. 30, aspas do autor).
A relação com o saber é, portanto, constituída por um conjunto de relações empreendidas
com diversas formas de aprender que variam de acordo com a situação colocada pelo tipo
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de saber e pelas circunstâncias nas quais ocorrem a aprendizagem. Essa noção opõe-se à
análise “negativa”, aquela que identifica os elementos que “faltam” ao sujeito para atingir
a atitude adequada em relação à aprendizagem. Sobre a “análise negativa”, Arroyo
(2012) alerta que, nas proposições do tempo integral, é preciso superar visões negativas
persistentes na educação que toma as
infâncias- adolescências populares como atrasados mentais, com problemas de
aprendizagem, lentos, desacelerados, consequentemente, classificados no percurso
seletivo escolar como reprovados, repetentes, defasados, incapazes de seguir com êxito o
percurso normal de aprendizagem, logo fracassados escolares e sociais. (ARROYO, 2012,
p. 37).
Nesse sentido, a noção de relação com o saber nos convoca a questionar o que
denominamos “evasão escolar” e a olhar de outro modo o público preferencial do PMEd.
Desafia-nos a construir perspectivas positivas sobre esses sujeitos e a considerar os
diferentes espaços, situações e interações envolvidos no processo educativo do qual
essses sujeitos participam.
A análise do material empírico desta pesquisa possibilitou identificar dois tipos de
estudantes que seriam considerados como prioritários para o tempo integral: os que não
gostam de estudar, e os que encontram dificuldades na escola. Para os estudantes que
não gostam de estudar (e não estudam e que, portanto, apresentam uma baixo
rendimento escolar) a ampliação da jornada escolar não é bem-vinda, pois se “Eu não
gosto do tempo integral, porque eu não gosto de estudar de 7h às 11:30h, imagine se eu
vou gostar de estudar mais?
" [no tempo integral]. (Estudante do sexo masculino, 15 anos).
Para este grupo de estudantes que não entraram efetivamente na atividade escolar
(CHARLOT, 2013) a ampliação do tempo por si só já apresenta uma contradição: mais
escola para quem na verdade deseja menos escola.
Por sua vez, para o grupo de estudantes que encontra dificuldades na escola a ampliação
do tempo é bem recebida. Eles/elas veem no tempo a mais possibilidades de recuperar
um tempo que consideram perdido por não terem aprendido:
Esse horário integral você pode aprender o que você não aprendeu antes. Se você fica de
7h às 12h você não vai aprender muitas coisa, e de 7h as 15 você vão aprender o que
não aprendeu antes a gente vai chegar no 1º grau [ensino médio] sabendo todas as
matérias (João, 14 anos).
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Eu era ruim demais em matemática. O professor perguntava a tabuada pra mim e eu não
sabia, agora as coisa que eles passam eu já aprendo rápido já estou dominando melhor.
Se não fosse o horário integral eu estava ruim em matemática até hoje. (Hugo, 15 anos).
O que faz diferença nesse tempo a mais,para esse grupo de estudantes?
O tempo a mais com o/a professor/a que não “precisa correr com a matéria”, “pode tirar
dúvida na carteira”, “tem tempo para gincana, aula light”, “conhece melhor a gente”,
como salientam nos balanços de saber. A ação docente faz diferença para a aprendizagem
e para a relação com o tempo escolar, portanto uma das contradições nas propostas de
educação prioritária que seleciona alguns estudantes para o turno extra, como propõe o
PMEd, é a ausência do professor.
A matriz de referência do PMEd indica que a escola deve-se abrir para outros saberes e
coordenar a entrada desses saberes advindo de outros espaços. Propõe que os/as
estudantes aprendam sobre o meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e
arte, cultura digital, prevenção e promoção a saúde, comunicação e uso das mídias e
torna obrigatório atividades de acompanhamento pedagógico (BRASIL, 2014b). Em sua
proposição, estabelece uma “nova lógica da relação entre as esferas pública e privada”
(CAVALIERE, 2014) que além de convocar a escola para a entrada de outros saberes,
provoca a entrada de outros sujeitos que serão responsáveis por conduzir as atividades
educativas: os agentes educativos, voluntários.
Corre-se, portanto, o risco de que os/as estudantes prioritários sejam relegados a um
tratamento assistencialista, com pessoas que embora conhecedoras do “seu ofício”,
desconhecem os objetivos e propósitos da educação. Estudos que investigam a ampliação
do tempo e aprendizagens, demostram que a ação docente no acompanhamento das
atividades extraescolares faz diferença na aprendizagem dos/das estudantes (
SACRISTÁN, 2008).
Portanto, para quem a ação docente faz diferença, suprime-se esta ação ao destiná-la a
outros profissionais. É preciso atentar, ainda, para o sentido supletivo dessas atividades.
De um lado, há a necessidade de atenção aos estudantes com dificuldades na escola, de
outro há uma escola que por destinar essa atenção a um programa prioritário permanece
em uma zona de conforto e não coloca em pauta questões próprias da cultura escolar que
perpetuam as desigualdades de aprendizagem.
Conclusão
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Neste texto que toma como base de reflexão um estudo cujo cenário é o da
universalização do tempo integral, buscamos apontar alguns dilemas para a ampliação da
jornada escolar que se apresentam tanto na universalização, quanto na educação
prioritária. O mais tempo na escola para todos/as apresenta suas próprias contradições –
a ocupação diária de grande parte do tempo dos estudantes e os descompassos com os
outros tempos, nos quais ele/ela faz coisas interessantes, necessárias e que considera
importante para seus projetos pessoais. Por sua vez, o tempo a mais para alguns, tem
também, seus próprios dilemas – mais tempo para quem não se identifica com a escola e
deseja, na verdade, menos tempo; mais tempo para quem encontra dificuldades na
escola e considera importante o tempo a mais com o professor, e perde, com o PMEd,
justamente a presença do professor.
Para as duas situações um dilema comum: como construir com os/as estudantes o
sentido de aprender, de estar na escola e, portanto, desejar estar mais tempo na escola?
Uma leitura da realidade brasileira e dos modos como as políticas em educação são
historicamente conduzidas, em especial a da ampliação da jornada escolar, aponta para
um cenário de não universalização do tempo integral, pelo menos nos próximos 10 anos,
conforme dispõe o PNE. É preciso ter clareza de que o tempo integral requer mais
investimento em educação.
Nesse sentido é importante observar que mesmo com o aumento de 25% (vinte e cinco
por cento) do repasse de recursos do FUNDEB para matrículas em tempo integral no
ensino fundamental, há limites financeiros. O tempo integral, supõe recursos para
alimentação, melhoria dos espaços escolares, investimento na carreira docente,
laboratórios, bibliotecas, dentre outras condições pedagógicas já tão distantes da
educação pública. Corre-se, portanto, o risco de uma oferta em tempo integral,
precarizada, como estudos têm demostrado (BRASIL, 2010a; BRASIL, 2010b, UFMG,
2012).
Portanto, ampliar a jornada escolar é colocar em debate os propósitos e intenções do
tempo integral, questões prementes no estabelecimento de toda a política educacional.
Referências
ARROYO, Miguel Gonzaléz. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In:
MOLL, J. [et al.]. Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e
espaços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012, p. 33-45.
BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral/educação integrada e(m) tempo
Pág.12/15
integral: concepções e práticas na educação brasileira. Mapeamento das experiências de
jornada escolar ampliada no Brasil: estudo quantitativo. Brasília: MEC, 2010a.
Disponível em:
< http://
portal.mec.gov.br
.>
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Educação de Governador Valadares – MG. Belo Horizonte, 2012, 128, p.
[1] Sobre o Programa Mais Educação conferirpublicações disponíveis em http://
portal.mec.gov.br
. Acesso em 13/05/2015.
[1] Os balanços de saber não foram nominais. Foi indicado o sexo e idade dos
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participantes. Neste texto, fizemos as correções ortográficas necessárias nos excertos
discursivos extraídos dos balanços de saber.
[1] O programa Fica Vivo tem por objetivo controlar e prevenir a ocorrência de homicídios
dolosos em áreas com altos índices de criminalidade violenta em Minas Gerais,
melhorando a qualidade de vida da população, por meio de acompanhamento
especializado. Oferece cerca de 600 oficinas voltadas para o esporte, a arte e a cultura
para jovens de 12 a 24 anos em situação de risco social. Informações disponíveis:
https://www.
seds.mg.gov.br
. Acesso em 03/05/2015.
[1] Os nomes dos entrevistados é fictício para preservar a identidade dos sujeitos.
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Pós Doutoranda
em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, sob orientação do prof. Bernard
Charlot, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CPNq).
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