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História da Cultura Afro-brasileira O Levante dos Malês: Uma interpretação política. (João José Dias) Revolta (Salvador, BA – Brasil. 1835): 1. Étnica: Malês = Islã/ Haussás/ Nagô/ Crioulos/ Pardos. Lingua em comum: árabe e yorubá; 2. Religiosa: Islã/ Católica/ Africana; 3. Classe: Libertos/ Escravos/ Senhores. 4. Fins: Participação política/ Estado Islâmico/ Tomada de poder; Neste caso interpretamos o escravo como um agente político. Há determinações étnicas, religiosas e de classes que marcavam a ação política dos escravos e libertos africanos na Bahia. Deu-se naquele período, séc XVIII, uma política do conflito; rebeldia escrava do meio urbano e também crises econômicas na Bahia. Isso levou não só escravos, como libertos, a se voltarem com o regime escravista. A organização e a ação em si foi um tanto complexa de se entender, segundo algumas frentes que defende possibilidades do motivo da revolta, baseados em fatos, estudos e etc, e outros que defendem outros tipos de motivos. Domínio do islã em Salvador 1835; classe social, trabalhadora; domínio étnico formado tanto por malês, quanto por nagôs, e haussás. Mas apesar de tudo isso, os escravos, ou libertos, eram ESCRAVOS, ou classe ESCRAVA, como veremos nos parágrafos mais à frente. Primeiro, Nina Rodrigues defendia que a revolta teria sido uma guerra santa, objetivando expansão do islã por escravos e libertos africanos. Muitos ainda não eram tão fieis ainda à fé muçulmana, pois foram submetidos a isso a contragosto. Então, africanos próximos culturalmente, religiosamente, vinham em grande número da mesma origem; principalmente os que falavam yorubá, ou seja, os povos: Nagôs, Ewes (Jêjes) e Haussás. Na Bahia todos eram considerados africanos e eram apenas escravos. Os libertos não tinham sequer identidade. E incrivelmente eram a maioria da população naquela época. Era fácil uma cultura mais comum, devido a religião, a facilidade com a língua africana e costumes. Livro sagrado muçulmano, Al Corão. Seus cantos, festas, e cultos serviam para imporem suas diferenças étnicas, e também, para se organizarem de modo estratégico, como resistência devido a tensão entre senhores brancos e os negros nascidos no Brasil. Via-se muitos senhores aliciar, atrair, crioulos em seus embates contra os africanos. Mas esses negros brasileiros ficavam em fogo-cruzado. Serviam aos senhores brancos ou se juntavam aos africanos? Mas se juntassem aos africanos, iriam lhes dar quais garantias? Iriam se ver livres? Ou escravos dos africanos? Estes seriam mais rigorosos que os senhores brancos ou mais brandos? Era melhor não arriscar e viverem como estavam vivendo, servindo aos brancos, do que lutar e vir coisa pior. Havia escravos crioulos que se sentiam cidadãos da nação que estava se construindo no Brasil. Se frustraram. De fato houve ausência dos escravos crioulos na revolta. Há quem diz que teve um grupo de crioulos, dominados, que se rebelaram e arrastaram consigo alguns menos informados para a luta contra a opressão. Mas nada que somasse à revolta. Anthony Oberschall e Gerald Mullin defendem que havia muitos escravos com níveis e habilidades sofisticados e aculturação e principalmente lutas contra o estado. Muitos dos que chegaram no Brasil, deixaram a África em pé de guerra. E em suas nações muitos eram exímios estrategistas, militares, combatentes, líderes, príncipes, e que sempre lutaram por suas terras e recentemente guerreavam contra a chegada islã. Esses povos, muitos próximos, culturalmente, etnicamente, aportaram na Bahia e isso facilitou a revolta. Sobre os crioulos, estes não tinham tanta força assim para se voltarem contra seus senhores; eram minoria, em relação aos africanos (malês, nagôs, haussás e etc). Alguns podem ter abraçado a causa malês, mas não há dados precisos. Mesmo porque, com finalidade de não se pagar impostos, os senhores sonegavam a declaração dos escravos. E em 1831, por falar em corrupção, para burlar o tratado inglês, que impedia o tráfico de escravos pelo Atlântico, muitos senhores pediram o máximo de escravos africanos possíveis, e com isso, na pressa em fechar o negócio, os escravagistas mandaram muitos escravos da mesma região. Instalados na Bahia, foi fácil se juntarem para a revolta, devido a facilidade de comunicação em yorubá, outros falavam árabes, tinham mesmos costumes e culturas. Enfim, a presença de escravos africanos inibia os crioulos ou pardos no Brasil. Em 1736, até houve uma aliança entre crioulos e africanos, numa conspiração em Antígua, mas nesse caso os crioulos planejavam escravizar seus aliados africanos, caso conquistassem o poder. Aconteceria o mesmo em 1835, caso os escravos malês obtivessem triunfo na revolta, agora inversamente, escravizando assim os crioulos? A hostilidade entre crioulos e africanos não fez um número maior à rebelião. Os escravos se dividiram em duas partes enfraquecendo a revolta. Enquanto classes, as relações sociais de produção estavam de comum acordo, pois os escravos, seja africano, seja crioulo, já constituíam sua classe em si. Que classe era essa? Não se tratava somente de relação entre grupos, e sim algo mais do que uma posição social - uma questão com múltiplas relações, inclusive econômica. Hobsbawm descreveu “ classe define não um grupo de gente isolada, mas um sistema de relações, tanto vertical quanto horizontal. É a coexistência deles dentro de uma estrutura social, cultural e institucional estabelecida pelos que estão no alto escalão ”. Marx, num termo mais radical, define classe como “indivíduos em comum que lutam contra outra classe ”. Tem de haver luta a partir de um determinado grupo em comum. Senão, não há como se definir o que é classe. Os escravos baianos, não haviam constituído uma classe em si, eram submissos, muitos dispersos na sociedade. Como indivíduos eram escravos, como coletividade pareciam ser outra coisa. Africanos/ crioulos/ pardos/ tinham relações sociais, culturais e institucionais bem diferentes com os senhores, apesar de ocuparem a mesma POSIÇÃO (como escravo) na produção. Mas os escravos baianos, tinham um privilégio, ou um favorecimento em relação aos escravos africanos. Como já vimos outros embates entre ambas as etnias, reforça-se a ideia de conflito: Escravos Africanos X Escravos Baianos. Só que estes crioulos eram uma classe privilegiada, chamados “aristocracia escrava”, eram mais subordinadas aos senhores, sendo assim, as que mais tinha regalias. Tudo havia também interesses de ambos os lados, senhores brancos e escravos baianos (crioulos). Mas não eram só os crioulos ou os escravos baianos que recebiam aliados por serem classe subordinadas de grupos socialmente melhores. A revolta de 1835, não teve participação de escravos nascidos no Brasil. Esta fora organizada e feita por africanos escravos. Mas a participação dos libertos foi tida como certa. Em menor número e bem diferente da “posição de classe” dos escravos, mesmo assim eram um númeroconsiderável. Os libertos já não tinham mais seu valor como escravo, eram indesejados por alguns setores do governo; muitos mesmo com carta de alforria, ainda tinha laços contratuais que os prendiam ao ex-dono e não possuíam qualquer direito político, liberdade, privilégios e etc. Para os brancos, crioulos e pardos, estes africanos libertos eram sempre escravos. Mesmo libertos, nada tirava-os dessa condição. Isso também devido a sua cor e a sua origem. Não pertenciam à classe nenhuma, não eram nem cidadãos. Tinham trabalhos como serviços domésticos, ou outras vezes nas ruas como vendedores, artesãos, marinheiros e etc. Muitas vezes com seus companheiros escravizados, eles partilhavam serviços. Em aspectos econômicos, escravos e libertos, em Salvador, se assemelhavam. Inclusive socialmente, culturalmente, ideologicamente. Havia solidariedade entre dois grupos. Escravos e libertos pertencentes ao mesmo grupo étnico se uniam mais entre si, do que os próprios escravos de grupos étnicos diferentes. A superioridade social entre os africanos não tinha a ver com suas posições como escravos, era uma hierarquia vinda de suas religiões. Os libertos na verdade se juntavam ao motim, não por uma questão de classe, muitas vezes, mas sim por respeito e obediência ao escravo africano babalorixá ou islã. Alguns estudiosos, então, descartaram qualquer elemento classista no movimento. Logo, a identidade étnica unia escravos e libertos africanos no cotidiano e na rebelião. Eles combatiam mais como grupos étnicos do que como membros de uma classe definida, devido à sua predominância no estado. Mas fica uma pergunta: Houve uma ausência absoluta de elementos de classe nas suas lutas? Não houve, então, uma rebelião escrava e sim islâmica ou africana na Bahia? Seria possível relacionar classe e etnia em 1835? Apesar de haver esses interesses entre escravos africanos e libertos, haver laços e a revolta em comum, e que os libertos foram bem ativos na rebelião, três dos escravos libertos, denunciaram os demais revoltos às autoridades, dando fim a este levante Malês na Bahia. A identidade étnica foi reconstituída e reforçada sob pressão da exploração escravista de tempos em tempos. Não era somente por causa, etnia, da classe e religião, foi de fato uma rebelião escrava. Eles eram produtos da escravidão, independente de classe, etnia, religião e etc. Homem nagô Alan Dawley diz “quanto mais identidade étnica, menor a consciência de classe. Etnicidade dividia os escravos enquanto classe”. Mas a experiência escrava de classe reforçava a solidariedade étnica. A etnicidade ganha forte conotação política porque não significa um sistema de filiação a um grupo de origem, mas a existência de projetos de tomada ou participação no poder; um sistema de mentalidades, de valores e de comportamentos que ordena a micropolítica do cotidiano. O próprio regime escravocata baiano cuidava que os africanos não se engajassem coletivamente, receando um golpe oportuno. Isso fomentou a uma ideologia popular radical na disputa pelo poder. Ter elementos de classe não quer dizer que tenham consciência de uma classe social específica. A identidade étnica informava as relações do escravo com o senhor e destas se alimentava para estruturar a comunidade escrava. A identidade étnica tinha fortes elementos de classe, mas estava ligada a posição dos africanos em relação a escravidão e a qualidade dos escravos. Os males, haussás, nagôs, eram estrangeiros e sua cultura e comportamento não podiam ser relacionados a experiência escrava no mundo. Mas na Bahia, eram escravos! Se tornaram uma única identidade para os brancos e outros escravos nascidos no Brasil. Só que para os africanos, uma identidade não eliminava as diferenças. Os Nagôs eram maioria no Brasil. Isso os tornavam um grupo étnico-classista. Eram escravos, de fato e lutaram contra a escravidão – diferente do que pensavam alguns historiadores. Há os que defendem a luta de classes e étnica. Mas foi a religião o tema que diferenciava essas classes e etnias, embora, alguns defendam que tenha falhado a unir crioulos e africanos. Diferentes cultos religiosos Contudo, entre os escravos africanos o islã ajudou a promover a unidade entre eles. Se por um lado a religião não pudesse ser o atrativo, a etnia reforçava a aliança para a revolta entre os africanos não-muçulmanos. Mas por fim, nagôs não islamizados e islamizados participaram do levante em 1835, confundindo as teses de autores que deram a revolta como uma jihad, como Nina Rodrigues. Outros autores defendiam que os malês eram muito fanáticos para permitirem a entrada de não-muçulmanos no grupo. Bastie falava que foi uma guerra contra os cristãos. Mas segundo João José, o autor, diz que os malês tinham aprendido a conviver com outras religiões na própria África, as essas guerras não eram só por questão de fé. Todos os demais foram considerados pelos malês como aliados. Eram maioria, talvez depois do levante, com sua hegemonia, projetassem algo para si conforme sua religião ou etnia. Para Vittorio Lanternari, a complexidade e dinâmica não se define nenhum movimento de revolta como causa religiosa, étnica ou classista. Lembrando o que Mary Reckord sugeriu, em relação a rebelião jamaicana, 1831, dizendo: A revolta com movimento inspirado no cristianismo tinha objetivos políticos. Assim pode ter se dado em Salvador, com o islamismo, como sendo o ponto focal e agente radical dos interesses escravos. A religião era uma linguagem política bem expressiva na época. Isso confunde muito a causa da luta religiosa ou política e vice-versa. A religião não deve ser entendida, de fato, como uma explicação da revolta alternativa à etnicidade ou a condição escrava (classe). Essa relação era bem complexa. Se bem que se, na conquista do poder, talvez muitos iriam entender que foi uma revolta étnica-religiosa-classista dos africanos. Afinal, todas essas classificações tiveram participação, querendo, ou não, na revolta de 1835. Muitos que aderiram à guerra, não sabiam se estavam ali como nagôs, malês, haussás, ou como escravos. Tinha aqueles que queriam apenas luta, arruaça, vingança pessoal e etc. Na verdade, todos tinham em mente a abolição da escravidão, isso era fato (mesmo tendo alguns que pensavam que, após a conquista, iriam servir a outro tipo de senhor). Outro fator que contribuiu para a revolta foi a crise econômica, e a situação política geral. A rebeldia escrava crescia em 1835. A cidade abrigava a maioria dos libertos africanos, os quais forneciam material, infra-estrutura, armas, depósitos, as próprias casas de alguns libertos serviram como base e ponto de encontro para reuniões e esconderijos. Mas o estranho era o fato de não haver segregação residencial. Todos viviam próximos, as vezes na mesma rua. Brancos, crioulos, africanos, libertos e etc. Difícil era se organizar para um motim, naquelas condições. Paternalismo de uma lado, liberdade de cultos do outro. Por um lado os brancos querendo controlar seus escravos, justamente evitando-se uma revolta, por outro os escravos e libertos querendo “liberdade” para suas práticas religiosas - muitas com fins de se armarem levante contra o regime escravo. Juntando a crise econômica, o aumento de alforrias, aumento da tensão social, gerou-se uma tensão maior ainda para o controle político e da situação geral em Salvador. Já se testemunhava saques à tavernas, por parte dos escravos africanos e libertos, “caça” aos portugueses, assaltos, destruição de propriedade civil e militar, assassinatos de autoridadese etc. Isso certamente inspirou os rebeldes em 1835. No entanto não é possível generalizar uma relação imediata entre a crise social, política e financeira, à revolta escrava. Pois entre 1822 e 1824 houveram umas vinte revoltas e uma conspiração ao todo. O clima de desordem na Bahia nunca desapareceu de cena até 1835. Os escravos perderam suas melhores chances de se levantarem numa revolta. As revoltas e desordem eram sempre combatidas pela polícia, geralmente aconteciam em datas comemorativas religiosas, enquanto os senhores estavam em suas próprias festas e os escravos tinham folgas. Isso não mostrava de certo uma revolta com fins religiosos, como se pensa. Havia também as festas islãs. O mês sagrado para os muçulmanos, onde adeptos criam na força espiritual e no Poder de Alá. Época propícia para eventuais ataques. Mas essas resistências não representavam uma ameaça completa. E repetindo, nada dessas datas tiveram a ver com o fato da rebelião ter sido motivada com fins religiosos. A própria política rebelde escrava tinha suas próprias lógicas, culturas de guerra e etc. Uma das líderes da revolta malês: Luiza Mahin. Não se tem exatidão de suas fotografias, mas segundo historiadores ela se trajava e tinha as mesmas características que estas fotos. E foi também uma mulher que entregou os rebeldes às autoridades num dos maiores levantes da Bahia, a revolta dos malês. A pena foi dura aos capturados, muitos foram condenados à morte, outros degredados ou deportados. Após isso os cuidados com os escravos foi muito severo e assim também com os libertos.
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