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3 Nesta edição Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br A seção Doutrina desta edição apresenta inicialmente uma análise sobre a aplicabilidade do artigo 219 do novo Código de Processo Civil nos juizados especiais. O advogado pós-graduando e assistente jurídico da Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso Thomas Ubirajara Caldas de Arruda preocupa-se com a coerência do sistema jurídico nacional, idealizado pelos legisladores, pois entende ser necessária a coesão e a integração das leis entre si. Destaca então a novidade tra zida pelo artigo 219 da Lei 13.105/15 referente à contagem dos prazos processuais em dias úteis apenas. Entende que o dispositivo significa a demo cratização da legislação e do sistema em si, e que em nada obstaculiza a tramitação dos feitos, especialmen te porque o código nasceu com os olhos voltados para o espírito de co operativismo processual. A seguir, a revista veicula artigo lavrado pelos autores Cristiane Maria Freitas de Mello – advogada, professora e mestra em direito – e Maurício Veloso Queiroz – advogado e mestre em direito –, que tecem uma crítica ao sentido de unicidade sindical no estado democrático de direito, interpretado pelo Supremo Tribunal Federal. Partem de uma análise das novas funções da negociação coletiva na sociedade complexa, especialmente como instrumento de concretização dos direitos fundamentais, para concluir acerca da necessidade de efetiva liberdade sindical para o alcance de tais objetivos. A ideia defendida, portanto, é resgatar a fundamentalidade material do direito de liberdade sindical através da reinterpretação de tal modelo à luz dos princípios democráticos. Sobre a concretização dos direitos conquistados ao longo do tempo, o ideal partilhado pelos países do globo devido ao cenário pós-guerra e o direito à saúde elencado entre os direitos fundamentais sociais, a doutoranda em ciência jurídica e mestre em direito, professora Thaís Vandresen e a acadêmica de direito Tainá Fernanda Pedrini verificam que, hodiernamente, o princípio da reserva do possível tem sido utilizado como limite para a execução desta garantia, justificando-se a impossibilidade orçamentária dos entes federados de arcar com o fornecimento de fármacos e demais tratamentos médicos aos necessitados. Concluem que a utilização do princípio da reserva do possível nega ao cidadão a prestação deste serviço essencial, pois o objetivo da seguridade é principiar pela prevalência da assistência dos direitos fundamentais, não se justificando a utilização do déficit orçamentário como argumento para resumir tal garantia. Aquecendo os debates sobre a Lei 13.257/16, que trata das diretrizes e políticas públicas em benefício das crianças de zero a seis anos, idade definida pela lei como primeira infância, o assessor de gabinete da 1ª Vara de Família e Sucessões de Rondonópolis, Mato Grosso, pós-graduando em direito administrativo e constitucional Leonardo Alves de Oliveira aponta os principais dispositivos normativos deste diploma legal, principalmente as alterações que delegam ao Estado o dever de aplicar recursos na primeira infância, não se tratando tal medida de um gasto desnecessário, mas sim de um investimento. Explica que quanto maior o enfoque em políticas públicas, familiares e projetos educacionais, menores serão as chances dos indivíduos se tornarem infratores, indigentes e até de contraírem doenças ensejadoras de calamidades públicas. Observa que por isso o marco legal da primeira infância vem em boa hora. A advogada especializada em direito tributário Rebeca Soraia Gaspar Bedani encerra a seção Doutrina descrevendo a difícil convivência entre o efeito dúplice do controle de constitucionalidade em matéria tributária e a relativização da coisa julgada tributária ante a coisa julgada no novo CPC. Mostra que a coisa julgada processual tem previsão no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, e por isso é reconhecida como cláusula pétrea. Porém, quanto à imutabilidade no âmbito tributário, defende posição no sentido de que, quando se tratar de ação declaratória tributária, devido ao seu efeito dúplice, em que já é esperada a possibilidade de ser concedido ao réu o bem da vida ou a atribuição de direito, poderia ser relativizada a coisa julgada, tendo em vista que a decisão prolatada pode beneficiar tanto o contribuinte como o fisco. Na Legislação, trazemos a Lei 13.300, de 23 de junho de 2016, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo e dá outras providências. Ganha relevância nacional o rol de vinte novas súmulas do TRT da 12ª Região, destacadas tematicamente, com ênfase em banco de horas, uso de uniforme, intervalo do art. 384/CLT, incidência ou não do imposto de renda sobre férias indenizadas, dentre outros entendimentos sumulados para facilitar a ciência de todos. Excelente Leitur a. Equipe Bonijuris. Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 3 20/07/2016 17:02:00 Expediente 4 Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br Ano XXVIII | # 633 | Agosto 2016 Conselho Editorial Antonio Carlos Facioli Chedid, Carlos Roberto Ribas Santiago, Clèmerson Merlin Clève, Edésio Franco Passos, Hélio de Melo Mosimann, Humberto D’Ávila Rufino, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, João Casillo, João Oreste Dalazen, Joel Dias Figueira Júnior, Luiz Fernando Coelho (coordenador), Manoel Antonio Teixeira Filho, Manoel Caetano Ferreira Filho, Maximiliano Nagl Garcez, Oksandro Gonçalves, Roberto Victor Pereira Ribeiro, Rolf Koerner Júnior, Zeno Simm Editor responsável Luiz Fernando de Queiroz Pesquisadores Alberto Nahum Lima de Moura Feres, André Barbieri Souza, Carlos Oswaldo M. Andrade, Eduardo Cambi, Elionora Harumi Takeshiro, Geison de Oliveira Rodrigues (coordenador), Geraldo Vaz da Silva, José Lúcio Glomb, Joseph Ernest Gardemann Filho (in memoriam), Luciano Augusto de Toledo Coelho, Luiz Carlos da Rocha, Luiz Salvador, Maria de Lourdes Cardon Reinhardt, Pollyana Elizabethe Pissaia (editora adjunta), Rogério Distéfano, Roland Hasson, Sérgio de Aragon Ferreira, Solange Roessle, Yoshihiro Miyamura Revisoras Dulce de Queiroz Piacentini – Noeli do Carmo Faria Coedição: AMAPAR – ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO PARANÁ AMC – ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS CATARINENSES AMATRA – ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO – IX E XII Repositório autorizado TST Nº 24/2001 STF Nº 34/2003 STJ Nº 56/2005 Administrativo | Comercial Fone-fax: (41) 3323-4020 bonijuris@bonijuris.com.br comercial@bonijuris.com.br Assinaturas 0800 645 4020 Jurídico | Pesquisa Fone: (41) 3322-3835 juridico@bonijuris.com.br Todos os acórdãos são fi éis às íntegras obtidas nos tribunais. Publicação dirigida ao território nacional. Edição mensal ‒ Tiragem 1.400 exemplares Instituto de Pesquisas Jurídicas Bonijuris Rua Marechal Deodoro, 344 | 3º and. | CEP: 80010-010 | Curitiba | PR | www.bonijuris.com.br | ISSN 1809-3256 | Qualis C ‒ Capes Para fi rmar convênios ou permutas jurídicas, entre em contato conosco. | Fone/FAX: (41) 3323-4020 | e-mail: contato@bonijuris.com.br Endereço para correspondência: 1. As opiniões emitidas nos artigos não refletem, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial da Revista, sendo de exclusiva responsabilidade de seus autores. 2. A remessa e o recebimento de matérias não implicam a obrigatoriedade de publicação. 3. Dá-se preferência a trabalhos inéditos ou apresentados em eventos públicos (congressos, seminários, palestras etc.). 4. Solicita-se que o autor envie os artigos por e-mail, em arquivo Word, onde conste também sua qualificação profissional/ acadêmica e endereço. 5. Os artigos serão revisados, editados e publicados de acordo com as normas técnicas da RevistaBonijuris. Normas editoriais para encaminhamento de artigos à revista Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 4 20/07/2016 17:02:00 Sumário 5Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br Acórdãos em destaque 37 | STJ | Min. Ricardo Villas Bôas Cueva Determinação judicial de guarda compartilhada de menor pode ocorrer ainda que inexista consenso entre os genitores 40 | STJ | Min. Maria Isabel Gallotti Promissário comprador e promitente vendedor possuem legitimidade passiva na ação de cobrança de cotas condominiais 42 | STJ | Min. João Otávio de Noronha Arbitragem sobre multa cominatória, imposta por descumprimento da determinação judicial, é legítima 48 | STJ | Min. Sebastião Reis Júnior Prejuízos sofridos pelas vítimas não podem elevar a pena-base do crime de furto 50 | TST | Min. Márcio Eurico Vitral Amaro Inválida a norma coletiva que dispensa marcação de ponto 57 | STF | Min. Luiz Fux Poder Judiciário pode determinar que a administração pública tome medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente essenciais 59 | STJ | Min. Assusete Magalhães Condomínio não é sujeito passivo de IPTU Doutrina 82 | Maria Tereza de Queiroz Piacentini Parabéns, que e quê, precisar (de) Não tropece na língua 80 | Súmulas do Tribunal Regional do Trabalho da 12a. Reg. Súmulas em destaqueLegislação 78 | Lei 13.300/16 Processo e julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo Ementário 64 | TJ/RS | Civil e Comercial Des. Ney Wiedemann Neto Indevida a reparação civil pleiteada quando inexiste a ingestão de bebida cuja garrafa contém corpo estranho 66 | TJ/SC | Imobiliário Des. Gilberto Gomes de Oliveira Indispensável o registro da garantia na matrícula do imóvel para que tenha efeito contra terceiros 68 | TRF | Processo Civil Des. Federal Otávio Roberto Pamplona Quando reconhece a procedência do pedido, a União é isenta de honorários advocatícios 70 | TJ/DF | Penal e Processo Penal Des. Cesar Laboissiere Loyola Considera-se incurso no art. 12 da Lei 10.826/03 aquele que possui arma de fogo de uso permitido com registro expirado 71 | TRF | Trabalhista e Previdenciário Des. Federal Mauricio Kato Pensão por morte não é transmissível aos herdeiros 74 | TJ/RS | Administrativo e Constitucional Desa. Marilene Bonzanini Não cumprimento de doação onerosa de imóvel público gera indenização 75 | TRF | Tributário Desa. Federal Cláudia Maria Dadico Incidência de IPI sobre o desembaraço aduaneiro de produto industrializado 06 | Aplicabilidade do Artigo 219 do CPC/2015 nos Juizados Especiais Thomas Ubirajara Caldas de Arruda 09 | Crítica ao Sentido de Unicidade Sindical no Estado Democrático de Direito Cristiane Maria Freitas de Mello Maurício Veloso Queiroz 16 | A Reserva do Possível: Entre a Suposta Insufi ciência de Recursos Disponíveis e a Execução do Direito à Saúde Tainá Fernanda Pedrini Thaís Vandresen 23 | Marco Legal da Primeira Infância: Primeiras Impressões sobre a Lei 13.257/16 Leonardo Alves de Oliveira 26 | O Efeito Dúplice do Controle de Constitucionalidade em Matéria Tributária e a Relativização da Coisa Julgada Tributária Ante a Coisa Julgada no Novo CPC Rebeca Soraia Gaspar Bedani Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 5 20/07/2016 17:02:01 Doutrina 6 Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br APLICABILIDADE DO ARTIGO 219 DO CPC/2015 NOS JUIZADOS ESPECIAIS Thomas Ubirajara Caldas de Arruda | thomarruda@hotmail.com Advogado Assistente Jurídico da Defensoria Pública de Segunda Instância de Mato Grosso Pós-graduando em Direito Civil Contemporâneo (UFMT) e em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes Excertos “Não há nenhum dispositivo, defi nitivamente nada, na Lei 9.099/95 que regulamente a forma de contagem dos prazos processuais perante os juizados especiais” “Se a vontade do legislador foi implantar um sistema jurídico coeso, coerente e principalmente íntegro, destoa da lógica a não aplicação do CPC ao sistema dos juizados” “O diálogo entre as diversas classes é imprescindível para que se alcance a solução mais adequada, antes que os tribunais interpretem a norma concentrados em pura vaidade intelectual” Inicialmente, é necessário apontar que a novidade tra-zida pelo artigo 219 da Lei 13.105/15, o novo Código de Pro- cesso Civil, referente à contagem dos prazos processuais em dias úteis apenas, refl ete um antigo desejo dos advogados ao digno descanso nos feriados e fi nais de semana, assim como aos juízes, auxiliares e serven- tuários da justiça. Trata-se de demo- cratização da legislação e do sistema em si, o que em nada obstaculiza a tramitação dos feitos, especialmen- te porque o código nasceu com os olhos voltados para o espírito de co- operativismo processual, decorrente da ideia de que todas as partes que integram o processo devem colabo- rar para a obtenção de uma decisão justa, célere e efetiva. O novel diploma deixou de en- veredar por vales escuros na imagi- nação dos seus entusiastas para se tornar realidade factível, com a pu- blicação e ulterior entrada em vigor, em março de 2016. Dizem por aí que o código é um divisor de águas, por ser o primeiro desenvolvido em re- gime democrático no país, o que não quer dizer que seja levemente diges- tivo. Longe disso. Hoje percebemos que digerir a invocação de algumas interpretações do CPC/2015 poderá se tornar uma tarefa afl itiva, angus- tiante, pelo menos nos primeiros anos de vigência. A preocupação que tanto pulsava na cabeça dos opera- dores do direito revela agora não ser somente o medo do novo, mas sim fruto de um sem-número de razões, sendo que uma delas concentra-se na (in)aplicabilidade da nova legislação processual ao microssistema dos jui- zados especiais cíveis. Afi nal, a con- tagem dos prazos nos JECs será re- alizada em dias úteis ou continuará fl uindo em dias contínuos? Muito se discutiu sobre o as- sunto, e, mesmo dentre os mais re- nomados estudiosos da comunida- de jurídica, inclusive aqueles que acompanharam a tramitação do novo código e participaram da elaboração de seu texto, despontaram divergên- cias. Não é o que deveria acontecer, pois, no que se refere à compatibili- dade do art. 219 com o procedimento especial da Lei 9.099/95, a questão é tecnicamente simples, arredia a in- terpretações mirabolantes. Há quem diga que a aplicação subsidiária do CPC somente ocor- rerá na fase de cumprimento de sen- tença e “no que couber”, com funda- mento no artigo 52 da lei que rege o procedimento especial1. Para tanto, afi rmam alguns juristas, assim quis o legislador; caso contrário, reserva- ria um dispositivo que manifestasse expressamente a vontade de que fos- sem aplicadas as regras do procedi- mento comum. Com efeito, analisando o texto do artigo 178 do Código de Processo Ci- vil de 19732, é possível observar que a norma anterior previa claramente que o prazo (legal ou judicial) era contínuo e não se interrompia nos fe- riados. Nos juizados especiais, men- cionada regra geral sempre foi apli- cada subsidiariamente, sem maiores digressões, justamente por ausência de norma específi ca na Lei 9.099/95. Veja bem, nunca houve disposição expressa a respeito, mas a aplicação da regra geral de contagem dos pra- Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 6 20/07/2016 17:02:01 Doutrina 7Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br zos do CPC sempre vestiu perfeita- mente bem, como um terno italiano, o sistema especial dos juizados. Pelo menos até a vigência do “famigeradoviolentador da celeridade”, persona non grata pelos ferrenhos defensores do microssistema: o novo Código de Processo Civil. Primeiro, é preciso empreender uma análise partindo da premissa de que não há nenhum dispositivo, de- fi nitivamente nada, na Lei 9.099/95 que regulamente a forma de conta- gem dos prazos processuais peran- te os juizados especiais. Da leitura, ponta a ponta, da norma especial, não é possível saber se no cômpu- to dos prazos se exclui o dia do co- meço e inclui o dia do fi m ou vice- -versa, muito menos se o transcurso do prazo será contínuo ou de modo diverso. Assim, nada mais lógico do que a prevalência da regra geral do artigo 219 do novo diploma, até porque a Lei 9.099/95 fez questão de acompa- nhar a realidade do Código de 1973 à época, e se agora a realidade se transformou, se os anseios em bus- ca da efetiva prestação jurisdicional são outros, a obviedade não escapa da interpretação no sentido de que o procedimento especial deve se ater à regra da contagem estabelecida na nova codifi cação processual. São no- vas concepções e os olhos dos intér- pretes devem mirar o futuro, como conclamaram os professores Lenio Streck e Dierle Nunes: devemos olhar o novo com os olhos do novo!3 O Fórum Permanente de Pro- cessualistas Civis (FPPC), duran- te encontro realizado em maio de 2015, em Vitória/ES, se pronunciou favoravelmente à aplicabilidade do artigo 219 nos juizados especiais, como se vê do texto dos enunciados aprovados4: “Enunciado nº 415. (arts. 212 e 219; Lei 9.099/1995, Lei 10.259/2001, Lei 12.153/2009) Os prazos processuais no sistema dos Juizados Especiais são con- tados em dias úteis (Grupo: Impacto nos Juizados e nos procedimentos especiais da legislação extravagante). Enunciado nº 416. (art. 219) A con- tagem do prazo processual em dias úteis prevista no art. 219 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública).” Em entendimento convergente, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), durante encontro que reuniu cerca de 500 magistrados em agosto de 2015, aprovou o enuncia- do 45: “A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados es- peciais”. Tudo ia caminhando bem, na di- reção de uma compreensão alinhada e uníssona, e o que se esperava era que a ideia do novo código fosse encampada pelo Judiciário em ge- ral. No entanto, poucos dias antes da vigência do NCPC, o Fórum Na- cional de Juizados Especiais (FO- NAJE) divulgou a “Nota Técnica n. 01/2016”5 afi rmando que não se aplicará o artigo 219 no JEC, sub- sistindo a contagem dos prazos em dias corridos, sob o fundamento de que a citada norma não se enquadra- ria ao princípio da celeridade que al- berga o rito sumaríssimo. De acordo com a nota técnica, “com o advento do Novo Código de Processo Civil (CPC de 2015), por força do artigo 219, a justiça cível dita comum passa a conviver com a contagem de pra- zos legais e judiciais em dias úteis, em inexplicável distanciamento e indisfarçável subversão ao princípio constitucional da razoável duração do processo”. Ao revés, demonstrando persona- lidade, a Turma de Uniformização de Jurisprudência das Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios deliberou a res- peito e decidiu que o dispositivo do NCPC que prevê a contagem de pra- zos em dias úteis alcançará também os juizados especiais. O entendimen- to restou consolidado no Enunciado 4: “Nos Juizados Especiais Cíveis e de Fazenda Pública, na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somen- te os dias úteis, nos termos do art. 219, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).”6 São questionamentos que só ago- ra vieram à tona, das profundezas de um mar sem fi m, em razão da cega crença de que a culpa da morosidade processual é dos prazos. Assertivas no sentido de que a aplicação do mo- delo de contagem de prazos do CPC irá desacelerar o andamento dos fei- tos na verdade distorcem a fi nalidade da lei. Por outro lado, quando se fala em elementos criados para simpli- fi car e agilizar o trâmite processual como, por exemplo, a possibilidade de decisão de improcedência limi- nar, os paladinos rapidamente mani- festam-se a favor. É perfeitamente compreensível o receio de que a utilização desregrada da legislação ordinária nos juizados comprometa o sustentáculo do rito sumaríssimo, consubstanciado na oralidade, informalidade, celeridade, simplicidade e economia processual. Todavia, parece mais aquela velha canção do rádio de Belchior, em que um antigo compositor baiano dizia: “tudo é divino, tudo é maravilhoso”7. No dia a dia da prática forense, a verdade é uma só. Nada é divino, nada é maravilhoso. Mesmo nos juizados especiais – e não só ortografi camente falando – morosidade rima com reali- dade. Esta odiosa combinação deriva de inúmeros problemas estruturais do próprio Poder Judiciário, evidencian- do difi culdades operacionais, mate- riais, administrativas, organizacionais e de recursos humanos. Como bem destacou o professor Rogério Licastro Torres de Mello8, “de fato, não é razoável ponderar que contar apenas dias úteis para fi ns Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 7 20/07/2016 17:02:01 Doutrina 8 Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br de cumprimento de prazos no âmbito da Lei 9.099/95 tornaria o rito desta moro- so, ou ainda mais moroso (pragmatica- mente falando). É de domínio público que as ações judiciais que tramitam nos juizados especiais cíveis Brasil afora exigem meses e anos para que atinjam sua conclusão, meses e anos estes que não deixarão de ser, com o perdão pela repetição, meses e anos porque alguns poucos dias não úteis foram excluídos do cômputo de prazos!” Na mesma linha, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves, ao comentar sobre a contagem do prazo, afi rma que culpar os prazos pela demora no processo além do tempo razoável é pura inocência. Em breves linhas, o doutrinador explica que “a culpa na realidade é do tempo morto, ou seja, o tempo de espera entre os atos processuais, principal culpado pela morosidade procedimental”9. Com a mesma voz, não me parece acertada a interpre- tação de que a con- tagem dos prazos em dias úteis atenta contra os princípios norteadores da justiça especializada, mesmo porque o próprio CPC/2015 também prestigia, expressamente, a razoável duração do processo como uma das bases fundamentais do sis- tema processual, quando prevê em seu artigo 4º que “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Se o artigo 219 é compatível com o procedi- mento ordinário, porque não o seria em relação aos juizados especiais, considerando que ambos possuem como fundamento-chave o supraci- tado princípio? Como dito prefacialmente, ao dispor sobre a contagem dos prazos em dias úteis, o objetivo do código foi a concretização de direito essen- cial do advogado, elemento indis- pensável à administração da justiça, de forma que o processo fosse equa- lizado de maneira justa, tudo pensan- do na efi ciência do trabalho realiza- do em favor do jurisdicionado. Se na justiça comum funcionará assim, qual o motivo para que não funcio- ne na justiça especializada? Será que no âmbito dos juizados o advogado deverá ser tratado de forma indigna, obrigado a trabalhar nos feriados e fi nais de semana, tudo em nome de uma justifi cativa equivocadamente (e seletivamente) embasada? Esta é uma questão a ser considerada. E mais, a aplica- ção deformas dife- rentes de contagem de prazos (no proce- dimento comum e nos juizados) ocasionará uma situação bem pe- culiar, para não dizer uma tremenda confu- são. Suponhamos que os prazos sejam con- tados em dias corri- dos até o julgamento do recurso inominado pela turma recursal e a parte queira interpor recurso extraordinário con- tra o acórdão proferido pelo colegia- do, como será feita a contagem do prazo nesse caso, em dias úteis ou corridos? Destaca-se que a previsão do re- curso excepcional está contida na Constituição Federal, sendo que os seus procedimentos foram regula- dos pela norma processual ordinária (CPC), especifi cando os requisitos de admissibilidade e os prazos. Ora, se a parte irá se utilizar de um recurso, no prazo previsto pelo CPC, ou seja, 15 dias, o que justifi caria a contagem de maneira diferente daquela disposta na lei ordinária (em dias úteis)? Ou será que também reduzirão o prazo do re- curso extraordinário para 10 dias, sob fundamento de que um recurso com prazo superior atenta contra os princí- pios informadores do microssistema? De todo modo, mesmo se for obser- vado o artigo 219 na interposição do apelo extraordinário, se revela no mí- nimo curioso o fato de a metade dos prazos serem contabilizados continu- amente (até o julgamento do recurso inominado) e a outra metade em dias úteis (após a decisão da turma recur- sal, p. ex: RE, agravo em RE e agravo regimental no STF). Agora vejamos a situação inver- sa. Caso o prazo do recurso extra- ordinário interposto em face de de- cisão de última instância, proferido pela turma recursal, seja contado em dias corridos, na contramão do CPC, estaremos diante de algo incomum no Supremo Tribunal Federal: atos processuais com contagem de prazos em dias corridos, nos recursos extra- ordinários interpostos no âmbito dos juizados especiais cíveis; e outros em dias úteis, nos casos de recursos oriundos da justiça comum. Atenção, a natureza dos recursos será a mes- ma, a matéria será a mesma (cível), o prazo será o mesmo, mas a forma da contagem não será a mesma? Seria algo inimaginável até então. Pois bem, se a vontade do le- gislador foi implantar um sistema jurídico coeso, coerente e princi- palmente íntegro, destoa da lógica a não aplicação do CPC ao sistema dos juizados, especialmente em re- lação a regras importantes, atinentes à forma de contagem dos prazos e fundamentação das decisões. A in- terpretação deve ser feita com cau- tela e parcimônia, sem descuidar do objetivo de mudança de mentalidade exteriorizado no código concernente a vários paradigmas que haviam de ser superados há muito tempo, prio- rizando a integração de todo o siste- ma processual cível. De qualquer forma, o diálogo en- tre as diversas classes é imprescin- dível para que se alcance a solução AO DISPOR SOBRE A CONTAGEM DOS PRAZOS EM DIAS ÚTEIS, O OBJETIVO DO CÓDIGO FOI A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITO ESSENCIAL DO ADVOGADO Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 8 20/07/2016 17:02:01 Doutrina 9Revista Bonijuris | Agosto 2016 | Ano XXVIII, n. 633 | V. 28, n. 8 | www.bonijuris.com.br mais adequada, antes que os tribunais interpretem a norma concentrados em pura vaidade intelectual. Dentro da ordem de ideias aqui expostas, sobrelevo a fala da sempre brilhan- te professora Teresa Arruda Alvim Wambier: “Não há, na natureza, uma coisa julgada ou um prequestiona- mento. Nós é que dizemos o que são esses dois fenômenos, traçando-lhes o perfi l. Portanto, devemos dialogar, sempre com o objetivo de chegar a uma solução, e não com a fi nalidade de ‘ganhar’ a discussão.”10 Notas 1 Lei 9.099/95. Art. 52. A execução da senten- ça processar-se-á no próprio juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil (...). 2 Código de Processo Civil de 1973. Arti- go 178. O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados. 3 STRECK, Lenio Luiz, e NUNES, Dierle. CPC: conclamamos a que olhemos o novo com os olhos do novo! Disponível em: http://www.conjur. com.br/2016-mar-17/senso-incomum-cpc-concla- mamos-olhemos-olhos 4 “Enunciados do Fórum Permanente de Pro- cessualistas Civis” – Coordenadores gerais: Fredie Dider Jr., Eduardo Talamini, Salvador: JusPodivm, 2016. 5 Disponível em: http://www.amb.com.br/ fonaje/?p=610 6 Disponível em: http://www.tjdft.jus.br/insti- tucional/imprensa/noticias/2016/marco/contagem- -de-prazos-nos-juizados-especiais-seguira-regra- -do-novo-cpc 7 Artista: Belchior. “Apenas um rapaz latino- -americano”, 1976. 8 MELLO, Rogério Licastro Torres de. Conta- gem de prazos nos juizados especiais deve obedecer regra do novo CPC. Disponível em: http://www. conjur.com.br/2016-mar-31/contagem-prazos-jui- zados-especiais-obedecer-cpc 9 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manu- al de Direito Processual Civil – volume único. 8. ed. Salvador:. JusPodivm, 2016, p. 359. 10 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Prazos processuais devem ser contados em dias úteis com novo CPC. Disponível em: http://www.conjur.com. br/2016-mar-07/prazos-processuais-contados-dias- -uteis-cpc Referências “Enunciados do Fórum Permanente de Pro- cessualistas Civis” – Coordenadores gerais: Fredie Dider Jr., Eduardo Talamini – Salvador: JusPodi- vm, 2016. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, volume único. 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. ______. Novo Código de Processo Civil Co- mentado. Salvador: JusPodivm, 2016. CRÍTICA AO SENTIDO DE UNICIDADE SINDICAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Cristiane Maria Freitas de Mello | cristianefmello@gmail.com Advogada e professora Mestra em Direito (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e em Desenvolvimento Regional e Urbano (Universidade Salvador) Maurício Veloso Queiroz | mauricioqueiroz@yahoo.com Advogado Mestre em Direito da Sociedade da Informação (Faculdades Metropolitanas Unidas) Resumo O presente artigo critica a interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal do modelo de unicidade sindical no Brasil enquanto estado democrático de direito. Para tanto, parte de uma análise das novas funções da negociação coletiva na sociedade complexa, especialmente como instrumento de concretização dos direitos fundamentais e conquista de progresso social, para concluir acerca da necessidade de efetiva liberdade sindical para o alcance de tais objetivos. A ideia, portanto, é resgatar a fundamentalidade material do direito de liberdade sindical através da reinterpretação de tal modelo à luz dos princípios democráticos, com enfoque no tema da representatividade sindical 1. Introdução A negociação coletiva vem assumindo novos contornos e funções diante dos desafi os das socieda- des complexas, especialmente para adaptação permanente às constantes mudanças socioeconômicas. Diz-se isso porque, ante a plura- lidade de situações sociais, econômi- cas, políticas e culturais, sobretudo nas relações de trabalho, não podem os sujeitos coletivos aguardar a res- posta do Estado legislador, que em geral é lenta, especialmente quando se trata da regulação das relações entre o capital e o trabalho, não obs- tante a globalização que induz uma percepção de celeridade também no campo normativo. Nessa linha de ideias, os sindi- catos profi ssionais só estarão aptos às novas funções da negociação co- letiva se estiverem preparados para um constante debate dialético, com a interação do maior número possível Revista Bonijuris Agosto 2016 - PRONTA.indd 9 20/07/2016 17:02:01
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