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203203203203203 Revista Baiana de Saúde Pública ARTIGO ORIGINAL AVALIAÇÃO DA QUALIDADE MICROBIOLÓGICA E HIGIÊNICO-SANITÁRIA DA ÁGUA DE COCO COMERCIALIZADA EM CARRINHOS AMBULANTES NOS LOGRADOUROS DO MUNICÍPIO DE TEIXEIRA DE FREITAS (BA) Danielle Barros Silva Fortunaa Jorge Luiz Fortunab Resumo O consumo da água de coco verde no Brasil é crescente e significativo. A atividade ambulante é geralmente exercida por pessoas não treinadas, podendo servir de veículo de contaminação dos alimentos e bebidas. Este trabalho tem como objetivo geral avaliar a qualidade microbiológica e higiênico-sanitária da água de coco comercializada em carrinhos ambulantes com serpentina para refrigeração, nos logradouros do município de Teixeira de Freitas (BA). Foram analisadas 32 amostras de água de coco in natura, manipuladas e processadas, de 16 diferentes carrinhos ambulantes equipados com serpentina para refrigeração. Os métodos empregados foram baseados nos recomendados pela Associação Americana de Saúde Pública. As amostras da água foram submetidas a pesquisa de coliformes termotolerantes, utilizando a técnica do Número Mais Provável (NMP) e a contagem padrão em placas de bactérias aeróbias mesófilas, pela técnica de semeadura em profundidade. Das 32 amostras de água de coco analisadas, em 25 (78,1%) houve crescimento de bactérias aeróbias mesófilas e em 11 (34,4%), constatou-se a presença de coliformes termotolerantes acima do número permitido por lei, classificando estes produtos como impróprios para o consumo humano. Ao avaliar as Boas Práticas de Higiene dos ambulantes, obtiveram-se os seguintes resultados: 12,5% classificados como PÉSSIMO; 37,5% como RUIM; 43,8% apenas REGULAR e somente 6,2% classificados como BOA. Nenhum foi classificado como EXCELENTE. Palavras-chave: Água de coco. Ambulante. Coliforme termotolerante. a Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). b Mestre em Higiene e Processamento de Produtos de Origem Animal pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Docente da disciplina Microbiologia do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Endereço para correspondência: Prof. M. Sc. Jorge Luiz Fortuna. Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Departamento de Educação – Campus X, Av. Kaikan, s/nº - Universitário, Teixeira de Freitas-BA. CEP: 45.995-000. jfortuna@uneb.br v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 204 MICROBIOLOGICAL QUALITY AND HYGIENIC-SANITARY ASSESSMENT OF COCONUT WATER IN STREET CARTS IN TEIXEIRA DE FREITAS CITY Abstract Coconut water consumption in Brazil is increasing and noteworthy. The itinerant activity is generally performed by untrained people, serving as possible vehicle of foods and drinks contamination. This study aims at, basically, assessing microbiological and hygienic- sanitary quality of coconut water of sold in coil refrigerated itinerant carts in Teixeira de Freitas (BA) city streets. 32 in natura manipulated and processed coconut water samples were analyzed from 16 different coil refrigerated itinerant carts. Methods recommended by the American Public Health Association were employed. Water samples were subject to the Most Probable Number (MNP) thermotolerant coliforms research technique and to pour plate technique for mesophil bacteria standard aerobic plate count. Out of the 32 samples of coconut water analyzed, in 25 (78,1%) there was aerobic mesophil bacteria growth and in 11 (34,4%), thermotolerant coliforms presence was evidenced above allowed number, classifying these products as inappropriate for human consumption. When assessing itinerant merchants’ Good Practices in Hygiene, the following results were obtained: 12,5% were graded as VERY BAD; 37,5% as BAD; only 43,8% as REGULAR and exclusively 6,2% classified as GOOD. None was graded as EXCELLENT. Key words: Coconut water. Itinerant. Thermotolerant coliforms. INTRODUÇÃO O consumo da água de coco verde no país é crescente e significativo. A popularização desta bebida desencadeou um aumento progressivo de seu consumo. O apoio da mídia foi fundamental para disseminar a importância e os benefícios que o consumo proporciona à saúde humana.1 Este crescimento vem estimulando a produção agrícola do coco verde que, com este incentivo, busca a modernização e profissionalização nos processos de plantio, colheita, distribuição e comercialização, para garantir ainda mais o crescimento do mercado, cuja grande demanda é suprida, principalmente, pela extração da água do fruto in natura.2 O consumo em locais distantes de sua região de origem sempre foi problemático, pois depende da logística do fruto in natura até estes locais, o que ocasiona comprometimento da qualidade do produto, devido às diversas contaminações que podem ocorrer durante seu deslocamento sob elevadas temperaturas e prolongado tempo.3 205205205205205 Revista Baiana de Saúde Pública A crescente acessibilidade do consumidor de cidades não litorâneas à água de coco deve-se, além da ampliação logística do produto, às criativas maneiras que os comerciantes encontraram para disponibilizar esta iguaria nos centros urbanos. Exemplo disso é a recente criação de carrinhos ambulantes que apresentam serpentina de refrigeração, destinados à comercialização da água de coco. Entretanto é importante salientar que a atividade ambulante é geralmente exercida por pessoas não treinadas que, ao manusearem o alimento, por desconhecimento e/ou maus hábitos de higiene, podem servir de veículos de contaminação dos alimentos e bebidas. É necessário e urgente que este profissional, mesmo que atue de maneira informal no mercado de trabalho, tenha consciência dos danos que pode causar à saúde do consumidor, da importância de seu papel e de como deve exercer seu ofício para atender às recomendações das leis sanitárias vigentes. Tendo em vista a importância da venda de alimentos por ambulantes para a população, ressaltando as boas condições higiênico-sanitárias para a garantia da Segurança Alimentar na manipulação dos alimentos, este trabalho tem como objetivo geral avaliar a qualidade microbiológica e higiênico-sanitária da água de coco comercializada em carrinhos ambulantes com serpentina para refrigeração nos logradouros do município de Teixeira de Freitas (BA) e verificar sua conformidade com as leis sanitárias vigentes. A pesquisa tem como objetivos específicos: (1) verificar a presença de coliformes termotolerantes nas amostras de água de coco coletadas, com o uso da técnica do Número Mais Provável (NMP); (2) enumerar bactérias aeróbias mesófilas das amostras de água de coco mediante a Contagem Padrão em Placas; e (3) investigar as condições higiênico-sanitárias dos vendedores ambulantes de água de coco. METODOLOGIA Foram analisadas 32 amostras de água de coco in natura, manipuladas e processadas, coletadas em 16 diferentes carrinhos ambulantes equipados com serpentina para refrigeração, comercializadas nos logradouros do município de Teixeira de Freitas, localizado no extremo sul da Bahia. Foram coletadas duas amostras de água de coco in natura, comercializadas em copos descartáveis de 300 ml, adquiridas pela compra direta com os ambulantes dos carrinhos, durante a primeira quinzena de junho de 2007, uma no período da manhã, entre nove e onze horas e outra no período da tarde, entre quinze e dezessete horas. As amostras foram acondicionadas em frascos de vidro devidamente esterilizados em autoclave e encaminhadas em recipiente isotérmico para o Laboratório de Microbiologia da Universidade do Estado da Bahia – Campus X, Teixeira de Freitas (BA), para a realização imediata da análise. v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 206 Os métodos empregados foram baseados nos recomendados pela AssociaçãoAmericana de Saúde Pública — American Public Health Association (APHA). As amostras da água foram submetidas à pesquisa de coliformes termotolerantes utilizando a técnica do Número Mais Provável (NMP)4 e à contagem padrão em placas de bactérias aeróbias mesófilas, pela técnica de semeadura em profundidade (pour plate).5, 6 O resultado obtido como NMP/ml da amostra permitiu avaliar a qualidade microbiológica da água de coco, conforme os padrões estabelecidos pela Resolução RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001.7 Para cada amostra coletada de água de coco foi feita a medida de temperatura e de pH. A determinação de temperatura foi realizada utilizando-se um termômetro digital portátil, do tipo espeto, com um intervalo de determinação de temperatura de -10°C a 110°C no ato da coleta das amostras. O pH foi determinado utilizando-se um pHmetro digital portátil (Corning pH-10 Mite®), no próprio Laboratório, após a retirada da alíquota de 10 ml para a obtenção das diluições. Para avaliar as Boas Práticas de Higiene dos manipuladores foi utilizado um instrumento de medição de qualidade. Um pequeno guia de verificação ou check-list (Figura 1) do Figura 1. Modelo da ficha de avaliação higiênico-sanitária dos manipuladores de água-de-coco comercializada em carrinhos nos logradouros do município de Teixeira de Freitas (BA). Jun. 2007. 207207207207207 Revista Baiana de Saúde Pública tipo entrevista direta com os 16 responsáveis pela manipulação dos cocos, dos respectivos carrinhos ambulantes, sobre a prática de higiene-sanitária, no que diz respeito ao produto a ser comercializado. Além disso, foram observadas as principais etapas da comercialização rotineira da água de coco in natura pelos ambulantes, desde o armazenamento do fruto e sua abertura até o acondicionamento nos copos plásticos descartáveis. RESULTADOS E DISCUSSÃO Das 32 amostras de água de coco analisadas, a temperatura no momento da coleta variou entre 4,1°C e 20,5°C e pH de 4,25 e 6,30. Das 32 (100%) amostras, 27 (84,38%) apresentaram temperatura acima do padronizado por lei (máximo de 5,0°C), conforme a RDC nº 218. Quatorze (43,75%), tiveram pH fora dos padrões preconizados pela literatura científica (4,5- 5,5).8 O efeito da temperatura do produto não só acelera o crescimento microbiológico como também altera a aparência e o sabor da água. Tal desenvolvimento pode estar relacionado com a composição nutricional da água de coco.9 Ocorreu em 25 (78,1%) o crescimento de bactérias aeróbias mesófilas e em 11 (34,4%), constatou-se a presença de coliformes termotolerantes acima do número permitido por lei (Tabela 1). Estes resultados possibilitaram a classificação destes produtos como impróprios para o consumo humano. De acordo com a RDC nº 12, os sucos e refrescos in natura, incluindo água de coco, caldo-de-cana, de açaí e similares, isolados ou em misturas, tolera o número máximo de 10² de coliformes a 45°C (coliformes termotolerantes) por mililitro (ml).7 Não há um padrão para bactérias aeróbias mesófilas para estes produtos. Com relação aos resultados obtidos na contagem de bactérias aeróbias mesófilas, é importante observar que, segundo a legislação vigente, a detecção deste grupo de microrganismos numa amostra de água de coco não a torna imprópria para o consumo humano, mas permite uma avaliação das condições higiênico-sanitárias das amostras analisadas.10 Os cocos encontravam-se armazenados dentro e fora do carrinho. Do lado de dentro foi constatada a presença de lixo. Do lado de fora, os comerciantes os deixavam expostos sobre a tampa do carrinho, sob o pretexto de ser uma boa estratégia de venda, atraindo os consumidores. Algumas vezes, os cocos ficavam pelo chão, no meio-fio da calçada urbana. A higienização dos cocos nem sempre era feita, e quando ocorria, utilizavam pano úmido. O lixo (casca de cocos e copos descartáveis) geralmente se encontrava acondicionado em sacos de lona ou caixotes de papelão, que eram recolhidos pelo caminhão de coleta de lixo da Prefeitura. A limpeza dos carrinhos e serpentinas, geralmente, segue um esquema estabelecido pelo vendedor ambulante, de acordo com sua própria idéia de “necessidade”, o v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 208 que varia entre dois em dois dias, uma vez por semana a uma vez por mês. A limpeza do carrinho é feita com detergente e água na maior parte dos casos. Alguns utilizam xampu; outros somente água. Na serpentina, geralmente, é utilizada água fria e água fervente, alternadamente. Interessante notar que alguns vendedores dão maior prioridade à limpeza dos carrinhos, limpando-os toda semana, por exemplo, em vez da serpentina, que é lavada somente uma vez por mês. Tabela 1. Resultados das análises das amostras de água-de-coco coletadas dos carrinhos ambulantes nos logradouros do município de Teixeira de Freitas (BA). Junho / 2007. 209209209209209 Revista Baiana de Saúde Pública Neste trabalho verificou-se que 18,7% dos vendedores usavam adornos nas mãos; 43,8% apresentavam unhas limpas e aparadas; 81,3% tinham os cabelos protegidos; todos não usavam luvas, manipulavam alimento e dinheiro ao mesmo tempo, porém apresentavam algum esquema de limpeza do carrinho; 62,5% receberam algum tipo de treinamento; 62,5% têm algum local para higienização das mãos, porém este local não é no carrinho, já que este não apresenta torneira e/ou pia (Gráfico 1). Gráfico 1. Resultado dos itens analisados na observação (check-list) dos ambulantes comerciantes de água de coco. Teixeira de Freitas (BA). Jun. 2007. Alguns destes resultados contrastam com os encontrados na cidade de São Paulo, nos quais os percentuais foram de 83% dos manipuladores usando adornos nas mãos e 30% apresentando unhas limpas e aparadas.11 Assim como em outro estudo, no momento da coleta, foram observados entre os comerciantes diversos procedimentos de higiene inadequados, como manipulação do dinheiro, uso de panos sujos para limpar as mãos, roupas, unhas e mãos sujas; medidas que propiciam a contaminação por microrganismos patogênicos.12 Em outra pesquisa, 94,7% dos pontos de venda não apresentavam pessoas distintas para manipulação de alimentos e de dinheiro. Ao mesmo tempo, a freqüência de higienização das mãos encontrada foi muito baixa; para 39%, a lavagem das mãos compreendia apenas o uso de água. Estes resultados revelam oportunidades das mãos funcionarem como carreadoras de microrganismos para os alimentos comercializados.13 v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 210 Dentre os vendedores ambulantes entrevistados, 10 (62,5%) afirmaram ter recebido treinamento informal para manuseio dos cocos, equipamentos e noções de higiene. Entretanto foi verificado que na maioria dos carrinhos 15 (93,8%), as condições higiênico-sanitárias estavam em desacordo com o exigido pela RDC nº 218.14 As informações sobre os procedimentos realizados pelos manipuladores que comercializavam água de coco nos carrinhos, extraídas do questionário aplicado aos comerciantes durante a coleta das amostras, foram analisadas em conjunto com os resultados das análises microbiológicas. Dos fatores de risco citados, a manipulação dos alimentos e do dinheiro pela mesma pessoa, sem lavar as mãos, foi indicada como um fator de risco relacionado às altas contagens de bactérias aeróbias mesófilas.15 Quanto ao uso de luvas no preparo de alimentos, existem controvérsias sobre sua eficácia com relação à higiene dos alimentos. A luva funciona como uma barreira física, mas está sujeita a rompimentos e, principalmente, pode facilitar o crescimento de microrganismos na pele, pois tapam as mãos, aumentando os níveis de umidade e nutrientes necessários para seu desenvolvimento. A lavagem adequada das mãos seria mais eficiente para a remoção ou diminuição dos microrganismos. Fendler,Dolan, Williams e Paulson16 encontraram baixo percentual de uso de luvas no preparo dos alimentos, entretanto, não mostraram relação significativa entre o não uso de luvas e as altas contagens de bactérias indicadoras encontradas nos alimentos. Uma pesquisa realizada entre manipuladores de alimentos no município de Teixeira de Freitas (BA) constatou que 57,1% dos entrevistados não lavavam as mãos durante a manipulação dos alimentos comercializados; 60,7% disseram nunca ter recebido nenhum tipo de treinamento para manipulação correta dos alimentos.17 O comércio ambulante de bebidas e alimentos é, de fato, um fenômeno crescente, impulsionado pelo desemprego e busca de uma alimentação rápida e de baixo custo. Esta atividade implica, entretanto, na produção e preparação de alimentos por pessoas não capacitadas. No Brasil, estudos realizados com alimentos comercializados por ambulantes em diversas regiões demonstraram que este tipo de produto pode representar um risco para a saúde pública.18 Em estudo sobre a qualidade microbiológica de amostras de água de coco vendidas por ambulantes na cidade de São José do Rio Preto (SP), a respeito dos coliformes termotolerantes, constataram a presença de E. coli acima do permitido em 8,3% das amostras analisadas, sendo, portanto, considerada potencialmente capaz de causar enfermidades veiculadas por alimentos. Os resultados demonstraram qualidade microbiológica inadequada, evidenciando prováveis deficiências nas diversas etapas do processo, falta de cuidados higiênico-sanitários e 211211211211211 Revista Baiana de Saúde Pública sanificação dos equipamentos, utensílios e da própria unidade de produção, uma vez que a água de coco apresenta-se estéril dentro de seu próprio invólucro natural.19 Devido à rápida proliferação dos carrinhos ambulantes com serpentina para comercialização de água de coco em Teixeira de Freitas (BA), e o consumo cada vez maior deste produto, principalmente durante os dias mais quentes, sua comercialização nas condições atuais de higiene põe em risco a saúde do consumidor. Os resultados deste estudo são concordantes com o estudo deste mesmo produto comercializado na cidade de Salvador (BA), em que os resultados das análises microbiológicas apresentaram contaminação elevada por coliformes termotolerantes, bolores e leveduras. A presença de bactérias indicadoras de contaminação fecal significa necessariamente contaminação por manipuladores.3 A segurança alimentar implica na garantia do acesso aos alimentos em quantidade adequada (qualidade nutricional), respeitando os hábitos e a cultura alimentar e que sejam seguros nos aspectos higiênico-sanitários.20 Sabe-se que os alimentos contaminados por microrganismos durante todas as etapas do processo produtivo podem acarretar as conhecidas Doenças Veiculadas por Alimentos (DVA). Há estudos que apontam o manipulador de alimentos como o veículo implicado,21,22 sendo a carência de conhecimentos relativos aos cuidados higiênico-sanitários a principal causa. Assim, programas de treinamento sobre esta temática, dirigidos aos manipuladores de alimentos, deveriam ser constantemente implementados com vistas a diminuir os riscos à saúde pública. Torna-se relevante o treinamento dos manipuladores, para evitar o comprometimento dos alimentos, em particular sua contaminação. Esse treinamento se caracterizaria como um conjunto de ações educativas organizadas com a finalidade específica de aprimorar uma competência ou conjunto de competências de um indivíduo ou do grupo.23, 24 A desinformação do consumidor deve merecer preocupação específica dos profissionais higienistas alimentares. Neste sentido, deve-se buscar sua educação sanitária, no mais amplo sentido, que deverá abranger não somente a educação formal, mas envolver os hábitos e costumes tradicionais que, por si só, constituem-se em risco à saúde. As atividades exercidas nos carrinhos ambulantes guardam semelhanças com as atividades que se realizam no âmbito doméstico. Assim, observa-se que os vendedores ambulantes transferem para os carrinhos suas formas de convívio doméstico com os alimentos e fômites. Se seus hábitos incorporam higiene, uso de material descartável etc., eles são transferidos para o atendimento ao público. Caso contrário, o público está sujeito à ingestão de alimentos inadequados, à utilização de utensílios mal protegidos e a outros perigos do ponto de vista da saúde pública. Os serviços de fiscalização municipais, estaduais e federais devem ser ampliados e receber recursos compatíveis com sua missão social, alicerçando-se em legislação que seja: v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 212 uniforme e abrangente; coerente com a realidade socioeconômica do país; fundamentada nos mais modernos conhecimentos científicos e aplicada mais com um sentido educativo do que punitivo, porém sempre com seriedade e rigor; ser de fácil compreensão entre os usuários, ou seja, consumidores, fiscais etc. Ao lado dessas medidas, é de fundamental importância uma campanha de educação em saúde, visando mudar a conduta, pelo menos a médio prazo, dos consumidores e dos próprios produtores. Para isso, o papel dos órgãos competentes, assessorados por profissionais da área de alimentação, é fundamental.25 O processamento industrial da água de coco virtualmente elimina todos os microrganismos que possam causar algum tipo de doença humana. Entretanto as características sensoriais deste produto in natura ou envasada a fresco são consideradas superiores à da bebida pasteurizada ou comercialmente estéril. Além disso, a bebida fresca é mais barata que a industrializada. A segurança dos produtos frescos depende fundamentalmente da prevenção de sua contaminação, associada a uma refrigeração adequada durante o transporte e armazenamento.26 Para avaliar as Boas Práticas de Higiene dos ambulantes foi utilizado na pesquisa um instrumento de medição de qualidade, um guia de verificação ou check-list. Esta é uma ferramenta que nos permite fazer uma avaliação preliminar das condições higiênico-sanitárias de um estabelecimento de produção de alimentos.27 Com base neste check-list de observação dos ambulantes referente à higienização, baseado na RDC nº 275,28 obteve-se os seguintes resultados: 12,5% foram classificados como PÉSSIMO; 37,5% como RUIM; 43,8% apenas REGULAR e somente 6,2% classificados como BOA (Gráfico 2 e Gráfico 3). Nenhum foi classificado como EXCELENTE. Torna-se importante observar que não há, até o momento, norma e/ou padrão de classificação quantitativa referente às Boas Práticas de Higiene. Sendo assim, para este estudo, adotaram-se os seguintes intervalos de classificação referentes à higienização: <30% (PÉSSIMO); 30-49% (RUIM); 50-69% (REGULAR); 70-89% (BOA); e 90-100% (EXCELENTE).17 Ressalta-se que mesmo em alguns carrinhos/manipuladores que apresentavam condições higiênico-sanitárias de REGULAR a BOA foi detectada alta contaminação por coliformes termotolerantes na água de coco. Já em carrinhos/manipuladores que apresentaram avaliação higiênico- sanitária de RUIM a PÉSSIMO, não houve alta contaminação por coliformes termotolerantes na água de coco, mostrando que não há um fator específico que determine as condições higiênico-sanitárias dos comerciantes ambulantes de água de coco em carrinhos, mas sim um conjunto de fatores, principalmente os relacionados a sua capacitação no que diz respeito às Boas Práticas de Higiene. Os resultados obtidos neste trabalho permitiram constatar-se que se torna de grande importância as Boas Práticas de Higiene em toda a cadeia produtiva e a adequação dos padrões de higiene alimentar no manuseio dos alimentos. Para tanto, recomenda-se a realização de 213213213213213 Revista Baiana de Saúde Pública treinamentos dos manipuladores de alimentos,a fim de minimizar ou sanar as altas contagens de bactérias aeróbias mesófilas e coliformes termotolerantes, provenientes de uma manipulação imprópria dos produtos alimentícios. Gráfico 2. Porcentagem dos itens contemplados na observação (check-list) dos ambulantes comerciantes de água de coco. Teixeira de Freitas (BA). Jun. 2007. Gráfico 3. Classificação dos carrinhos que comercializam água de coco nos logradouros do município de Teixeira de Freitas-BA, após avaliação higiênico-sanitária. Teixeira de Freitas (BA). Jun. 2007. CONCLUSÕES Este estudo possibilitou verificar que os ambulantes desconhecem as técnicas adequadas de manipulação bem como os procedimentos para assegurar a inocuidade dos alimentos e que as ações para o controle de qualidade dos alimentos tornam-se necessárias. No v.32, n.2, p.203-217 maio/ago. 2008 214 caso da venda do coco verde, destaca-se o treinamento dos profissionais envolvidos em sua manipulação. Os hábitos praticados pelos manipuladores desempenham um papel de grande importância para a sanidade dos produtos, principalmente para alimentos sujeitos a uma intensa manipulação como o coco verde. Sendo assim, ratifica-se a relevância do treinamento dos comerciantes ambulantes, para a prevenção das toxinfecções alimentares. É importante salientar que a negligência e/ou desinteresse, ou mesmo a simples desinformação são os principais responsáveis pela ocorrência de Doenças Veiculadas por Alimentos. Conseqüentemente, se faz necessário fornecer condições para que todos os profissionais, desde a área de produção à manipulação do alimento, sejam informados sobre os principais fatores de risco de contaminação, e, principalmente, reconheçam a importância da higiene nesses processos. Face às características intrínsecas do produto, à presença de perigos na matéria-prima e ao crescente consumo de água de coco no país, é necessário maior rigor na produção, comercialização, distribuição e manipulação deste produto, além de maiores estudos sobre a segurança alimentar em toda a sua cadeia produtiva. Espera-se que a divulgação deste estudo junto aos órgãos competentes como a Vigilância Sanitária instigue maior fiscalização quanto ao comércio ambulante de alimentos, aliada às ações de educação sanitária por meio de treinamento sobre as Boas Práticas de Higiene no preparo de alimentos, voltada à conscientização do problema de sanidade do alimento e suas repercussões para o consumidor. Juntamente com este trabalho de capacitação aos manipuladores, é interessante que seja elaborado um manual de normas padrão para a manipulação e comercialização da água de coco em carrinhos ambulantes com serpentinas, com informações gerais sobre limpeza, procedimentos e manuseio dos equipamentos e do produto. Além disso, espera-se que este trabalho seja o início de sucessivos estudos sobre os alimentos comercializados por vendedores ambulantes nos logradouros de Teixeira de Freitas (BA), para que se possa conhecer a real situação deste segmento, analisar os dados e em seguida propor alternativas, para que o produto final esteja de acordo com as normas sanitárias vigentes, proporcionando ao consumidor um alimento com segurança alimentar satisfatória. REFERÊNCIAS 1. Galiza M. Água de coco em pó facilita a difusão dos benefícios do produto in natura. CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). 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