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O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO: GARANTIA DO CIDADÃO OU DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA? Catiéli Dorneles 1 Karine Arnemann 2 Aldemir Berwig 3 Eixo temático de referência 4 RESUMO Este artigo tem como objetivo compreender se o regime jurídico administrativo pode ser considerado um regime de garantia do cidadão ou da administração pública. Busca compreender quais são as implicações deste nos direitos fundamentais e nos atos da administração pública, demonstrando que o direito administrativo, assim como todo o direito público, deve ser considerado a partir da perspectiva de subordinação aos interesses da cidadania, conforme disposto na Constituição da República. Da mesma forma aborda o regime jurídico-administrativo como o conjunto de princípios e regras que compõe o direito administrativo, outorgando prerrogativas e impondo restrições à administração pública. Conclui que a administração pública se justifica para cuidar dos interesses da coletividade, sendo que para que esta não se desvie de sua única finalidade, há o regime jurídico- administrativo. PALAVRAS-CHAVE: Administração pública; Cidadania; Direitos humanos; Direitos fundamentais; Garantias. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre as implicações do regime jurídico administrativo nos direitos fundamentais e nos atos da administração pública para evidenciar a importância desse regime na concretização das atividades administrativas e na garantia dos direitos dos cidadãos. Podemos, todavia, afirmar que o direto administrativo surge para regular o conflito entre o Estado e o cidadão, sendo um instrumento de proteção à igualdade e integridade do cidadão, submissão do Estado à lei e garantia dos direitos individuais? É este o objetivo principal desta abordagem: verificar se o regime jurídico administrativo é um regime de garantia do cidadão ou da administração pública. A administração pública somente se justifica para cuidar dos interesses da coletividade; para que esta não se desvie dessa principal finalidade há o regime jurídico 1 Acadêmica do 8º semestre do curso de Graduação em Direito da Unijuí. E-mail: katidorneles16@hotmail.com 2 Acadêmica do 8º semestre do curso de Graduação em Direito da Unijuí. E-mail: karinearnemann@hotmail.com 3 Doutorando e Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí); Especialista em Direito Tributário (Unisul); Graduado em Direito (Unijuí) e Administração (Unijuí); Professor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí. E-mail: berwig@unijui.edu.br. 4 Eixo temático de referência: Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos. administrativo, um conjunto de princípios que faz com que a administração pública cuide dos interesses da coletividade. Assim, o regime jurídico administrativo, norteia a atividade desempenhada pelo Estado, o qual tem como dever zelar pela coisa pública. O regime jurídico-administrativo, constituído de regras e de princípios, apresenta como princípios basilares o da supremacia do interesse público sobre o privado e o da indisponibilidade desse interesse público, segundo compreensão de Bandeira de Mello (2009, p. 55), os mais relevantes. O regime jurídico administrativo, a partir desta concepção, pode ser compreendido a partir de duas palavras, prerrogativas e sujeições, as quais estabelecem, por um lado, o poder necessário, por outro, o dever de atender aos interesses comuns da cidadania. A partir dessa compreensão inicial é que vamos desenvolver uma abordagem que indique se o regime jurídico-administrativo pode ser considerado uma garantia aos direitos do administrado ou da administração. 2 O REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO É através da Constituição ou da lei que se faz a escolha de qual regime a administração pública irá se submeter, o qual poderá ser o regime jurídico de direito privado ou o regime jurídico de direito público. Em decorrência do princípio da legalidade, a administração pública, não pode, por ato próprio, optar por um regime jurídico não previsto em lei. Os regimes jurídicos da atividade administrativa compreendem normas de direito público e de privado. O regime jurídico-administrativo se desenvolve a partir de dois conceitos, dois pensamentos opostos. O primeiro deles tem como premissa o princípio da legalidade, a proteção aos direitos individuais e coletivos frente ao Estado, de modo que representa uma sujeição do Estado à lei, o que ocasiona a ideia de sujeição estatal. Em oposição, à necessidade de satisfação do interesse público, da coletividade, a outra faceta do regime jurídico confere prerrogativas à administração. Essa compreensão explica o entendimento de Maria Sylvia Di Pietro sobre a bipolaridade do direito administrativo: Liberdade do indivíduo e a autoridade da administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar se a liberdade sujeita-se a Administração Pública à observância da lei; é aplicação, ao direito público do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar supremacia do interesse público sobre o particular. (DI PIETRO, 2014, p. 62, grifos da autora). Uma das considerações mais importantes acerca do regime jurídico-administrativo é a correlação estabelecida entre um conjunto de regras e princípios que constituem, entre si, um sistema lógico que torna a administração pública responsável pela concretização da atividade administrativa desempenhada por seus agentes, os quais devem zelar o bem público. Quando falamos em princípios, estamos falando na premissa primeira de um sistema, uma espécie de alicerce, a base para todo o direito administrativo. Os princípios, portanto, são fundamentais na delimitação dos contornos do direito administrativo e podem ser compreendidos como “as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência” (CRETELLA JÚNIOR, 2005, p. 222). Em outras palavras, os fundamentos básicos do sistema administrativo são os dois princípios, acima nominados, a supremacia do interesse público sobre o particular e a indisponibilidade do interesse público pela administração (Bandeira de Mello, 2009, p. 55). São esses princípios basilares que nos demonstram a necessidade e adequação de que o direito administrativo conduza a administração pública à concretização do interesse público, interesse este que guarda grande intimidade dom os princípios fundamentais da República, como adequadamente demonstrado por Berwig (2016). Mas se compreendemos a fundamentalidade dos dois princípios citados, qual a razão de os termos nesta conta? Façamos, portanto, um ajuste fino para não compreender de forma equivocada esta acepção. Isso é necessário justamente porque o conceito jurídico de interesse público é um conceito indeterminado. Falar em interesse público, portanto, implica em primeiro afirmarmos o conceito para depois cobrar seu respeito no âmbito da administração pública e do direito. Assim, temos que respeitar a ideia de que a administração pública, ao seguir as normas do ordenamento jurídico, submete-se em maior grau ao respeito das normas constitucionais e de sua regulamentação. Neste sentido, é adequado aceitar que Uma visão social do direito administrativo implica a compreensão da relação entre os princípios constitucionais e o papel da administração pública e a importância de sua atuação. É necessário analisar e compreender os princípiosfundamentais da República (Título I – artigos 1° a 4°) e os direitos e garantias fundamentais do cidadão (Título II – artigos 5° a 17) como normas de respeito obrigatório pelo Poder Público e, especificamente, pela administração. A importância desta abordagem consiste na compreensão do binômio prerrogativas-sujeições atribuídos à administração pública e correspondem, de certa forma, ao dever de agir e ao poder necessário para concretizar os comandos constitucionais. É importante, sobretudo, salientar que nesta compreensão transparece que o poder conferido ao Estado-administração é conferido visando à satisfação das condições de cidadania e para a concretização do bem-estar social, afinal foi a opção do legislador constituinte, de modo que as normas constitucionais vão limitar a atuação administrativa. (BERWIG, 2016, p. 19, grifos do autor) É a compreensão acima que adotamos para compreender o regime jurídico- administrativo e sua observação pela administração pública. Dessa compreensão decorre que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular estabelece o dever do Estado-administração na persecução dos interesses de cidadania, de modo que dele decorre a posição de superioridade da administração, prevalecendo o interesse por ela perseguido sobre o interesse do particular. Essa relação jurídica de desigualdade normalmente é mencionada como sendo uma relação de verticalidade entre o Estado-administração e o particular, já que visa concretizar o bem maior da coletividade, de modo que o administrado fique submetido as determinações do Estado. Desse princípio decorrem verdadeiras prerrogativas. O princípio da supremacia do interesse público fundamenta a existência das prerrogativas ou dos poderes especiais da administração pública, dos quais decorre a denominada verticalidade nas relações da administração-particular. Toda atuação administrativa em que exista imperatividade, em que sejam impostas, unilateralmente, obrigações para o administrado, ou em que seja restringido ou condicionado o exercício de atividades ou de direitos particulares é respaldada pelo princípio da supremacia do interesse público. (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 10) Já o princípio da indisponibilidade do interesse público, significa que o administrador não pode abrir mão do interesse público, pois ele exerce função pública, é apenas gestor do interesse da sociedade. Do exercício da função pública decorre que o administrador age em nome da coletividade e por essa razão, não pode dispor de um direito que não é seu. Ao mesmo que tem poderes especiais, exorbitantes do direito comum, a administração sofre restrições em sua atuação que não existem para os particulares. Essas limitações decorrem do fato de que a administração não é proprietária da coisa pública, não é proprietária do patrimônio público, não é titular do interesse público, mas sim o povo. A administração somente poderá atuar quando houver lei que autorize ou determine sua atuação e nos limites estipulados por essa lei. (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 11) Fica evidente, portanto, que a administração pública apenas reúne condições para manter relações jurídicas em regime de desigualdade com outras pessoas justamente porque encarregada legalmente de atender o interesse público. Por outro lado, as prerrogativas decorrem do regime jurídico-administrativo que, a partir desses dois princípios, está envolto em uma série de outros princípios destes decorrentes, e que lhe dão justamente a característica de organicidade necessária a um sistema. Vale salientar que os princípios que completam esse sistema de direito administrativo são constitucionais, e estão expressa ou implicitamente estabelecidos na Constituição da República (CR). O artigo 37, caput, da CR, apresenta cinco princípios expressos da administração pública: a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência. Cabe ao princípio da legalidade, explicitar a subordinação da atuação administrativa à lei, de modo que a administração pública age quando por ela autorizada. É necessária a previsão legal para haver a atuação administrativa, ou seja, a administração somente poderá agir mediante autorização por lei, exigindo-se, assim, a adequação de toda e qualquer conduta administrativa ao ordenamento jurídico. Assim, nada mais adequado do que esperar que a administração pública, seguindo o princípio da legalidade, concretize a cidadania e os direitos fundamentais. Em segundo lugar, temos o princípio da impessoalidade como a proibição de que a administração desenvolva ações que privilegiem ou discriminem os cidadãos. Significa que se espera do Estado-administração ações que sejam, ao menos, distributivas, para que, olhando pelo viés dos direitos fundamentais, alcance o necessário a uma vida digna aos que estão à margem das condições dignas de viver. Basicamente, na concepção que estamos trabalhando neste texto, significa que o Estado deve concretizar as políticas sociais estabelecidas na CR e que garantem a concretização de um Estado de bem-estar social. O princípio da moralidade nos indica que é de se esperar que o administrador público, não dispondo do interesse público, deve agir com honestidade, lealdade e boa-fé. Portanto, nada mais é, do que tratar as instituições públicas com lealdade. O princípio da publicidade consiste na transparência da atividade administrativa e decorre também da indisponibilidade acima mencionada. O gestor deve dar transparência a seus atos, já que é vedado que o gestor se manifeste através de atos obscuros, de modo que a regra é o dever de dar publicidade aos atos, garantia de controle dos atos da administração. Finalmente, temos o princípio da eficiência, acrescido ao artigo 37 da CR pela Emenda Constitucional 19/1998 e que, antes mesmo de ser expressamente prevista, consiste em um dever da administração pública pelo simples fato de existirem os princípios basilares demonstrados por Bandeira de Mello (2009). O dever de eficiência é um dever implícito da Constituição da República e não poderia haver qualquer possibilidade de se aceitar ineficiência no serviço público. Se o interesse público é o interesse do cidadão e da sociedade e considerarmos o agente público como o servidor que age em nome do público, evidentemente que deveria bastar o espírito da Constituição, a supremacia do interesse público, para que o gestor agisse adequada e honestamente atendendo à cidadania. 3 IMPLICAÇÕES DO REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO NOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Os atos da administração pública são aqueles que exteriorizam as atividades administrativas dos entes e órgãos estatais. Podem ser, como afirmado anteriormente, regidos pelo regime de direito público ou de direito privado. Na realidade, os atos da administração compreendem o conjunto de atos expedidos pelo Estado no exercício da função administrativa, e regidos tanto pelo direito público como pelo privado. Os atos da administração compreendem, portanto, todos os seus atos na gestão administrativa, revestidas ou não de juridicidade, os quais têm na administração pública a sua fonte. (BANDEIRA DE MELLO, 2009). A categoria “atos da administração”, portanto, ao compreender todos os atos praticados no exercício da função administrativa, mesmo que indiretamente, sempre sofrem influxos do regime de direito público, ainda que sob a forma de sujeição. Nesta categoria, embora haja divergência entre os doutrinadores, situamos os atos administrativos propriamente ditos, os atos regidos pelo direito privado (embora parcialmente), os atos materiais e os atos políticos ou de governo.Esclarecido, portanto, que o regime jurídico-administrativo alcança, mesmo que parcialmente a totalidade dos atos da administração, é necessário esclarecer como se dá sua incidência nos atos de direito privado. Isso ocorre porque o regime jurídico-administrativo estabelece o binômio citado no início deste artigo que se constitui de prerrogativas e sujeições. As prerrogativas estão presentes apenas nos atos administrativos em que a administração pública se encontra na condição de autoridade, portanto, nos atos regidos pelo direito público. Por outro lado, quando se trata de atos regidos pelo direito privado, embora a administração não tenha superioridade, já que a lei deve tratar a todos com igualdade neste caso, esta igualdade não é total em razão, principalmente, porque o administrador não tem disponibilidade do interesse público. Vale lembrar que o tratamento que a lei dá à administração nestes casos, é de uma legalidade em sentido estrito. Desta forma, a administração se encontra apenas em aparente igualdade frente aos particulares que com ela se relacionam justamente em razão de que recai sobre ela as sujeições estabelecidas pelo sistema jurídico administrativo. Assim, mesmo nas relações jurídicas de direito privado, a administração deve observar as peculiaridades estabelecidas pela lei, como é o caso das licitações, dos concursos públicos, em especial, aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, entre outros. 4 IMPLICAÇÕES DO REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Partimos a análise dos direitos fundamentais de uma compreensão do alcance das normas constitucionais. O ser humano nasce com direitos e garantias previstos constitucionalmente, de modo que não podem ser suprimidos, é condição de cidadania. Temos, portanto, a convicção de que não basta o Estado assegurar formalmente um rol de direitos em uma Constituição, é necessário concretizá-los. Mas sobretudo, analisamos a perspectiva de atuação da administração pública a partir da influência do regime jurídico administrativo, o qual, como desdobramento das prerrogativas e sujeições, estabelece o dever- poder como competência de agir da administração pública (BANDEIRA DE MELLO, 2009). Se o entendermos da forma proposta por Bandeira de Mello (2009), haveremos de compreender que a administração tem o dever de cumprir e concretizar as finalidades para as quais foi constituída, as quais estão previstas no ordenamento jurídico como competências, isto é, sujeições ou deveres. Por outro lado, para o cumprimento destas finalidades, quando houver obstáculos que as possam dificultar, existe o poder previsto em lei sob a forma de prerrogativas. Analisando as finalidades estabelecidas para a administração do Estado, verificamos que as competências estabelecidas decorrem do desdobramento dos princípios fundamentais da República estabelecidos na Constituição, como expresso por Berwig (2016). A administração pública recebe do regime jurídico-administrativo o dever e o poder para concretizar suas competências e com isso gerar a concretização dos direitos fundamentais do cidadão, seja respeitando a integridade humana, seja fornecendo prestações materiais necessárias à concretização da dignidade da vida humana. Logo, a administração pública como parte integrante da estrutura do Estado, caracterizado como de bem-estar social, é o órgão responsável pela concretização material dos direitos estabelecidos. O direito administrativo, como conjunto formal de regras e princípios, possibilita que a administração pública se organize administrativamente para a execução das atividades materiais estabelecidas em nível constitucional. Assim, os direitos fundamentais, consistem em um conjunto de normas jurídicas, designadas pela Constituição da República a assegurar a dignidade humana em suas diversas manifestações. Os direitos fundamentais, definidos como conjunto de direitos e garantias do ser humano, dependem ora do respeito, ora da materialização pela administração, já que de nada adianta garantir se não são asseguradas as condições mínimas necessárias a sua concretização. Pode-se afirmar, portanto, que existe uma íntima relação entre os direitos fundamentais e o regime jurídico administrativo em virtude da simples constatação de que a disciplina jurídica da administração pública está na Constituição e nela encontra seu fundamento. O regime jurídico administrativo ao estabelecer o dever-poder de agir e atribuir prerrogativas e sujeições à administração, encontra sua origem nos direitos fundamentais, já que ambas as facetas asseguradas pela lei, de um lado possibilitam sua atuação, de outro, a limitam. Nesta perspectiva, o direito administrativo, assim como todo o direito público, deve ser considerado a partir da perspectiva de subordinação aos interesses da cidadania, conforme disposto na Constituição da República. A subordinação aos interesses da cidadania indica simplesmente que o regime jurídico-administrativo visa à cidadania e, como afirma Bandeira de Mello (2009), deve ser compreendido como um limite à atuação estatal. É um regime que se preocupa com a proteção do cidadão frente ao Estado-administrador, buscando estabelecer a segurança necessária para garantir os direitos fundamentais. Essa perspectiva decorre principalmente porque no quadro constitucional estabelecido após a promulgação da Constituição em 1988, houve a preocupação com a proteção do cidadão contra as ações do Estado, ao se colocar como fundamento de ação o princípio da legalidade. A cidadania, portanto, deve ser entendida como meio concreto de realização da soberania popular, cujo exercício compreende uma variedade de direitos que se opõem à ação dos poderes públicos que tragam prejuízo para a sociedade. Dessa forma, seu conceito amplo impede que se restrinja a cidadania apenas ao exercício dos direitos políticos relacionados ao voto. Envolve também a relação jurídica entre o cidadão e o Estado, onde se delimitam direitos e deveres recíprocos e, sobretudo, a participação nas decisões da sociedade. O direito administrativo é constituído para regular as relações entre o Estado e o cidadão, embora tenha como pressuposto a desigualdade nas relações jurídicas estabelecidas entre a administração pública e o cidadão. Esse desequilíbrio entre as partes, entretanto, tem uma explicação lógica já explicada anteriormente, que é a salvaguarda do interesse público. O Direito Administrativo, de base constitucional, surge como instrumento de proteção à igualdade e integridade do cidadão, submissão do Estado à lei e garantia de direitos individuais. Submete o Estado à legalidade, ao mesmo tempo que estabelece prerrogativas públicas que garantem a supremacia do poder público sobre o administrado, visando possibilitar a concretização do interesse público. (RIGOLI; BERWIG, 2016, p. 99) O princípio da legalidade, limita a atuação do poder público, de forma que o mesmo somente pode atuar quando autorizado ou permitido por lei, sendo uma garantia para a concretização da cidadania. Como abordado acima, a relação jurídica entre o Estado e o cidadão apresenta desigualdade, a qual decorre das prerrogativas estabelecidas. Todavia, o regime jurídico administrativo apresenta também sujeições, e somente pode ser compreendido na dimensão que contrapõe as duas faces do binômio. Neste contexto, o primeiro princípio fundamental do direito administrativo é aquele que proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento desse último.A Constituição da República estabelece que a República Federativa do Brasil é Estado Democrático de Direito e tem por função proteger e ao mesmo tempo controlar a ação das pessoas que convivem em sociedade. A atuação administrativa do Estado é regida pelo Direito Administrativo onde o cidadão de uma forma ou outra deverá ter seus interesses concretizados pelos atos da Administração Pública. (RIGOLI; BERWIG, 2016, p. 100) O direito administrativo, como o conjunto de normas que de maneira ampla organiza a sociedade, submete a administração pública à cidadania, de modo que essa última seja concretizada a partir da capacidade de organização, participação e intervenção social do povo. Ainda, a Constituição da República situa a cidadania entre os princípios fundamentais da República, assegurando aos cidadãos uma sociedade livre, justa e igualitária. (RIGOLI; BERWIG, 2016). É justamente atendendo a essa percepção constitucional que a organização estatal prevista no espírito da Constituição depende de um arranjo legal para dar poderes e limitar a atuação do Estado-administração, visando em primeiro lugar, a concretização dos direitos de cidadania estabelecidos na própria Constituição da República. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da exposição acima, verificamos que a atuação da administração pública tem por finalidade a realização do interesse público, ou seja, prevalecem os interesses da sociedade, dos quais nunca pode dispor. É a própria incidência da aplicação do regime jurídico-administrativo, decorrência do qual o administrador não goza de livre disposição dos bens que administra, pois o titular desses bens é o povo. Por outro lado, o mesmo regime jurídico estabelece uma relação de desigualdade, já que outorga prerrogativas à administração na relação com os particulares. Diante disso, chegamos ao objetivo central do presente estudo: o regime jurídico administrativo é um regime de garantia do cidadão ou da administração pública? Verificamos inicialmente que os dois princípios basilares do direito administrativo determinam o cuidado com o interesse público. Relacionamos, posteriormente, o interesse público, por ser considerado conceito jurídico indeterminado, aos princípios fundamentais da República. Neste viés, argumentamos que se a administração pública, no exercício de suas funções, não pudesse usar, por exemplo, de certas prerrogativas, que exemplificamos aqui com a imperatividade, a exigibilidade e a presunção de legalidade, seria quase impossível que tivesse a oportunidade de unilateralmente garantir a concretização do interesse público. Dessa forma, podemos concluir que o regime jurídico-administrativo estabelece uma certa desigualdade nas relações entre a administração pública frente a particulares, a qual é necessária para que tenha condições de impor seus deveres e concretizar os mandamentos legais. O regime jurídico-administrativo como o conjunto de normas jurídicas – princípios e regras – que regem a atuação da administração pública, viabilizam o exercício de suas atividades, funções e relações jurídicas concretizando, entre outras coisas, a materialidade dos direitos fundamentais. Se o princípio da legalidade estabelece que a administração está pautada ao cumprimento dos mandamentos legais estando previsto no ordenamento constitucional uma série de princípios fundamentais e, sendo os princípios, como afirma Bandeira de Mello (2009), mais importantes que as regras, está explícito que cidadania e direitos humanos devem ser o fio condutor da adequada atuação da administração pública. A administração pública, portanto, se justifica para cuidar dos interesses da coletividade, interesses que individualmente seriam de muito difícil concretização. Para que não se desvie dessa finalidade há o regime jurídico-administrativo como conjunto de princípios e regras que estabelecem o dever-poder para que a administração pública concretize os interesses da coletividade. É perfeitamente possível aceitar a tese de que, como abordado anteriormente, temos um binômio entre prerrogativas e sujeições que derivam dos princípios basilares da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, pela administração pública, respectivamente. Neste viés, tanto as prerrogativas quanto as sujeições são necessárias para que o administrador público concretize o interesse público. Em teoria, as prerrogativas dão o poder para que a administração resolva os conflitos entre o interesse público e o privado; as sujeições, impedem que a administração abuse das prerrogativas outorgadas por lei. Assim, se tornam visíveis as implicações do regime jurídico administrativo na concretização dos direitos de cidadania. Conclui-se, portanto, que o regime jurídico-administrativo é um regime de garantia ao cidadão, pois assim como a administração pública ele existe para assegurar direitos fundamentais a todos. REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BERWIG, Aldemir. Cidadania e Direitos Humanos como fundamento do Direito Administrativo. In: ZEIFERT, Anna Paula Bagetti; NIELSSON, Joice Graciele; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi (orgs.). Debatendo o Direito. Bento Gonçalves, RS: Associação Refletindo o Direito, 2016. p. 13-25. CRETELLA JUNIOR, José. Primeiras lições de direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. RIGOLI, Bruna; BERWIG, Aldemir. Direito Administrativo: possibilidade ou obstáculo à concretização da cidadania. In: ZEIFERT, Anna Paula Bagetti; NIELSSON, Joice Graciele; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi (orgs.). Debatendo o Direito. Bento Gonçalves, RS: Associação Refletindo o Direito, 2016. p.98-112.
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