Buscar

Aula 14.doc

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

1 
CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA 
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
 
Curso: Letras Disciplina: Bases da Cultura Ocidental 
Conteudista: André Alonso 
 
 
AULA 14 
Do mito à razão: a invenção da filosofia 
 
META 
Apresentar as principais características da poesia gnômica e a relação entre mito e razão, e 
definir o que é filosofia. 
 
OBJETIVOS 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1. descrever as principais características da poesia sapiencial ou gnômica; 
2. explicar a relação entre mito e filosofia, e o nascimento desta; 
3. definir filosofia e explicar algumas de suas características. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Em nossa última aula, estudamos o teatro antigo. Pudemos ver que a tragédia clássica tem 
como temática central diferentes mitos tradicionais. E o mito – convém lembrar – é um 
processo de racionalização do mundo e da vida, dos diferentes fenômenos naturais e 
existenciais. É uma primeira forma de explicar o desconhecido, aquilo que nos causa 
admiração e espanto. Em algumas outras aulas anteriores, dedicamo-nos à poesia lírica. Vimos 
que é nela que o eu desponta de modo claro na literatura, razão pela qual será chamado de eu 
lírico. O eu lírico (coincida ele ou não com o eu real do poeta) trata de diferentes temas 
relativos à vida humana. Repetem-se os tradicionais – heróis, guerras, mitos –, mas há aqueles 
que até então não tinham sido explorados na poesia ou o foram de modo marginal. Algumas 
temáticas são mais leves ou frívolas, outras, mais profundas e sóbrias. Há questões bastante 
existenciais: juventude e velhice, vida e morte, felicidade e tristeza. Assim, dentro da lírica, 
vemos surgir um grupo de tópicos que constituem o cerne de um tipo mais específico de 
 
 2 
poesia, uma lírica sapiencial. Se essa poesia é chamada de sapiencial é, obviamente, porque 
ela contém em seus versos como que um tesouro de sabedoria. Os questionamentos 
existenciais presentes na poesia, aliados às explicações míticas tradicionais, constituem um 
campo fértil para uma nova forma de pensamento que verá a luz na Grécia antiga: a filosofia. 
 
Em nossa aula de hoje, estudaremos o nascimento da filosofia. Em outras aulas posteriores, 
iremos nos dedicar ao desenvolvimento da filosofia, seu impacto na cultura greco-romana e sua 
profunda influência no mundo medieval. 
 
 
1. A LÍRICA SAPIENCIAL 
 
Na épica homérica, o herói é, de certo modo, apresentado como um modelo. A sociedade 
heroica é um molde para a vida real, ela traça normas e parâmetros que tornam possível uma 
vida civilizada, apesar das atrocidades e da barbárie da guerra. Na poesia didática de Hesíodo, 
encontramos vários exemplos e conselhos para viver a vida de modo justo e equilibrado. 
Homero e Hesíodo constituem, portanto, um primeiro código de comportamento, um manual de 
ética para a sociedade arcaica. E sua influência ultrapassará os limites do período arcaico, 
sendo esses dois poetas, por assim dizer, os pais da educação e da civilização gregas. 
Homero apresenta modelos, Hesíodo dá conselhos diretamente ao seu ouvinte/leitor. Em 
ambos, porém, a temática é fortemente social – como comportar-se em sociedade, como ser 
justo para com os demais – e, por conseguinte, ética. A preocupação com a vida em 
sociedade, com a justiça, com a virtude, continuará a surgir em outros poetas, agora no âmbito 
da lírica. Haverá, no entanto, pela própria característica da poesia lírica, um espaço novo, 
dedicado ao indivíduo enquanto tal (e não apenas como membro de uma sociedade), a suas 
aspirações, a suas angústias e a seus temores. Os poetas abordam outros temas que não têm 
como foco a sociedade, mas o indivíduo e tudo o que é de sua esfera específica. Desponta, 
assim, uma literatura de tipo existencial, na qual são exploradas questões como a vida e a 
morte, a juventude e a velhice, a felicidade e a tristeza, a riqueza e a pobreza, a saúde e a 
doença. Tudo aquilo que se refere mais intimamente ao indivíduo, à sua existência e ao sentido 
de sua vida, é matéria de verso. E essa poesia sapiencial terá uma dimensão dicotômica. É 
preciso, por um lado, questionar, exprimir as angústias e agruras humanas, descrevê-las. 
Temos um viés teórico: refletir sobre a existência humana. A vida, no entanto, não é algo 
teórico, ao contrário. A vida, para ser vivida, deve concretizar-se em escolhas e ações 
quotidianas, que pouco a pouco formam um quadro mais completo e complexo. Para orientar 
 
 3 
essas escolhas e ações, desenvolve-se uma poesia sapiencial de viés prático, semelhante 
àquela de Hesíodo que nos prodigaliza conselhos. Assim, a poesia procura compreender e 
exprimir a riqueza da existência humana (dimensão teórica), mas também orientar e constituir 
modelos para o agir humano, para que essa existência se realize plenamente no dia a dia e o 
indivíduo possa alcançar alguma felicidade. Frequentemente, esses diferentes âmbitos 
encontram-se entrelaçados, não é possível separá-los, como nos versos de um soneto 
(“Renúncia”) de Bandeira que lemos anteriormente: “A vida é vã como a sombra que passa.../ 
Sofre sereno e de alma sobranceira, / Sem um grito sequer, tua desgraça”. O primeiro verso do 
trecho tem um caráter teórico. Ele constata a precariedade da vida. Os dois versos seguintes 
dão um conselho, mostram como viver essa precariedade da vida, são de matiz prático. 
 
Na poesia lírica, temos exemplos de autores que exploram essas duas dimensões da 
existência humana. A constatação teórica da fragilidade humana leva, naturalmente, a um 
código de conduta fixado através de conselhos bem objetivos e práticos. A mesma 
preocupação de Hesíodo com a justiça e o reto viver encontramos em Sólon, um estadista e 
legislador ateniense dos séc. VII e VI a. C., responsável por uma série de reformas 
administrativas e econômicas, com uma base moral que visava a combater a ganância e a 
prepotência que estavam minando a sociedade ateniense de sua época. Um cidadão 
endividado e sua família podiam ser vendidos como escravos para saldar suas dívidas. Sólon 
proíbe essa prática, libertando da escravidão aqueles que haviam sofrido tal penalidade: 
 
Reconduzi a Atenas, pátria fundada pelos deuses, 
muitos que haviam sido vendidos, com justiça 
ou sem ela, e outros que tinham fugido 
forçados pela penúria, que já nem falavam ático, 
de tanto andarem errantes por todo o lado. 
A outros que aqui mesmo suportavam ignóbil escravidão, 
trêmulos à vista dos seus senhores, 
tornei-os livres. Isto consegui 
e levei a bom termo as minhas promessas, 
harmonizando com o poder a força e a justiça. 
Escrevi leis, tanto para o vilão como para o nobre, 
que para cada um concertavam uma reta justiça. (frag. 36, vv. 8-20; trad. M. H. R. Pereira) 
 
 
 
 4 
A preocupação com a justiça contrasta com a riqueza, que pode ser adquirida de modo imoral. 
A justiça e a excelência são imperecíveis. A riqueza, ao contrário, é volúvel. Sólon prefere as 
primeiras a essa última: 
 
Muitos vilões estão ricos, e os nobres indigentes, 
mas o nosso mérito não o trocaremos 
pela sua riqueza. Aquele fica sempre firme; 
esta, ora a tem um homem, ora outro. (frag. 15; trad. M. H. R. Pereira) 
 
 
O poeta legislador nos ensina que a velhice pode ser fonte de sabedoria: 
 
Envelheço aprendendo sempre muita coisa. (frag. 18; trad. M. H. R. Pereira) 
 
Verbete 
poesia gnômica – Em português, gnoma ou gnome é sinômino de máxima, ou seja, de um 
pensamento breve, conciso, muitas vezes de caráter filosófico e ético, preconizando, portanto, 
uma conduta a ser seguida. O termo vem do grego γνώμη (gnóme), cujo sentido é 
“conhecimento” ou “opinião”. O comediógrafoMenandro é famoso por suas máximas (γνῶμαι – 
gnômai). Eis algumas delas: 
 
– Os maus amigos produzem um mau fruto. 
– É melhor calar do que falar em vão. 
– A língua é a causa de muitos males. 
– A um jovem mais convém calar do que falar. 
– Morre jovem aquele que os deuses amam. 
– O caráter, e não as joias, são o ornamento de uma mulher. 
– Se tens amigos, considera que tens um tesouro. 
– O gládio fere o corpo, a palavra, o espírito. 
– É belo o final de uma vida justa. 
– A multidão é forte, mas não tem inteligência. 
Fim do verbete 
 
 
 
 5 
Teógnis de Mégara é um autor grego que deu especial atenção à poesia sapiencial ou 
gnômica. Em seus versos, encontramos inúmeros conselhos para o bem agir e viver. Vejamos 
alguns exemplos: 
 
[1] 
 
Fica sabendo bem: não andes em companhia 
de homens perversos, mas convive sempre com os bons. 
Com estes deves beber, comer, abancar, e agradar 
àqueles cujo poder é grande. 
Pois é com os bons que aprenderás o bem, e, se com os maus 
te misturas, perderás até o teu espírito. 
Fixa isto, e convive com os bons. Um dia 
dirás que eu aconselho bem os meus amigos. (I, vv. 31-38) 
 
[2] 
 
Nunca tomes decisões, ó Cirno, fiado num homem mau, 
quando quiseres executar uma ação de valor. 
Aconselha-te, sim, com um bom, depois de muito te esforçares 
e por teu pé teres percorrido, ó Cirno, um longo caminho. 
Não confies a todos os amigos os teus atos por inteiro: 
pois raros são aqueles que têm ânimo fiel. 
Intenta grandes obras, fiado em poucos homens; 
se não, terás aborrecimentos intoleráveis. 
O homem fiel e digno na dura incerteza, estima-o, 
ó Cirno, como o ouro e a prata. 
Poucos amigos encontrarás que sejam fiéis 
nas dificuldades, ó Polipaides, 
amigos que ousem, de ânimo concorde, 
partilhar igualmente ventura e desgraça. 
Desses não encontrarás, nem que procurasses 
por todo o mundo, tantos que uma nau sozinha não os levasse; 
desses, dotados de vergonha na língua e nos olhos, 
que a riqueza não induz ao mal. 
 
 6 
Não me estimes só em palavras, se outro é o pensar da tua mente, 
se és meu amigo e tens um ânimo fiel. 
Estima-me de coração puro, ou despede-me 
e odeia-me abertamente, suscitando uma contenda. 
Quem tem um coração separado da língua, é companhia 
temível; melhor é que seja inimigo do que amigo. (I, vv. 69-92) 
 
[3] 
 
Jamais faças teu amigo um homem perverso, 
mas foge dele como de uma fonte de desgraça. (I, vv. 113-114) 
 
 
[3] 
 
Não te esforces demasiado, o meio é sempre o melhor. 
Assim possuirás um mérito que é difícil alcançar. (I, 335-336) 
 
 
Teógnis reconhece que o homem está sob o governo dos deuses. Todo o bem e todo o mal 
vem dos deuses e não há ser humano que seja completamente feliz: 
 
Ninguém é feliz, pobre, mau, ou bom, 
sem a vontade do deus. 
Um mal responde a outro; feliz, por completo, 
nenhum dos mortais que o sol ilumina. (I, vv. 165-168) 
 
 
Mas o poeta não deixa, por isso, de aspirar à felicidade. Ele quer conquistá-la como aquilo que 
há de mais importante, mas sabe que ela é um favor dos deuses: 
 
Seja eu feliz e estimado, ó Cirno, pelos deuses imortais, 
e em nenhum outro mérito eu me empenho. (I, vv. 653-654) 
 
 
 7 
Teógnis reconhece, também, que os homens têm diferentes habilidades, diferentes dons. 
Ninguém é perfeito e não há quem seja sábio no sentido pleno. O homem pode alcançar uma 
sabedoria e uma habilidade apenas limitada e relativa: 
 
Um é menos hábil, outro mais, para cada trabalho. 
E não há ninguém que seja sábio em tudo. (I, vv. 901-902) 
 
 
Os exemplos tirados de Sólon e de Teógnis nos deixam entrever que há uma preocupação 
prática com o comportamento e o agir humanos, mas que ela aparece ligada a questões 
teóricas sobre a natureza do homem e sobre sua existência que começam a frutificar no 
espírito grego. Esse primeiro momento é dominado por uma interesse ético e existencial. 
Pouco a pouco, outras questões relativas ao mundo e ao homem merecerão um interesse mais 
intenso da parte dos gregos. 
 
 
2. DO MITO À RAZÃO 
 
A cultura grega arcaica é, como vimos em diferentes ocasiões, uma cultura oral, na qual a 
poesia ocupa um espaço importante, mormente a épica, conservando e transmitindo, de 
geração em geração, um arcabouço tradicional eivado de mitos. O mito é uma narrativa 
organizada, oral e tradicional, com um primeiro nível de explicação do mundo, de fenômenos 
da natureza e de elementos da vida humana. Ele não é necessariamente contrário à razão, 
irracional, pois como narrativa oral está ligado ao λόγος (lógos), um discurso calcado na razão 
que se manifesta em palavras. A explicação mítica, na qual há componentes fantasiosos, é o 
início de um processo de racionalização diante do mundo que se nos revela desconhecido e, 
por isso mesmo, ameaçador. Mas o mito não esgota nossa fome de saber, ele é, na verdade, 
apenas um aperitivo, que nos deixa mais desejos de conhecimento. Essa propensão natural 
por buscar explicações para tudo aquilo que nos cerca e que nos acontece é a causa do 
nascimento dos mitos e, em uma fase posterior, da filosofia. Mito e filosofia não se opõem 
radicalmente, antes provêm de uma raiz comum, de um mesmo tronco: o desejo de saber. Por 
isso, Aristóteles, filósofo grego do séc. IV a. C. e discípulo de Platão, em sua obra intitulada 
Metafísica (I, 982b 12-19), afirma que aquele que ama os mitos (φιλόμυθος – philómythos) é, 
de certo modo, filósofo (φιλόσοφος – philósophos), isto é, um amante da sabedoria: 
 
 
 8 
De fato, os homens começaram a filosofar, agora como na origem, por causa da 
admiração, na medida em que, inicialmente, ficavam perplexos diante das 
dificuldades mais simples; em seguida, progredindo pouco a pouco, chegaram a 
enfrentar problemas sempre maiores, por exemplo, os problemas relativos aos 
fenômenos da lua e aos do sol e dos astros, ou os problemas relativos à geração de 
todo o universo. Ora, quem experimenta uma sensação de dúvida e de admiração 
reconhece que não sabe; e é por isso que também aquele que ama o mito 
(φιλόμυθος – philómythos) é, de certo modo, filósofo (φιλόσοφος – philósophos): o 
mito, com efeito, é constituído por um conjunto de coisas admiráveis. 
 
Nós veremos com mais vagar o que está contido no trecho, mas podemos, de imediato, 
destacar alguns elementos cruciais. A origem da filosofia, isto é, do amor à sabedoria, é a 
admiração, a perplexidade do homem diante das dificuldades mais simples. O homem, em 
seguida, dedica-se a investigar problemas cada vez mais complexos: os fenômenos da lua e os 
do sol e dos astros, ou os problemas relativos à geração de todo o universo. Ora, o mito, como 
vimos, nasce como uma primeira tentativa de racionalizar o desconhecido, o mundo, os 
fenômenos da natureza e os fatos angustiantes da vida humana. É, portanto, uma certa busca 
pelo saber, exatamente como a filosofia. E Aristóteles compreendeu isso magnificamente ao 
fazer a aproximação philómythos-philósophos, amante dos mitos e amante da sabedoria. 
 
A filosofia e o mito nascem de um desejo comum pelo saber. Como, no entanto, explicar que a 
filosofia tenha surgido na Grécia e não em outra cultura/civilização? Poderíamos pensar que 
esse desejo pelo saber seria algo característico da cultura grega, que outras culturas não 
teriam tal desejo. Aristóteles dá-nos a solução. O desejo pelo saber não provém de uma 
cultura, qualquer que seja ela, mas é inato ao gênero humano. Todo e qualquer ser humano 
tem o desejo inato de saber. É o que exprime a frase inicial, famosíssima, aliás, da já citada 
Metafísica (I, 980a 21): 
 
Todos os homens têm, por natureza, o desejode saber. 
 
“Todos os homens”, para Aristóteles, significa “todos os seres humanos”, pois ele usa o termo 
ἄνθροπος (ánthropos), que significa “ser humano”. Não há qualquer diferença baseada na 
distinção sexual: o desejo de saber é próprio de varões e de mulheres. Quando o filósofo diz 
“por natureza”, quer nos mostrar que esse desejo é inato ao homem, ou seja, nasce como o 
homem, pertence à natureza humana. Ele não provém, por conseguinte, de fatores culturais, 
sociais, econômicos. Portanto, se a filosofia nasceu na Grécia, isso não foi pelo fato de o 
desejo do saber ser característico da cultura grega. No entanto, se ela nasceu na Hélade, não 
foi por obra do acaso, mas devido a fatores que permitiram que o desejo inato de saber 
 
 9 
característico de todo e qualquer ser humano encontrasse um solo fértil ou condições 
favoráveis para o seu pleno desenvolvimento. Podemos, de modo bem resumido, apresentar 
os principais fatores que teriam concorrido para a eclosão do pensamento filosófico na Grécia 
antiga: 
 
a) a situação geográfica – a navegação, o comércio com outros povos e a colonização que os 
gregos realizam em diferentes regiões do Mar Mediterrâneo (na Jônia, na Península Itálica, 
também chamada de Magna Grécia) permitem contato com outras civilizações, inclusive do 
oriente próximo (Ásia Menor, Egito), resultando em trocas culturais não negligenciáveis; 
 
b) o ambiente intelectual do séc. VII – a poesia dos séculos VII e VI aborda frequentemente 
temas ligados à existência humana (a morte, a velhice, a tristeza, o prazer, a juventude) e à 
condição social do homem (guerra, paz, justiça); os questionamentos e angústias expressos na 
poesia constituem uma série de temas que se tornarão questões centrais da filosofia grega; 
 
c) a influência da religião – a religião grega propagada nos diversos cultos de mistérios 
transmite alguns conceitos que serão utilizados pelos primeiros filósofos (orfismo → 
transmigração das almas; o conceito de natureza (φύσις – phýsis); o conceito de divino como 
imanente a todos os seres; o eterno retorno; a lei cósmica ou destino ( μοῖρα – moîra)); 
 
d) as teogonias – representam um passo importante, pois constituem uma tentativa de explicar 
a origem dos deuses e do mundo e o funcionamento da realidade natural e humana; a 
explicação mítica, como vimos, não deixa de ser uma forma primitiva de filosofia; 
 
e) a sabedoria gnômica (γν ῶμαι (gnômai) → sentenças o u máximas) – circulava entre os 
gregos um certo número de sentenças de cunho moral e político atribuídas aos Sete Sábios; 
essas sentenças têm conselhos sobre moderação, prudência, verdade, respeito aos pais e às 
leis, constituindo um código de conduta moral, mas contendo, também, uma série de elementos 
teóricos sobre o homem e o mundo; os temas abordados nas máximas, bem como as soluções 
para problemas teóricos e práticos que elas apresentam, formam um arcabouço adequado para 
o desenvolvimento da investigação filosófica. 
 
Verbete 
 
 
 10 
Os Sete Sábios – é o título dado a alguns homens públicos da Grécia antiga – políticos, 
legisladores, filósofos – considerados sábios pelas máximas que lhes eram atribuídas e que 
preconizavam um caminho de conduta moral. Há, na verdade, várias listas de “Sete Sábios” 
que circulam em momentos distintos na Grécia, de modo que os Sete Sábios, segundo as 
diferentes combinações, acabam por somar cerca de duas dezenas de nomes. Alguns nomes, 
como Tales de Mileto e Sólon, aparecem regularmente nas diferentes listas, outros nomes 
podem variar. 
 
Platão, filósofo ateniense dos séc. V e IV a. C., apresenta, em seu diálogo Protágoras (343), a 
lista seguinte, acrescentando que eles teriam se reunido em Delfos para oferecer suas 
máximas como uma dádiva ao deus Apolo: 
 
1. Tales de Mileto; 
2. Pítaco de Mitilene; 
3. Bias de Priene; 
4. Sólon de Atenas; 
5. Cleóbulo de Lindos; 
6. Míson de Queneia; 
7. Quílon de Esparta. 
 
A esses sábios são atribuídas máximas como “conhece-te a ti mesmo” e “nada em excesso”. 
Fim do verbete 
 
A esses elementos que, como podemos ver, se referem basicamente ao âmbito cultural, 
podemos acrescentar pelo menos mais um de outra ordem: a condição social e econômica de 
uma parcela da população que lhe permitia um certo lazer ou ócio, isto é, um tempo livre para 
dedicar-se a atividades intelectuais e à cultura do espírito. A combinação de elementos 
culturais e socioeconômicos com a propensão ao saber inata ao ser humano deram 
nascimento à filosofia, uma das mais poderosas contribuições intelectuais gregas para o 
mundo. Outros campos do saber beneficiam desse mesmo meio e momento: a história, as 
matemáticas e algumas outras ciências particulares. É aqui também que vemos o nascimento 
da prosa. Até então, toda e qualquer composição literária era feita em verso. Com o advento 
desses novos campos do saber, surge não apenas uma prosa técnico-científica, mas também 
uma prosa retórico-literária. Após séculos de domínio da poesia, uma nova forma de expressão 
literária vê a luz do dia. E o mito como explicação da realidade vai, pouco a pouco, perdendo 
 
 11 
espaço para os novos saberes que surgiram e nos quais a verdade passa a ser um objetivo e 
um fim em si mesma. 
 
 
Figura 14.1 – Esquema com alguns elementos que colaboraram para o nascimento da filosofia 
na Grécia (autor: André Alonso) 
 
 
Figura 14.2 – Esquema com os gêneros literários que se desenvolveram na Grécia até o séc. V 
a. C. (autor: André Alonso) 
 
 
Atividade 1 
Atende aos objetivos 1, 2 e 3 
 
1. A que gênero poderiam pertencer os textos seguintes? Quais características permitem 
justificar sua resposta? 
 
Texto 1 
 
 
 12 
Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: 
Tempo para nascer 
e tempo para morrer; 
Tempo para plantar 
e tempo para arrancar 
o que foi plantado; 
Tempo para matar 
e tempo para sarar; 
Tempo para demolir 
e tempo para construir; 
Tempo para chorar 
e tempo para rir; 
Tempo para gemer 
e tempo para dançar; 
Tempo para atirar pedras 
e tempo para ajuntá-las; 
Tempo para dar abraços 
e tempo para apartar-se; 
Tempo para procurar 
e tempo para perder; 
Tempo para guardar 
e tempo para jogar fora; 
Tempo para rasgar 
e tempo para costurar; 
Tempo para calar 
e tempo para falar; 
Tempo para amar 
e tempo para odiar; 
Tempo para a guerra 
e tempo para a paz. (Eclesiastes, 3, 1-8) 
 
 
Texto 2 
 
Há quem, por falsa vergonha, faça uma promessa a um amigo, 
e dele se faça gratuitamente um inimigo. 
A mentira é no homem uma vergonhosa mancha, 
não deixa os lábios das pessoas mal-educadas. 
Mais vale um ladrão do que um mentiroso contumaz, 
mas ambos terão a ruína como partilha. 
O comportamento dos mentirosos é aviltante, 
sua vergonha jamais os abandonará. (Eclesiástico, 20, 25-28) 
 
 
DIAGRAMADOR: DEIXAR 15 LINHAS PARA RESPOSTA 
 
 
2. Comente a afirmativa seguinte: a teogonia e o mito são os pais da filosofia. 
 
 13 
 
DIAGRAMADOR: DEIXAR 15 LINHAS PARA RESPOSTA 
 
RESPOSTA COMENTADA 
 
1. Os textos poderiam pertencer à poesia sapiencial ou gnômica. A característica que nos 
permite fazer tal associação é a presença de máximas. Explique o que são as máximas (aqui 
você pode falar um pouco dos Sete Sábios) e mostre como elas funcionam, procurando tirar 
exemplos dos textos. Seria interessante contrastar os exemplos que você escolher com 
máximas de Menandro. Há algumas em nossa aula, mas você pode e deve pesquisar um 
pouco mais sobre elas na internet. Uma boa opção é apresentar a distinção entre o aspecto 
teórico e o prático das máximas, usando exemplos dos textos. 
 
2. A primeira coisaa fazer é explicar o que é uma teogonia e o que é um mito. Se você tiver 
alguma dificuldade, volte às aulas passadas sobre mito e sobre Hesíodo. Procure mostrar que 
ambos são tentativas de explicar as realidades que nos cercam, o mundo, os fenômenos da 
natureza etc. A correlação que Aristóteles faz entre philómythos e philósophos é crucial. Não 
deixe de explorá-la. É importante você mostrar claramente que (e eventualmente como) a 
teogonia e o mito preparam o caminho para o surgimento da filosofia (e, assim, são como que 
seus pais). Outro aspecto importante: mostrar as semelhanças que há entre teogonia/mito, de 
um lado, e a filosofia, do outro (já que “a filha” tem características que herda dos “pais”). 
 
FIM DA RESPOSTA COMENTADA 
 
 
3. A DEFINIÇÃO NOMINAL DE FILOSOFIA 
 
Estudamos um pouco a transição do saber mítico para o filosófico-científico. Não devemos ter a 
ilusão de que o processo se deu bruscamente. Ele é, na verdade, lento e gradual, fruto do 
amadurecimento espiritual e humano dos gregos propiciado pelas diferentes circunstâncias que 
apresentamos anteriormente. A filosofia, como veremos, está submersa em nossa alma pelas 
preocupações quotidianas de diversas ordens e é quando o ócio se nos oferece como uma 
realidade mais ou menos estável que teremos condição de permitir que esse desejo inato de 
saber se manifeste paulatinamente. Antes de explorarmos mais aprofundadamente outras 
 
 14 
questões relativas à filosofia na Grécia, vamos dedicar um pouco de nosso tempo à origem da 
palavra “filosofia” e a seu significado etimológico. 
 
Já desde a Antiguidade a criação do termo “filosofia” é atribuída a Pitágoras. O fato não pode 
ser corroborado e a primeira ocorrência atestada do termo “filósofo” estaria em um fragmento 
atribuído a Heráclito de Éfeso, no início do séc. V a. C. (cf. VERNANT, 2007, p. 605): 
 
Com efeito, os homens que amam a sabedoria (φιλοσόφους – philosóphous) devem 
ser conhecedores de muitíssimas coisas. 
 
Mas a atribuição a Pitágoras fez longa fortuna na Antiguidade não apenas grega, mas também 
latina, percorrendo, por essa via, a Idade Média. Diógenes Laércio (séc. III d. C.) relata-nos o 
fato: 
 
[1] 
 
Pitágoras foi aquele que por primeiro usou o nome de Filosofia e se chamou de 
filósofo, quando conversava em Sicione com Leonte, tirano dos siciônios ou dos 
fliúncios, segundo diz Heráclides do Ponto [séc. IV a.C.] em sua obra A esvaecida: 
Com efeito, ninguém é sábio senão Deus. (Vita Philosophorum, I, 12,1-5) 
[2] 
 
Sosícrates, em sua obra As sucessões, diz que ele [Pitágoras], tendo sido 
interrogado por Leonte, tirano dos fliúncios, sobre quem ele era, respondeu: “um 
filósofo [=amigo da sabedoria]”. [E dizia que ] a vida é semelhante a uma reunião de 
pessoas em uma competição. Com efeito, assim como a esta uns vêm para lutar, 
outros por causa do comércio, e outros ― os melhores ― como espectadores, 
assim na vida, disse ele, uns nascem escravos da glória e caçadores do ganho, 
outros, os filósofos, da verdade. (Vita Philosophorum, VIII, 8, 6-12) 
 
O primeiro trecho de Diógenes Laércio mostra Pitágoras como o primeiro a usar o nome de 
filosofia e reconhecer-se como filósofo. O termo “filósofo” é, obviamente, grego e compõe-se de 
dois elementos: φίλος (phílos), amigo, e σοφός (sophós), sábio. O filósofo, portanto, não é um 
sábio, mas apenas alguém que ama e busca a sabedoria, alguém que é amigo do verdadeiro 
sábio, que, nas palavras atribuídas a Pitágoras, seria Deus. A busca pela sabedoria exige um 
primeiro passo que é reconhecer-se não-sábio e indigno da sabedoria. 
 
O segundo trecho relata o mesmo fato, acrescido de uma interessante alegoria. Pitágoras, ao 
responder a Leonte, teria comparado a vida a um um festival esportivo ou dramático. A este 
 
 15 
acorrem três categoria de gente: há aqueles que vêm para lutar, para competir – são escravos 
da glória –; há os que vêm por causa do comércio – são caçadores de lucro –; há, por fim, 
aqueles que vêm apenas para assistir ao espetáculo, são espectadores e são o melhor tipo de 
gente. Assim é com a vida: os homens nascem e uns se tornam escravos da glória, passam a 
vida buscando a fama; outros caçam o lucro e gastam toda sua existência procurando 
enriquecer; outros, os melhores, vivem a vida como espectadores, observam-na como um 
espetáculo, que traz diversão e conhecimento, procurando nela apenas a verdade e nada mais. 
É o retrato do filósofo. 
 
O fato explorado mais detalhadamente por Cícero, autor romano do séc. I a. C. em suas 
Tusculanae Disputationes (“Conversas em Túsculo”; Túsculo era uma cidade próxima a Roma, 
junto à moderna cidade de Frascati). Vejamos o trecho (Disp. Tusc., V, 7-9): 
 
Embora vejamos que ela [=a Filosofia] é uma coisa antiquíssima, todavia 
reconhecemos que seu nome é recente. Com efeito, quem pode negar que a 
sabedoria mesma é antiga não só em sua realidade, mas também em seu nome? 
Ela recebia, entre os antigos, este belíssimo nome por causa do conhecimento das 
coisas divinas e humanas, bem como do conhecimento dos inícios e das causas de 
cada coisa. Assim, também aqueles sete, que pelos gregos eram tidos e chamados 
de σοφοί [=sophoí] , e por nós de sábios [=sapientes], e, muitos séculos antes, 
Licurgo, em cuja época se diz que viveu Homero, antes da fundação desta cidade 
[=Roma], assim como nos tempos heroicos Ulisses e Nestor, nós sabemos pela 
tradição tanto que foram sábios, quanto que foram tidos como tais. Certamente, não 
se contaria que Atlas sustenta o céu, nem que Prometeu está acorrentado ao 
Cáucaso, nem que Cefeu foi transformado em constelação juntamente com a 
esposa, o genro e a filha, se um conhecimento divino das realidades celestes não 
transpusesse seus nomes para o devaneio da narrativa mítica. Em seguida, todos 
os que, atraídos por eles, dedicavam-se à contemplação das coisas eram tidos e 
chamados de sábios [=sapientes], e essa sua designação [=de sábios] circulou até a 
época de Pitágoras. Dizem que este, como escreve um discípulo de Platão, 
Heráclides do Ponto, homem muitíssimo douto, foi a Fliunte e que discutiu alguns 
assuntos douta e eloquentemente com Leonte, soberano dos fliúncios. Leonte, 
tendo-se admirado com seu engenho e eloquência, perguntou-lhe que arte em 
especial ele professava. Ele, porém, respondeu que não conhecia nenhuma arte, 
mas que era um “filósofo”. Leonte, admirado com a novidade do termo, perguntou 
quem afinal eram os filósofos e que diferença havia entre eles e os demais homens. 
Pitágoras respondeu que, para ele, a vida dos homens parecia semelhante àquele 
espetáculo que ocorria com grande pompa de jogos, com a afluência de pessoas de 
toda a Grécia. Com efeito, como aí uns, com os corpos exercitados, buscavam a 
glória e a celebridade de uma coroa, outros eram levados pelo ganho da compra e 
da venda e pelo lucro, havia, porém, um certo tipo de homens ― e este é o mais 
nobre possível ― que não buscavam nem o aplauso nem o lucro, mas que aí tinha 
ido para assistir ao espetáculo e observar atentamente o que aconteceria e como, 
assim também nós, como uma multidão de pessoas que vão de uma cidade a um 
espetáculo, partindo de uma outra vida e de uma outra natureza chegamos a essa 
vida presente, uns para servir à glória, outros para servir ao dinheiro, havendo uns 
 
 16 
poucos que, julgando as demais coisas sem qualquer valor, contemplam 
atentamente a natureza. Estes se chamam de “dedicados à sabedoria” [=sapientiae 
studiosos], isto é, filósofos. E assim como lá [=no espetáculo] seria muitíssimo mais 
nobre assistir sem nada obter para si, assim, na vida, a contemplação e o 
conhecimento das coisas em muito ultrapassa todas as outras ocupações. 
 
 
Cícero conta-nos que na Grécia antiga havia certos homens que eram chamadosde σοφοί 
(sophoí), isto é, sábios. Ele menciona os Sete Sábios e outros, como alguns heróis homéricos, 
que eram chamados de sábios. A designação de sábio era usual até o tempo de Pitágoras, que 
introduz um novo termo: filósofo. Cícero narra o episódio com Leonte e a comparação feita por 
Pitágoras: a vida é como um desses festivais ou espetáculos que havia na Grécia e que 
atraíam multidões. Ali acorriam diferentes tipos de gente. Havia os que buscavam a glória, os 
que buscavam o lucro e os que iam apenas para observar o espetáculo e eram, portanto, o tipo 
mais nobre. Assim também é com a vida. Nela há os que buscam a glória, os que buscam o 
dinheiro e a riqueza, mas há também aqueles que vivem a vida buscando apenas o 
conhecimento. Esse tipo de vida é, sem dúvida, muito mais nobre do que os demais. 
 
O trecho de Cícero aponta-nos um fato interessante: a filosofia era chamada antes de 
sabedoria. A palavra “filosofia” é recente, mas sua realidade – a sabedoria – é antiquíssima. No 
entanto, ele não explica o porquê dessa mudança terminológica. A razão para a criação de um 
novo termo seria a humildade, como destaca Santo Agostinho (séc. IV e V d. C.), em um trecho 
de sua obra De Ciuitate Dei (“A cidade de Deus”, VIII, c. 2): 
 
Com efeito, no que diz respeito à literatura grega, língua que é considerada a mais 
ilustre entre as línguas dos demais povos, há, segundo se diz, dois gêneros de 
filósofos. Um é o itálico, proveniente daquela parte da Itália que outrora se chamava 
Magna Grécia. O outro é o jônico, existente naquelas regiões que agora se chamam 
Grécia. O gênero itálico teve por autor Pitágoras de Samos, de quem, dizem, se 
originou o próprio nome da filosofia. Com efeito, visto que se chamavam sábios 
aqueles que por algum modo de vida digna de louvor pareciam superar os demais, 
ele [=Pitágoras], tendo sido perguntado sobre o que se declarava, respondeu que 
era um filósofo, isto é um estudioso ou amante da sabedoria, porque proclamar-se 
sábio parecia muitíssimo arrogante. 
 
Portanto, a humildade estaria na base da forjadura do termo filosofia. Chamar-se ou 
considerar-se sábio era por demais presunçoso e arrogante. A sabedoria digna de seu nome 
deve ser humilde. Essa explicação é-nos dada por Santo Tomás de Aquino, filósofo e teólogo 
do séc. XIII d. C., em um trecho de seus comentários à Metafísica de Aristóteles (In Met., I, l. 3, 
n. 5): 
 
 17 
 
Com efeito, visto que os antigos que se aplicavam ao estudo da sabedoria eram 
chamados de “sofistas”, isto é, sábios, Pitágoras, tendo sido interrogado sobre o que 
ele se declarava, não quis se chamar de sábio, como seus antecessores, porque 
isto parecia presunçoso, mas chamou-se de “filósofo”, isto é, amante da sabedoria. 
E a partir daí o nome de sábio mudou para filósofo e o nome de sabedoria, para 
filosofia. 
Esse nome também acrescenta algo ao tema proposto. Com efeito, parece um 
amante da sabedoria aquele que a busca por si mesma, e não em razão de outra 
coisa. Com efeito, quem busca algo em razão de outra coisa, ama aquilo em razão 
de que busca mais do que aquilo que busca. 
 
 
O trecho anterior traz um outro elemento essencial à verdadeira sabedoria: ela é uma busca 
desinteressada. Em outras palavras: o verdadeiro saber é um saber desinteressado. Tal 
detalhe já estava contido no final do trecho que citamos de Cícero. Ao comparar a vida a um 
espetáculo, Pitágoras teria afirmado que é muitíssimo mais nobre assistir sem nada obter para 
si. Das três categorias que vão ao espetáculo, apenas uma está interessada de fato nele: os 
espectadores. As outras duas a ele se dirigem buscando outra coisa: fama ou dinheiro. Não 
vão, portanto, ao espetáculo pelo espetáculo, mas apenas porque ele é um meio para a 
obtenção daquilo que realmente querem: fama ou dinheiro. O espetáculo não é um fim em si 
mesmo, mas apenas um meio. Essas duas categorias – os competidores e os comerciantes – 
são, por assim dizer, interesseiras. O espectador, ao contrário, é desinteressado, ou seja, 
abnegado. O verdadeiro amante da sabedoria é “aquele que a busca por si mesma, e não em 
razão de outra coisa”, diz Santo Tomás de Aquino, acrescentando que “quem busca algo em 
razão de outra coisa, ama aquilo em razão de que busca mais do que aquilo que busca”. As 
palavras, que podem parecer-nos intrincadas, traduzem uma realidade cristalina. Se você quer 
conseguir A, porque com A você obtém B, você prefere B a A, ou seja, é B o que você 
realmente ama, sendo A apenas um meio para você alcançar seu intento. Portanto, se alguém 
buscasse a sabedoria por qualquer outro motivo que não pela própria sabedoria – para ganhar 
dinheiro ou tornar-se famoso, por exemplo – não estaria interessado efetivamente na 
sabedoria, mas naquilo que ela, como um meio, permitiria alcançar (fama, dinheiro etc.). 
 
 
 
 18 
 
Figura 14.3 – O verdadeiro e o falso filósofo 
(autor: André Alonso) 
 
 
4. A DEFINIÇÃO REAL DE FILOSOFIA 
 
Vimos que a definição nominal (etimológica) de filosofia é “amor à sabedoria”. Mas, certamente, 
poderíamos insistir e perguntar: e o que exatamente é o amor a sabedoria? Essa pergunta foi 
feita inúmeras vezes desde a Antiguidade e, assim sendo, temos um série de respostas para a 
pergunta “o que é realmente a filosofia?”. Exploremos algumas definições, esforçando-nos para 
depreender os elementos essenciais que elas apontam. 
 
Uma primeira ocorrência nos vem de Cícero (séc. I a. C.), que, em sua obra De officiis (“Os 
deveres”, II, 5), diz o seguinte: 
 
Com efeito, pelos deuses, o que é mais desejável do que a sabedoria, o que é mais 
excelente, o que é melhor para o homem, o que é mais digno do homem? Por 
conseguinte, aqueles que a procuram são chamados de filósofos e a filosofia, se 
quiseres traduzir, não é outra coisa senão o estudo da sabedoria. Mas a sabedoria, 
como a definem os antigos filósofos, é a ciência das coisas divinas e humanas e das 
causas pelas quais essas coisas se constituem, e eu não compreendo 
absolutamente o que afinal julga digno de louvor aquele que critica o seu estudo [=o 
estudo da sabedoria]. 
 
O trecho, inicialmente, louva a sabedoria como o que há de mais desejável, de melhor e de 
mais digno para o homem . Define, em seguida, a filosofia como estudo da sabedoria, o que é, 
como vimos, uma definição etimológica. Na sequência, Cícero esclarece o conceito de 
verdadeiro amante 
da sabedoria 
sabedoria 
falso amante 
da sabedoria 
sabedori
a 
outros fins: fama,�riqueza etc. 
a sabedoria é um 
fim em si mesma 
a sabedoria é 
apenas um meio 
 
 19 
sabedoria: ela é a ciência das coisas divinas e humanas e das causas pelas quais essas coisas 
se constituem. Temos, portanto, os seguintes elementos: 
 
a) ciência 
b) das coisas divinas e humanas 
c) e de suas causas 
 
 
Santo Isidoro de Sevilha (séc. VI e VII d. C.) compôs uma obra enciclopédica cujo título é 
Etimologias. Nela, o autor tenta recolher, para conservar e transmitir, os elementos da cultura 
clássica que estavam desaparecendo com a dissolução do Império Romano. A definição que 
ele nos dá de filosofia é (Etymologiae, II, c. 24): 
 
A filosofia é o conhecimento das coisas humanas e divinas unido ao esforço pelo 
bem viver. 
 
Os elementos que ela nos fornece são: 
 
a) conhecimento 
b) das coisas humanas e divinas 
c) o esforço pelo bem viver 
 
Alcuíno de York (séc. VIII e IX d. C.), colaborador do imperador Carlos Magno e por ele 
encarregado de promover as atividades da Escola Palatina, foi um dos artesãos do chamado 
renascimento carolíngio. Em sua obra De Dialectica (Patrologia Latina, vol. 101, 952A), ele nos 
dá uma definição de filosofia: 
 
A filosofia é a investigação das naturezas,é o conhecimento das coisas humanas e 
divinas, na medida em que é possível ao homem avaliá-las. A filosofia é também a 
excelência de vida, o esforço de bem viver, a meditação da morte, o desprezo do 
mundo, o que muito convém aos cristãos, os quais, uma vez desprezada a ambição 
deste mundo, vivem com uma metódica semelhança da pátria futura. 
 
Nela, há muito mais elementos do que nas anteriores: 
 
a) investigação da natureza 
 
 20 
b) conhecimento das coisas divinas e humanas, na medida em que é possível ao homem 
avaliá-las 
c) excelência de vida 
d) esforço de bem viver 
e) meditação da morte 
f) desprezo do mundo (o que é conveniente aos cristãos) 
 
Em uma outra obra sua, intitulada De Grammatica, (Patrologia Latina 101, 849C), temos outra 
definição, com novos elementos: 
 
Ouvimos-te muito frequentemente, ó sapientíssimo mestre, dizer que a filosofia era a 
mestra de todas as virtudes e que ela era a única dentre todas as riquezas deste 
mundo a nunca deixar infeliz aquele que a possui. 
 
A filosofia é caracterizada como: 
 
a) mestra de todas as virtudes 
b) a única dentre todas as riquezas deste mundo a nunca deixar infeliz aquele que a possui 
 
Aristóteles, em sua já citada Metafísica (II, 993b 19-20), nos dá uma outra definição: 
 
É também correto chamar a filosofia de ciência da verdade. 
 
O elemento novo que se nos apresenta é: 
 
a) ciência da verdade 
 
Se cruzarmos as diferentes citações, poderemos formular uma definição melhor elaborada. O 
que nelas encontramos que nos permitiria compreender o conceito de filosofia? Eis suas 
características: 
 
a) ciência ou conhecimento 
b) das coisas divinas e humanas e da natureza 
c) e de suas causas 
d) na medida em que é possível ao homem avaliá-las 
 
 
 21 
Assim: 
 
1. o item (a) nos diz o que é a filosofia: uma ciência; 
2. os itens (b) e (c) nos indicam o objeto estudado por essa ciência: as coisas divinas e 
humanas e a natureza, ou seja, tudo o que existe, todas as coisas, e as suas causas; 
3. o item (d) especifica que a filosofia estuda o seu objeto (ou seja, todas as coisas e suas 
causas) na medida em que é possível ao homem avaliá-las, ou seja, na medida em que seu 
conhecimento é acessível à razão humana; isso permite diferenciar a filosofia da teologia, pois 
esta também estuda as realidades humanas e divinas, mas baseando-se na revelação divina e 
não apenas na razão humana; a teologia pode, portanto, conhecer realidades que estão acima 
da razão humana, servindo-se, para tal, do dado revelado por Deus. 
 
Nossa definição, provisoriamente, seria: a filosofia é a ciência de todas as coisas e suas 
causas adquirida por meio da razão humana. Mas que causas seriam essas? Quem nos 
responde é Aristóteles (Metafísica, I, 982b 7-10): 
 
Portanto, de tudo aquilo que foi dito, resulta que o nome que estamos investigando 
se aplica à mesma ciência: com efeito, ela deve ser a ciência teórica dos primeiros 
princípios e causas, pois o bem e o fim é uma das causas. 
 
As causas de que trata a filosofia são, portanto, as primeiras ou universais. A filosofia busca, 
portanto, dar uma explicação definitiva para o seu objeto, de modo que não seja necessária 
uma resposta ulterior. 
 
Os outros elementos citados são, por assim dizer, uma derivação do papel primordial da 
filosofia como ciência de todas as coisas por suas causas primeiras e universais. O objeto da 
filosofia é universal: todas as coisas e suas causas primeiras e universais. O meio utilizado 
para conhecer o objeto é a razão humana. A filosofia é, portanto, racional, ela é uma ciência e, 
como tal, busca a verdade e, por isso, Aristóteles a chama de “ciência da verdade”. Seguindo 
as palavras de Alcuíno de York, poderíamos dizer que, ao conhecer a verdade sobre todas as 
coisas, a filosofia naturalmente convida o filósofo a viver em consonância com essa verdade. 
Ela é, assim, um caminho para a excelência de vida, ela abre as vias para que o filósofo viva 
uma vida condizente com a verdade. A excelência de vida só é alcançada pelo esforço de bem 
viver, isto é, viver de acordo com a verdade. O conhecimento profundo das realidades da vida 
faz o filósofo compreender a fragilidade e a fugacidade da mesma e o coloca diante de um fato 
inexorável: a morte. O amante da sabedoria vê-se, então, diante de um fato assustador e põe-
 
 22 
se a meditar sobre a morte e seu sentido. Ao compreender a precariedade da vida e a 
realidade da morte, o filósofo, finalmente, despreza o mundo, pois sabe que ele é transitório, 
que ele não é permanente, que a morte o torna algo de pouca importância: não poderemos, ao 
morrer, levar conosco o mundo. O filósofo pode, assim, viver uma vida que é plena de 
liberdade, pois ele conhece a verdade e, como diz o Cristo, no Evangelho segundo São João 
(8, 32), “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Se a filosofia é a ciência da verdade 
e se a verdade nos libertará, então, podemos concluir que a filosofia é a liberdade. E é 
exatamente isso que faz Sêneca, dramaturgo e filósofo no primeiro século de nossa era, ao 
citar, em uma de suas cartas (Epistulae ad Lucilium, I, 8, 7), o filósofo grego Epicuro (séc. IV e 
III a. C.): 
 
Mas já é preciso concluir e, como combinei, pagar algo por esta carta. Isso não virá 
do que é meu. Ainda estamos pilhando Epicuro, de quem, no dia de hoje, eu li esta 
sentença: 'é preciso que te tornes escravo da filosofia, para que te chegue a 
verdadeira liberdade'. Quem a ela [=filosofia] se submete e se entrega não é 
obrigado a esperar um outro dia: é libertado imediatamente. Com efeito, esta 
escravidão mesma à filosofia é a liberdade. 
 
 
Figura 14.4 – Diferentes noções ligadas ao conceito de filosofia 
(autor: André Alonso) 
 
 
Atividade final 
 
Atende ao objetivo 3 
 
1. Escreva um pequeno texto relacionando filosofia e liberdade. 
 
DIAGRAMADOR: DEIXAR 20 LINHAS PARA RESPOSTA 
 
 23 
 
 
RESPOSTA COMENTADA 
 
As possibilidades de resposta são várias. Aqui damos apenas uma sugestão de percurso. 
Comece com a etimologia da palavra filosofia. Se você quiser, pode explorar a história de 
Pitágoras e a analogia que ele faz entre espetáculo e vida. Em seguida, apresente alguns 
elementos característicos da filosofia (você vai encontrá-los nas diferentes definições que 
estudamos). Esses elementos permitirão que você faça a correlação entre filosofia e liberdade. 
Tente também aproveitar a passagem de Sêneca (com a citação de Epicuro), pois ela 
apresenta uma aparente contradição (ser escravo para tornar-se livre) que, no fundo, é o cerne 
da questão. 
 
FIM DA RESPOSTA COMENTADA 
 
RESUMO 
 
Vimos em aulas anteriores que a poesia lírica aborda uma multitude de temas, a eles aplicando 
diferentes tons. Outra característica do gênero lírico é colocar o indivíduo e sua realidade em 
destaque. Assim, surgem, naturalmente, questionamentos existenciais que teorizam a condição 
humana. O arcabouço teórico que se forma abre caminho, por sua vez, para conselhos que 
visam a preconizar uma conduta e um modo de vida condizentes com essa condição humana. 
Vemos, assim, desenvolver-se uma poesia de cunho sapiencial, qualificada frequentemente de 
gnômica, que se caracteriza por máximas sobre o homem e sua vida e que prodigaliza uma 
série de conselhos e admoestações. 
 
Em outras aulas abordamos, também, a temática do mito e aprendemos que ele é um processo 
de racionalização do mundo e da vida, uma tentativa de explicar o desconhecido. Por isso 
mesmo, Aristóteles aproxima o amante dos mitos (philómythos) do amante da sabedoria 
(philósophos). Os mitos e a poesia gnômica são o sinal do iminente despontar de um novotipo 
de pensamento: a filosofia. Esta surge na Grécia e seu aparecimento é devido a uma série de 
fatores que se interrelacionam, dentre os quais podemos citar a situação geográfica da Grécia, 
o ambiente intelectual, a influência da religião, a existência de teogonias, mitos e de uma 
poesia gnômica, e a presença de condições socioeconômicas que permitiam que uma parcela 
da população pudesse ter um certo ócio ou lazer para dedicar-se a investigações teóricas. 
 
 24 
 
A filosofia está, também, entre os primeiros gêneros literários gregos a utilizar a prosa e não o 
verso. O termo filosofia, etimologicamente, significa “amor à sabedoria”. Sua criação é 
atribuída, desde a Antiguidade, a Pitágoras, embora a veracidade dessa atribuição não possa 
ser corroborada. Ele, ao ser interrogado sobre qual era sua profissão ou a que ele se dedicava, 
teria respondido que era um filósofo e, para explicar o significado do termo, teria comparado a 
vida a um espetáculo. Assim como a um festival acorrem diferentes tipos de pessoas, uns para 
buscar honra e glória, outros para perseguir o lucro e o ganho e outros para simplesmente 
observar o que se passa, assim também é na vida, pois há aqueles que vivem em função da 
fama, outros que desejam apenas o dinheiro e outros, ainda, que vivem sem nada desejar 
auferir que não seja o conhecimento e a sabedoria e esses são os filósofos. 
 
A filosofia é o “amor à sabedoria”, mas o que realmente significa isso? Diversas respostas 
foram dadas a tal pergunta, ao longo da história. Algumas características comuns aparecem ao 
lado de outras, mais específicas. Assim, a filosofia é definida como uma ciência que tem como 
objeto todas as coisas (“as coisas divinas e humanas”, “a natureza”), procurando conhecer-lhes 
as causas, não quaisquer, mas as primeiras e universais. A filosofia quer conhecer a verdade e 
isso faz com que ela seja um caminho para a liberdade. Também pode ser relacionada ao 
esforço pelo bem viver (cultivo das virtudes), à meditação da morte (sentido da vida e da morte) 
e o desprezo do mundo (das frivolidades mundanas e de tudo aquilo que nos afasta do 
conhecimento da verdade e da prática do bem). Sêneca, citando Epicuro, diz que 'é preciso 
que te tornes escravo da filosofia, para que te chegue a verdadeira liberdade'. 
 
 
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA 
 
Em nossa próxima aula, continuaremos explorando o tema da filosofia, aprofundando algumas 
questões a ela pertinentes. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
 
PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Hélade: Antologia da Cultura Grega. 7a edição. Coimbra: 
Imprensa de Coimbra, 1998. 
 
 25 
VERNANT, J.-P. Œuvres. Vols. I et II. Paris: Les Éditions du Seuil, 2007. 
 
	CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA
	DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
	Curso: Letras Disciplina: Bases da Cultura Ocidental
	Conteudista: André Alonso
	Apresentar as principais características da poesia gnômica e a relação entre mito e razão, e definir o que é filosofia.
	Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
	1. descrever as principais características da poesia sapiencial ou gnômica;
	2. explicar a relação entre mito e filosofia, e o nascimento desta;
	3. definir filosofia e explicar algumas de suas características.
	poesia gnômica – Em português, gnoma ou gnome é sinômino de máxima, ou seja, de um pensamento breve, conciso, muitas vezes de caráter filosófico e ético, preconizando, portanto, uma conduta a ser seguida. O termo vem do grego γνώμη (gnóme), cujo sentido é “conhecimento” ou “opinião”. O comediógrafo Menandro é famoso por suas máximas (γνῶμαι – gnômai). Eis algumas delas:
	Teógnis de Mégara é um autor grego que deu especial atenção à poesia sapiencial ou gnômica. Em seus versos, encontramos inúmeros conselhos para o bem agir e viver. Vejamos alguns exemplos:
	A cultura grega arcaica é, como vimos em diferentes ocasiões, uma cultura oral, na qual a poesia ocupa um espaço importante, mormente a épica, conservando e transmitindo, de geração em geração, um arcabouço tradicional eivado de mitos. O mito é uma narrativa organizada, oral e tradicional, com um primeiro nível de explicação do mundo, de fenômenos da natureza e de elementos da vida humana. Ele não é necessariamente contrário à razão, irracional, pois como narrativa oral está ligado ao λόγος (lógos), um discurso calcado na razão que se manifesta em palavras. A explicação mítica, na qual há componentes fantasiosos, é o início de um processo de racionalização diante do mundo que se nos revela desconhecido e, por isso mesmo, ameaçador. Mas o mito não esgota nossa fome de saber, ele é, na verdade, apenas um aperitivo, que nos deixa mais desejos de conhecimento. Essa propensão natural por buscar explicações para tudo aquilo que nos cerca e que nos acontece é a causa do nascimento dos mitos e, em uma fase posterior, da filosofia. Mito e filosofia não se opõem radicalmente, antes provêm de uma raiz comum, de um mesmo tronco: o desejo de saber. Por isso, Aristóteles, filósofo grego do séc. IV a. C. e discípulo de Platão, em sua obra intitulada Metafísica (I, 982b 12-19), afirma que aquele que ama os mitos (φιλόμυθος – philómythos) é, de certo modo, filósofo (φιλόσοφος – philósophos), isto é, um amante da sabedoria:
	A filosofia e o mito nascem de um desejo comum pelo saber. Como, no entanto, explicar que a filosofia tenha surgido na Grécia e não em outra cultura/civilização? Poderíamos pensar que esse desejo pelo saber seria algo característico da cultura grega, que outras culturas não teriam tal desejo. Aristóteles dá-nos a solução. O desejo pelo saber não provém de uma cultura, qualquer que seja ela, mas é inato ao gênero humano. Todo e qualquer ser humano tem o desejo inato de saber. É o que exprime a frase inicial, famosíssima, aliás, da já citada Metafísica (I, 980a 21):
	e) a sabedoria gnômica (γνῶμαι (gnômai) → sentenças ou máximas) – circulava entre os gregos um certo número de sentenças de cunho moral e político atribuídas aos Sete Sábios; essas sentenças têm conselhos sobre moderação, prudência, verdade, respeito aos pais e às leis, constituindo um código de conduta moral, mas contendo, também, uma série de elementos teóricos sobre o homem e o mundo; os temas abordados nas máximas, bem como as soluções para problemas teóricos e práticos que elas apresentam, formam um arcabouço adequado para o desenvolvimento da investigação filosófica.
	Os Sete Sábios – é o título dado a alguns homens públicos da Grécia antiga – políticos, legisladores, filósofos – considerados sábios pelas máximas que lhes eram atribuídas e que preconizavam um caminho de conduta moral. Há, na verdade, várias listas de “Sete Sábios” que circulam em momentos distintos na Grécia, de modo que os Sete Sábios, segundo as diferentes combinações, acabam por somar cerca de duas dezenas de nomes. Alguns nomes, como Tales de Mileto e Sólon, aparecem regularmente nas diferentes listas, outros nomes podem variar.
	Platão, filósofo ateniense dos séc. V e IV a. C., apresenta, em seu diálogo Protágoras (343), a lista seguinte, acrescentando que eles teriam se reunido em Delfos para oferecer suas máximas como uma dádiva ao deus Apolo:
	1. Os textos poderiam pertencer à poesia sapiencial ou gnômica. A característica que nos permite fazer tal associação é a presença de máximas. Explique o que são as máximas (aqui você pode falar um pouco dos Sete Sábios) e mostre como elas funcionam, procurando tirar exemplos dos textos. Seria interessante contrastar os exemplos que você escolher com máximas de Menandro. Há algumas em nossa aula, mas você pode e deve pesquisar um pouco mais sobre elas na internet. Uma boa opção é apresentar a distinção entre o aspecto teórico e o prático das máximas, usando exemplos dos textos.
	2. A primeira coisa a fazer é explicar o que é uma teogonia e o que é um mito. Se você tiver algumadificuldade, volte às aulas passadas sobre mito e sobre Hesíodo. Procure mostrar que ambos são tentativas de explicar as realidades que nos cercam, o mundo, os fenômenos da natureza etc. A correlação que Aristóteles faz entre philómythos e philósophos é crucial. Não deixe de explorá-la. É importante você mostrar claramente que (e eventualmente como) a teogonia e o mito preparam o caminho para o surgimento da filosofia (e, assim, são como que seus pais). Outro aspecto importante: mostrar as semelhanças que há entre teogonia/mito, de um lado, e a filosofia, do outro (já que “a filha” tem características que herda dos “pais”).
	Pitágoras foi aquele que por primeiro usou o nome de Filosofia e se chamou de filósofo, quando conversava em Sicione com Leonte, tirano dos siciônios ou dos fliúncios, segundo diz Heráclides do Ponto [séc. IV a.C.] em sua obra A esvaecida: Com efeito, ninguém é sábio senão Deus. (Vita Philosophorum, I, 12,1-5)
	Sosícrates, em sua obra As sucessões, diz que ele [Pitágoras], tendo sido interrogado por Leonte, tirano dos fliúncios, sobre quem ele era, respondeu: “um filósofo [=amigo da sabedoria]”. [E dizia que ] a vida é semelhante a uma reunião de pessoas em uma competição. Com efeito, assim como a esta uns vêm para lutar, outros por causa do comércio, e outros ― os melhores ― como espectadores, assim na vida, disse ele, uns nascem escravos da glória e caçadores do ganho, outros, os filósofos, da verdade. (Vita Philosophorum, VIII, 8, 6-12)
	O fato explorado mais detalhadamente por Cícero, autor romano do séc. I a. C. em suas Tusculanae Disputationes (“Conversas em Túsculo”; Túsculo era uma cidade próxima a Roma, junto à moderna cidade de Frascati). Vejamos o trecho (Disp. Tusc., V, 7-9):
	Embora vejamos que ela [=a Filosofia] é uma coisa antiquíssima, todavia reconhecemos que seu nome é recente. Com efeito, quem pode negar que a sabedoria mesma é antiga não só em sua realidade, mas também em seu nome? Ela recebia, entre os antigos, este belíssimo nome por causa do conhecimento das coisas divinas e humanas, bem como do conhecimento dos inícios e das causas de cada coisa. Assim, também aqueles sete, que pelos gregos eram tidos e chamados de σοφοί [=sophoí], e por nós de sábios [=sapientes], e, muitos séculos antes, Licurgo, em cuja época se diz que viveu Homero, antes da fundação desta cidade [=Roma], assim como nos tempos heroicos Ulisses e Nestor, nós sabemos pela tradição tanto que foram sábios, quanto que foram tidos como tais. Certamente, não se contaria que Atlas sustenta o céu, nem que Prometeu está acorrentado ao Cáucaso, nem que Cefeu foi transformado em constelação juntamente com a esposa, o genro e a filha, se um conhecimento divino das realidades celestes não transpusesse seus nomes para o devaneio da narrativa mítica. Em seguida, todos os que, atraídos por eles, dedicavam-se à contemplação das coisas eram tidos e chamados de sábios [=sapientes], e essa sua designação [=de sábios] circulou até a época de Pitágoras. Dizem que este, como escreve um discípulo de Platão, Heráclides do Ponto, homem muitíssimo douto, foi a Fliunte e que discutiu alguns assuntos douta e eloquentemente com Leonte, soberano dos fliúncios. Leonte, tendo-se admirado com seu engenho e eloquência, perguntou-lhe que arte em especial ele professava. Ele, porém, respondeu que não conhecia nenhuma arte, mas que era um “filósofo”. Leonte, admirado com a novidade do termo, perguntou quem afinal eram os filósofos e que diferença havia entre eles e os demais homens. Pitágoras respondeu que, para ele, a vida dos homens parecia semelhante àquele espetáculo que ocorria com grande pompa de jogos, com a afluência de pessoas de toda a Grécia. Com efeito, como aí uns, com os corpos exercitados, buscavam a glória e a celebridade de uma coroa, outros eram levados pelo ganho da compra e da venda e pelo lucro, havia, porém, um certo tipo de homens ― e este é o mais nobre possível ― que não buscavam nem o aplauso nem o lucro, mas que aí tinha ido para assistir ao espetáculo e observar atentamente o que aconteceria e como, assim também nós, como uma multidão de pessoas que vão de uma cidade a um espetáculo, partindo de uma outra vida e de uma outra natureza chegamos a essa vida presente, uns para servir à glória, outros para servir ao dinheiro, havendo uns poucos que, julgando as demais coisas sem qualquer valor, contemplam atentamente a natureza. Estes se chamam de “dedicados à sabedoria” [=sapientiae studiosos], isto é, filósofos. E assim como lá [=no espetáculo] seria muitíssimo mais nobre assistir sem nada obter para si, assim, na vida, a contemplação e o conhecimento das coisas em muito ultrapassa todas as outras ocupações.
	O trecho de Cícero aponta-nos um fato interessante: a filosofia era chamada antes de sabedoria. A palavra “filosofia” é recente, mas sua realidade – a sabedoria – é antiquíssima. No entanto, ele não explica o porquê dessa mudança terminológica. A razão para a criação de um novo termo seria a humildade, como destaca Santo Agostinho (séc. IV e V d. C.), em um trecho de sua obra De Ciuitate Dei (“A cidade de Deus”, VIII, c. 2):
	Portanto, a humildade estaria na base da forjadura do termo filosofia. Chamar-se ou considerar-se sábio era por demais presunçoso e arrogante. A sabedoria digna de seu nome deve ser humilde. Essa explicação é-nos dada por Santo Tomás de Aquino, filósofo e teólogo do séc. XIII d. C., em um trecho de seus comentários à Metafísica de Aristóteles (In Met., I, l. 3, n. 5):
	Com efeito, visto que os antigos que se aplicavam ao estudo da sabedoria eram chamados de “sofistas”, isto é, sábios, Pitágoras, tendo sido interrogado sobre o que ele se declarava, não quis se chamar de sábio, como seus antecessores, porque isto parecia presunçoso, mas chamou-se de “filósofo”, isto é, amante da sabedoria. E a partir daí o nome de sábio mudou para filósofo e o nome de sabedoria, para filosofia.
	Esse nome também acrescenta algo ao tema proposto. Com efeito, parece um amante da sabedoria aquele que a busca por si mesma, e não em razão de outra coisa. Com efeito, quem busca algo em razão de outra coisa, ama aquilo em razão de que busca mais do que aquilo que busca.
	Figura 14.3 – O verdadeiro e o falso filósofo
	(autor: André Alonso)
	Uma primeira ocorrência nos vem de Cícero (séc. I a. C.), que, em sua obra De officiis (“Os deveres”, II, 5), diz o seguinte:
	Santo Isidoro de Sevilha (séc. VI e VII d. C.) compôs uma obra enciclopédica cujo título é Etimologias. Nela, o autor tenta recolher, para conservar e transmitir, os elementos da cultura clássica que estavam desaparecendo com a dissolução do Império Romano. A definição que ele nos dá de filosofia é (Etymologiae, II, c. 24):
	Alcuíno de York (séc. VIII e IX d. C.), colaborador do imperador Carlos Magno e por ele encarregado de promover as atividades da Escola Palatina, foi um dos artesãos do chamado renascimento carolíngio. Em sua obra De Dialectica (Patrologia Latina, vol. 101, 952A), ele nos dá uma definição de filosofia:
	Em uma outra obra sua, intitulada De Grammatica, (Patrologia Latina 101, 849C), temos outra definição, com novos elementos:
	Aristóteles, em sua já citada Metafísica (II, 993b 19-20), nos dá uma outra definição:
	Os outros elementos citados são, por assim dizer, uma derivação do papel primordial da filosofia como ciência de todas as coisas por suas causas primeiras e universais. O objeto da filosofia é universal: todas as coisas e suas causas primeiras e universais. O meio utilizado para conhecer o objeto é a razão humana. A filosofia é, portanto, racional, ela é uma ciência e, como tal, busca a verdade e, por isso, Aristóteles a chama de “ciência da verdade”. Seguindo as palavras de Alcuíno de York, poderíamos dizer que, ao conhecer a verdade sobre todas as coisas, a filosofia naturalmente convida o filósofo a viver em consonância com essa verdade. Ela é, assim, um caminho para a excelência de vida, ela abre as vias para que o filósofo viva uma vida condizente com a verdade. A excelência de vidasó é alcançada pelo esforço de bem viver, isto é, viver de acordo com a verdade. O conhecimento profundo das realidades da vida faz o filósofo compreender a fragilidade e a fugacidade da mesma e o coloca diante de um fato inexorável: a morte. O amante da sabedoria vê-se, então, diante de um fato assustador e põe-se a meditar sobre a morte e seu sentido. Ao compreender a precariedade da vida e a realidade da morte, o filósofo, finalmente, despreza o mundo, pois sabe que ele é transitório, que ele não é permanente, que a morte o torna algo de pouca importância: não poderemos, ao morrer, levar conosco o mundo. O filósofo pode, assim, viver uma vida que é plena de liberdade, pois ele conhece a verdade e, como diz o Cristo, no Evangelho segundo São João (8, 32), “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Se a filosofia é a ciência da verdade e se a verdade nos libertará, então, podemos concluir que a filosofia é a liberdade. E é exatamente isso que faz Sêneca, dramaturgo e filósofo no primeiro século de nossa era, ao citar, em uma de suas cartas (Epistulae ad Lucilium, I, 8, 7), o filósofo grego Epicuro (séc. IV e III a. C.):
	Figura 14.4 – Diferentes noções ligadas ao conceito de filosofia
	(autor: André Alonso)
	Atividade final
	REFERÊNCIAS
	PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Hélade: Antologia da Cultura Grega. 7a edição. Coimbra: Imprensa de Coimbra, 1998.
	VERNANT, J.-P. Œuvres. Vols. I et II. Paris: Les Éditions du Seuil, 2007.

Outros materiais