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Os Cegos - Maeterlinck

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OS 
CEGOS 
Texto de Maurice Maeterlinck 
 
 
PERSONAGENS 
 
CEGO DE NASCENÇA 
CEGO MAIS VELHO 
CEGA MAIS VELHA 
CEGA DEMENTE 
CEGA LINDA 
O BISPO 
 
 
DE NASCENÇA – Ele ainda não voltou? 
MAIS VELHO – Vocês me acordaram! 
DE NASCENÇA – Ele ainda não voltou? 
MAIS VELHO – Eu não ouço nada vir. 
DE NASCENÇA – Está na hora de voltarmos ao hospício. Ficou 
frio desde que ele saiu. 
MAIS VELHO – Alguém sabe onde nós estamos? 
MAIS VELHA – Nós caminhamos por muito tempo. Devemos 
estar distantes do hospício. 
DE NASCENÇA – As mulheres estão perto de nós? 
MAIS VELHA – Sim, nós estamos perto de vocês. 
DE NASCENÇA – Esperem: eu vou até vocês. Onde vocês 
estão? Falem! Vamos: falem para eu saber onde vocês estão! 
MAIS VELHA – Aqui. Nós estamos sentadas sobre folhas 
secas. 
DE NASCENÇA – Esperem! Esperem: que eu estou indo até 
vocês. Há algo entre nós! Há algo entre nós! 
MAIS VELHO – É melhor ficar no seu lugar! Onde vocês estão 
sentadas? Vocês querem vir até nós? 
MAIS VELHA – Nós não ousamos nem levantar! 
DE NASCENÇA – Por que ele nos separou? Do lado das 
mulheres eu ouço reza... 
MAIS VELHO – Sim, elas estão rezando. 
DE NASCENÇA – Parem, parem! Agora não é momento para 
rezar! Parem! Logo vocês poderão rezar no dormitório! (Elas 
continuam a rezar.) Eu gostaria de saber do lado de quem, 
estou. 
MAIS VELHO – Eu acho que estou do lado de você. (Todos 
tateiam à sua volta.) Nós não podemos nos tocar. 
DE NASCENÇA – E assim mesmo não estamos longe um do 
outro. Agora eu começo a entender. Eu preciso saber, eu quero 
saber! Eu devo perguntar às mulheres em que ater-me. Eu as 
ouço sempre: elas continuam a rezar. Elas estão sempre juntas? 
MAIS VELHA – Sim! Nós estamos sentadas sobre folhas secas. 
DE NASCENÇA – E a cega linda, onde ela está? 
MAIS VELHA – Ela está rezando. 
DE NASCENÇA – Onde está a demente com a criança? 
MAIS VELHA – A criança está dormindo, por favor, não a 
acordem! 
DE NASCENÇA – A que distância vocês estão de mim? Eu 
pensei que vocês estivessem à minha frente! 
MAIS VELHO – Nós sabemos agora – mais ou menos -, o que 
nós precisamos saber. Vamos conversar um pouco, até o Bispo 
voltar. 
MAIS VELHA – Não! Ele pediu que ficássemos em silêncio, e 
que esperássemos por ele... 
DE NASCENÇA – Mas nós não estamos na igreja! 
MAIS VELHA – Vocês não sabem onde nós estamos! 
MAIS VELHO – Vocês receiam quando eu não falo. 
DE NASCENÇA – Vocês sabem para onde o Bispo foi? 
MAIS VELHO – A mim parece que ele está nos deixando muito 
sozinhos. 
DE NASCENÇA – Ele está ficando muito velho, e, ultimamente, 
ele não está enxergando mais. Ele não quer admitir isso, mas 
ele receia que outro possa assumir o seu lugar e ficar conosco, 
e eu desconfio que ele esteja enxergando muito pouco. Nós 
precisaríamos ter outro condutor, pois ele não nos dá mais a 
atenção merecida, e nós somos um grupo grande. E, além 
disso, as três freiras e ele são os únicos que ainda podem ver 
na casa, e mesmo assim, são muito mais velhos do que nós. 
Mas, para onde ele foi? Eu tenho certeza de que ele nos 
conduziu pelo caminho errado, e está tentando achar o caminho 
de volta. Ele não tem o direito de nos deixar aqui... 
MAIS VELHO – Ele foi muito longe. Acho que ele disse isso às 
mulheres. 
DE NASCENÇA – As mulheres! Agora ele só fala com as 
mulheres? Por acaso nós não estamos aqui? Está na hora de 
nos queixarmos! 
MAIS VELHO – E para quem quer queixar-se? 
DE NASCENÇA – Eu ainda não sei! Isso eu ainda não sei! Mas 
isso não importa agora: o que nós precisamos é saber para 
onde o Bispo foi. Vou perguntar às mulheres... 
MAIS VELHA – Ele estava cansado do longo caminho. Eu acho 
que ele sentou-se, por um momento, por entre nós. Já faz dias 
que ele está muito triste e fraco. Ele receia, desde que o médico 
faleceu. Ele está muito sozinho e não fala mais. Eu não sei o 
que aconteceu, mas hoje ele quis sair ao ar livre. Ele disse que 
queria ver a ilha mais uma vez, ainda com sol, antes da chegada 
do inverno. Parece que o inverno, este ano, vai ser muito longo 
e rigoroso, e que do norte já está vindo o gelo. Ele estava muito 
cansado. Ele disse que o rio tem subido muito desde os últimos 
temporais, e que todos os diques já estão sapados. Ele disse, 
também, que o mar o deixa inquieto: parece que ele tem subido 
muito, sem motivo, e que os recifes da praia da ilha não são 
mais altos o suficiente. Ele saiu para verificar, mas não nos 
contou o que viu. Agora, ele foi – creio eu – buscar pão e água 
para a Demente. Ele disse que, talvez, tivesse que ir muito 
longe. Nós devemos esperar, esperar, esperar... 
LINDA – Antes de ele partir, ele pegou minha mão, e sua mão 
tremia muito, como que de medo. Daí então, ele me beijou... 
DE NASCENÇA – Ah!... 
LINDA – Eu lhe perguntei o que houve, mas ele disse que não 
sabia. Ele disse que o poder do Velho talvez estivesse no fim... 
DE NASCENÇA – Mas o que ele quis dizer com isso? 
LINDA – Eu não entendi, mas ele disse que ia até o farol. 
DE NASCENÇA – Mas há um farol, aqui? 
LINDA – Sim, ao norte da ilha. E eu acho que nós não estamos 
longe dele. Ele disse que via o brilho do fogo do farol até aqui, 
através das folhas. Ele nunca me pareceu tão triste como hoje, e 
eu acho que ele chorou há dias. Eu não sei por que, mas eu 
também chorei, mesmo sem vê-lo. Eu não o vi sair, eu não 
continuei interrogando-o. Eu senti como ele sorriu – melancólico 
-, e senti quando ele fechou os olhos e queria silenciar... 
DE NASCENÇA – Mas diante de tudo isso, ele não nos disse 
nada! 
LINDA – Eu nuca presto atenção quando ele fala. 
MAIS VELHA – Vocês todos resmungam quando ele fala. 
DE NASCENÇA – Ele não disse nada mais do que ‘Boa noite’, 
quando foi. 
MAIS VELHO – Já deve ser bastante tarde. 
DE NASCENÇA – Ao partir ele disse duas ou três vezes ‘Boa 
noite’, como se fosse dormir. Eu senti quando ele me olhou e 
disse: “boa noite, boa noite!” A voz soa sempre diferente quando 
a gente olha forte para alguém. 
MAIS VELHO – Calem-se! Agora não é hora para mendigar! 
DE NASCENÇA – Onde ele queria buscar pão e água para a 
Demente? 
MAIS VELHA – Ele disse que ia em direção ao mar. 
DE NASCENÇA – Em direção ao mar? Mas na sua idade, não 
se vai mais, sozinho, ao mar... Nós estamos próximos do mar? 
MAIS VELHA – Sim. Fique quieto, por um momento, e então 
poderá ouvir. (Barulho do mar, suavemente, próximo aos 
recifes.). 
DE NASCENÇA – Eu só ouço a reza. 
MAIS VELHA – Ouçam bem: por entre a reza, a gente pode 
ouvi-lo. 
DE NASCENÇA – Sim, agora eu posso ouvir algo, não distante 
de nós. 
MAIS VELHO – Ele havia adormecido: a gente pode dizer, que 
agora, o mar esta acordando. 
DE NASCENÇA – Não foi certo da parte dele, conduzir-nos até 
aqui. Eu não gosto deste murmúrio. 
MAIS VELHO – Vocês sabem que a ilha não é grande. Recém 
deixamos os muros do hospital. 
DE NASCENÇA – Hoje ele parece estar bem próximo de nós. 
Eu não gosto de ouvi-lo tão perto. 
MAIS VELHO – Eu também não. E, além disso, nós também 
não pedimos para ele sair conosco. 
DE NASCENÇA – Nós nunca viemos até aqui: não era 
necessário nos conduzir tão longe. 
MAIS VELHA – Hoje pela manhã estava muito bonito. Ele quer 
nos deixar curtir os últimos dias de sol, antes que o inverno nos 
tranque dentro de casa. 
MAIS VELHO – Mas eu prefiro ficar no hospício! 
MAIS VELHA – Ele disse, também, que nós devemos conhecer 
um pouco da ilha onde nós vivemos. Nem ele mesmo conseguiu 
andar por toda ela: há montanhas, nas quais ninguém subiu 
ainda; vales, nos quais ninguém gosta de descer, e cavernas, 
nas quais ninguém entrou atéagora. Ele disse, por fim, que nós 
não deveríamos, sempre, esperar o dia sob o teto dos nossos 
dormitórios. Ele quis nos conduzir até o mar. Agora, ele foi 
sozinho. 
MAIS VELHO – Ele tem razão. Primeiro, a gente precisa pensar 
em si. 
DE NASCENÇA – Mas aqui não há nada para se ver. O sol 
ainda está brilhando? 
MAIS VELHO – Eu acho que não: parece que é bastante tarde. 
DE NASCENÇA – Que horas são? 
TODOS – Eu não sei. Ninguém sabe. 
DE NASCENÇA – Será que ainda está claro? Eu sei que é 
tarde, quando estou com fome, e eu estou. Olhem para o céu, 
quem sabe vocês vêm algo? 
MAIS VELHO – Eu não sei se nós estamos sob o céu, ao ar 
livre. 
DE NASCENÇA – A voz soa como em uma caverna. 
MAIS VELHO – Eu acho que ela soa porque é noite. 
LINDA – A mim parece como se a luz da lua estivesse sobre 
minhas mãos. 
MAIS VELHA – Eu acho que as estrelas brilham. Eu as ouço. 
LINDA – Eu, da mesma forma. 
DE NASCENÇA – Eu não ouço som nenhum. 
MAIS VELHO – Eu acho que as mulheres têm razão. 
DE NASCENÇA – Eu nunca ouvi as estrelas. Escutem! 
Escutem! O que é isto acima de nós? Vocês estão ouvindo? 
MAIS VELHO – Passou algo entre nós e o céu. 
DE NASCENÇA – Eu não conheço esse barulho. Eu gostaria de 
poder voltar ao hospício! 
LINDA – Se pelo menos nós soubéssemos onde estamos. 
DE NASCENÇA – Sim, se nós soubéssemos onde nós 
estamos! 
MAIS VELHO – Mas como podemos saber? 
DE NASCENÇA – Nós devemos estar muito longe de casa... 
Alguém que viu a ilha, antigamente, pode nos dizer onde 
estamos? 
MAIS VELHO – Nós estávamos todos cegos quando chegamos 
aqui! 
DE NASCENÇA – Eu nunca enxerguei. Nós não queremos mais 
nos irritar, desnecessariamente: ele há de retornar logo. 
Esperamos mais um pouco, mas no futuro, não vamos mais sair 
com ele. 
MAIS VELHO – Mas nós não podemos sair sozinhos! 
DE NASCENÇA – Nós nem vamos mais sair. Eu prefiro não sair 
mais. 
MAIS VELHO – Era dia de festa na ilha. Nas festas grandes, 
nós sempre saímos. 
DE NASCENÇA – Quando eu dormia, ele veio e me tocou no 
ombro e disse: “levantem! Levantem! Está na hora! O sol brilha!” 
O sol brilhava mesmo? Eu não notei nada. Eu nunca vi o sol. 
MAIS VELHO – Eu vi o sol quando era bem pequeno. 
MAIS VELHA – Eu também: faz muitos anos. Eu ainda era 
pequena. Mal posso me lembrar. 
DE NASCENÇA – Por que haveríamos de sair, toda a vez que o 
sol brilha? Quem tem algo com isso? 
MAIS VELHO – Quando eu saio, eu nunca sei se é meio-dia ou 
meia-noite. Eu prefiro sair ao meio-dia: eu me imagino, então, a 
grande claridade, e meus olhos tentam – então -, com toda a 
força, se abrir. 
DE NASCENÇA – Eu proponho ficar na frente da fogueira do 
refeitório. Hoje de manhã estava em chamas! Ele poderia 
também ter nos conduzido ao sol do pátio! Lá, a gente está 
cercada por muros e grades. Não temos o que temer. Por que 
você tocou no meu cotovelo? Hein, velha, por que você tocou 
em meu cotovelo? 
MAIS VELHA – Eu não lhe toquei! 
DE NASCENÇA – Estou lhe dizendo: alguém tocou em meu 
cotovelo! 
MAIS VELHO – Não foi ninguém de nós. 
LINDA – Eu só gostaria de poder sair! 
MAIS VELHA – Meu Deus, meu Deus! Diga-nos onde nós 
estamos! 
DE NASCENÇA – Nós não podemos esperar a eternidade aqui! 
(Um relógio, bem distante, toca, lentamente, doze horas.). 
MAIS VELHA – A que distância nós estamos do hospício? 
MAIS VELHO – É meia-noite! 
DE NASCENÇA – É meio-dia! Alguém sabe? Falem! (Pausa.) 
Eu não reconheço mais nada. Nós dormimos muito tempo. 
TODOS – Nós temos fome e sede! 
DE NASCENÇA – Já estamos há quanto tempo aqui? 
MAIS VELHA – A mim parece como se estivéssemos a uma 
eternidade aqui! 
MAIS VELHO – Eu começo a entender onde nós estamos... 
DE NASCENÇA – A gente precisa ir em direção de onde veio o 
badalar da meia-noite... Vocês estão ouvindo? Vocês estão 
ouvindo? 
LINDA – Nós não estamos sozinhos aqui? 
DE NASCENÇA – Faz tempo que tenho essa impressão. A 
gente está sendo ouvido. Ele já voltou? 
MAIS VELHO – Eu não sei o que é isso: é algo que está acima 
de nós. 
LINDA – Eu ouço bater as asas à minha volta! 
MAIS VELHA – Meu Deus, meu Deus, diga-nos onde estamos! 
LINDA – O que está acontecendo? Eu tenho medo. O Bispo 
prometeu que ia me curar. Ele me disse que eu poderia 
enxergar novamente, e então eu poderia deixar a ilha... 
DE NASCENÇA – Nós todos gostaríamos de ir embora da ilha, 
mas iremos ficar para sempre aqui. Ele está muito velho e não 
terá mais tempo para nos curar! 
LINDA – Mas eu sinto que meus olhos vivem! 
MAIS VELHO – Numa noite, durante a reza, eu ouvi uma voz, 
que eu ainda não conhecia, ao lado das mulheres, que eu ainda 
não conhecia, e eu vi em sua voz que você era jovem... e 
quando eu lhe ouvi, tive a vontade de vê-la. Foi-me dito que 
você era jovem e que vinha de muito longe. Ninguém de nós viu 
um ao outro! Nós nos perguntamos e nos respondemos, nós 
vivemos juntos, nós estamos sempre juntos, e mesmo assim, 
nós não sabemos quem somos! E mesmo que nós nos 
toquemos com as duas mãos, os olhos sabem muito mais do 
que as mãos... 
DE NASCENÇA – Nós nunca vimos a casa em que vivemos. E 
mesmo que toquemos as janelas e paredes, nós nunca 
sabemos onde moramos! 
MAIS VELHA – Dizem ser um castelo antigo, muito sombrio e 
pobre. 
MAIS VELHO – Anos e anos estamos juntos e nunca nos vimos. 
Dá para dizer que estamos sempre sozinhos... A gente precisa 
ver para amar. 
MAIS VELHA – Eu sonho, às vezes, estar enxergando... 
MAIS VELHO – Eu vejo só em sonho! 
LINDA – Eu vi o sol, a água e o fogo. Eu vi montanhas e o 
semblante das pessoas e flores raras... as quais não existem 
aqui na ilha. É muito sombrio e frio, aqui. Desde que eu não 
enxergo mais, eu não reconheço mais o seu perfume... Eu vi 
meus pais e minha irmã, eu era muito jovem para saber onde 
estava... Eu também brincava na praia. Como eu me recordo de 
ter podido enxergar! Um dia, eu estava no pico de uma 
montanha, e vi a neve... então eu comecei a reconhecer aqueles 
que ficam infelizes... 
DE NASCENÇA – Quem tocou em minhas mãos? 
MAIS VELHO – Algo está à nossa volta. 
DE NASCENÇA – Eu quero saber quem tocou em minhas 
mãos. 
MAIS VELHO – Nós não sabemos. 
DE NASCENÇA – Eu estou cansado de estar aqui. Está 
começando a esfriar. 
MAIS VELHA – Nós temos medo, minha filha, medo! 
MAIS VELHO – De repente, eu ouvi alguém chorar entre nós... 
DE NASCENÇA – Eu acho que é a Demente! 
MAIS VELHO – Há outra coisa: estou certo de que há outra 
coisa, por isso tenho medo! 
LINDA – Há perfume de flores em nossa volta. 
DE NASCENÇA – Só sinto cheiro de terra! 
LINDA – Há flores, há flores! A mim parece que já vi essas 
flores um dia. Eu não sei como é o nome delas, eu não sei como 
elas se chamam, mas como elas estão doentes, e que macios 
são seus ramos! Eu quase não as reconheço mais, mas eu 
acho, eu acho que essa é a flor dos mortos! 
DE NASCENÇA – Está levantando uma tempestade! 
MAIS VELHA – Deve ser o mar! 
DE NASCENÇA – Isso é o mar! Mas então, ele está a dois 
passos de nós? Ele está bem perto de nós, eu o ouço ao redor! 
Deve ser outra coisa! 
LINDA – Eu ouço o rumor das ondas vindo a meus pés! 
DE NASCENÇA – Ele logo terá nos alcançado! 
MAIS VELHO – Não vamos mais pensar no mar! 
DE NASCENÇA – Mas nós precisamos pensar nele, pois logo 
ele terá nos alcançado! Eu ouço suas ondas como se eu 
pudesse pôr as minhas mãos dentro delas! Não podemos ficar 
aqui por muito tempo, talvez já estejamos isolados! 
MAIS VELHO – Para onde vocês querem ir? 
DE NASCENÇA – É indiferente para onde! Eu não consigo mais 
suportar o rumor das águas. Vamos embora daqui! O Bispo já 
deveriater voltado! 
MAIS VELHA – Já faz muito tempo que ele se foi. Já deve estar 
voltando. 
DE NASCENÇA – Está muito frio e a fome corrói junto a ele. 
LINDA – Todos nós temos fome! 
MAIS VELHA – Eu tenho tanta fome que já estou fraca! 
DE NASCENÇA – Nós precisamos voltar ao hospício. Não 
podemos passar a eternidade aqui. 
MAIS VELHA – Já disse que não podemos ir sozinhos. Temos 
de esperar! 
DE NASCENÇA – Encontrei algo! 
LINDA – O que você encontrou? 
DE NASCENÇA – É uma pessoa e está morta! 
MAIS VELHO – Onde está a Demente com a criança? 
MAIS VELHA – Eu ouço os sussurros da Demente! 
DE NASCENÇA – É ele! Eu sei que é ele! Eu o reconheço. 
LINDA – Ele quem? 
DE NASCENÇA – O Bispo! E está morto, morto! Vamos, vamos 
fugir. Não podemos ficar eternamente aqui! 
MAIS VELHO – Não. Não podemos ir sozinhos! 
MAIS VELHA – Ajoelhem-se: vamos rezar! 
DE NASCENÇA – Eu não rezo. Eu não rezo para ninguém! 
LINDA – Eu ouço passos à distância... Eu ouço passos! 
MAIS VELHA – Alguém está vindo em nossa direção! 
LINDA – Escutem os passos! 
MAIS VELHA – Junto de Deus, só um momento de silêncio! 
LINDA – A criança enxerga, por isso ela chora! 
MAIS VELHA – Eles estão aqui, estão no meio de nós! Tenha 
piedade de nós! 
LINDA – Quem é você? (A criança chora desesperada.). 
 
 
 
FIM

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