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1 Filosofia kantiana Kant divide os julgamentos1 em analíticos e sintéticos. Nos primeiros, o predicado já está contido no sujeito. Por exemplo, quando afirmamos que os corpos (sujeito) são extensos (predicado) – a corporeidade não podendo prescindir da extensão para ser conceituada. Já os juízos sintéticos, vinculam os atributos do predicado (como a idéia de movimento) à dimensão do sujeito (existência dos corpos). Mas, se como supunham Leibniz e Hume, por diferentes motivos, que os juízos analíticos são todos a priori e os sintéticos a posteriori, chegaríamos, conforme salienta Kant, ou a uma metafísica dogmática racionalista, no primeiro caso, ou a um conhecimento puramente empirista, no segundo. Era preciso ir mais além: o conhecimento real fundar-se-ia na construção de juízos sintéticos a priori, ou seja, julgamentos capazes de dizer algo sobre o mundo real, possuindo, no entanto, uma característica universal e necessária. Este é o tema da crítica da razão pura, ao qual o seu sistema tende. A primeira parte da Crítica da Razão Pura abrange a doutrina transcendental dos elementos, sendo dividida em estética e em lógica transcendentais e tornando-se essencial para compreender-se a questão kantiana do conhecimento, pois se investiga ali a existência de juízos sintéticos a priori para a metafísica. A lógica transcendental subdivide-se em analítica e dialética transcendentais. O termo transcendental, nesse quadro, referir-se-ia ao modo de conhecer objetos, e em que medida esse conhecimento é possível a priori. Transforma-se, assim, em um modo de ver, denominando, também, uma referência que não se limita nem aos objetos existentes, nem ao sujeito cognoscente, mas uma relação entre ambos, em que o sujeito constitui um conhecimento vinculado à realidade dos objetos, acrescido de referências racionais que são anteriores – transcendentalmente – à experiência. A filosofia transcendental torna-se, então, uma reflexão crítica, mediante a qual os dados concretos se transformam em objetos de conhecimento, por meio de uma síntese transcendental entre dados racionais e fenomenais. Nessa primeira parte da Crítica, investiga-se, ainda, como na matemática encontram-se juízos sintéticos a priori; para esta demonstração, Kant considera a existência de duas formas básicas da sensibilidade: o espaço e o tempo. O primeiro é visto como uma representação necessária, anterior à experiência, que serve de fundamento a todas as intuições externas, como afirma no seguinte trecho: 1 Juízos entendidos como afirmações ou negações de predicados atribuídos a algo ou alguém (sujeitos). 2 O espaço não é um conceito empírico abstraído de experiências externas. Pois a representação de espaço já tem que estar subjacente para certas sensações se referirem a algo fora de mim (isto é, a algo num lugar do espaço diverso daquele em que me encontro), e, igualmente, para que possa representá-las como fora de mim e uma ao lado da outra e (...) não, simplesmente, como diferentes, mas como situadas em lugares diversos. Logo, a representação do espaço não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência, de relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa é primeiramente possível apenas através desta representação (KANT:72). Por espaço, assim, não entenderíamos algo objetivo nem real, ou seja, o que é empírico/concreto que provém do mundo externo à razão. Reconhecer a existência de um objeto implicaria antes uma indicação presente na mente de que este mesmo objeto está num lugar diferente daquele em que o sujeito humano se encontra. Isto explica o sentido subjetivo e ideal atribuído à dimensão espacial na Dissertação inaugural de 1770, com a qual Kant obteve o título de professor ordinário, intitulada De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis. Em síntese, o espaço seria “um esquema que surge por uma lei constante deduzida da natureza do espírito, para a coordenação de todos os sentidos externos” (FERRATER MORA:1971a, 564). E é da noção de esquema que entendemos a capacidade própria – pura – do entendimento de constituir conceitos (categorias) aplicáveis à experiência. Tratar- se-ia de um elemento mediador, tanto intelectual quanto sensível. O esquema seria sempre um produto da imaginação, constituindo-se, em acréscimo, através de imagens que indicam a existência de noções concernentes às coisas sensíveis, por exemplo, o esquema da substância, compreendido como permanência do real no tempo. Exatamente, o sentido deste esquematismo esclareceria a questão kantiana do tempo, este não sendo (...) um conceito empírico abstraído de qualquer experiência. Com efeito, a simultaneidade, ou a sucessão, nem sequer apresentar- se-ia à percepção se a sua representação não estivesse subjacente a priori. Somente pressupondo-a, pode-se representar que algo esteja num e mesmo tempo (simultâneo), ou em tempos diferentes (sucessivo) (KANT:78). Entendido sob uma determinação transcendental, o tempo, como condição formal de representações ao sujeito, torna-se uma referência formulada pela razão, abrangendo, assim, o que nele é racional (categórico ou a priori), universal (já que 3 se estende a todas as coisas existentes na natureza) e fenomenal (pois, o que é simultâneo e sucessivo ocorre necessariamente em lugares determinados). A lógica transcendental, tomando corpo na segunda parte da Crítica da Razão Pura, diz respeito à utilização do entendimento. No quadro dessa reflexão, os fenômenos não seriam conhecidos nem mediante um pensar puro ou especulativo, tampouco através de intuições (que podem estar remetidas aleatoriamente a quaisquer objetos): apenas pela conjunção do pensamento com a intuição é que chegaríamos ao conhecimento efetivo real, isto é, universal e necessário. Este, justamente, regeria o sentido transcendental-lógico da razão: substituindo as formas puras e lógicas do entendimento (abstratas), por enunciados que conjugam o que existe e é concreto com o que se conceitua universalmente pela razão – modo de unir o dado com o pensado. Para alcançar esta meta, os elementos categóricos ou nocionais que formam o pensar devem ser deduzidos transcendentalmente. Sob essa perspectiva, Kant propõe-se a investigar quais são as condições a priori por meio das quais o conhecimento da experiência ocorre. Descobre, assim, as seguintes sínteses capazes de ligar a diversidade dos objetos existentes na unidade própria dos conceitos: (a) síntese da apreensão na intuição; (b) síntese da reprodução na imaginação; (c) síntese do reconhecimento em um conceito. São elas que promovem o que Kant denomina de “revolução copernicana” (FERRATER MORA:1971b, 1046), por meio da qual o sujeito apreende, reproduz e reconhece objetos, entendidos como coisas-em-si ou noumenos, sob a forma de fenômenos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. FERRATER MORA, José. Diccionario de Filosofia, tomo I. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1971. 1072 p. 2. FERRATER MORA, José. Diccionario de Filosofia, tomo II. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1971. 1005 p. 3. KANT, I. Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft). Berlin: Insel Verlag, 1998.
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