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34 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento PLANTAS TRANSGÊNICAS - POR QUÊ? Ao abrir qualquer revista, seja de moda ou científica, a inocente ovelha Dolly nos cumprimenta! Fruto do desen- volvimento científico e tecnológico, Dolly é hoje o símbolo máximo da capacidade do homem de recriar a natureza. E esta capacidade se estende ao mundo vege- tal. Os conhecimentos básicos - deriva- dos da genética, da biologia molecular e da biologia celular moderna - que permi- tiram a criação da Dolly podem e são utilizados na pesquisa agrícola moderna para melhorar espécies de plantas essen- ciais para a alimentação humana e ani- mal. Desde o início da agricultura, ou seja, desde que os seres humanos aban- donaram a vida nômade e resolveram viver em aldeias e cidades, os objetivos dos agricultores são: 1. aumentar a produtividade de de- terminadas culturas pela seleção de va- riedades que apresentem: resistência a doenças e pragas; resistência a encharcamentos e à seca; maior resposta ou independência a fertilizantes; tolerância a condições ambientais hostis, como solos ácidos e/ou salgados etc. 2. aumentar o valor de culturas de interesse socioeconômico, selecionan- do características como: maior conteúdo de óleo; maior valor nutritivo; maior facilidade de colheita e arma- zenagem; independência da proteção por pro- dutos químicos. Até poucos anos atrás, a única ma- neira de alcançar estes objetivos era através dos métodos clássicos de cruza- mento, ou seja, da genética mendeliana. No entanto, estas estratégias levaram o rendimento das culturas a uma situação estacionária, que não foi solucionada pelos métodos convencionais. Além dis- so, estes métodos não permitem ultra- passar as barreiras naturais de cruza- mentos, e até que uma variedade com características novas possa ser lançada no mercado, 5 a 15 anos se passam. Outra desvantagem do melhoramento clássico é o fato de que, além das qua- lidades desejadas, qualidades indesejá- veis são transferidas porque, invariavel- mente, o melhorista é forçado a trabalhar com a informação genética inteira dos pais. Os métodos da biotecnologia per- mitem não somente reduzir o tempo da obtenção de variedades com novas ca- racterísticas, mas também transmitir pro- priedades de espécies que, normalmen- te, são sexualmente incompatíveis. Em outras palavras, as barreiras naturais entre as espécies podem ser superadas, o que oferece um enriquecimento de varieda- des realmente novas em forma de plan- tas transgênicas. Além disso, é possível, com os métodos da biologia molecular moderna, isolar e manipular genes espe- cíficos, o que não acontece no melhora- mento clássico, onde o melhorista é obrigado a trabalhar com genomas intei- ros. PLANTAS TRANSGÊNICAS - COMO? As primeiras plantas transgênicas foram desenvolvidas em 1983 quando um gene codificante para a resistência contra o antibiótico canamicina foi in- troduzido em plantas de fumo. Nesta frase, tudo o que é essencial para com- preender o que é uma planta transgênica e como ela pode ser obtida está incluído. Assim, é necessário: - um gene de interesse; - uma técnica para transformar cé- lulas vegetais através da introdução do gene de interesse nestas; e - uma técnica para regenerar, a partir de uma só célula transformada, uma planta inteira. Eugen S.Gander e Lucilia H. Marcellino Laboratório de Biologia Molecular EMBRAPA-CENARGEN S.A.I.N Parque Rural 70770-900 Brasília-DF Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 35 Após esta última etapa, temos uma planta transgênica porque ela contém, além dos genes naturais, um gene adici- onal proveniente de um outro organis- mo, que pode ser uma planta, uma bactéria ou até um animal. Os genes de interesse O genoma de uma bactéria contém aproximadamente 5.000 genes, o de plan- tas tem em torno de 40.000 a 60.000, enquanto que o genoma de seres huma- nos consiste na faixa de 100.000 genes. Independente do organismo e de sua complexidade, os genes são segmentos de um mesmo tipo de molécula: o ácido desoxirribonucléico (DNA). Esta carac- terística é que permite que genes de um organismo sejam potencialmente funci- onais em outro. Mas como isolar um gene de interesse dentro da totalidade do genoma de qualquer organismo? A apre- sentação dos pormenores específicos das técnicas de DNA recombinante não é o objetivo deste artigo, mas gostaría- mos de apresentar, resumidamente, as ferramentas necessárias. Uma das possibilidades para isola- mento de um gene é a construção de uma “biblioteca genômica”. Para tal, o DNA do organismo contendo o gene de interesse é extraído. Em seguida, este DNA é cortado em fragmentos menores utilizando as enzimas de restrição - que são como tesouras moleculares. Estes fragmentos são, então, ligados a outros fragmentos de DNA, mas que podem se replicar em bactérias. Este material é inserido na bactéria e aí replicado várias vezes. A partir daí, é só selecionar a colônia de bactérias que contém o frag- mento de DNA correspondente ao gene de interesse. Desta maneira, uma quan- t idade impress ionante de genes bacterianos, de plantas, animais e huma- nos já foi isolada e está à disposição da comunidade científica. Diversos genes de interesse agronô- mico já foram isolados. Podemos citar alguns que já estão disponíveis e seu potencial de uso no melhoramento de plantas: Gene que codifica para uma prote- ína de alto valor nutricional, presente na castanha-do-pará. Este gene poderia ser usado para aumentar o valor nutricional de algumas culturas importantes, como, por exemplo, o feijão, soja, ervilha etc. Genes que codificam para proteí- nas capazes de modificar herbicidas, inativando-os. Herbicidas são muito usa- dos para o controle de ervas daninhas em algumas culturas. Entretanto, algu- mas plantas não sobrevivem à aplicação deste produto. Deste modo, culturas contendo este gene poderiam se tornar resistentes ao herbicida, facilitando as- sim o controle das ervas. Genes bacterianos que codificam para proteínas com propriedades tóxicas para insetos. Insetos que se alimentas- sem de plantas expressando este gene morreriam ou se desenvolveriam com menor eficiência, levando ao seu con- trole na cultura. Nestes exemplos, trata-se de carac- terísticas monogênicas, onde o fenótipo é determinado pela expressão de um único gene. Mas é necessário salientar que, muitas vezes, certas características importantes são definidas por vários genes - a resistência à seca, salinidade ou acidez do solo são alguns exemplos deste tipo de característica. Todas elas são, provavelmente, o produto de ações coordenadas em tempo e em espaço de baterias de genes, e devido a esta com- plexidade, a identificação de todos os componentes genéticos para este tipo de característica ainda está no início, em laboratórios no mundo inteiro. A transferência dos genes de interesse O isolamento de genes é, hoje, uma técnica dominada pela ciência. A etapa seguinte para a obtenção de plantas transgênicas é a inserção do gene isola- do em células vegetais. Algumas estraté- gias para alcançar esse objetivo já foram desenvolvidas. Vejamos as mais impor- tantes: Agrobactéria Há bactérias do solo, do gênero Agrobacterium, que se associam a plan- tas dicotiledôneas, causando-lhes tumo- As plantas in vitro são colocadas nas câmaras de cultura de tecidos do Cenargen, que possuem as condições ideais de temperatura e umidade necessárias ao seu crescimento. 36 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento res. Durante a infecção, a bactéria é capaz de inserir seus próprios genes no genoma da planta. Estudos demonstra- ram que estes genes estão codificados no DNA de grandes plasmídeos de Agrobacterium, os plasmídeos Ti (= Tu- mor inducing = indutores de tumores), em um segmento de DNA denominadode T-DNA (Transferred DNA = DNA trans- ferido). O T-DNA, carregando os genes bacterianos, integra-se ao genoma da planta, que passa a expressar estes genes. Esta expressão resulta na síntese de auxinas e citocininas, que levam à for- mação de tumores em plantas, e aminoácidos modificados (opinas), subs- tâncias necessárias para a sobrevivência da bactéria. Em outras palavras: através desta estratégia, a agrobactéria transfere alguns de seus genes para a planta, com os seus plasmídeos Ti, que representam vetores naturais de transferência de ma- terial genético para plantas. Para aproveitar-se destas proprie- dades naturais para a transferência de genes de interesse em plantas, é neces- sário eliminar as características indesejá- veis do T-DNA, mantendo a sua capaci- dade de integrar-se ao genoma da planta hospedeira. Em outras palavras, os genes responsáveis pela formação de tumores devem ser eliminados e, no lugar deles, devem ser inseridos os genes de interes- se. Com as “tesouras moleculares”, as chamadas enzimas de restrição, é possí- vel executar a substituição destes genes sem interferir nas propriedades que per- mitem a integração do T-DNA ao DNA da célula hospedeira. Assim, qualquer gene pode ser introduzido em uma célula vegetal utilizando-se esta ferramenta ofe- recida pela própria natureza. Neste caso, não se trata de uma invenção humana. A natureza chegou lá primeiro e há muito tempo! Transferência direta de genes Neste caso, os genes são inseridos diretamente na célula vegetal, sem inter- médio da agrobactéria. Este tipo de trans- ferência de genes é o método de escolha quando se t ra ta de plantas monocotiledôneas como milho, trigo etc. A transferência de genes é alcançada por um dos seguintes métodos: 1. Eletroporação de protoplastos e células vegetais Protoplastos são células vegetais desprovidas de parede celular. Para a transformação, são incubados em solu- ções que contêm os genes a serem trans- feridos, e, em seguida, um choque elétri- co de alta voltagem é aplicado por curtíssimo tempo. O choque causa uma alteração da membrana celular, o que permite a penetração e eventual integração dos genes no genoma. O mesmo princípio também pode ser apli- cado para células vegetais, porém, a taxa de transformação é mais baixa. 2.Biolística Há ainda outra técnica, de caracte- rística bastante bélica, para a transforma- ção de células ou tecidos vegetais e animais, que foi introduzida no início da década de 80. Trata-se do método de biolística, anteriormente chamado “ba- lística”. É baseado no princípio da arma de fogo! A diferença é que na engenha- ria genética, em vez de projéteis de chumbo, utiliza-se microprojéteis de ouro ou tungstênio cobertos com os genes de interesse. Esta “munição” biológica é acelerada com pólvora ou gás em dire- ção aos alvos, que neste caso são os tecidos vegetais. Os genes entram nas células junto com o projétil e se integram ao genoma celular! Transformação cum- prida! A regeneração das plantas a partir das células transformadas Uma vez inserido o gene na célula vegetal, por um dos métodos menciona- dos acima, esta célula ou grupos delas são estimulados a gerar uma planta intei- ra transformada. A transformação de uma célula ve- getal é um tipo de manipulação genética Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 37 que atende ao mesmo princípio da trans- formação de microrganismos, estabele- cido pela primeira vez em 1973, quando Stanley e Cohen, em San Francisco, in- troduziram o gene proveniente de uma rã dentro de uma bactéria. No entanto, há diferenças conceituais entre a situa- ção com microrganismos e com plantas: nos primeiros, o objetivo final são mu- danças operadas ao nível celular, en- quanto que em eucariotos superiores, como plantas e animais, as mudanças obtidas ao nível celular não são signifi- cativas, a não ser que possam ser transferidas para todas as células do organismo. Em outras palavras: o domí- nio das técnicas de regeneração de plan- tas inteiras a partir de uma única célula é condição sine qua non na biotecnologia aplicada para a agricultura. E como cada espécie de planta tem diferentes exigên- cias hormonais, nutricionais e ambientais para a regeneração, esta etapa ainda representa o maior gargalo na criação de plantas transgênicas, embora esta técni- ca já esteja estabelecida para inúmeras plantas de interesse econômico. PLANTAS TRANSGÊNICAS - ONDE? Uma vez dominados a identificação e o isolamento de genes de interesse e a regeneração de plantas hospedeiras a partir de uma ou de um grupo de células transformadas, são incontáveis as possi- bilidades oferecidas por esta tecnologia em plantas transgênicas. E esta tecnologia vem sendo mais e mais utilizada. No ano de 1987, cinco tipos de plantas transgênicas foram tes- tadas no campo; já em 1995, um total de 707 tipos de plantas transgênicas já fo- ram para o campo! Não é surpreendente que entre as espécies geneticamente manipuladas se encontrem aquelas que são as mais im- portantes na alimentação humana e ani- mal e na indústria de tecido, ou seja, milho, batata, tomate, soja, feijão, algo- dão e, como planta modelo em experi- mentos de pesquisa básica, o fumo. Além destas espécies, foram transforma- das melancia, couve, cenoura, alfafa, arroz, trigo, girassol, alface, maçã e amen- doim, entre outras. De uma maneira geral, mais de 50% destas espécies foram transformadas com genes que conferem resistência a herbicidas, vírus e insetos. Em outros 30% dos casos, o objetivo da transforma- ção genética era um aumento da quali- dade dos produtos e o restante visou à obtenção de resistência a fungos ou obtenção de conhecimentos básicos nas área de biologia molecular de plantas ou das interações entre patógenos e plantas. No que diz respeito ao melhora- mento qualitativo de produtos vegetais, cabe-nos destacar os tomates que, gra- ças às manipulações genéticas, amadu- recem muito mais devagar do que toma- tes não manipulados. Para quem já lutou com uma geladeira ocupada de tomates em estágios avançados de maturação, a vantagem deste tipo de alteração é óbvia! Outro tipo de melhoramento envol- ve a manipulação, no sentido de dimi- nuição, da síntese de ácidos graxos saturados ou a expressão de genes de proteínas de reserva com teor otimizado de aminoácidos essenciais para a nutri- ção humana ou animal. Mas as plantas transgênicas não são promissoras somente para a indústria alimentícia. Alguns pesquisadores estão atualmente investigando a possibilidade de usar plantas transgênicas na produ- ção de vacinas contra doenças humanas e de animais, tais como cólera, malária e gastroenterites de porcos. Neste último caso, trata-se de uma doença viral que afeta porcos recém-nascidos. Os pesqui- sadores acham que é possível imunizar os animais através de alimentação com batatas que expressem uma proteína imunogênica do vírus causador da do- ença. E se vocês acham que “anticorpos” sempre serão “anticorpos”, vocês estão enganados: desde 1989 existem também os “planticorpos” ou seja anticorpos que são produzidos, em escala, em plantas transgênicas. Estes poucos exemplos mostram o imenso potencial de plantas transgênicas não somente na agricultura, mas também nas áreas da saúde humana e animal e na produção industrial e processamento de alimentos. Embora o assunto deste artigo seja bem definido e abranja apenas as plan- tas transgênicas, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que a biotecnologia aplicada em todos os seto- res de nosso interesse requer atenção visando ao controle de possíveis riscos para o ambiente e o equilíbrio ecológico. Eugen Silvano Gander recebeu o título de doutor em Biologia da Universidade de Basel na Suíça, fez pós-doutorados no Instituto de Pesquisa Experimental sobre o Câncer em Lausanne, Suíça, na NorthwesternUniversity nos Estados Unidos, na Universidade Paris VII e em Toulouse, França. Foi professor da UnB e atualmente trabalha como líder de projetos na área de biotecnologia na Embrapa-Cenargen. Lucilia Helena Marcellino é mestre em Biologia Molecular pela UnB e atualmente é estudante de doutorado da mesma universidade. Trabalha como pesquisadora na Embrapa - Cenargen, na regulação da expressão gênica em plantas.
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