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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED Disciplina: Sociologia e Educação II Professor: Francisco Canella BOURDIEU E OS DIAS DE HOJE: Uma análise de conceito em uma notícia midiática educacional atual Dilce Schüeroff 1 dilceschueroff@gmail.com Elisa de São Thiago Cunha lisastcunha@gmail.com Jéssica da Rosa Pires jessicapires.bio@gmail.com Maria Eduarda Daniel da Costa mariaeduardadcosta@gmail.com O objetivo desta produção é apresentar uma breve análise sobre a nova proposta para o ensino médio brasileiro, relacionado à conceitos de Bourdieu. Dentre as mudanças propostas, está a alteração no currículo, o qual será o foco neste trabalho, que prevê a retirada de disciplinas importantes como a Educação Física, Artes, Sociologia e Filosofia. Para falar de currículo utilizamos autores como Tomaz Tadeu da Silva (1999) e Gimeno Sacristán (1998), relacionando-os a conceitos de Bourdieu, especialmente o de Capital Cultural, apresentado na obra A Reprodução de Bourdieu e Passeron (1970). Hoje a atenção da mídia está sob a polêmica medida provisória enviada ao Congresso pelo Presidente Michel Temer, que altera as Leis de Diretrizes e Metas da Educação assinada em 1996, através da alteração de forma substancial do currículo para o ensino médio. Veiculada na Folha de São Paulo Online, em 22 de setembro de 2016, a notícia intitulada “Plano do ensino médio abre mão de artes e educação física e repete meta” , traz 2 um panorama das principais mudanças propostas pela medida provisória, como: o fim da obrigatoriedade de aulas de artes e educação física; a retirada de espanhol, filosofia e sociologia; currículo organizado em módulos e adoção de sistema de créditos ou disciplinas cuja a repetência ou aprovação independe das demais. A medida ainda repete a meta do Plano 1 Acadêmicas do curso de graduação em Pedagogia, FAED, UDESC. 2º semestre de 2016 2 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1815828-novo-ensino-medio-usa-meta-antiga-e-exclui-artes-e- educacao-fisica.shtml. Acesso em 28 de set de 2016 2 Nacional de Educação que prevê ao menos 25% dos alunos de cada etapa do ensino médio em tempo integral. Para o sucesso da meta está prevista também um aumento de carga horária e o incentivo a especialização. Encontra-se ainda no texto, a autorização de contratação de professores sem o provimento por concurso e sem a formação específica em licenciatura, aceitando apenas que o contratado apresente “notório saber”. O plano federal se pauta no argumento de que hoje o ensino médio é o maior gargalo da educação, uma vez que está estagnado e possui altas taxas de evasão, logo o currículo deveria possuir disciplinas flexibilizadas e focadas na profissionalização, ainda no ensino médio. Tais mudanças levariam a um incentivo maior de ensino profissional aos jovens que não seguem diretamente para a universidade. No quadro 1 são colocadas as principais mudanças propostas pelo Governo Temer para o Ensino Médio: 3 QUADRO 1: Análise da medida provisória feita por especialistas em educação.. Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1815828-novo-ensino-medio-usa-meta-antiga-e-exclui-a rtes-e-educacao-fisica.shtm. O argumento trazido pela proposta de novo currículo, pode à primeira vista convencer, mas merece maiores discussões, uma vez que esta medida foi divulgada sem uma prévia reflexão com os segmentos da educação e a sociedade. O quadro 1 nos mostra uma análise, intencional que já traz as vantagens e desvantagens da nova proposta sobre o antigo 3 currículo. Em consonância com o que defende Tomaz Tadeu da Silva (1999), o entendimento de currículo não está em encontrar o seu verdadeiro significado, mas entender a forma como ele é definido pelos diferentes autores e teorias. Desta forma o enfoque é histórico, na tentativa de descobrir qual conhecimento deve ser ensinado: trazer discussões quanto a natureza humana, sobre a natureza da aprendizagem ou sobre a natureza do conhecimento, da cultura e da sociedade. A partir do momento que as teorias do currículo determinam o que ele deve ser e quais valores dominantes regem os processos educativos, ele está selecionando e esta é uma operação de poder. A escola em geral, ou um determinado nível educativo ou tipo de instituição, sob qualquer modelo de educação, adota uma posição e uma orientação seletiva frente à cultura, que se concretiza, precisamente no currículo que transmite. O sistema educativo serve a certos interesses concretos e eles se refletem no currículo. (SACRISTÁN, 1998, p. 17). 3 Ela já possui um diagnóstico que leva ao leitor a concluir o que se deseja. Subjetivando as reais forças por trás dela. 4 O currículo não partilha da assepsia científica, uma vez que reflete o conflito de interesses dentro de uma sociedade, além dos valores dominantes que regem os processos educativos. As atribuições incumbidas à escola, implícita ou explicitamente refletem nos objetivos que orientam todo o currículo. Principalmente no ensino obrigatório, é um fato se conhecer a escola através da análise de seu currículo, uma vez, que ele trará elementos culturais e sociais em termos reais e concretos. O sociólogo francês Pierri Bordieu, em sua teoria sintetiza o modelo durkheimiano e 4 o estruturalismo ao tentar revelar a importância das estruturas sociais por trás das ações dos sujeitos, uma vez que os indivíduos estão submetidos e apenas reproduzem, em sua ação, à orientação determinada pela estrutura vigente social. O sujeito de fato não existe. O que chamam de ação para Bordieu, é na verdade o processo pelo qual as estruturas se reproduzem. O sujeito está simplesmente submetido aos desígnios da sociedade, faz o que suas estruturas determinam, não sabe disto e ainda é iludido pelos discursos dominantes, que o fazem pensar que sua ação é resultante de vontade própria. (RODRIGUES, 2007, p. 72). O currículo, possui papel importante para reconhecimento das estruturas sociais que está por trás dos sujeitos. O currículo que está sendo proposto de forma arbitrária, possui como discurso dominante o neoliberal , uma vez que foi pensado quanto solução para a 5 qualificação do estudante para o mercado de trabalho, ao valorizar as disciplinas do ensino técnico, em detrimento das disciplinas de ciências humanas. (...) Bordieu e Passeron atacam o discurso dominante segundo o qual a conquista de uma “escola para todos” de caráter igualitário, tornaria possível a realização das potencialidades humanas. E o fazem colocando em evidência o que a instituição escolar dissimula por trás de sua aparente neutralidade, ou seja, justamente a reprodução das relações sociais e poder vigentes. Encobertos sob as aparências de critérios puramente escolares, 4 Para Durkheim educação e socialização são tidos como sinônimos, uma vez que a educação, transpassa ouniverso escolar, destacando a importância deste “transpasse “ na manutenção das estruturas da sociedade. “É na educação provida pelos adultos às crianças que se pode visualizar melhor a intensidade do processo de socialização na coesão e continuidade das sociedades”. (CUNHA, 2013, pag.89-90) 5 De acordo com Vera Candau (2012) a Política Neoliberal - obtém como principal objetivo formar sujeitos empreendedores e consumidores. Concebe a educação como resultado voltado para atender às exigências do desenvolvimento econômico e do mercado. Como consequência a educação é reduzida a função de capacitar o aluno (capital humano) de acordo com o modelo econômico vigente. 5 estão critérios sociais de triagem e de seleção dos indivíduos para ocupar determinados postos na vida. (RODRIGUES, 2007, p. 73). Desta maneira, o currículo apresentado visa a seleção de indivíduos para ocupar determinados postos na vida que irão perpetuar a reprodução das relações sociais de poder vigentes na sociedade. A imposição do plano federal através de medida provisória impõe, de forma subjetiva, uma superioridade e legitimidade da cultura dominante ao priorizar o ensino profissionalizante. Importante ressaltar que essa reforma atingirá tanto o ensino público quanto o privado brasileiro, porém terá uma maior influência na rede de ensino pública estadual que apresenta a maioria dos alunos da etapa (84% das matrículas) o qual é frequentado pelas classes menos favorecidas da sociedade. Portanto, para os mais pobres, o ensino profissionalizante, sem disciplinas como Sociologia e Filosofia, prepara sujeitos para trabalhar, sem pensar. Devem ser, como coloca Foucault (2007), laboriosos, produtivos e dóceis. O sistema escolar brasileiro é historicamente marcado pela desigualdade na forma como ricos e pobres frequentam as escolas. Na educação básica, que corresponde ao ensino fundamental e médio, os ricos estudam em escolas privadas, muitas vezes de qualidade superior em relação às escolas públicas, estas destinadas às classes menos favorecidas da sociedade. O acesso ao ensino superior, que é público e de qualidade, é através de provas que selecionam os melhores, ou seja, aqueles que são os detentores do saber considerado válido. Como foi colocado acima, currículo é poder, currículo é saber, e são saberes escolhidos por alguém para ser ensinados a alguém e quem escolhe são os detentores da cultura dominante. Os de maior capital econômico frequentam escolas de melhor qualidade e currículo diferenciado. São eles que, geralmente, conseguirão ter sucesso na vida escolar, pois, passam nas provas, no vestibular e tem acesso ao ensino superior, mantendo-se, assim, nos lugares de mais prestígio no sistema escolar e na sociedade. Considerando que currículo é saber selecionado, então, quem seleciona, o faz pensando em manter a distinção entre as classes mais favorecidas que estudam no sistema privado, e os menos favorecidos que estudam no sistema público de ensino. Esse modelo de educação, sem dúvida, contribui para reproduzir a estrutura das relações de classe. 6 Bourdieu (1992), por meio do conceito de capital cultural, nos ajuda a compreender como a estrutura das relações de classe se mantém e se reproduzem, (...) a cultura não é um conjunto de transmissões transcendentais, mas um conjunto de atitudes, de modos de ver, pensar e sentir. Isso significa que não há uma cultura, mas culturas, próprias dos diferentes grupos sociais. Nas sociedades desiguais, o grupo dominante tende a fazer reconhecer sua cultura como a única cultura legítima, ocultando os mecanismos de imposição de seu “arbitrário cultural”, ou mais propriamente “dissimulando as relações de força que estão na base de sua força.” (BOURDIEU; PASSERON, 1985, p. 19 apud VALLE, 2013, p. 14). Consequentemente, considerando que a escola é um espaço da reprodução da cultura dominante, os sujeitos que pertencem a essa cultura, terão muito mais chances de obter sucesso escolar, pois a escola transmite saberes, modos de pensar e modos de ser, que lhes é familiar. Enquanto que às classes menos favorecidas, as quais, não conhecem os códigos da cultura, dos saberes, formas de pensar da classe dominante, o sucesso escolar é de difícil alcance, pois, esses sujeitos precisam se apropriar de uma cultura que não fazia parte da vida deles. O autor coloca ainda, que a escola é um lugar de transmissão da cultura, isto posto, aqueles que conseguem dominar seus códigos e inculcar um “habitus” que se exterioriza nos comportamentos, podem alcançar o sucesso escolar. Essa relação, Bourdieu chama de “violência simbólica” que é (...) coerção que só se institui por intermédio da adesão que o dominado acorda ao dominante (portanto à dominação) quando, para pensar e se pensar ou para pensar sua relação com ele, dispõe apenas de instrumentos de conhecimento que têm em comum com o dominante e que faz com que essa relação pareça natural. (BOURDIEU 1997, p. 204 apud VALLE 2013, p. 15,16). Na escola, por exemplo esta forma de violência deve ser desconstruída, pois os alunos devem ter seus professores como aliados e que não estão ali só para ensinar como também para escutar, trocar ideias e aprender com seus alunos, à vista disso cabe também ao professor colocar-se mais no lugar dos educandos e ir desfazendo aos poucos a imagem autoritária. Assim também, sendo este espaço um lugar de determinada cultura e transmissora dessa cultura, pode-se afirmar que o currículo é peça fundamental para a formação das pessoas. Mesmo que a escola seja transmissora de uma cultura dominante e reprodutora das classes sociais, ainda é nela, que sujeitos de classes menos favorecidas poderão alcançar melhores 7 condições de vida. Por esta razão, torna-se fundamental lutarmos por escolas que garantam mais igualdade de oportunidades, especialmente para os menos favorecidos. A escola é muitas vezes o único lugar para formação de sujeitos que pensem a sociedade criticamente, refletindo sobre seu lugar na sociedade, para isso, é necessário saberes como a Filosofia e a Sociologia, os quais podem ficar fora das escolas do sistema educacional público brasileiro. No sistema educacional brasileiro, além da escola ser uma transmissora da cultura dominante, a divisão entre escolas privadas e públicas favorece ainda mais a distinção e a manutenção das classes: aos pobres, o mínimo necessário para viver; aos ricos, o prestígio e tudo o que há de melhor. Referências BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2. ed. 1982. (Publicado originalmente em francês, 1970). CANDAU, V. Didática: entre saberes, sujeitos e práticas. Campinas: XVI ENDIPE, Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino, UNICAMP ,2012. CUNHA. L.L. Os clássicos da “literatura” - sociológica infantil: as crianças e a infância de acordo comMarx, Weber, Durkheim e Mauss. Plural, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.20.1, p.83‑98, 2013. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/plural/article/viewFile/74416/78040>. Acesso em 01. out.2016. PARAISO. M.A. Diferença no Currículo. Cadernos de Pesquisa. São Paulo. v.40, n.140. p. 587-604, maio/ago. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v40n140/a1440140.pdf> Acesso em: 16 de set.2016. FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 34. ed. 2007. VALLE, I. R. O lugar da educação (escolar) na sociologia de Pierre Bourdieu. Curitiba: Revista Diálogo Educacional, v. 13, n. 38, p. 411-437, 2013..Disponível em: <www2.pucpr.br/reol/index.php/DIALOGO?dd1=7629&dd99=pdf> Acesso em: 01 de out. 2016. RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2007. SACRISTAN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
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