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--- MUSSAUM • eams liD RICH, E.; KNIGHT, K. Artificial intelligence. New York: McGraw-Hill, 1991. RUMELHART, D. ; McCLELLAND, J. Parallell distributed processing: explorations in the microstructure of cognition. Cambridge: The MIT Press, v. 2, 1986. SAPORTA, S. Psycholinguistics. A book ojreadings. New York: Holt, Rinehart & Winton, 196\. SMOLENSKY, P. On the proper treatment of connectionism. Behavioral and Brain Sciences, Jl : 1-74, 1988. THAGARD, P. Mind. Introduction to cognitive science. Cambridge: The MIT Press, 1996. WlTIGENSTEIN, L. Philosophical investigations. Oxford: Blackwell, 1953. .: ~ , r· " t8~~ :;< ~~ au 9 '" oINTERACIONISMO NO CAMPO LlNGUISTlCO* Edwiges Maria Morato yo no creo en caminos pero que los hay hay Paulo Leminski 1.INTRODU~AO Inicialmente, 0 interacionismo em Linguistica significou uma rea~ao das posi~oes te6ricas externalistas contra 0 psicologismo que impregnava a ciencia da linguagem nos meados do seculo xx. Assim, num senti do largo do ter mo, podem ser considerados interacionistas aqueles dominios da Linguistica • Gostaria de agradecer aos que gentilmeote se prontificanlm a ler as primeilllS ve.wes deste texlo. Seodo, como diz a can~lo, "os pecados lodos meus", <levo i Ingedore G. Villa~ Koch, Ana Luiza Bustamante Smolka, Adriana Friszman de Laplane e Anna Christina Bcoles 0 melhor do que aqui se fez. Tambem gostaria de mencionar que todas as passagens extraldas de textos em lingua estrangeira foram traduzidas por mim pant PI fins deste capitulo. Ainda que drios des.scs IeXtos j8 CSlejam traduzidos pant 0 portugues, opCei poT traba ,.com as ecf~ mais disponlveis, ciancio prefereacia _ originais sempre que posslvcL 0 Icitor e a Iciton IIberIo qual a edi~ utilizada ao final do texlo, DIS ref~cias bibliogr8ficas, e verlo a indi~o do ano da publi~o original quando da primeira ci~ do autor. 313 MUSSAUM • BENTts312 - como a Sociolinguistica, a Pragmatica, a Psicolinguistica, a Semantica Enun ciativa, a Analise da Conversas;ao, a Linguistica Textual, a Analise do Discurso - que se pautam por uma posis;ao externalista a respeito da linguagem, isto e, que se interessam nao apenas ou tao somente pelo tipo de sistema que ela e, mas pelo modo atraves do qual ela se relaciona com seus exteriores teoricos, com 0 mundo externo, com as condis;oes mUltiplas e heterogeneas de sua constituiS;lio e funcionamento. Posteriormente, 0 interacionismo estabeleceu-se como uma das perspectivas maisl'rodutivas, seja estimulando e marcando de forma explicita as relas;oes da Linguistica com outras areas do conhecimento, investindo de interesse para 0 cam po certas categorias como "as;ao", "outro", "pratica", "sociedade", "cognis;ao", seja promovendo analises pluridisciplinares em torno do fenomeno linguistico e obrigando os linguistas a reftetir de forma sistematica sobre seu proprio objeto. Anos;ao de interas;ao, mesmo quando concebida de maneira vaga e imprecisa, tern sido pes;a importante para a compreensao das contingencias e vicissitudes do debate internalismo x externalismo nq· campo da Linguistica, ajudando a estabelecer epistemologicani'ente as relas;oes entre linguagem e exterioridade. Para muitos, a dimensao empirica que toma como analise situas;oes interativas nas quais a linguagem esta de alguma forma concern ida parece ser de fato uma alternativa ao beco sem saida representado pe\o impasse internalismo x externa lismo, ou urna possibilidade de entrever em relas;ao a ele uma posis;ao "hibrida" ainda em construs;ao. Os estudos aquisicionais, conversacionais, sociolinguisticos, discursivos e textuais sao urn born exemplo de lugares privilegiados para esse tipo de empreendimento. Urn dos desafios que se colocam para os que procuram compreender os al cances e os limites do interacionismo e seus avatares no campo da Linguistica e apreender com profundidade certos postulados dessa perspectiva, entre os quais a ideia de que a relavao .eptre·jnteras;ao e linguagem (ou entre itlteras;ao e aquisivao, interavao e comunica~£8': Interavao e cognis;ao) nao e necessariamente isomorfica. Para perscrutarmos 0 lugar epistemologico reservado a interas;ao na teoriza S;lio sobre a linguagem e entendermos 0 que a Linguistica tern procurado ganhar heuristicamente com essa nos;ao, recorramos - como ponto de partida - a urn conhecido postulado interacionista, segundo 0 qual ''toda as;ao humana procede de interavao". Entre outras coisas mais ou menos obvias, 0 enunciadb acima chama nossa ate~ para 0 fato de que sempre que em Linguistica negligenciamos ou sim plesmente deixamos de considerar que existe lingua porque existem falantes e que os falantes existem em funs;ao das alYoes que os instam de varias maneiras INTRODU~O AUNGuisTICA e em diferentes niveis de exigencia a pennanecer em relas;lio a alguma coisa e na relas;ao com alguma coisa, a analise sobre a linguagem falha de alguma forma, isto e, se torna necessaria mente parcial ou incompleta. Ao que parece, nossa natureza social simplesmente nao permite que escape mos a interas;ao. A partir dai, entretanto, restaria apreender melhor a diversidade de relas;oes que se estabelecem no seio de uma determinada interalYlio humana,ja que e importante saber se ela e circunstanciada pela relalYao entre interlocutores, entre discursos, entre semioses co-ocorrentes ou entre moleculas. Alem disso, poderiamos tambem tentar obter alguma resposta para a seguinte questao: se 0 que cham amos interalYao resulta na verdade de uma especie de compilas;ao de processos diversos existentes no ambito das praticas humanas, com base em que termos podemos destacar algum aspecto (como 0 verbal, por exemplo) de sua constituilYao e correr 0 risco de apagar por meio de uma OPlYao metodol6 gica ou de urn recorte teorico sua realidade multifacetada, caracterizada pela coexistencia de varios processos (sociais, psicol6gicos, contextuais, culturais, interpessoais etc.) justamente ... interatuantes? Se nao podemos simplesmente recusar a afirmas;ao segundo a qual prati camente toda alYao humana procede de interas;ao, a mesma disposis;ao nlio pode ser aplicada com relalYao ao que pode ser entendido em Linguistica por intera cionismo. Reconhecendo-se 0 esvaziamento semiintico que passou a partir de urn certo momenta a marcar a expressao, uma legilio de termos invocados para predica-Ia ou qualifica-la epistemologicamente surgiu em varias areas, de forma nota vel na Linguistica dedicada aos estudos etnograficos, bern como ao campo aplicado (voltado para 0 ensino de lingua, para 0 estudo das produlYOeS textuais na escola etc.): sociointeracionismo, interacionismo socio-historico, interacionismo construtivista, interacionismo discursivo, interacionismo simbolico etc. Afinal, estariamos inapelavelmente as voltas com tantos interacionismos quantas forero possiveis as conceplYoes de interalYao? Superar dicotomias cIassicas (lingua x fala, sujeito x objeto, competencia x desempenho) nas quais se funda como ciencia, e identificar, tanto quanto possivel, as consequencias teoricas e empiricas do interacionismo para a reftexao em torno da linguagem, sao desafios a que a Linguistica tern se pro posto a partir da insenylio dos elementos reputados desde Ferdinand de Saussure (1857-1913) como "heter6clitos" no estudo do objeto da ciencia da lingqagem: as pr:iticas sociais nas quais a linguagem esta imersa e que a constituem, as normas pragmaticas que presidem a utiliza~ao da linguagem. as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os falantes, os aspectos subjetivos e variaveis da lingua e seu funcionamento,as condilYOes materiais, psiquicas e ideol6gicas de 315 MUSSALIM • BENTe; 314 produyao e interpretayao da significayao, a existencia de semioses coocorrentes nas pniticas discursivas, 0estatuto do "outro" no processo de aquisiyao da lin guagem pela crianya etc. Assim, se 0 nosso objetivo for proceder a uma especie de verificayao das consequencias te6ricas e empiricas da perspectiva interacionista no campo lin guistico, algumas considerayoes iniciais se tornam imprescindiveis. Em primeiro lugar, e recomendavel supor que entre os termos interayao e interacionismo existem certas distancias semanticas. Em segundo lugar, e importante admitir que nos defrontamos na atualidade com "interacionismos e interacionismos", o que requer que saibamos identificar 0 peso epistemologico dado adimensao interacional das ayoes humanas nos estudos da linguagem. Finalmente, e neces sario levar em conta que a Linguistica nao e ela mesma um bloco monolitico, e que tanto seus dominios internos quanta suas demarcayoes fronteiriyas com outras disciplinas do conhecimento tambem estao a exigir uma arbitragem teo rica do tipo interacional. Afinal, quando surge, 0 interacionismo representa urn esforyo pluridisciplinar com vistas ao. entendimento das relayoes entre individuo '. . .... e sociedade. I' o que se pretende neste texto e destacar questoes como essas a fim de levan tar as problematicas te6ricas relevantes no quadro dos estudos interacionais no campo linguistico, bern como ipdicar suas consequencias epistemol6gicas mais amp las para a ciencia da linguagem. Nao pretendemos, pois, explorar neste texto um vies exegetico com relayao ao tema, nem tampoucO esboyar uma especie de cartografia dos estudos interacionistas. Posto isto, comecemos por admitir que falar, em Linguistica, em interayao ou em interacionismo e postular determinados modos de existencia, ou determi nados modos de funcionamento da linguagem. .. ~,:{=~·:..~i~ .. 2. DAS VICISSITUDES DA'ft~O DE INTERA~EDE INTERACIONISMO A partir de uma vista d'olhos no que professam os autores e as teorias, nem sempre foi e e facil discemir as tendencias que se reivindicam ou se reputam interacionistas, seja no campo linguistico, seja fora dele. No campo da Filosofia, por exemplo, foi preciso esperar pelo questionamento do dualismo ontologico, com Descartes (1596-1650), para que urn interacionismo se colocasse como wna solu~ ou uma altemativa para dualismos classicos, como os que envolvem 0 problema corpo x mente, ou 0 problema fe x razAo. Para Descartes, vale lembrar, os processos implicados nesses binomios sao pensados separadamente, mas de forma interatuante. Certamente, muitos outros autores ern Filosofia - como Hobbes, Kant, Hegel, Marx ou Habennas, por exemplo _ tambem marcam os estudos interacionistas, cada urn asua maneira, por terem procurado fugir do beco sem said a de dualismos varios. No ambito da Linguistica, muitos sao os trabalhos ou autores que se reivin dicam interacionistas, saibamos ou nao 0 que entendem por interayao; muitos sao os trabalhos ou autores que nao reconhecem no interacionismo que professam semelhanyas com essa ou aquela posiyao tambem a ele associada; e muitos sao os trabalhos e autores que, reputados como interacionistas, rejeitam de alguma maneira esse rotulo. Certamente, muitas inadequayoes podem ser produzidas quando abrigamos sob a rubrica' "interacionismo" trabalhos ou autores de fato muito distintos. Por esse motivo, aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato urn mosaico de inteligibilidades e metodos. AMm disso, se investirrnos a analise do termo interacionismo de um rigor conceitual e nao a dissociarmos do dominio empirico que 0 caracteriza ou concerne, haveremos de perceber que nem sempre 0 (mero) emprego do terrno interayao e suficiente para qualificar determinada reflexao como "interacionista". . De todo modo, longe de ser ou se apresentar como um programa teorico definido no campo linguistico, 0 interacionismo tem side capaz de marcar uma disposiyao de tomar a interayao como uma das categorias de amilise dos fatos de linguagem, e nao apenas 0 locus onde a linguagem acontece como espetaculo. E esta qualidade (ou esta circunstancia ...) 0 que tornariajustificavel sua inseryao entre os movimentos teoricos que fazem a ciencia da linguagem avanyar. Eprecisamente por isso que, no ponto em que estamos, certas questoes de vem ser destacadas, sendo a delimitayao do conceito de interayao certamente uma delas. Se nao for assim, dificilmente saberemos identificar diferentes acepyoes do termo quando falamos em dirnensao interacional da linguagem, ou quando elevamos a interayao (social) acondiyao de principio explicativo para os fatos de linguagem ou quando postulamos urna "Linguistica Interacional". No enfrentamento de seu carater polissemico, 0 termo interayao requer que pensemos de alguma forma em urn de seus trayos definidores mais expressivos, ligado - como se observa na raiz (inter) - aideia de influencia reciproca; em segundo lugar, ele nos convida a pensar em algo comparti11!ado de forma reflexiva (isto e, a a~ao). Porem, como bem nota Vion em seu livro La communication verbaJe - Ana~vse des interactions (1992), essa defini~ Dio marca oenhuma diferenya entre trocas conversacionais, transa~Oes financeiras, jogos amorosos ou lutas de boxe. De todo modo, ela e capaz de indicar que toda empreitada ou 317 MUSSAUM • BEI'ITEs316 ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social, submete-se as regras de gestao historico-cultural , nao enunca ideologicamente neutra. Procurando explorar essa quesmo, consideremos que 0 que primeiro se evoca nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta (seja conflituosa, seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos, sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso. Enquanto categoria de analise, a interayao permite que se discutam, pois, a qualidade e a circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos, em variados contextos, praticas e situayoes. Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas, constituidas e marca das por condic;:oes materiais de vida em sociedade, ela nao autoriza ou indica a eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo. A Linguistica, no entanto, tern se preocupado em delimitar a noc;:ao, reser vando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno, ou seja, a interac;:ao verbal, tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado, como toda interayao. Quanto a este ponto, todavia, alguns linguistas chamam a atenyao para 0 fato de que a ausencia de manifestac;:ao verbal em certas ac;:oes nao elimina a presenc;:a obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao: (..) Alias, parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das ac;:oes possa se efetuar de ol!~a forma que nao na presen'Ya permanente de urn controle discursivo inte riorizado. Nessas condi'Yoes, toda atividade social, de qualquer natureza que seja, coloca inevitavelmente emjogo, mesmo que as vezes de maneira bastante indireta, a ordem da 1inguagem (Vion, 1992, p. 98-99). Para Kerbrat-Orecchioni, num texto em que analisa a inseryao da noyao de interayao na'J"jnguistica francesa, ela nao se constitui como uma das grandes preocupac;:oes da 'ilnguistica modema, "a despeito de vigorosos ape los de um Bakhtin, de urn Jakobson ou de alguns outros" (1998, p. 5.1). A quesmo que essa autora se coloca e: se parece mo incontestavel que "falar a e agir" ("speaking is interacting"), de acordo com Gumperz (1982), ou que "a interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem", de acordo com Bakhtin ([ 1929) 1981), por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao interpess0a1 (cf. p. 51-2)?A resposta para essa quest3o, na verdade, nao e t30 complicada como sup<!e a au1ora.. Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas, INTROD!.I(:AO AUNGuisrlCA se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou a presenc;:a da interayao como elemento constitutivo da linguagem, question am a afirmac;:ao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicac;:ao. Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa posiryao, que nao ve na comunicac;:ao a marca distintiva da linguagem, outros processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos: Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunica'Y30, certamente comunicamos por ela aos outros nossas experiencias, estabelecemos, por-eIa, com os outros, lac;:os contratuais por que interagimos enos compreendemos, influenciamos os outros com nossas opc;:oes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo, com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele. Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma "aC;:30" livre e ativa e criadora, suscetivel de pelo menos renovar-se ultrapassando as conven'Yoes e as heranc;:as, processo em crise de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura, temos enmo que apreende-Ia nessa rela'Y3o instavel de interioridade e-exterioridade, de diaIogo e solil6quio: antes de ser para a comunicac;:ao, a linguagem epara a elabora'Yao; e antes de ser mensagem, a linguagem e construc;:ao do' pensamento; e antes de ser veiculo de sentimentos, ideias, emoc;:oes, aspirac;:oes, a linguagem eurn processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiencias (. . .) 0 funcionalismo tern examinado, com detalhes, as "ac;:oes" em que a Iinguagem esti, deixando a margem a aC;:30 que ela e(1977, p. 18-9). Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano, a Iingua gem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social; eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de nossa aryao sobre 0 mundo. Ou seja, podemos dizer da .linguagem que ela euma ac;:ao humana (ela predica, interpreta, representa, influencia, modifica, configura, contingencia, transforma etc.) na mesma proporryao em que podemos dizer da ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem. Nessa relac;:ao dialetica de interioridade-exterioridade, a linguagem enCOD tea na significaryao sua func;:ao precipua. Com isso, reconhece-se que a lingua nao e s6 signo, e ayao, e.trabalho coletivo dos falantes, nao esimplesmente urn intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo. Ha vanos fatores que mobi lizam esta relayao, aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente !lito (a lingua): as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados, .qualidade das intera~oes humanas, 0 valor intersubjetivo da linguagem, as CootmgeDcias materiais da vida em sociedade, os diferentes universos discursi vos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo, as Dormas MUSSAUM • BENTES318 pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem, a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso. Esse ponto de vista sobre a significayao, essa "prtitica quase-estruturante e sociar' (Franchi, 1986, p. 25), tao caro as correntes enunciativas e discursivas, postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao. Contudo, ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido, urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro. Implicam dife rentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao. Sen do, pois, duas formas de significancia (cf. Benveniste, 1966), significayao e comunicayao nao se confundem, mas sao indissociaveis nas praticas discursivas. Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas, que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas, e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas, voltadas para o estudo da intersubjetividade, das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem. Segundo Claudine Norinand (1990, p. 334), a comunicayao nos indica que o sujeito "tern algo a dizer ou a mostrar"; a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de inter pretar e ser interpretado, de representar ou dar "representabilidade" as coisas do mundo. Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do, 0 sentido eproduyao de interayao: 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer, e mais, para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer. Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas. Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio . explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana), tamb€ril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de "curinga categorial" de varias abordagens heterogeneas, que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos. Nesse sentido, nao raras vezes ela e considerada em termos de "tudo ou nada" na analise de objetos e fatos de linguagem. Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica: se, de urn lado, dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados lini\listicos, de outro lado. a "idealiza~o" dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da intera - - IIITROD~OAUNGuisTiCA 319 vao.1 Assim, ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria (como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa, por exemplo), ou diversos conceitos, entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto, uma vez irnpreg nados de "interayao", acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso. Urn outro problema relacionado a esse ponto e que, a exemplo do que acontece em outras disciplinas, tambem em Linguistica a concepyao de cornu nicayao e facilmente confundida com a de interayao, correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista. Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que, entre outras coisas, a comunicabilidade (isto e, a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens, prescindindo, pois, de qualquer teorizayao mais especifica. Nesse contexto, a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem, isto e, a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas. Para Kerbrat-Orecchioni, 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relati vamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de "denegar;:iio da vocar;:iio comunicativa da linguagem" (1998, p. 52), explicada pela tradiyao filol6gica, pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado, pela inseryao da sociologia durkheimia na (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa, pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represen tada tanto pela Escola de Chicago, da qual eexpoente E. Goffman, quanto pela Analise da Conversayao, de que sao fundadores os etnometod610gos H. Sacks e E. Schegloft), voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenosculturais (como s.istemas de parentesco, mitos e ritos). Em boa parte em funyao dessas infiuencias, a introduyao definitiva das dimensoes sociais, culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfofl;os acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes. 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracteris fiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao. Chama de "interayao nao focalizada" a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos, e de "intera~ao focalizada" aquela que inclui a conversayao face a face. Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico, ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan, ,,' -II I. Devo esta observ~, 80 colega Heronides de Melo Moura. MUSSAUM • BENTES 320 a Psicolog ia Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade. Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desen vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas, isto e, que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta, que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal). Para GotTman, haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO, construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao : ( ... ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou pe\o menoS com participantes do mesmo tipo; do mesmo modo, ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes culturais que presume serem partilhadas (1988, p. 197). Ao final dos anos de 1970, tanto a Etnometodologia, quanto outras abor dagens microssociologicas', desenvolve'm-se no mundo todo. Alguns autores relacionam esse fato ao dec\inio verificado a epoca do prestigio de posi y5es marxistas mais ortodoxas. A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog ica europeia. Com isso, as questoes valorizadas no campo passam a ser nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is, mas sim as que se baseiam em analises micro, isto e, as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos, as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao, ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao entre individuos e grupos sociais etc. Coube ao nort~;ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodolo gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal, analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situa9 0es especifi cas da vida cotidiana. A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e "modos de agir" dos sujeitos em intera9 30 . Vigente ate hoje, esse enfoque, baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferen&es enquadres te6ricos e autores, como Garfinkel, Habenll8 Schlitz, Boudon ou Boltanski, prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social. bern como nas intera90es verbais; as estrategias e os savoir-faire comunicativOS; a INlROOU~AUNGuisnCA 321 constru~ao de imagens identitarias; a gestao de regras pragm<iticas; as intera<;oes no mundo do trabalho; a institucionalizas:ao dos espa<;os interativos; os tipos ou formas gerais de intera~ao etc. o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe, pois, a situa~oes especificas que condicionam a comu nica<;ao interpessoal. Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao. Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas, a Hnometodologia toma-se, como ressalta Vion (1992), proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psi cologo norte-americano George Mead (1863-1931), volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente, do Self) no processo de interayao social. Para Mead, 0 sujeito (0 Self, que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunica<;ao e por ela: A importancia daq~lo que n6s chamamos de "comunicayao" resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo, 0 individuo, pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( ... ).0 Self, sendo urn objeto para si, eessencial mente uma estrutura social, e nasce na experiencia social ([1934]1963, p. 118-9). Entretanto, como afirrna Vion (1992), se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as es truturas sociais, quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social, para os etnometodologos, e a propria a9ao - localmente lnvestigada que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional • e da indexicalidade de toda ayao). No campo saciologico, a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesqui etnometodologicas, ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar em metodologos de suas a~Oes, algo que seria proprio das analises localmente na ayao, nao deixou de ser registrada por varios autores, Phillips: . De urn lado, a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem ° trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 "abismo" que separa 0 situacional e 0 geral, como, por exemplo, as praticas "ad hoeing" e "principio de et cetera". Mas, de outro lado, as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras "pniticas" de ordens diferentes, mas que podem muilo plausivelmcnle, e apesar das recome~ da serem apresentadas como "regras", seja qual for a generalidade (1978, p. 64). MU5SAUM • BENItS 322 A chamada Linguistica Interacional, mas nao apenas ela, deve muito a essas vertentes. 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de intera yaO no campo da Linguistica lnteracional (cf. Kerbrat-Orecchioni, 1990, 1998; Vion, 1992; Mondada, 1994,2001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo: pniti cas, estrategias e operayoes linguageiras, dinamicas de trocas conversacionais, comunicayao verbal e nao verbal, construyao de valores culturais, atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes, normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc. Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo, mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta, ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos, soliloquios, textos escritos, conferencias, discurso interior etc.). Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento, me moria, percepyao etc.) geq:tu, desde os,a,nos 1960, muitos estudos no terreno do interacionismo. Esta perspectiva, na verdade, coexiste aepoca com outrasabor dagens teoricas, isto e, 0 inatismo e 0 cognitivismo, que reservam alinguagem urn lugar epistemologico distinto. Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico, a relayao entre linguagem e pensamento -como, de resto, todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico, e concebida praticamente amargem da linguagem e das interayoes sociais. Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo, autores como Piaget, Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneira para 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica. ..... :S.'."r.. _.I' .. ;As abordagiQ5'<;onstrutivistas, a partir dos trabalhos inspirados na teoria da .ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma "troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto" ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organis mo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente, deterrninante de forrnas possiveis de linguagem e de outros sistemas cognitivos. . Por seu tumo, as abordagens interacionistas DO campo psicoliQ&Uistico con sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade: intercognitivo (sujeito/mundo) e intracognitivo ImROOU<;AO;" UNGuisTICA 323 (linguagem e outros process os cognitivos). A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social). Cogniyao, aqui, define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem, mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade. Os processos cognitivos, dependentes (assim como a linguagem) da significayao, nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos, como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade. Nessa abordagem, 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade, na medida em que supoe que "nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem, nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos" (Morato, 1996, p. 18). Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente, as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivis tas. Contudo, embora "Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos, 0 construtivismo e 0 interacionismo preconizados, respectivamente, por Piaget e Vygotsky, estiio longe de serem identicos. Para 0 primeiro, cumpre lembrar, e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem, via noyao de desenvolvimento; para 0 segundo, a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral, via noyao de mediayao (interayiio so cial). As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao, respectivamente, ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem. Resumidamente, o.que pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)? Em sua vasta obra, Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana. Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos, Piaget postula a existencia de urn "processo central de equilibra~iio", respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio. Para ele, 0 organismo possui um con junto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante; uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio, obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio. Esse processo, essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano, echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976). A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento, 0 autor identifica !res tipos de equilibra~ao: 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento, objetos de 324 325 MUSSALIM • BENTES aprendizagem); 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos; e 0 que diz respeito as relayoes sociais, que envolvem as interayoes entre os subsiste mas cognitivos e 0 mundo circundante. Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos, a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais. Se, de fato, Piaget (como a Psicologia, cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae), 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya, implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf. Pereira de Castro, 200 I). Por outro lado, se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo, estaremos as voltas com uma perspectiva deno minada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural, cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934). Quando se focaliza hoj~ 0 estudo da,cogniyao em meio as atividades so cioculturais dos sujeitos e n~' presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu, 0 fato nao deixa d$! representar de alguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky. Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica, como a construs;ao da referencia, os processos meta, 0 discurso interior, a indetermina s;ao semantica, 0 contexto pragmatico das operas;oes cognitivas, a reflexividade etc., ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva so ciocultural da cogniS;ao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx. Nessa perspeetiva, a linguagem, tanto por suas . propriedades formais quanto discursivas, 6 uma forma privilegiada de cognis;ao. Para Vygotsky, e a signifieayao 0 que plasma a relas;ao do tipo constitutiva entre linguagem e eo@!~~o. Em suas palavras: ' .(.". o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos. Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ...) A comunica'Yiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente, atraves de um caminho mediado ([1934]1987, p. 282). Segundo ele pr6prio afirma a respeito , desse "caminho mediado": "s6 a linguagem poe essd relar;ao a claro". Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente, isto ·6, nas situarr~s dial6gicas, ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade; ele estabeleee, amaneira de Bakhtin, uma INTROOUylO AUNGuisTICA fronteira dialetica de "duas esferas da realidade". Sobre isso, a prop6sito, afirma Bakhtin: A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ... ) Vma vez materializada, a expressao exerce um efeito reversivo so bre a atividade mental : ela poe-se entiio a estruturar a vida interior, a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel. Essa a'Yiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada. Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior, mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao, aos seus caminhos e orienta,<oes possiveis (1981 , p. 118). Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social. 0 primeiro pode ser apreendido peladescris;ao do proeesso de internalizas;ao, em que oou tro, e a fala do outro, orientam as avoes da crianya, mediando discursivamente a refert!ncia (0 percurso intercognitivo). A internalizac;:ao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que, por sua vez, emerge, segundo Vygotsky, na relas;ao entre a fala e a as;ao, no momento em que as duas se "deslocam": . Vma vez que as crianr;:as aprendem a usar efetivamente a fim'Yiio planejadora de sua linguagem, 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente. Vma visao q~ futuro e, agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ... ) Assim, com a ajuda da fala, as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984, p. 29-31). Internalizando a linguagem do outro, preservando em termos intracogni tivos seu papel mediador (e organizador), ao qual submete suas pr6prias arr~s, a criaDs;a passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas do/no mundo; da dependencia da forma dialogal para, a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos, uma certa autonomia enuneiativa; de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica; da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa. De fato, os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva, que salieD ta a socio1!enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais, por exempl0, Claudia de Lemos, num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original? (1981), reconhece naquele momenta a infIuencia 326 MUSSAlIM • BEKTfS de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op. cit.: 37). Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais, vejamos 0 que afinna De Lemos, num texto de 1990, intitulado Afum;ao e 0 destino da palavra alheia: tres momentos da reflexao de Bakhtin: Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento da..aquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro, de si proprio e de estados de coisas no mundo. Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio (.. .)Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro? (1990, p. 2). Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos, se nao a tomamos sumaria mente como comunicayao, conversayao ou troca de infonnayoes. Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao, enquanto pratica social, coloca em cena: 0 que env.olve as relac;oes entre reflexao e ayao. Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas . Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognic;ao humana, bern como das abordagens conversacionais, de inspiraC;ao etnografica, e tambem como reac;ao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial, surge nas ulti mas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de "teoria da ac;ao" ou ''teoria da ac;ao situada", cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaC;ao. Por este tenno - ac;ao situada ("situated action") - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circuns tancias materiais e soqai$,rlas quais se dlio; assim, procura-se a partir dessa noyao, nascida no ambito dos(,estudos desenvolvidos em Etnometodologia, descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aC;Oes no decurso da in terac;ao na qual estiio envolvidos (Suchroan, 1987). Nessa perspectiva, as ac;Oes sao tidas como social e fisicamente situadas; a situac;ao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn ''jogo de representaf;oes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos" (Visetti, 1989) - e essencial para se compreender 0 que nelas se passa. Asiociada • ~ de ~ situada. WD-SC a de "cO&Di9lio situada". que se fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao, com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e 'I! INlHOoui;Ao AUNGuisncA 327 parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coad juvante (Resnick et al., 1991). Assim, para essa abordagem, todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias. A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade, mas tambem a instrumentos cog nitivos que utilizamos cotidianamente. Vale lembrar que a ideia de "instrumentos cognitivos" e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky, para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia, 0 "instrumento dos instrumentos". A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cognic;iio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky, Leontiev e Luria - a cele bre "troika" da Psicologia Sovietica que, nas primeiras decadas do seculo XX, dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognic;ao humana. Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepC;ao de in terayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisic;ao da linguagem se torna possivel, como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek: A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos: de uma parte,ela pode ser considerada como enraizada na intera<yao social (Rogoff, 1990); de outra parte, ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole, 1994 e 1995; Wertsch, 1991a e b);a abordagem socio cultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente (...)Aatividade, enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas, encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental. Nesses termos, encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica, distribuida, emergente das atividades locais, que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade, mas que, mais geralmente, se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual, cognitivo e autonomo, e do que relevaria do dominio da atividade coletiva, interativa e social (2000, p: 154-5). Para Mondada e Pekarek, 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaC;Oes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas' as relaC;oes interpessoais, certos valores sociais (como competencia. padrOes normativos). detenninadas formas de estruturaC;ao dos eventos comunicativos, maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc. (op. cit: 160). 329 MUSSAlIM • 8£NITS 328 Aquestao posta pelas autoras, relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao "imbricadas nas atividades enos quadros de parti cipayao especificas" (p. 169) dos sujeitos, nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao, frequente de uma forma ou de outra no interacionismo. o interess~ pelas formas (conscientes/inconscientes, voluntarias/involunta rias, subjetivas/intersubjetivas,explicitas/implicitas etc.) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao, seja qual for 0 posto de observayao adotado. Como exemplo desse interesse, tomemos a postulayao de uma reciprocidade entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais. Esse entendimento, presente na obra de sociologos como Max Weber, Anthony Giddens ou Norbert Elias, tambem se ve, por exemplo, na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine, intitulado Socia/agia - da a~ao, publicado originalmente em 1965, no qual 0 autor sublinha: - ~ . Uma ayao social s6 existe se, em primeiro lugar, esta orientada a certos objetivos, .orientayao que, como se sublinhara mais adiante, nao deve ser definida em termos de inten¢es individuais, conscientes; se, em segundo lugar, 0 ator esta situado em sistemas de'telayOes sociais; se, por ultimo, a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos, dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ...) De urn lado, a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social; e, antes de tudo, criayao, inovayao, atribuiyao de sentido ( ... ) Mas esta ayao nao pode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968, p. 19-20). Arrazoados como 0 acima, afinados com uma iniciativa racionalista, admi tern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o, agip5!P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-;:ao a eles. . Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista, como 0 frances Pierre Bourdieu, que critica nos chamados ''teoricos da ayao" (como SchUtz ou Garfinkel, por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais. Ou seja, ele critica a suposi~ao de que os individuos uni versalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao, como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao, e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie, ideologicamente, discursivamente. Para Bourdieu, essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inte leetual e relayao pratica, e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao IrmoD~AuNGuisnCA sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda ac;ao, mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais, his tori cas, ideologicas. Para Bourdieu (1980), vale lembrar, nos agimos num mundo que "impoe sua presen~a. com suas urgencias. suas coisas aJazer e a dizer. suas coisasJeitas para serem ditas. que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo". Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Lin guistica e interpe\ada pelo sociologo frances : a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e, a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que, por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is, ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente, dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes. (2002, p. 33). Porem, 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica, como se VI! em Reponses, de 1992, oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo, afirmando que 0 habitus. essa matriz ideol6gica, determinada pela posi~ao so cial a partir da qual se ve e age no mundo, e urn "sistema de disposi~ao aberto duIivel, mas nao imutavel". Como apontam Morato e Bentes, podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista, uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares. Para Bourdieu (1979), fenomenos sociologicos, como a distin~o e 0 habitus, impregnam profundamente os psiquismos e os corpos, atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas. Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial, posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social, seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o. Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade, e esta participa das primeiras, haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002, p. 34). Se, inicialmente, a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~!o proje tou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodo 330 331 MUSSAUM • BHlffS logia, 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas, com a introduc,;ao de uma concepc,;ao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmac,;ao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem, vista a partir de uma perspectiva dial6gica. Uma boa ex pressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da noc,;ao de interac,;ao, com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica, e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo. Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de intera c,;ao, Bakhtin vincula as interac,;oes verbais as interac,;oes sociais mais amplas, relacionando a nos;ao nao apenas com as situas;oes face a face, mas as situas;oes enunciativas, aos processos dial6gicos, aos generos discursivos, a dimensao esti Hstica dos generos. Na perspectiva bakhtiniana, a interac,;ao verbal e a "realidade fundamental da Hngua", e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interas;ao, urn modo de produs;ao social da Hngua. Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem, de \929,0 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizac,;ao linguistica modema., Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interac,;ao empregando, em 1925, a expressao "interac,;ao verbal face a face" em sua obra tcrits sur Ie freudisme. Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social, Bakhtin indica 0 lugar da interas;ao em uma teoria social da enunciayao, formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito, afirmando que 0 enunciado e "0 produto de uma intera~iio entre locutores, e, de maneira mais ampla, 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu" (1980, p. 174). Como podemos perceber, a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiy<ies rnateriais de produs;ao e leva em conta fatores de signii\~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente, isto e, constituidos a pahir'dos mecanismos e das condis;oes de produyao que os mobilizam. Para ele, lembremos, a lingua "constitui um processo de evolufiio ininterrupto; que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores" e o produto desta interas;ao, a enuncias;ao, tern "uma estrutura puramente social, dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocu tores" (1981, p. 127). A prop6sito, num capitulo de seu livro Portos de passagem, no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf. Bakhtin, 1981, p. 124), Geraldi assim situa - e, ao faze-Io, exprimeurna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interas;Oes entre os sujeitos: INTROoucAO AUNGuisnCA os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros, sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como "produto" deste mesmo processo. Neste sentido, 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio, mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ... ) As interac,:Oes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo; na verdade, elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares, no interior enos limites de uma detenninada form~o social, sofrendo as interferencias, os controles e as sele90es impostas por esta. TambCm nlio sao, em rela 930 a estas condi95es, inocentes. Sao produtivas e hisroricas, e como tais, acontecendo no interior enos limites do social, constroem por sua vez limites novos (1991, p. 6). - Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicas;iio, a conceps;ao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal, ultrapassa 0 contexto imediato e local de produS;iio da significas;ao, ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito, voltando-se para os mecanismos de constituis;ao e determinas;ao das condutas humanas, por sua vez baseados nas condis;oes materiais e ideologicas de vida em sociedade. Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir, modos de pensar, modos de sentir). Critico do que denominou subjetivismo abstrato, Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relas;ao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao, a consciencia., a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao, a enunciayao). A nos;iio de dialo gismo, tal como postulada por ele, explode essa dicotomia: A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completa mente rejeitada. 0 centro organizador de toda enuncia9ao, de toda expressao, nao e interior, mas exterior: esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ... ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social, quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condic,:Oes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981, p: 107). Para Bakhtin, e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyao'da linguagem e da constituiyao dos sujeitos, como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado "A intera~ao verbal") de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem, do qual extraimos 0 trecho abaixo: . A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada, nem pelo ato psicofi MUSSALIM • BErms332 siol6gico de sua produyao, mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal, realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes. A intera~ao verbal constitui assim a re alidade fundamental da lingua. C... ) Um importante problema decorre dai: 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata, mas tambem, atraves dela, 0 contexte social mais amplo. Essas relayoes tomam formas diversas, e os diversos elementos da situayiio recebem, em Jigayao com uma ou outra forma, uma significayao diferente (assim, os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica). A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta. A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981, p. 123). Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados, bern como apropria condic;:ao de seu acon tecimento - Todorov propoe dois tipos de relac;:ao dialogica, a interlocuc;:ao e a intertextualidade, salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo de·todo discur~o: (...) pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser "encon trado": pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984, p. 71-2) . . o conceito de diaIogo na. refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn "duplo dialogismo" analisado por Authier-Revuz, que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade, termo usado por Todorov: :E urn duplo dialogismo - nao por adis:ao, mas por interdependencia que ecolocado na fala: a orientas:ao, dialogica, de todo discurso, entre "outros discursos", eela mespl3jj~logicamente orientada, determinada por "este outro discurso" especifioo d61teceptor, tal como imaginado pelo locutor, como condiyiio de compreensiio do primeiro. A consideras:ao da interlocus:ao como fator consti: tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982, p. 118-9). Como bern sublinham os autores acima, a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interas:ao verbal, todo ate enunciativo, toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de "outro" como interlocutor e como (inter)discurso. 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa, na polifonia, nos discursos relatados, nas diferentes posis:oes enunciativas assu " I~Uc;AOAUNGulSTICA 333 midas pelos falantes - marca discursivamente a concepc;:ao de sujeito: 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros, por meio do discurso dos outros, por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso. Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982, 1995, 1998, entre varios outros) sao exemplares em relac;:ao ainfiuencia do dialogismo bakhtinia no nos estudos linguistico-discursivos. Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa, empiricamente apoiados, sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo. Uma interessante discussao sobre a intersecs:ao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994, 1997, 2001, 2002). Trabalhando com nos:oes como sujeito, estilo, genero e heterogeneidade, a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma "analise dialogica do discurso", ou seja, urn conjunto de procedimentos analiticos, urn arcabou~ te6rLco que, embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao, esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo, independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002, p. 126). Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin, Brait perscruta a noc;:ao sob a perspectiva de uma "analise dia16gica do discurso", tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos, 0 de genero e 0 de estilo. Levando em conta nossos interesses, vale a pena destacar as ponderas:oes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nos:ao de interas:ao, Discurso na arte e discurso na vida, de 1926, e Marxismo e filosofia da linguagem, de 1929. Em relayiio ao primeiro texto, no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relas:Oes entre literatura e sociedade, afirma Brait: o conceito de interalj:ao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso, mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade dese pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem. Esse caminho, que implica o1har para a materialidade verbal e extra verbal constitutivas de uma enunciayao, de um enunciado concreto, reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramatica/linguistica, assim como de suas fluidas fronteiras (2002, p. 134-5). Em rela~a.o ao segundo texto, no qual Bakhtin explicita que a intera~o n!o diz respeito exclusivamente ao discurso oral, surge, segundo Brait, a 334 335 perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso, enquanto constitutivo' linguagem, na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso, ou suas diferen\es--: formas de produ~ao, circula~ao e recep93.o em diferentes esferas, como resposta outras intera~6es da mesma natureza e, ao mesmo tempo, como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos, por exemplo. caracteristica dialogica da linguagem sera, evidentemente, estendida para qualquer'i,s{i'(1 enuncia~ao, para todas as formas de intera~ao verbal, refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar, e ao mesmo tempo de integrar sem identificar, a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao, e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa, de urn contexto historico, cultural e social mais amplo (2002, p. 144-5). o que se destaca nessas passagens e que a associa'Yao entre intera~o, genero discursivo e estilo demanda amilises de "enunciados concretos", concebidos no interior de diversas situa'Yoes de enunciac;:ao. A "pertinencia e a funcionalidade da articulac;:ao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso", de acordo com Brait, podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as, como os 'que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos, como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gram<itica do Portugues falado). 3. AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA, OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O SOBRE ALlNGUAGEM Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo, 0 problema para a Lin guistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interac;:ao. Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~.s~0 da intera~o. E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosofica\Jil analise de exemplos pre-fabricados, da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos, ou da considera yao de urna no~o de contexto quase behaviorista, isto e, "desconectacta de todo contexto interenunciativo" (Vion, 1992, p. 14). As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a noc;:ao de interayao, restringindo sellS interesses, a principio, ainterac;:aQ verbal (cf. Kerbrat-Orecchioni, 1990). Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens intera cionistas em Linguistica, Kerbrat-Orecchioni (1990, 1996, 1998) nlio deixa de assinalar, ao lade das contribuic;:oes te6ricas trazidas aarea pela noc;:lio de inte- AUNGuisTlCA ra~o, suas contribuic;:oes program<iticas, dentre elas a prioridade do disCUISO oral, a reabilitac;:ao do empirismo descritivo, a identifica'Yao de fatos tidos como relevantes para a analise da "realizac;:ao interativa", a considerac;:ao de elementos nao verbais e do contexto situacional, a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento. Historicamente, como assinalamos na seyao precedente, a noc;:ao de interac;:ao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960, de ma neira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem. Ate ai, a disposic;:ao para tratar fen6menos comunicacionais, interacionais, infor macionais era ainda algo incipiente, e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982), que promovia, ja ametade do seculo xx, 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica. A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gera tivista, bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicac;:ao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direc;:ao aos fenomenos cornunicacionais. 0 que se ve na decada seguinte e a confirmac;:ao dessa tendencia, em especial no campo das abordagens enunciativas e pragm<iti cas, centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em intera'Yao entre si, com a linguagern e corn 0 mundo social. Se estas abordagens - rnuitas, centradas na significac;:ao linguistica intema - dao conta da interayao, contudo, eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica ... Na vertente pragmaticista, como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala, a noc;:ao de interac;:ao eabordada de maneira se melhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca, por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan, da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD, 1992). Muito do que chamamos hoje de Pragmc\tica Conversacional e de . Analise da Conversac;:ao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960, pautados pela preocupa~o com.a descric;:ao da a~o e poT urna visao comunicacional <I.e linguagem. Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato, a Pragma tica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o"(cf. Kerbrat-Orecchioni, 2001, p. 1). Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos, esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma abor dagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf. Berrendoner, 337 MUSSALIM • BENTES336 1981), as abordagens comunicacionais, argumentativas e textuais (cf. Austin, 1962, Bruner, 1975; Ducrot, 1980; Sperber e Wilson, 1986; Van Dijk, 1992), as abordagens discursivas (Maingueneau, [1986] 1996, [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf. Kerbrat-Orecchionni, 1990, 1996, 2001 ; Bange, 1992; Vion, 1992; Mondada, 1994, 2001). Para a linguista suilYa Lorenza Mondada, cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnome todologia,o estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer, em primeiro lugar, que a interalYao tern urn papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantes,como tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos; em segundo lugar, se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete, que operam com urn determinado tipo de dados - pro venientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica; em tcrceiro lugar, se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(:ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001, p. 62). Segundo Mondada, acertadamente, nao "basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf' (p. 62). Para ela, e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas, nem tampouco apagar a indexicalidade "propria de toda atividade, incluida a de quem investiga", oueliminar a figura social do pesquisador em campo, que deve interagir enquanto participante que "contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado" . Uk 63). ...~ -.":"......: ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar. Disso r<:sulta, entre outros aspec tos, a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio, bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva: A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena pe\os atores que coordenam entre e\es a intera.yiio, ajustando de forma reconhecive\ sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto. Esta concep.yiio niio exc1ui que haja normas. pe\o contrario: cia ~ra sempre que esw do invoc:adas de modo local e reflexivo no curso da a-rao, que e\as nlio determinam, mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a ava\ia-rao das expectativas normativas e morais, bern ItfT~O Po UNGUisncA como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage, 1984, ch. 4) (Mondada e Pekarek, 2000, p. 161). Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam, segundo as autoras, tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermi na.yao das alYoes sociais, "das quais a intera9iio conversacional euma das ma nifesta90es prototipicas" (p. 162). Contudo, ha os que se mostram desconfiados, como a sociologa francesa Nicole Ramognino, do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia. Ela considera, a proposito, que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da a.yi'io e produ.yi'io linguistica (1999). Considerando que, enquanto disciplina, a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais, Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica. Resumidamente, sao e1as, segundo a autora (2001, p. 62-3): a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral; b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos, sociolinguisticamellte diversificados; c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional, da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal; d) a difusao da Analise Conversacional de inspira.yao etnometodol6gica. No Br~il, sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional, dentre os quais podemos destacar, como exemplares, no campo dos estudos conversacionais e textuais, os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villa.ya Koch e de LuizAntonio Marcuschi. A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva, ambos tem conferido urn estatuto interacional aos proces sos conversacionais e textuais que analisam, como a conversa.yao face a face, 0 processamento textua~ a referencialYiio, a construlYiio de objetos de discurso etc. A perspectiva sociocognitiva, Ii qual podemos associar, entre outros, autores como Mondada (1994, 2001), Salomao (1999), Marcuschi (2003a, 2003b) ou Koch (2002), tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii per gunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento. Como afirma Marcuschi: Hoje entra com a\guma for.ya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogni.ylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e 339 MUSSALIM • BENTES 338 menos nas atividades de processamento, tal como se fez nas decadas de 1970"e 1980 no campo da Psicologia Experimental, quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo. Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas, metonimias, ironias, idiomatismos, polissemias, indeterminiwao referencial, deiticos, anaforas etc., chegando apropria noyao de contexto ( ... ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios. Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e, neste percurso, tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual. A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual, de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos, alem de uma teoria linguistica, tambem de uma teoria social (2003a: 01). Segundo essa perspectiva, enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes. Nesse ambito, importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante, bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf. Salomao, 1999). Segundo Marcuschi, em outro texto (2003b): Vista como atividade sociointerativa situada, a lingua nlio e uma forma de repre sentar a realidade. Assim, e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva, 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto, fazendo surgir coerencia e coesividade, nao sao propriedades intrinsecas apenas. Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo, nem no texto enquanto artefato. Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais, requerem-se, ainda, atividades linguisticas, cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0 acesso aconstruc,:ab'de sentidos partilhados (v. Beaugrande, 1997). o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tam bern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais, que sao, de acordo com Marcuschi, abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria. Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita, essa perspectiva "nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori, mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais" (2000, p. 34). INTRODU<;AO ;., UNGuiSTICA No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem., especialmente no que diz respeito amaneira como 0 sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas, as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch. Em sua obra A inter-ar;iio pe/a linguagem, de 1993, Koch defende uma concepyao de linguagem como interaylio, alYao interindividual e, portanto, social. Por meio dela realizam-se, no interior de situayoes sociais, ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes, atra yeS da prodUl,ao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p. 66) . A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro, ela ea ayao. A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos. A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do 'Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem. Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointe racionais, Koch afirrna que elas nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejador/organizador que, em sua interrelayao com outros sujeitos, vai construir urn texto, sob a influencia de uma complexa rede de fatores, entre
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