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MORATO Interacionismo no campo linguistico

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---
MUSSAUM • eams 
liD 
RICH, E.; KNIGHT, K. Artificial intelligence. New York: McGraw-Hill, 1991. 
RUMELHART, D. ; McCLELLAND, J. Parallell distributed processing: explorations in 
the microstructure of cognition. Cambridge: The MIT Press, v. 2, 1986. 
SAPORTA, S. Psycholinguistics. A book ojreadings. New York: Holt, Rinehart & Winton, 
196\. 
SMOLENSKY, P. On the proper treatment of connectionism. Behavioral and Brain 
Sciences, Jl : 1-74, 1988. 
THAGARD, P. Mind. Introduction to cognitive science. Cambridge: The MIT Press, 1996. 
WlTIGENSTEIN, L. Philosophical investigations. Oxford: Blackwell, 1953. 
.: ~ , 
r· 
" t8~~ :;< 
~~ 
 au 
9 
'" oINTERACIONISMO NO CAMPO LlNGUISTlCO* 
Edwiges Maria Morato 
yo no creo en caminos 
pero que los hay 
hay 
Paulo Leminski 
1.INTRODU~AO 
Inicialmente, 0 interacionismo em Linguistica significou uma rea~ao das 
posi~oes te6ricas externalistas contra 0 psicologismo que impregnava a ciencia 
da linguagem nos meados do seculo xx. Assim, num senti do largo do ter­
mo, podem ser considerados interacionistas aqueles dominios da Linguistica 
• Gostaria de agradecer aos que gentilmeote se prontificanlm a ler as primeilllS ve.wes deste texlo. 
Seodo, como diz a can~lo, "os pecados lodos meus", <levo i Ingedore G. Villa~ Koch, Ana Luiza Bustamante 
Smolka, Adriana Friszman de Laplane e Anna Christina Bcoles 0 melhor do que aqui se fez. Tambem gostaria 
de mencionar que todas as passagens extraldas de textos em lingua estrangeira foram traduzidas por mim pant 
PI fins deste capitulo. Ainda que drios des.scs IeXtos j8 CSlejam traduzidos pant 0 portugues, opCei poT traba­
,.com as ecf~ mais disponlveis, ciancio prefereacia _ originais sempre que posslvcL 0 Icitor e a Iciton 
IIberIo qual a edi~ utilizada ao final do texlo, DIS ref~cias bibliogr8ficas, e verlo a indi~o do ano da 
publi~o original quando da primeira ci~ do autor. 
313 MUSSAUM • BENTts312 
- como a Sociolinguistica, a Pragmatica, a Psicolinguistica, a Semantica Enun­
ciativa, a Analise da Conversas;ao, a Linguistica Textual, a Analise do Discurso 
- que se pautam por uma posis;ao externalista a respeito da linguagem, isto e, 
que se interessam nao apenas ou tao somente pelo tipo de sistema que ela e, mas 
pelo modo atraves do qual ela se relaciona com seus exteriores teoricos, com 0 
mundo externo, com as condis;oes mUltiplas e heterogeneas de sua constituiS;lio 
e funcionamento. 
Posteriormente, 0 interacionismo estabeleceu-se como uma das perspectivas 
maisl'rodutivas, seja estimulando e marcando de forma explicita as relas;oes da 
Linguistica com outras areas do conhecimento, investindo de interesse para 0 cam­
po certas categorias como "as;ao", "outro", "pratica", "sociedade", "cognis;ao", 
seja promovendo analises pluridisciplinares em torno do fenomeno linguistico e 
obrigando os linguistas a reftetir de forma sistematica sobre seu proprio objeto. 
Anos;ao de interas;ao, mesmo quando concebida de maneira vaga e imprecisa, 
tern sido pes;a importante para a compreensao das contingencias e vicissitudes 
do debate internalismo x externalismo nq· campo da Linguistica, ajudando a 
estabelecer epistemologicani'ente as relas;oes entre linguagem e exterioridade. 
Para muitos, a dimensao empirica que toma como analise situas;oes interativas 
nas quais a linguagem esta de alguma forma concern ida parece ser de fato uma 
alternativa ao beco sem saida representado pe\o impasse internalismo x externa­
lismo, ou urna possibilidade de entrever em relas;ao a ele uma posis;ao "hibrida" 
ainda em construs;ao. Os estudos aquisicionais, conversacionais, sociolinguisticos, 
discursivos e textuais sao urn born exemplo de lugares privilegiados para esse 
tipo de empreendimento. 
Urn dos desafios que se colocam para os que procuram compreender os al­
cances e os limites do interacionismo e seus avatares no campo da Linguistica e 
apreender com profundidade certos postulados dessa perspectiva, entre os quais a 
ideia de que a relavao .eptre·jnteras;ao e linguagem (ou entre itlteras;ao e aquisivao, 
interavao e comunica~£8': Interavao e cognis;ao) nao e necessariamente isomorfica. 
Para perscrutarmos 0 lugar epistemologico reservado a interas;ao na teoriza­
S;lio sobre a linguagem e entendermos 0 que a Linguistica tern procurado ganhar 
heuristicamente com essa nos;ao, recorramos - como ponto de partida - a urn 
conhecido postulado interacionista, segundo 0 qual ''toda as;ao humana procede 
de interavao". 
Entre outras coisas mais ou menos obvias, 0 enunciadb acima chama nossa 
ate~ para 0 fato de que sempre que em Linguistica negligenciamos ou sim­
plesmente deixamos de considerar que existe lingua porque existem falantes e 
que os falantes existem em funs;ao das alYoes que os instam de varias maneiras 
INTRODU~O AUNGuisTICA 
e em diferentes niveis de exigencia a pennanecer em relas;lio a alguma coisa e na 
relas;ao com alguma coisa, a analise sobre a linguagem falha de alguma forma, 
isto e, se torna necessaria mente parcial ou incompleta. 
Ao que parece, nossa natureza social simplesmente nao permite que escape­
mos a interas;ao. A partir dai, entretanto, restaria apreender melhor a diversidade 
de relas;oes que se estabelecem no seio de uma determinada interalYlio humana,ja 
que e importante saber se ela e circunstanciada pela relalYao entre interlocutores, 
entre discursos, entre semioses co-ocorrentes ou entre moleculas. Alem disso, 
poderiamos tambem tentar obter alguma resposta para a seguinte questao: se 0 
que cham amos interalYao resulta na verdade de uma especie de compilas;ao de 
processos diversos existentes no ambito das praticas humanas, com base em 
que termos podemos destacar algum aspecto (como 0 verbal, por exemplo) de 
sua constituilYao e correr 0 risco de apagar por meio de uma OPlYao metodol6­
gica ou de urn recorte teorico sua realidade multifacetada, caracterizada pela 
coexistencia de varios processos (sociais, psicol6gicos, contextuais, culturais, 
interpessoais etc.) justamente ... interatuantes? 
Se nao podemos simplesmente recusar a afirmas;ao segundo a qual prati­
camente toda alYao humana procede de interas;ao, a mesma disposis;ao nlio pode 
ser aplicada com relalYao ao que pode ser entendido em Linguistica por intera­
cionismo. Reconhecendo-se 0 esvaziamento semiintico que passou a partir de 
urn certo momenta a marcar a expressao, uma legilio de termos invocados para 
predica-Ia ou qualifica-la epistemologicamente surgiu em varias areas, de forma 
nota vel na Linguistica dedicada aos estudos etnograficos, bern como ao campo 
aplicado (voltado para 0 ensino de lingua, para 0 estudo das produlYOeS textuais na 
escola etc.): sociointeracionismo, interacionismo socio-historico, interacionismo 
construtivista, interacionismo discursivo, interacionismo simbolico etc. Afinal, 
estariamos inapelavelmente as voltas com tantos interacionismos quantas forero 
possiveis as conceplYoes de interalYao? 
Superar dicotomias cIassicas (lingua x fala, sujeito x objeto, competencia 
x desempenho) nas quais se funda como ciencia, e identificar, tanto quanto 
possivel, as consequencias teoricas e empiricas do interacionismo para a 
reftexao em torno da linguagem, sao desafios a que a Linguistica tern se pro­
posto a partir da insenylio dos elementos reputados desde Ferdinand de Saussure 
(1857-1913) como "heter6clitos" no estudo do objeto da ciencia da lingqagem: as 
pr:iticas sociais nas quais a linguagem esta imersa e que a constituem, as normas 
pragmaticas que presidem a utiliza~ao da linguagem. as multiplas atividades 
psicossociais que desenvolvem os falantes, os aspectos subjetivos e variaveis da 
lingua e seu funcionamento,as condilYOes materiais, psiquicas e ideol6gicas de 
315 MUSSALIM • BENTe; 
314 
produyao e interpretayao da significayao, a existencia de semioses coocorrentes 
nas pniticas discursivas, 0estatuto do "outro" no processo de aquisiyao da lin­
guagem pela crianya etc. 
Assim, se 0 nosso objetivo for proceder a uma especie de verificayao das 
consequencias te6ricas e empiricas da perspectiva interacionista no campo lin­
guistico, algumas considerayoes iniciais se tornam imprescindiveis. Em primeiro 
lugar, e recomendavel supor que entre os termos interayao e interacionismo 
existem certas distancias semanticas. Em segundo lugar, e importante admitir 
que nos defrontamos na atualidade com "interacionismos e interacionismos", 
o que requer que saibamos identificar 0 peso epistemologico dado adimensao 
interacional das ayoes humanas nos estudos da linguagem. Finalmente, e neces­
sario levar em conta que a Linguistica nao e ela mesma um bloco monolitico, 
e que tanto seus dominios internos quanta suas demarcayoes fronteiriyas com 
outras disciplinas do conhecimento tambem estao a exigir uma arbitragem teo­
rica do tipo interacional. Afinal, quando surge, 0 interacionismo representa urn 
esforyo pluridisciplinar com vistas ao. entendimento das relayoes entre individuo
'. . .... 
e sociedade. I' 
o que se pretende neste texto e destacar questoes como essas a fim de levan­
tar as problematicas te6ricas relevantes no quadro dos estudos interacionais no 
campo linguistico, bern como ipdicar suas consequencias epistemol6gicas mais 
amp las para a ciencia da linguagem. Nao pretendemos, pois, explorar neste texto 
um vies exegetico com relayao ao tema, nem tampoucO esboyar uma especie de 
cartografia dos estudos interacionistas. 
Posto isto, comecemos por admitir que falar, em Linguistica, em interayao 
ou em interacionismo e postular determinados modos de existencia, ou determi­
nados modos de funcionamento da linguagem. 
.. ~,:{=~·:..~i~ .. 
2. DAS VICISSITUDES DA'ft~O DE INTERA~EDE INTERACIONISMO 
A partir de uma vista d'olhos no que professam os autores e as teorias, nem 
sempre foi e e facil discemir as tendencias que se reivindicam ou se reputam 
interacionistas, seja no campo linguistico, seja fora dele. 
No campo da Filosofia, por exemplo, foi preciso esperar pelo questionamento 
do dualismo ontologico, com Descartes (1596-1650), para que urn interacionismo 
se colocasse como wna solu~ ou uma altemativa para dualismos classicos, 
como os que envolvem 0 problema corpo x mente, ou 0 problema fe x razAo. Para 
Descartes, vale lembrar, os processos implicados nesses binomios sao pensados 
separadamente, mas de forma interatuante. Certamente, muitos outros autores 
ern Filosofia - como Hobbes, Kant, Hegel, Marx ou Habennas, por exemplo 
_ tambem marcam os estudos interacionistas, cada urn asua maneira, por terem 
procurado fugir do beco sem said a de dualismos varios. 
No ambito da Linguistica, muitos sao os trabalhos ou autores que se reivin­
dicam interacionistas, saibamos ou nao 0 que entendem por interayao; muitos sao 
os trabalhos ou autores que nao reconhecem no interacionismo que professam 
semelhanyas com essa ou aquela posiyao tambem a ele associada; e muitos sao 
os trabalhos e autores que, reputados como interacionistas, rejeitam de alguma 
maneira esse rotulo. 
Certamente, muitas inadequayoes podem ser produzidas quando abrigamos 
sob a rubrica' "interacionismo" trabalhos ou autores de fato muito distintos. Por 
esse motivo, aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece 
ser de fato urn mosaico de inteligibilidades e metodos. AMm disso, se investirrnos 
a analise do termo interacionismo de um rigor conceitual e nao a dissociarmos 
do dominio empirico que 0 caracteriza ou concerne, haveremos de perceber que 
nem sempre 0 (mero) emprego do terrno interayao e suficiente para qualificar 
determinada reflexao como "interacionista". . 
De todo modo, longe de ser ou se apresentar como um programa teorico 
definido no campo linguistico, 0 interacionismo tem side capaz de marcar uma 
disposiyao de tomar a interayao como uma das categorias de amilise dos fatos de 
linguagem, e nao apenas 0 locus onde a linguagem acontece como espetaculo. E 
esta qualidade (ou esta circunstancia ...) 0 que tornariajustificavel sua inseryao 
entre os movimentos teoricos que fazem a ciencia da linguagem avanyar. 
Eprecisamente por isso que, no ponto em que estamos, certas questoes de­
vem ser destacadas, sendo a delimitayao do conceito de interayao certamente uma 
delas. Se nao for assim, dificilmente saberemos identificar diferentes acepyoes 
do termo quando falamos em dirnensao interacional da linguagem, ou quando 
elevamos a interayao (social) acondiyao de principio explicativo para os fatos 
de linguagem ou quando postulamos urna "Linguistica Interacional". 
No enfrentamento de seu carater polissemico, 0 termo interayao requer que 
pensemos de alguma forma em urn de seus trayos definidores mais expressivos, 
ligado - como se observa na raiz (inter) - aideia de influencia reciproca; em 
segundo lugar, ele nos convida a pensar em algo comparti11!ado de forma reflexiva 
(isto e, a a~ao). Porem, como bem nota Vion em seu livro La communication 
verbaJe - Ana~vse des interactions (1992), essa defini~ Dio marca oenhuma 
diferenya entre trocas conversacionais, transa~Oes financeiras, jogos amorosos 
ou lutas de boxe. De todo modo, ela e capaz de indicar que toda empreitada ou 
317 
MUSSAUM • BEI'ITEs316 
ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social, submete-se as regras 
de gestao historico-cultural , nao enunca ideologicamente neutra. 
Procurando explorar essa quesmo, consideremos que 0 que primeiro se evoca 
nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta 
(seja conflituosa, seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos, 
sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso. Enquanto 
categoria de analise, a interayao permite que se discutam, pois, a qualidade e a 
circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos, em variados 
contextos, praticas e situayoes. 
Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de 
relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas, constituidas e marca­
das por condic;:oes materiais de vida em sociedade, ela nao autoriza ou indica a 
eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo. 
A Linguistica, no entanto, tern se preocupado em delimitar a noc;:ao, reser­
vando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno, ou seja, 
a interac;:ao verbal, tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado, como 
toda interayao. Quanto a este ponto, todavia, alguns linguistas chamam a atenyao 
para 0 fato de que a ausencia de manifestac;:ao verbal em certas ac;:oes nao elimina 
a presenc;:a obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao: 
(..) Alias, parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das ac;:oes possa se efetuar 
de ol!~a forma que nao na presen'Ya permanente de urn controle discursivo inte­
riorizado. Nessas condi'Yoes, toda atividade social, de qualquer natureza que seja, 
coloca inevitavelmente emjogo, mesmo que as vezes de maneira bastante indireta, 
a ordem da 1inguagem (Vion, 1992, p. 98-99). 
Para Kerbrat-Orecchioni, num texto em que analisa a inseryao da noyao 
de interayao na'J"jnguistica francesa, ela nao se constitui como uma das grandes 
preocupac;:oes da 'ilnguistica modema, "a despeito de vigorosos ape los de um 
Bakhtin, de urn Jakobson ou de alguns outros" (1998, p. 5.1). 
A quesmo que essa autora se coloca e: se parece mo incontestavel que "falar 
a 
e agir" ("speaking is interacting"), de acordo com Gumperz (1982), ou que "a 
interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem", de acordo com Bakhtin 
([ 1929) 1981), por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto 
a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao 
interpess0a1 (cf. p. 51-2)?A resposta para essa quest3o, na verdade, nao e t30 complicada como sup<!e 
a au1ora.. Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas, 
INTROD!.I(:AO AUNGuisrlCA 
se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou 
a presenc;:a da interayao como elemento constitutivo da linguagem, question am a 
afirmac;:ao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicac;:ao. 
Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa 
posiryao, que nao ve na comunicac;:ao a marca distintiva da linguagem, outros 
processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos: 
Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunica'Y30, certamente 
comunicamos por ela aos outros nossas experiencias, estabelecemos, por-eIa, com os 
outros, lac;:os contratuais por que interagimos enos compreendemos, influenciamos 
os outros com nossas opc;:oes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo, 
com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele. Mas se queremos imaginar 
esse comportamento como uma "aC;:30" livre e ativa e criadora, suscetivel de pelo 
menos renovar-se ultrapassando as conven'Yoes e as heranc;:as, processo em crise 
de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura, temos enmo que apreende-Ia 
nessa rela'Y3o instavel de interioridade e-exterioridade, de diaIogo e solil6quio: 
antes de ser para a comunicac;:ao, a linguagem epara a elabora'Yao; e antes de ser 
mensagem, a linguagem e construc;:ao do' pensamento; e antes de ser veiculo de 
sentimentos, ideias, emoc;:oes, aspirac;:oes, a linguagem eurn processo criador em 
que organizamos e informamos as nossas experiencias (. . .) 0 funcionalismo tern 
examinado, com detalhes, as "ac;:oes" em que a Iinguagem esti, deixando a margem 
a aC;:30 que ela e(1977, p. 18-9). 
Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano, a Iingua­
gem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social; 
eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de 
nossa aryao sobre 0 mundo. Ou seja, podemos dizer da .linguagem que ela euma 
ac;:ao humana (ela predica, interpreta, representa, influencia, modifica, configura, 
contingencia, transforma etc.) na mesma proporryao em que podemos dizer da 
ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem. 
Nessa relac;:ao dialetica de interioridade-exterioridade, a linguagem enCOD­
tea na significaryao sua func;:ao precipua. Com isso, reconhece-se que a lingua 
nao e s6 signo, e ayao, e.trabalho coletivo dos falantes, nao esimplesmente urn 
intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo. Ha vanos fatores que mobi­
lizam esta relayao, aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente 
!lito (a lingua): as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados, 
.qualidade das intera~oes humanas, 0 valor intersubjetivo da linguagem, as 
CootmgeDcias materiais da vida em sociedade, os diferentes universos discursi­
vos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo, as Dormas 
MUSSAUM • BENTES318 
pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem, a polissemia existe~te 
entre lingua e (inter)discurso. 
Esse ponto de vista sobre a significayao, essa "prtitica quase-estruturante 
e sociar' (Franchi, 1986, p. 25), tao caro as correntes enunciativas e discursivas, 
postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao. Contudo, 
ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas 
do sentido, urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro. Implicam dife­
rentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao 
sobre as ayoes em curso na interayao. Sen do, pois, duas formas de significancia 
(cf. Benveniste, 1966), significayao e comunicayao nao se confundem, mas sao 
indissociaveis nas praticas discursivas. 
Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas, que se encontram 
intimamente relacionadas nas praticas linguisticas, e porque isso po de trazer 
- pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas, voltadas para 
o estudo da intersubjetividade, das diversas instanciayoes enunciativas e da 
metliinguagem. 
Segundo Claudine Norinand (1990, p. 334), a comunicayao nos indica que 
o sujeito "tern algo a dizer ou a mostrar"; a significayao nos indica que 0 sujeito 
mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de inter­
pretar e ser interpretado, de representar ou dar "representabilidade" as coisas do 
mundo. Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a 
ela - produz senti do, 0 sentido eproduyao de interayao: 0 outro nos e necessario 
para sabetmos 0 que estamos a dizer, e mais, para construirmos 0 senti do daquilo 
que estamos a dizer. Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de 
analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital 
para a compreensao das tarefas interpretativas. 
Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de 
principio . explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva 
bakhtiniana), tamb€ril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de "curinga 
categorial" de varias abordagens heterogeneas, que servem a prop6sitos te6ricos 
e metodol6gicos muito diversos. Nesse sentido, nao raras vezes ela e considerada 
em termos de "tudo ou nada" na analise de objetos e fatos de linguagem. 
Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao 
entre dado observavel e representayao te6rica: se, de urn lado, dificilmente se 
pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados 
lini\listicos, de outro lado. a "idealiza~o" dos fenomenos linguisticos propria a 
certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades 
intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da intera­
-
-
IIITROD~OAUNGuisTiCA 
319 
vao.1 Assim, ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria 
(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa, por exemplo), ou 
diversos conceitos, entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto, uma vez irnpreg­
nados de "interayao", acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso. 
Urn outro problema relacionado a esse ponto e que, a exemplo do que 
acontece em outras disciplinas, tambem em Linguistica a concepyao de cornu­
nicayao e facilmente confundida com a de interayao, correspondencia que chega 
mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com 
uma perspectiva interacionista. Da complicada e inadvertida vinculayao direta 
entre esses termos resulta que, entre outras coisas, a comunicabilidade (isto e, a 
disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens, 
prescindindo, pois, de qualquer teorizayao mais especifica. Nesse contexto, a 
interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem, isto 
e, a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas. 
Para Kerbrat-Orecchioni, 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relati­
vamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve 
a uma especie de "denegar;:iio da vocar;:iio comunicativa da linguagem" (1998, 
p. 52), explicada pela tradiyao filol6gica, pelas dificuldades praticas de analisar _ 
urn objeto tao variavel e multifacetado, pela inseryao da sociologia durkheimia­
na (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa, pela 
inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represen­
tada tanto pela Escola de Chicago, da qual eexpoente E. Goffman, quanto pela 
Analise da Conversayao, de que sao fundadores os etnometod610gos H. Sacks 
e E. Schegloft), voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenosculturais (como s.istemas de parentesco, mitos e ritos). 
Em boa parte em funyao dessas infiuencias, a introduyao definitiva das 
dimensoes sociais, culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem 
fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfofl;os acompreensao de 
fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes. 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracteris­
fiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes 
de comunicayao. Chama de "interayao nao focalizada" a que ocorre em funyao 
9a simples presenya de dois individuos, e de "intera~ao focalizada" aquela que 
inclui a conversayao face a face. 
Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico, ao 
qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan, 
,,' ­
-II I. Devo esta observ~, 80 colega Heronides de Melo Moura. 
MUSSAUM • BENTES 
320 
a Psicolog
ia 
Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas 
com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade. 
Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desen­
vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas, isto e, que ocorrem na ausencia 
de uma intera~ao social direta, que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal). Para GotTman, haveria 
em todo contexto interativo algo que lhe e propriO, construido em fun~ao das 
particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es 
no curso de uma determinada a~ao : 
( ... ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de 
interayoes passadas com outros participantes - ou pe\o menoS com participantes do 
mesmo tipo; do mesmo modo, ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes 
culturais que presume serem partilhadas (1988, p. 197). 
Ao final dos anos de 1970, tanto a Etnometodologia, quanto outras abor­
dagens microssociologicas', desenvolve'm-se no mundo todo. Alguns autores 
relacionam esse fato ao dec\inio ­ verificado a epoca ­ do prestigio de posi­
y5es marxistas mais ortodoxas. A influencia marcante da Etnometodologia nao 
deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao 
sociolog
ica 
europeia. Com isso, as questoes valorizadas no campo passam a ser 
nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ 
socia is, mas sim as que se baseiam em analises micro, isto e, as que conferem 
especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos, as novas condi~oes de 
trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao, ao 
levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao 
entre individuos e grupos sociais etc. 
Coube ao nort~;ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodolo­
gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que 
caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal, analisando 0 modo como 
os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situa9 
0es 
especifi­
cas da vida cotidiana. A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura 
a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o 
todo urn sistema de cren9as e "modos de agir" dos sujeitos em intera9 30 . 
Vigente ate hoje, esse enfoque, baseado em modelos normativos de a~o 
inspindos em diferen&es enquadres te6ricos e autores, como Garfinkel, Habenll8 
Schlitz, Boudon ou Boltanski, prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social. 
bern como nas intera90es verbais; as estrategias e os savoir-faire comunicativOS; a 
INlROOU~AUNGuisnCA 321 
constru~ao de imagens identitarias; a gestao de regras pragm<iticas; as intera<;oes 
no mundo do trabalho; a institucionalizas:ao dos espa<;os interativos; os tipos ou 
formas gerais de intera~ao etc. 
o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) 
se pauta ou se restringe, pois, a situa~oes especificas que condicionam a comu­
nica<;ao interpessoal. Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam 
o que se passa local mente na ayao. 
Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram 
Jinhas de conduta em situayoes concretas, a Hnometodologia toma-se, como 
ressalta Vion (1992), proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psi­
cologo norte-americano George Mead (1863-1931), volta do para a investigayao 
da genese da subjetividade (mais precisamente, do Self) no processo de interayao 
social. Para Mead, 0 sujeito (0 Self, que corresponde a uma identidade construida 
socialmente) se constitui enquanto tal na comunica<;ao e por ela: 
A importancia daq~lo que n6s chamamos de "comunicayao" resIde no fato de que 
ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo, 0 individuo, pode 
tomar-se urn objelo para si mesmo ( ... ).0 Self, sendo urn objeto para si, eessencial­
mente uma estrutura social, e nasce na experiencia social ([1934]1963, p. 118-9). 
Entretanto, como afirrna Vion (1992), se para a interacionisma sirnbolico 
tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as es­
truturas sociais, quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo 
iIa realidade social, para os etnometodologos, e a propria a9ao - localmente 
lnvestigada ­ que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional 
• e da indexicalidade de toda ayao). 
No campo saciologico, a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesqui­
etnometodologicas, ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar 
em metodologos de suas a~Oes, algo que seria proprio das analises 
localmente na ayao, nao deixou de ser registrada por varios autores, 
Phillips: 
. De urn lado, a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem ° trabalho 
de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 "abismo" 
que separa 0 situacional e 0 geral, como, por exemplo, as praticas "ad hoeing" e 
"principio de et cetera". Mas, de outro lado, as pesquisas efetivamente conduzidas 
em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras "pniticas" de ordens 
diferentes, mas que podem muilo plausivelmcnle, e apesar das recome~ da 
serem apresentadas como "regras", seja qual for a generalidade (1978, p. 64). 
MU5SAUM • BENItS 
322 
A chamada Linguistica Interacional, mas nao apenas ela, deve muito a 
essas vertentes. 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de intera­
yaO no campo da Linguistica lnteracional (cf. Kerbrat-Orecchioni, 1990, 1998; 
Vion, 1992; Mondada, 1994,2001) configura urn conjunto de questoes Jigadas 
a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo: pniti­
cas, estrategias e operayoes linguageiras, dinamicas de trocas conversacionais, 
comunicayao verbal e nao verbal, construyao de valores culturais, atividades 
referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes, normas pragmaticas que 
presidem a utilizayao da linguagem etc. Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de 
que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo, mesmo 0 que 
nao envolve ayao conjunta, ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na 
significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 
que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos, soliloquios, textos 
escritos, conferencias, discurso interior etc.). 
Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento, me­
moria, percepyao etc.) geq:tu, desde os,a,nos 1960, muitos estudos no terreno do 
interacionismo. Esta perspectiva, na verdade, coexiste aepoca com outrasabor­
dagens teoricas, isto e, 0 inatismo e 0 cognitivismo, que reservam alinguagem 
urn lugar epistemologico distinto. 
Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico, a relayao entre 
linguagem e pensamento -como, de resto, todo fenomeno cognitiv~ - foi 
primeiramente vinculada ao biologico, e concebida praticamente amargem da 
linguagem e das interayoes sociais. 
Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio 
circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo, autores como Piaget, 
Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneira­
para 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica. 
..... :S.'."r.. _.I' .. ;As abordagiQ5'<;onstrutivistas, a partir dos trabalhos inspirados na teoria da 
.ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos 
resulta de uma "troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da 
a~ao e a tomado de consciencia do objeto" ([1974]1976) - consideram que-a 
cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organis­
mo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da 
interayao que mantem com 0 meio ambiente, deterrninante de forrnas possiveis 
de linguagem e de outros sistemas cognitivos. . 
Por seu tumo, as abordagens interacionistas DO campo psicoliQ&Uistico con­
sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na 
relayao entre sujeito e realidade: intercognitivo (sujeito/mundo) e intracognitivo 
ImROOU<;AO;" UNGuisTICA 323 
(linguagem e outros process os cognitivos). A interayao e a base da construyao do 
conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social). Cogniyao, 
aqui, define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e 
totalizado ou subsumido por linguagem, mas que de alguma forma se encontra 
sob sua responsabilidade. Os processos cognitivos, dependentes (assim como a 
linguagem) da significayao, nao sao tornados como comportamentos previsiveis 
ou aprioristicamente concebidos, como se estivessem a margem das rotinas 
significativas da vida em sociedade. Nessa abordagem, 0 tipo de relayao que se 
estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade, na medida 
em que supoe que "nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios 
cognitivos fora da linguagem, nem possibilidades de linguagemfora de processos 
interativos humanos" (Morato, 1996, p. 18). 
Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e 
o adquirido socialmente, as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos 
de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivis­
tas. Contudo, embora "Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos, 0 
construtivismo e 0 interacionismo preconizados, respectivamente, por Piaget e 
Vygotsky, estiio longe de serem identicos. 
Para 0 primeiro, cumpre lembrar, e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de 
linguagem, via noyao de desenvolvimento; para 0 segundo, a linguagem e 0 motor 
do processo de aquisiyao cognitiva geral, via noyao de mediayao (interayiio so­
cial). As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao, respectivamente, ocupam um 
lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo 
em uma e em outra abordagem. 
Resumidamente, o.que pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)? 
Em sua vasta obra, Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos 
processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana. Na 
compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos, Piaget 
postula a existencia de urn "processo central de equilibra~iio", respons3vel pelos 
processos de adapta~ao e de organiza~iio. Para ele, 0 organismo possui um con­
junto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante; uma situayiio 
que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio, obrigando-o a 
adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio. Esse processo, essencial 
para 0 desenvolvimento cognitivo humano, echamado por Piaget de equilibra~ao 
([1974]1976). 
A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo 
em desenvolvimento, 0 autor identifica !res tipos de equilibra~ao: 0 que ocorre 
nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento, objetos de 
324 
325 MUSSALIM • BENTES 
aprendizagem); 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos; e 0 
que diz respeito as relayoes sociais, que envolvem as interayoes entre os subsiste­
mas cognitivos e 0 mundo circundante. Como se observa a partir dessa brevissima 
menyao aos estudos piagetianos, a formulayao das considerayoes a respeito do 
equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos 
estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais. 
Se, de fato, Piaget (como a Psicologia, cumpre assinalar) nao ignorava que 0 
desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro 
(notadamente com a mae), 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento 
(ou no dominio cognitivo) da crianya, implicou uma exc1usao da linguagem do 
arcabouyo te6rico construtivista (cf. Pereira de Castro, 200 I). 
Por outro lado, se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese 
e 0 desenvolvimento cognitivo, estaremos as voltas com uma perspectiva deno­
minada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural, cujo maior expoente 
e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934). 
Quando se focaliza hoj~ 0 estudo da,cogniyao em meio as atividades so­
cioculturais dos sujeitos e n~' presenya de uma ordem da linguagem que nao a 
reduz ao sistema linguistico stricto sensu, 0 fato nao deixa d$! representar de ­
alguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res 
como Vygotsky. Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica, como a 
construs;ao da referencia, os processos meta, 0 discurso interior, a indetermina­
s;ao semantica, 0 contexto pragmatico das operas;oes cognitivas, a reflexividade 
etc., ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva so­
ciocultural da cogniS;ao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas 
primeiras decadas do seculo xx. Nessa perspeetiva, a linguagem, tanto por suas . 
propriedades formais quanto discursivas, 6 uma forma privilegiada de cognis;ao. 
Para Vygotsky, e a signifieayao 0 que plasma a relas;ao do tipo constitutiva 
entre linguagem e eo@!~~o. Em suas palavras: 
' .(.". 
o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos. Ete emediado 
intemamente pelos sentidos ( ...) A comunica'Yiio da consciencia pode ser realizada 
somente indiretamente, atraves de um caminho mediado ([1934]1987, p. 282). 
Segundo ele pr6prio afirma a respeito , desse "caminho mediado": "s6 a 
linguagem poe essd relar;ao a claro". 
Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece 
enunciativamente, isto ·6, nas situarr~s dial6gicas, ele identifiea urn continuum 
entre interioridade e exterioridade; ele estabeleee, amaneira de Bakhtin, uma 
INTROOUylO AUNGuisTICA 
fronteira dialetica de "duas esferas da realidade". Sobre isso, a prop6sito, afirma 
Bakhtin: 
A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente 
realizada ( ... ) Vma vez materializada, a expressao exerce um efeito reversivo so­
bre a atividade mental : ela poe-se entiio a estruturar a vida interior, a dar-Ihe uma 
expressiio ainda mais definida e mais estlivel. Essa a'Yiio reversiva da expressao 
bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser 
sempre considerada. Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao 
nosso mundo interior, mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades 
de nossa expressao, aos seus caminhos e orienta,<oes possiveis (1981 , p. 118). 
Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a 
natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social. 0 primeiro 
pode ser apreendido peladescris;ao do proeesso de internalizas;ao, em que oou­
tro, e a fala do outro, orientam as avoes da crianya, mediando discursivamente a 
refert!ncia (0 percurso intercognitivo). 
A internalizac;:ao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao 
organizadora que, por sua vez, emerge, segundo Vygotsky, na relas;ao entre a fala 
e a as;ao, no momento em que as duas se "deslocam": . 
Vma vez que as crianr;:as aprendem a usar efetivamente a fim'Yiio planejadora de sua 
linguagem, 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente. Vma visao q~ futuro e, 
agora, parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ... ) Assim, com 
a ajuda da fala, as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto 
de seu pr6prio comportamento (1984, p. 29-31). 
Internalizando a linguagem do outro, preservando em termos intracogni­
tivos seu papel mediador (e organizador), ao qual submete suas pr6prias arr~s, 
a criaDs;a passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas 
do/no mundo; da dependencia da forma dialogal para, a partir da diferenciavao 
dos papeis enunciativos, uma certa autonomia enuneiativa; de urna especie de 
conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica; da dependeneia do 
extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como 
indispensavel fonte interpretativa. 
De fato, os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva, que salieD­
ta a socio1!enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos 
aquisicionais, por exempl0, Claudia de Lemos, num texto intitulado Universais 
Iinguisticos ou lingua original? (1981), reconhece naquele momenta a infIuencia 
326 
MUSSAlIM • BEKTfS 
de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao 
linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a 
interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op. cit.: 37). Com 
reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos 
aquisicionais, vejamos 0 que afinna De Lemos, num texto de 1990, intitulado 
Afum;ao e 0 destino da palavra alheia: tres momentos da reflexao de Bakhtin: 
Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de 
entendimento da..aquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela 
qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro, de si proprio 
e de estados de coisas no mundo. Recentemente tenho-me dado conta de forma 
mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em 
discurso proprio (.. .)Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma 
condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro? (1990, p. 2). 
Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia 
de interayao) no campo lingu~tico sao complexos, se nao a tomamos sumaria­
mente como comunicayao, conversayao ou troca de infonnayoes. Nao menos 
complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao, enquanto pratica social, coloca 
em cena: 0 que env.olve as relac;oes entre reflexao e ayao. Essa questiio surge para 
as perspectivas interacionistas sob vanas formas . 
Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognic;ao humana, 
bern como das abordagens conversacionais, de inspiraC;ao etnografica, e tambem 
como reac;ao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial, surge nas ulti­
mas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de "teoria da ac;ao" 
ou ''teoria da ac;ao situada", cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida 
pelos sujeitos no decurso da interaC;ao. Por este tenno - ac;ao situada ("situated 
action") - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circuns­
tancias materiais e soqai$,rlas quais se dlio; assim, procura-se a partir dessa noyao, 
nascida no ambito dos(,estudos desenvolvidos em Etnometodologia, descrever 
e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aC;Oes no decurso da in­
terac;ao na qual estiio envolvidos (Suchroan, 1987). Nessa perspectiva, as ac;Oes 
sao tidas como social e fisicamente situadas; a situac;ao na qual se dao as ~Oes 
_ nao redutivel a urn ''jogo de representaf;oes mentais previamente objetivadas 
nos aparelhos cognitivos" (Visetti, 1989) - e essencial para se compreender 0 
que nelas se passa. 
Asiociada • ~ de ~ situada. WD-SC a de "cO&Di9lio situada". que se 
fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao, com base no argumento 
segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e 
'I! 
INlHOoui;Ao AUNGuisncA 327 
parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coad­
juvante (Resnick et al., 1991). Assim, para essa abordagem, todo ato cognitivo 
deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias. 
A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou 
situacional no qual se desenvolve uma atividade, mas tambem a instrumentos cog­
nitivos que utilizamos cotidianamente. Vale lembrar que a ideia de "instrumentos 
cognitivos" e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky, 
para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia, 0 
"instrumento dos instrumentos". 
A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de 
estudo dos que trabalham com 0 conceito de cognic;iio situada e se pautam pelo 
primado da atividade social postulado por Vygotsky, Leontiev e Luria - a cele­
bre "troika" da Psicologia Sovietica que, nas primeiras decadas do seculo XX, 
dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognic;ao 
humana. Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepC;ao de in­
terayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisic;ao da linguagem 
se torna possivel, como podemos observar na seguinte passagem de Mondada 
e Pekarek: 
A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos: de uma parte,ela 
pode ser considerada como enraizada na intera<yao social (Rogoff, 1990); de outra 
parte, ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais 
e culturais mais largos (Cole, 1994 e 1995; Wertsch, 1991a e b);a abordagem socio­
cultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente (...)Aatividade, 
enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas, encontra-se 
assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental. 
Nesses termos, encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao 
como pnitica, distribuida, emergente das atividades locais, que nao somente se 
opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade 
e de intencionalidade, mas que, mais geralmente, se recusa aseparaylio entre 0 que 
relevaria do dominio do desenvolvimento individual, cognitivo e autonomo, e do 
que relevaria do dominio da atividade coletiva, interativa e social (2000, p: 154-5). 
Para Mondada e Pekarek, 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica 
e local das atividades desenvolvidas no interior de situaC;Oes humanas como a 
aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela 
qual sao compreendidas' as relaC;oes interpessoais, certos valores sociais (como 
competencia. padrOes normativos). detenninadas formas de estruturaC;ao dos 
eventos comunicativos, maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades 
etc. (op. cit: 160). 
329 MUSSAlIM • 8£NITS 328 
Aquestao posta pelas autoras, relativa ao entendimento de que as diferentes 
competencias humanas estao "imbricadas nas atividades enos quadros de parti­
cipayao especificas" (p. 169) dos sujeitos, nao deixa de evocar a discussao entre 
reflexao e ayao, frequente de uma forma ou de outra no interacionismo. 
o interess~ pelas formas (conscientes/inconscientes, voluntarias/involunta­
rias, subjetivas/intersubjetivas,explicitas/implicitas etc.) pelas quais os sujeitos 
apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos 
trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao, seja qual for 0 posto de 
observayao adotado. 
Como exemplo desse interesse, tomemos a postulayao de uma reciprocidade 
entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos 
imersos nas pniticas sociais. Esse entendimento, presente na obra de sociologos 
como Max Weber, Anthony Giddens ou Norbert Elias, tambem se ve, por exemplo, 
na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine, intitulado Socia/agia 
- da a~ao, publicado originalmente em 1965, no qual 0 autor sublinha: 
- ~ . 
Uma ayao social s6 existe se, em primeiro lugar, esta orientada a certos objetivos, 
.orientayao que, como se sublinhara mais adiante, nao deve ser definida em termos 
de inten¢es individuais, conscientes; se, em segundo lugar, 0 ator esta situado em 
sistemas de'telayOes sociais; se, por ultimo, a interayao se faz comunicayao grayas 
ao emprego de sistemas simb6licos, dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ...) 
De urn lado, a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social; 
e, antes de tudo, criayao, inovayao, atribuiyao de sentido ( ... ) Mas esta ayao nao­
pode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968, p. 19-20). 
Arrazoados como 0 acima, afinados com uma iniciativa racionalista, admi­
tern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus 
muodos de a~o, agip5!P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-;:ao a eles. . 
Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao 
marxista, como 0 frances Pierre Bourdieu, que critica nos chamados ''teoricos 
da ayao" (como SchUtz ou Garfinkel, por exemplo) uma especie de naturalizayao 
da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social 
ou de rela~s sociais. Ou seja, ele critica a suposi~ao de que os individuos uni­
versalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao, como se fossem propriedades 
mentais e automatizadas oa propria a~ao, e nao nas rela~Oes que as condicionam 
maacrialmcDie, ideologicamente, discursivamente. 
Para Bourdieu, essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inte­
leetual e relayao pratica, e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao 
IrmoD~AuNGuisnCA 
sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas 
pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda ac;ao, mesmo que 
estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais, his­
tori cas, ideologicas. Para Bourdieu (1980), vale lembrar, nos agimos num mundo 
que "impoe sua presen~a. com suas urgencias. suas coisas aJazer e a dizer. suas 
coisasJeitas para serem ditas. que comandam diretamente os gestos ou asJalas 
semjamais se desdobrar como um espetdculo". 
Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via 
conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Lin­
guistica e interpe\ada pelo sociologo frances : 
a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e, a que envolve a relayao 
entre reftexao e ayao) parte do principio de que, por estar interessado na ayao que 
realizam os atores nas praticas socia is, ele teria negligenciado a reftexao de que 
sao capazes para agir socialmente, dando pouca impomncia (ou uma importancia 
menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem 
sobre suas ayoes. (2002, p. 33). 
Porem, 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica, como se 
VI! em Reponses, de 1992, oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua 
posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo, 
afirmando que 0 habitus. essa matriz ideol6gica, determinada pela posi~ao so­
cial a partir da qual se ve e age no mundo, e urn "sistema de disposi~ao aberto 
duIivel, mas nao imutavel". 
Como apontam Morato e Bentes, podemos encontrar nessa e em Outras 
passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista, uma 
tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes 
a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares. 
Para Bourdieu (1979), fenomenos sociologicos, como a distin~o e 0 habitus, 
impregnam profundamente os psiquismos e os corpos, atraves deles podemos 
observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas. Dai 
que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial, posto 
que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social, seus 
pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o. Desde que as estruturas 
sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade, e esta participa 
das primeiras, haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o 
da distinyao entre reflexao e ayao (2002, p. 34). 
Se, inicialmente, a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~!o proje­
tou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodo­
330 331 MUSSAUM • BHlffS 
logia, 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos 
te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch 
Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas, com a introduc,;ao de uma concepc,;ao 
hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmac,;ao de uma ordem social na qual se 
inscreve a linguagem, vista a partir de uma perspectiva dial6gica. Uma boa ex­
pressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da noc,;ao de interac,;ao, 
com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica, 
e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo. 
Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de intera­
c,;ao, Bakhtin vincula as interac,;oes verbais as interac,;oes sociais mais amplas, 
relacionando a nos;ao nao apenas com as situas;oes face a face, mas as situas;oes 
enunciativas, aos processos dial6gicos, aos generos discursivos, a dimensao esti­
Hstica dos generos. Na perspectiva bakhtiniana, a interac,;ao verbal e a "realidade 
fundamental da Hngua", e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa 
interas;ao, urn modo de produs;ao social da Hngua. 
Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem, de \929,0 texto 
que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizac,;ao linguistica modema., Bakhtin 
ja reffete sobre 0 problema da interac,;ao empregando, em 1925, a expressao 
"interac,;ao verbal face a face" em sua obra tcrits sur Ie freudisme. Ao analisar 
a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo 
social, Bakhtin indica 0 lugar da interas;ao em uma teoria social da enunciayao, 
formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito, afirmando que 0 
enunciado e "0 produto de uma intera~iio entre locutores, e, de maneira mais 
ampla, 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu" (1980, 
p. 174). 
Como podemos perceber, a concepyao dial6gico-discursiva de interayao 
desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiy<ies rnateriais de produs;ao e leva em 
conta fatores de signii\~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente, 
isto e, constituidos a pahir'dos mecanismos e das condis;oes de produyao que os 
mobilizam. Para ele, lembremos, a lingua "constitui um processo de evolufiio 
ininterrupto; que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores" e 
o produto desta interas;ao, a enuncias;ao, tern "uma estrutura puramente social, 
dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocu­
tores" (1981, p. 127). 
A prop6sito, num capitulo de seu livro Portos de passagem, no qual analisa a 
metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf. Bakhtin, 1981, 
p. 124), Geraldi assim situa - e, ao faze-Io, exprimeurna sintese da perspectiva 
diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interas;Oes entre os sujeitos: 
INTROoucAO AUNGuisnCA 
os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros, sua 
consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como "produto" deste mesmo 
processo. Neste sentido, 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn 
arteslio, mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os 
outros que ela se constitui ( ... ) As interac,:Oes nao se dao fora de urn contexto social e 
hist6rico mais amplo; na verdade, elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos 
singulares, no interior enos limites de uma detenninada form~o social, sofrendo as 
interferencias, os controles e as sele90es impostas por esta. TambCm nlio sao, em rela­
930 a estas condi95es, inocentes. Sao produtivas e hisroricas, e como tais, acontecendo 
no interior enos limites do social, constroem por sua vez limites novos (1991, p. 6). -
Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da 
Comunicas;iio, a conceps;ao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito 
meramente interpessoal, ultrapassa 0 contexto imediato e local de produS;iio 
da significas;ao, ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito, voltando-se para 
os mecanismos de constituis;ao e determinas;ao das condutas humanas, por sua 
vez baseados nas condis;oes materiais e ideologicas de vida em sociedade. Esta 
concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao 
opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir, modos de 
pensar, modos de sentir). 
Critico do que denominou subjetivismo abstrato, Bakhtin fOIjou urn construto 
te6rico critico em relas;ao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao, a consciencia., 
a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao, a enunciayao). A nos;iio de dialo­
gismo, tal como postulada por ele, explode essa dicotomia: 
A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completa­
mente rejeitada. 0 centro organizador de toda enuncia9ao, de toda expressao, nao 
e interior, mas exterior: esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ... ) 
A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social, quer se trate de 
urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo 
que coostitui 0 conjuoto das condic,:Oes de vida de uma determinada comunidade 
linguistica (1981, p: 107). 
Para Bakhtin, e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyao'da 
linguagem e da constituiyao dos sujeitos, como se afirrna em vanas passagens 
do celebre sexto capitulo (intitulado "A intera~ao verbal") de sua obra Marxismo 
efilosofia da linguagem, do qual extraimos 0 trecho abaixo: . 
A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de 
fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada, nem pelo ato psicofi­
MUSSALIM • BErms332 
siol6gico de sua produyao, mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal, realizada 
atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes. A intera~ao verbal constitui assim a re­
alidade fundamental da lingua. C... ) Um importante problema decorre dai: 0 estudo 
das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a 
situayao imediata, mas tambem, atraves dela, 0 contexte social mais amplo. Essas 
relayoes tomam formas diversas, e os diversos elementos da situayiio recebem, em 
Jigayao com uma ou outra forma, uma significayao diferente (assim, os elos que se 
estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica 
diferem dos de uma comunicayiio cientifica). A comunicayao verbal niio podeni 
jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta. A 
comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao 
e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981, p. 123). 
Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se 
reporta arelayao entre enunciados, bern como apropria condic;:ao de seu acon­
tecimento - Todorov propoe dois tipos de relac;:ao dialogica, a interlocuc;:ao e a 
intertextualidade, salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir 
do dialogismo constitutivo de·todo discur~o: 
(...) pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser "encon­
trado": pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes 
([1981]1984, p. 71-2) . . 
o conceito de diaIogo na. refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado 
em termos de urn "duplo dialogismo" analisado por Authier-Revuz, que prefere 
falar em interdiscurso em vez de intertextualidade, termo usado por Todorov: 
:E urn duplo dialogismo - nao por adis:ao, mas por interdependencia ­
que ecolocado na fala: a orientas:ao, dialogica, de todo discurso, entre "outros 
discursos", eela mespl3jj~logicamente orientada, determinada por "este outro 
discurso" especifioo d61teceptor, tal como imaginado pelo locutor, como condiyiio 
de compreensiio do primeiro. A consideras:ao da interlocus:ao como fator consti: 
tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do 
interdiscurso (1982, p. 118-9). 
Como bern sublinham os autores acima, a concepyiio de interayiio como 
constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interas:ao 
verbal, todo ate enunciativo, toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) 
associa-se a uma ideia de "outro" como interlocutor e como (inter)discurso. 0 
dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa, 
na polifonia, nos discursos relatados, nas diferentes posis:oes enunciativas assu­
" 
I~Uc;AOAUNGulSTICA 333 
midas pelos falantes - marca discursivamente a concepc;:ao de sujeito: 0 sujeito e 
interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros, por meio do discurso 
dos outros, por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso. 
Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982, 1995, 1998, entre 
varios outros) sao exemplares em relac;:ao ainfiuencia do dialogismo bakhtinia­
no nos estudos linguistico-discursivos. Seus estudos sobre a heterogeneidade 
enunciativa, empiricamente apoiados, sao uma boa expressao das produtivas 
possibilidades teoricas do conceito de dialogismo. 
Uma interessante discussao sobre a intersecs:ao das n~Oes de interayao e de 
dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994, 1997, 2001, 
2002). Trabalhando com nos:oes como sujeito, estilo, genero e heterogeneidade, 
a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo 
vies de uma "analise dialogica do discurso", ou seja, 
urn conjunto de procedimentos analiticos, urn arcabou~ te6rLco que, embora niio 
formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao, esta articulado 
no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo, independentemente da 
discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002, p. 126). 
Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin, Brait perscruta 
a noc;:ao sob a perspectiva de uma "analise dia16gica do discurso", tendo por base 
uma discussao em tome de dois conceitos, 0 de genero e 0 de estilo. 
Levando em conta nossos interesses, vale a pena destacar as ponderas:oes 
da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nos:ao de 
interas:ao, Discurso na arte e discurso na vida, de 1926, e Marxismo e filosofia 
da linguagem, de 1929. Em relayiio ao primeiro texto, no qual Bakhtin se refere 
anatureza interativa das relas:Oes entre literatura e sociedade, afirma Brait: 
o conceito de interalj:ao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o 
de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do 
discurso, mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade dese pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da 
linguagem. Esse caminho, que implica o1har para a materialidade verbal e extra­
verbal constitutivas de uma enunciayao, de um enunciado concreto, reinstaura a 
discusslio a respeito da estilistica e da gramatica/linguistica, assim como de suas 
fluidas fronteiras (2002, p. 134-5). 
Em rela~a.o ao segundo texto, no qual Bakhtin explicita que a intera~o n!o 
diz respeito exclusivamente ao discurso oral, surge, segundo Brait, a 
334 335 
perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso, enquanto constitutivo' 
linguagem, na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso, ou suas diferen\es--: 
formas de produ~ao, circula~ao e recep93.o em diferentes esferas, como resposta 
outras intera~6es da mesma natureza e, ao mesmo tempo, como decorrente de Ilm~ 
estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos, por exemplo. 
caracteristica dialogica da linguagem sera, evidentemente, estendida para qualquer'i,s{i'(1 
enuncia~ao, para todas as formas de intera~ao verbal, refor~ando a ideia de que 
necessidade de diferenciar, e ao mesmo tempo de integrar sem identificar, a situi_ 
~ao especifica em que se da a intera~ao, e que enecessariamente integrante dessa 
intera~ao e nao simplesmente sua causa, de urn contexto historico, cultural e social 
mais amplo (2002, p. 144-5). 
o que se destaca nessas passagens e que a associa'Yao entre intera~o, genero 
discursivo e estilo demanda amilises de "enunciados concretos", concebidos no 
interior de diversas situa'Yoes de enunciac;:ao. A "pertinencia e a funcionalidade 
da articulac;:ao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso", de acordo 
com Brait, podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de 
diferentes praticas discursiv-as, como os 'que constituem 0 material de estudo 
de projetos coletivos, como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto 
Gram<itica do Portugues falado). 
3. AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA, OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O 
SOBRE ALlNGUAGEM 
Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo, 0 problema para a Lin­
guistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo 
interac;:ao. Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao 
compativeis com a 9~.s~0 da intera~o. E isso talvez ocorra em fun~o do peso 
da tradi~o filosofica\Jil analise de exemplos pre-fabricados, da falta de interesse 
por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos, ou da considera­
yao de urna no~o de contexto quase behaviorista, isto e, "desconectacta de todo 
contexto interenunciativo" (Vion, 1992, p. 14). 
As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter 
levado a Linguistica a limitar a noc;:ao de interayao, restringindo sellS interesses, 
a principio, ainterac;:aQ verbal (cf. Kerbrat-Orecchioni, 1990). 
Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens intera­
cionistas em Linguistica, Kerbrat-Orecchioni (1990, 1996, 1998) nlio deixa de 
assinalar, ao lade das contribuic;:oes te6ricas trazidas aarea pela noc;:lio de inte-
AUNGuisTlCA 
ra~o, suas contribuic;:oes program<iticas, dentre elas a prioridade do disCUISO 
oral, a reabilitac;:ao do empirismo descritivo, a identifica'Yao de fatos tidos como 
relevantes para a analise da "realizac;:ao interativa", a considerac;:ao de elementos 
nao verbais e do contexto situacional, a arbitragem interdisciplinar no tratamento 
da Iinguagem em funcionamento. 
Historicamente, como assinalamos na seyao precedente, a noc;:ao de interac;:ao 
surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960, de ma­
neira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem. 
Ate ai, a disposic;:ao para tratar fen6menos comunicacionais, interacionais, infor­
macionais era ainda algo incipiente, e parecia reservada ao empenho de teoricos 
como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982), que 
promovia, ja ametade do seculo xx, 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo 
eo funcionalismo no interior da Linguistica. 
A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gera­
tivista, bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia 
da Comunicac;:ao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos 
estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direc;:ao 
aos fenomenos cornunicacionais. 0 que se ve na decada seguinte e a confirmac;:ao 
dessa tendencia, em especial no campo das abordagens enunciativas e pragm<iti­
cas, centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em intera'Yao 
entre si, com a linguagern e corn 0 mundo social. Se estas abordagens - rnuitas, 
centradas na significac;:ao linguistica intema - dao conta da interayao, contudo, 
eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica ... 
Na vertente pragmaticista, como se observa na Pragmatica Conversacional 
ou na Teoria dos Atos de Fala, a noc;:ao de interac;:ao eabordada de maneira se­
melhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca, por meio 
do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico 
de Goffinan, da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel 
(ViOD, 1992). Muito do que chamamos hoje de Pragmc\tica Conversacional e de 
. Analise da Conversac;:ao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares 
realizados ja nos anos 1960, pautados pela preocupa~o com.a descric;:ao da a~o 
e poT urna visao comunicacional <I.e linguagem. 
Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato, a Pragma­
tica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela 
mesma como urna forma de a~o"(cf. Kerbrat-Orecchioni, 2001, p. 1). 
Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos, esse interesse pela 
dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma abor­
dagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf. Berrendoner, 
337 MUSSALIM • BENTES336 
1981), as abordagens comunicacionais, argumentativas e textuais (cf. Austin, 
1962, Bruner, 1975; Ducrot, 1980; Sperber e Wilson, 1986; Van Dijk, 1992), as 
abordagens discursivas (Maingueneau, [1986] 1996, [1987] 1989) e as pragmaticas 
conversacionais (cf. Kerbrat-Orecchionni, 1990, 1996, 2001 ; Bange, 1992; Vion, 
1992; Mondada, 1994, 2001). 
Para a linguista suilYa Lorenza Mondada, cujos traba1hos se inscrevem em 
uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnome­
todologia,o estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer, em 
primeiro lugar, que a interalYao tern urn 
papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantes,como tambem 
na estruturalYao dos recursos linguisticos; em segundo lugar, se cria a exigencia de 
procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da 
linguistica de gabinete, que operam com urn determinado tipo de dados - pro­
venientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano 
- que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica; em 
tcrceiro lugar, se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo 
das pnlticas situadas das p(:ssoas baseado em categorias descritivas que permitam 
dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001, p. 62). 
Segundo Mondada, acertadamente, nao "basta trabalhar com dados surgidos 
da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf' (p. 62). 
Para ela, e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao 
corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma 
a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas, nem tampouco apagar 
a indexicalidade "propria de toda atividade, incluida a de quem investiga", oueliminar a figura social do pesquisador em campo, que deve interagir enquanto 
participante que "contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais 
em um contexto dado" . Uk 63). 
...~ -.":"......: ) -~ 
A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com 
a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar. Disso r<:sulta, entre outros aspec­
tos, a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio, 
bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva: 
A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena 
pe\os atores que coordenam entre e\es a intera.yiio, ajustando de forma reconhecive\ 
sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto. Esta concep.yiio niio exc1ui que haja 
normas. pe\o contrario: cia ~ra sempre que esw do invoc:adas de modo 
local e reflexivo no curso da a-rao, que e\as nlio determinam, mas permitem a uma 
86 vez a interpreta-rao e a ava\ia-rao das expectativas normativas e morais, bern 
ItfT~O Po UNGUisncA 
como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage, 1984, ch. 4) (Mondada 
e Pekarek, 2000, p. 161). 
Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam, segundo as 
autoras, tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermi­
na.yao das alYoes sociais, "das quais a intera9iio conversacional euma das ma­
nifesta90es prototipicas" (p. 162). Contudo, ha os que se mostram desconfiados, 
como a sociologa francesa Nicole Ramognino, do poder analitico da pnitica de 
indexicalizalYao comum aEtnometodologia. Ela considera, a proposito, que nem 
sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da a.yi'io e produ.yi'io linguistica (1999). 
Considerando que, enquanto disciplina, a Linguistica Interacional se firma 
a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do 
interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes 
sociais, Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente 
interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica. Resumidamente, sao e1as, 
segundo a autora (2001, p. 62-3): ­
a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral; 
b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos, sociolinguisticamellte 
diversificados; 
c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional, da Pragmatica e da Analise 
do Discurso pela interalYao verbal; 
d) a difusao da Analise Conversacional de inspira.yao etnometodol6gica. 
No Br~il, sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional, 
dentre os quais podemos destacar, como exemplares, no campo dos estudos 
conversacionais e textuais, os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villa.ya 
Koch e de LuizAntonio Marcuschi. A partir de uma abordagem interacionista de 
base sociocognitiva, ambos tem conferido urn estatuto interacional aos proces­
sos conversacionais e textuais que analisam, como a conversa.yao face a face, 0 
processamento textua~ a referencialYiio, a construlYiio de objetos de discurso etc. 
A perspectiva sociocognitiva, Ii qual podemos associar, entre outros, autores 
como Mondada (1994, 2001), Salomao (1999), Marcuschi (2003a, 2003b) ou 
Koch (2002), tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii per­
gunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento. 
Como afirma Marcuschi: 
Hoje entra com a\guma for.ya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogni.ylio 
a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e 
339 MUSSALIM • BENTES 
338 
menos nas atividades de processamento, tal como se fez nas decadas de 1970"e 
1980 no campo da Psicologia Experimental, quando se considerava a cogniyao no 
nivel do individuo. Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao 
mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e 
assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais 
tao complexas como as metaforas, metonimias, ironias, idiomatismos, polissemias, 
indeterminiwao referencial, deiticos, anaforas etc., chegando apropria noyao de 
contexto ( ... ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas 
e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios. Esse e 0 caminho que 
vai do codigo para a cogniyao e, neste percurso, tudo indica que-o conhecimento 
seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual. A 
cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual, de modo 
que para uma boa teoria da cogniylio precisamos, alem de uma teoria linguistica, 
tambem de uma teoria social (2003a: 01). 
Segundo essa perspectiva, enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) 
que emergem as significayoes. Nesse ambito, importa salientar como pr6prias 
da construyao do sentido a escassez do sl~njficante, bern como a existencia de 
semioses coocorrentes (cf. Salomao, 1999). Segundo Marcuschi, em outro texto 
(2003b): 
Vista como atividade sociointerativa situada, a lingua nlio e uma forma de repre­
sentar a realidade. Assim, e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) 
que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva, 0 que permite dizer que 
as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no 
texto, fazendo surgir coerencia e coesividade, nao sao propriedades intrinsecas 
apenas. Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais 
imanentes a lingua enquanto c6digo, nem no texto enquanto artefato. Embora as 
relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais, requerem-se, ainda, atividades 
linguisticas, cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0 
acesso aconstruc,:ab'de sentidos partilhados (v. Beaugrande, 1997). 
o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tam­
bern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais, que sao, de acordo 
com Marcuschi, abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades 
e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em 
coautoria. Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da 
fa1a e da escrita, essa perspectiva "nio torna as categorias linguisticas como dadas 
a priori, mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais" 
(2000, p. 34). 
INTRODU<;AO ;., UNGuiSTICA 
No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de 
funcionamento da linguagem., especialmente no que diz respeito amaneira como 0 
sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas, as reftexoes de Marcuschi 
aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch. 
Em sua obra A inter-ar;iio pe/a linguagem, de 1993, Koch defende uma 
concepyao de linguagem como 
interaylio, alYao interindividual e, portanto, social. Por meio dela realizam-se, no 
interior de situayoes sociais, ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes, atra­
yeS da prodUl,ao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a 
gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p. 66) . 
A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro, ela ea ayao. A linguagem 
incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos 
constitutivos. 
A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura 
introduzir a questiio do 'Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as 
multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma 
interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam 
com e na linguagem. Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointe­
racionais, Koch afirrna que elas 
nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejador/organizador que, 
em sua interrelayao com outros sujeitos, vai construir urn texto, sob a influencia 
de uma complexa rede de fatores, entre

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