Buscar

Resenha crítica A sociologia como uma forma de arte

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Título: “Resenha Crítica: A Sociologia como uma forma de arte” 
 Autor: Alexandre Roberto Neme Kulpel (RA 21059614) 
Disciplina: Introdução às Humanidades e Ciências Sociais 
Em seu artigo “A sociologia como uma forma de arte”1, Robert Nisbet nos traz 
uma interessante forma de se interpretar (e produzir) ciência, em especial a Sociologia. Antes 
de iniciar a discussão per se, Nisbet reitera, que nada nos argumentos que serão apresentados 
“significa que a sociologia não seja uma ciência”¹ e, na verdade, a obra deixa claro que os 
paralelos apontados entre ciência e arte não devem induzir nenhum tipo de rebaixamento, 
seja da ciência ou da arte. 
 As ideias de Tocqueville, Weber, Simmel e Durkheim, por exemplo, podem ser vistas 
muita mais como fruto de um processo intelectual que tem mais relação com a forma criativa 
do artista, do que com o que chamamos hoje de ‘método científico’, “[...] que vai rigorosa e 
conscientemente da questão à hipótese e daí à conclusão verificada[...]”¹. Com efeito, 
realmente a intuição e o pensamento subjetivo, não moldado por métodos puramente lógicos 
e racionais tem grande participação e importância na concepção das ideias da sociologia. 
 Um ponto que surge a priori na discussão é o fato de que, apesar de poder causar 
incomodo a hipótese de que ciência e arte não sejam “substantiva e psicologicamente” 
diferentes, não se verifica uma universalidade histórica deste hábito no pensamento moderno. 
“Não precisamos ir além da Renascença para descobrir uma época na qual arte e ciência eram 
geralmente vistas como manifestações diferentes de uma mesma forma de consciência 
criativa”¹. Para ilustrar, temos os exemplos de Leonardo da Vinci e de Goethe, que atuaram 
em diferentes áreas de ciência e da arte e viam muito mais sinergias do que diferenças entre 
arte e ciência. 
 Mas onde teria surgido essa concepção tão dicotômica acerca da ciência e da arte? 
Nisbet nos remete ao século XIX, quando os movimentos sociais e a divisão cada vez maior 
do trabalho foram companheiros do embrião das visões estereotipadas e da ideia que “[...] o 
artista e o cientista trabalhavam de maneiras diferentes e até antagônicas entre si”¹. No lado 
da arte, temos uma prevalência da ideia que o artista trabalha isolado da sociedade, sem 
preocupar-se com a realidade ou a verdade, buscando apenas a perfeição estética. A ciência, 
por outro lado, mitificava-se no sentido oposto “fazendo dela não mais o que havia sido por 
séculos, fundamentalmente a atividade da mente reflexiva, mas uma profissão governada 
pelos códigos e critérios de serviço [...]”¹, acrescento que a mesma se tornou até dogmática 
e com viés ritualístico quando se trata de sua própria metodologia. Nisbet resume brilhante 
este processo: “Não poderia o método ser análogo da máquina? ” ¹, i.e., não seria possível 
transformar o cientista em um autômato formulador de hipóteses, respostas e testes? 
 O pior desdobramento dessa separação é a associação dicotômica arte/estética e 
ciência/realidade. Segundo Nisbet, temos aí um descolamento gigantesco da realidade já que 
“qualquer forma de arte que é séria, o romance, o poema ou a pintura, preocupa-se, primeiro 
e antes de tudo, com a realidade. Ela está interessada em iluminar a realidade e comunicar de 
algum modo essa luz para os outros” ¹, características que mutatis mutandi são partilhadas 
com a ciência. Nisbet reforça que o artista não está interessado em “decoração, engana-se 
quem julga arte em termos puramente estéticos, assim como engana-se também quem 
desconsidera totalmente o aspecto estético presente nas ciências. O interesse do artista na 
forma é o interesse do cientista na estrutura”¹. 
 Outro aspecto importante surge do estudo da história, onde se nota que a ciência e a 
arte tiveram “uma relação cultural profundamente importante”¹. Nisbet cita as palavras de 
Eugene Rabinowitch, químico e editor de ciência que, em síntese, chama atenção para os fatos 
de que ciência, arte, filosofia e pensamento político são todos campos de expressão do 
processo de evolução da mente humana, argumentando ainda que nos momentos de transição, 
a voz do artista é a primeira a responder, por serem estes os elementos mais sensíveis e 
predispostos a captar movimentos nas tendências sociais. Na visão de Nisbet os museus e 
galerias de arte, especialmente a grande galeria Uffizi (Florença), representam “[...] época 
após época, as imagens do homem na Europa ocidental desdobrando-se historicamente [...]”¹, 
deste modo evidenciando relação forte entre o desenvolvimento cientifico e cultural ao longo 
da história. Em suma, “se o objetivo foi a construção de uma catedral ou de uma ponte, o 
plano de uma tapeçaria ou uma viagem para as Índias, a formação de uma guilda ou o próprio 
Estado, o homem da Renascença viu o mundo a sua volta a partir do vantajoso ponto de vista 
do artista-cientista; não algo para ser reverenciado ou para manipular, mas para entender e 
dominar assim como Michelangelo dominou o mármore que ele trabalhou ou Marco Polo a rota 
para Catai”.¹ 
 
1 Nisbet, R. “A sociologia como uma forma de arte”. Revista do curso de Pós-Graduação e 
Sociologia, USP. No. 7, 1º. Sem., pp. 111-130. 
 Prosseguindo, Nisbet comenta que muitos sociólogos (pessoalmente também incluo 
aqui muitos cientistas de outras áreas também) adotam a visão míope de que dado que “[...] 
o pensamento cientifico é, por definição, racional e lógico em sua expressão, seus caminhos 
psicológicos devem ser, portanto, limitados aos processos empíricos e lógicos” ¹. Seguindo por 
este caminho, obviamente o horizonte de formas para se desenvolver as ciências torna-se 
bastante restrito, matando o poder criativo, que passa a ter de sujeitar-se a regras e normas, 
nas palavras de Florian Znaniecki “essa influência consiste em substituir métodos intelectuais 
por técnicas de tabulação e, assim, eliminar o pensamento teórico do processo de pesquisa 
cientifica...”. Conclui acerca do debate mais amplo sobre a relação entre arte e ciência: “[...] 
qualquer coisa que limite o campo da experiência e da imaginação, que de qualquer modo 
diminua as fontes de inspiração, que rotinize os trabalhos da mente inteligente, deve ser 
olhado com suspeita”². 
 Nisbet prossegue retomando as ideias de Tocqueville, Weber, Simmel, Tonnies e 
Durkheim; mais precisamente os “processos através dos quais as ideias vêm a ser” ¹, seu 
contexto gerador, incluído aí o ambiente psicológico onde foram gestadas. Olhando por este 
lado, há dois fatores que se destacam: “[...]a manifesta descontinuidade dessas ideias [dos 
pensadores citados] na história do pensamento social moderno”¹, que implica que não 
poderiam ser deduzidas das proposições racionalistas que floresceram no Iluminismo; por 
outro lado, “do mesmo modo que a imagem renascentista do homem provem de correntes 
artísticas anteriores, assim, eu afirmo, a imagem sociológica surge, desde o princípio, de visões 
que tiveram seus primeiros e mais abrangentes apelos na arte romântica”¹. Ou seja, na 
sociologia também se verifica que o processo racional não é o único método de trabalho e que 
seus próprios conceitos são influenciados por correntes artísticas. Aprofundando o raciocínio 
sobre a afinidade da sociologia e dos sociólogos com a arte, Nisbet nos mostra que seja pouco 
provável tanto as ideias de Durkheim (na obra “O Suicídio”) quanto as ideias e perspectivas 
de Simmel tenham sido concebidas “[...] como o conto de fadas da história da ciência diria, 
de um exame preliminar dos registroas da vida na Europa, não mais do que Darwin tomou a 
ideia da seleção natural de suas observações durante a viagem do Beagle” ¹. 
Em seguida, Nisbet explora outro paralelo criativo entre o artista e o sociólogo, a saber: a 
dependência em relação a seus antecessores. Assim como o artista sempre poderáaprender 
algo no contato com material produzido por seus antecessores, o sociólogo também o pode 
fazer: “Do mesmo modo que o romancista sempre será capaz de aprender do estudo e re-
estudo de Dostoievski ou James [...] assim o sociólogo pode sempre aprender com a releitura 
de homens como Weber e Simmel” ¹. Mas, ao mesmo tempo em que este elemento aproxima 
o sociólogo do artista, ele também cria uma separação com a mesma em relação a algumas 
das ciências físicas, “afinal existe um limite para o que um jovem físico pode aprender ainda 
que de um Newton” ¹. 
 A tentadora conclusão, no entanto, de que a arte e a ciência não possuem diferenças 
não é correta. Segundo Nisbet “a conclusão mais simples, mas mais fundamental, é que em 
ambas, arte e ciência, opera o mesmo tipo de imaginação criativa. E tudo que impede ou 
frustra essa imaginação atinge a fonte da própria disciplina” ¹. A conclusão de Nisbet é simples 
mas profunda, nos mostra que olhando além dos costumes e métodos peculiares a cada 
disciplina, é possível distinguir uma essência criativa comum, seja em qualquer ciência 
(humana ou natural) ou em qualquer forma de arte.

Outros materiais