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Resenha crítica De que lado estamos

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Título: “Resenha Crítica: De que lado estamos?” 
 Autor: Alexandre Roberto Neme Kulpel (RA 21059614) 
Disciplina: Introdução às Humanidades e Ciências Sociais 
“De que lado estamos”1 é, antes de tudo, uma discussão sobre a neutralidade, ou 
melhor, a ausência de neutralidade no trabalho sociológico e seus desdobramentos. Fica clara 
a posição de Becker em relação a neutralidade: “[...] é necessário que alguém suponha, como 
alguns aparentemente o fazem, que na verdade é possível fazer uma pesquisa que não seja 
contaminada por simpatias pessoais e políticas. Proponho argumentar que isso não é possível 
e, portanto, que a questão não é se devemos ou não tomar partido, já que inevitavelmente o 
faremos, mas sim de que lado estamos nós”¹. 
O início da discussão se dá considerando os problemas no estudo do desvio e em outras 
situações onde existem conflito e tensão na hierarquia, mas o mesmo não se tornou 
abertamente político, não há uma luta ou sequer a proposição de se realizar uma inversão de 
posições na hierarquia, uma situação “apolítica”, nas palavras de Becker. Essa relação 
hierárquica implica também em uma “hierarquia de credibilidade”: “Assim, a credibilidade e o 
direito de ser ouvido estão diferencialmente distribuídos pelos grupos do sistema”¹. 
Nesse tipo de situação, as acusações de bias (parcialidade ou viés na pesquisa), não 
são simétricas, tendendo a ocorrer apenas quando o pesquisador dá voz a parcelas 
subordinadas da hierarquia: “Podemos acusar um eventual estudante de Sociologia Médica de 
ter dado muita ênfase às queixas dos pacientes. Mas não é óbvio que a maioria dos sociólogos 
médicos olham para as coisas do ponto de vista dos médicos? ”¹. 
Becker explica essa assimetria afirmando que quando fazemos acusações do ponto de 
visto dos grupos superiores da hierarquia “[...] aceitamos, como membros bem socializados 
de nossa sociedade que em geral somos, a hierarquia de credibilidade [...]”¹. Importante 
também é considerar que os níveis superiores, na maior parte dos casos, possuem uma posição 
oficial e autoridade em relação a situação e, como tal, são passiveis de responsabilização por 
situações que estejam fora do ideal. Cria-se um incentivo para que estes mascarem a real 
situação: “Porque são responsáveis neste sentido, os funcionários em geral têm que mentir. 
Esta é uma forma grosseira, mas não imprecisa, de colocar as coisas. Os funcionários em geral 
devem mentir porque as coisas raramente são como deveriam ser.”¹. 
Prosseguindo, passemos agora para as situações definidas politicamente, onde o 
conflito e a tensão são abertos, há um questionamento das hierarquias (inclusive e, 
principalmente, da de credibilidade) e os subordinados tendem a possuir um nível de 
organização maior, contando com porta-vozes, com função semelhante à dos “responsáveis” 
na situação apolítica. Aqui tomamos um rumo completamente diferente, pois dado que tanto 
as parcelas superiores quanto as subordinadas possuem porta-vozes e, que os mesmos 
dependem de sua credibilidade para realizar a contento seu trabalho e luta política, o 
sociólogo corre aqui um risco duplo, dado que qualquer lado que seja contrariado pela 
pesquisa ou por seus resultados, tenderá a acusa-lo de bias. Aliás, devemos incluir a opção 
de ser acusado por ambos os lados, haja vista que o pesquisador pode adotar um terceiro 
ponto de vista em relação a situação. 
Saindo agora da discussão nos domínios da Sociologia do Conhecimento e passando 
para uma etapa mais epistemológica do debate, Becker lança luz sobre a “[...] questão da 
verdade das acusações [de bias], ou a questão sobre se nossas descobertas são distorcidas 
por nossa simpatia para com aqueles que estudamos”¹. Em sociologia sempre é preciso olhar 
para as questões a partir de algum ponto de vista, ou melhor, “[...] do ponto de vista de 
alguém”¹. 
O objetivo aqui não é entrar em uma discussão sobre psicologia da pesquisa, mas 
não é necessário ir muito longe nesse sentido para entender, assim como Becker, que o 
pesquisador é inevitavelmente afetado/influenciado, pelas posições que toma e as interações 
que faz com seu objeto, tão humano, de pesquisa. A questão é se isso torna o trabalho tão 
enviesado ou distorcido a ponto de inutiliza-lo e, aqui, Becker chama atenção que não 
estamos preocupados com as acusações de lateralidade que possamos sofrer por parte dos 
participantes e/ou afetados pela pesquisa, “Nosso problema é ter certeza de que, qualquer 
que seja o ponto de vista que adotarmos, nossa pesquisa irá satisfazer aos padrões do bom 
trabalho cientifico, que nossas inevitáveis simpatias não tornarão nossos resultados sem 
validade”¹. 
 
1 Becker, H. S. “De que lado estamos? ”. Sociological Work, Aldline Publishing Company. 
Chicaco, 1970, p. 122-136. 
Aqui a discussão recai, inevitavelmente, para o lado da metodologia. Certamente há 
sempre uma enorme preocupação por parte dos pesquisadores, e especialmente do 
sociólogo, de afastar o fantasma da parcialidade que invalida conclusões e resultados. Para 
isso, foi, e continua sendo construída, uma enorme gama de ferramentas metodológicas que 
buscam promover uma assepsia desta parcialidade invalidante. 
A questão passa a ser outra, de maior valor epistemológico: “[...] dadas todas as 
nossas técnicas de controle teórico e técnico, como podemos estar certos de que as 
aplicaremos imparcialmente e da maneira uniforme como elas precisa ser aplicadas? ”¹. A 
resposta a esta pergunta não é simples, rápida e definitiva; mas sim uma constante 
observação de nosso próprio trabalho de modo a garantir sempre que, independente do 
ponto de vista escolhido e das simpatias desenvolvidas ao longo do trabalho, nossas teorias 
e técnicas não sejam abertas a gerar este tipo de parcialidade. 
Antes de apresentar suas conclusões, Becker aborda um último ponto: seria uma 
solução buscar dar voz as instâncias que não foram, de alguma forma representadas, na 
pesquisa e por isso a consideram tendenciosa? Apesar de parecer promissora a ideia, Becker 
contrapõe que na prática ela nos coloca em uma situação similar à do tradicional símbolo 
antigo da serpente ou dragão que persegue sua própria cauda2, isso porque sempre haverá 
uma instância acima ou abaixo da que não foi considerada, resultando que a busca desta 
solução conceitualmente simples resulta em um “[...] problema da regressão infinita”¹, ou 
seja, “não há fim possível para isso, e não poderemos nunca ter um “quadro equilibrado” até 
que tenhamos estudado toda a sociedade simultaneamente”¹, o que, acrescento eu, é 
humanamente impossível. 
Chegamos, então às conclusões. A discussão, per se, já deixa evidente a primeira 
conclusão: a questão da neutralidade é virtualmente inexistente, dado que parte de um 
pressuposto que não encontra respaldo na prática e na realidade, portanto devemos nos 
voltar mais para a questão de qual lado assumir, ao invés de como não assumir nenhum 
lado. A segunda conclusão é que a tentadora ideia de voltar nosso trabalho para outros lados 
que eventualmente sintam-se excluídos ou não representados leva a um outro problema, a 
regressão infinita, i.e. teríamos que ser capazes de estudar toda a sociedade 
simultaneamente para conseguir resolver este problema. 
A conclusão, final portanto, já é óbvia a este ponto: devemos focar em definir bem o 
lado que assumiremos durante o trabalho de pesquisa, trabalhar sempre com autovigilância 
para garantir que aplicamos todos os métodos de assepsia teórica e técnica e deixar evidente 
para os consumidores do material que será produzido por nosso trabalho sociológico qual o 
ponto de vista que foi assumido em sua gênese. 
 
 
2 Bayley,H. A new light on the Renaissance displayed in contemporary emblems. J.M. Dent, Londres, 
1909, p. 24-25.

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