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ROTEIRO DE CURSO 2011.2 3ª EDIÇÃO DIREITO DE FAMÍLIA AUTOR: GUSTATAVO KLOH MULLER NEVES Sumário Direito de Família APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 3 PRIMEIRO BLOCO DE AULAS: .................................................................................................................................. 4 AULA 1. O QUE É FAMÍLIA? ..................................................................................................................................... 5 AULA 2. O CASAMENTO ......................................................................................................................................... 8 AULA 3: A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É? ............................................................................................ 12 AULA 4: O BOM FILHO A CASA TORNA... .................................................................................................................. 18 AULA 5: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: A REPROGENÉTICA NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO ............. 36 AULA 6. ADOÇÃO ............................................................................................................................................... 39 AULA 7. FAMÍLIA HOMOSSEXUAL: UMA REALIDADE EM CONSTRUÇÃO. ............................................................................ 48 BLOCO II DE AULAS ............................................................................................................................................ 53 AULA 8: PREVENÇÃO DE CONFLITOS E REGIME DE BENS .............................................................................................. 54 AULA 9. DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO EXTRAJUDICIAIS .................................................................................................... 61 AULA 10: SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO JUDICIAIS. .......................................................................................................... 76 AULA 11. ALIMENTOS ......................................................................................................................................... 78 AULA 12. 1ª PARTE — FAMÍLIA E DIREITO EMPRESARIAL ........................................................................................... 83 AULA 12. 2ª PARTE — CASAMENTO GLOBAL ............................................................................................................ 85 DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 3 APRESENTAÇÃO O objetivo do nosso curso de direito de família consiste em apresentar a problemática da realidade familiar contemporânea, ao mesmo tempo em que municia você com ferramental para o entendimento dessas questões, e de um conhecimento de mecanismos preventivos e repressivos dos problemas ocorridos nas relações familiares. As mudanças nas relações familiares são evidentes, saltam aos olhos, e não é possível que as discussões, e o próprio ensino do Direito de Família passem ao largo dessas alterações. A ênfase na prevenção de problemas será sempre grande, uma vez que o preço pago, diante de um confl ito familiar não resolvido, é muito caro. Para tanto, é necessário enfatizar o caráter multidisciplinar das relações familiares, e suas intersecções com os demais ramos do Direito Privado, e mesmo até do Direito Público. Tudo o que foi dito, todavia, partiu de um pressuposto simples, até prosai- co: você sabe o que é uma família, pois vive em uma. Mas sabe mesmo? É cla- ro que a vivência por você acumulada é perfeitamente válida, e você conhece com detalhes a vida e a realidade de ao menos uma família. Mas nem todas as famílias são e serão iguais, terão os mesmos problemas ou os mesmos anseios. Tosltói inicia seu célebre romance “Anna Kariênina” com a seguinte frase: “Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma a sua maneira.” O conteúdo dessa frase não é mais capaz de ser considerado verdadeiro, ao menos em parte. Em verdade, todas as famílias são felizes e infelizes cada uma a sua maneira, e por isso a família é e será múltipla, diversa, rica em variações e vivências, e por isso demandará uma multiplicidade de alternativas para a resolução e prevenção de confl itos entre os seus membros. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 4 PRIMEIRO BLOCO DE AULAS: ESTRUTURA DAS RELAÇÕES FAMILIARES (AULAS 1 A 7) OBJETIVO Compreensão da tipologia das relações familiares, com ênfase no direito pessoal das relações familiares. Como vimos na apresentação, se a família é múltipla, tem origens distintas e comporta uma pluralidade de realidades, devemos começar o estudo do direito de família por meio de uma prospecção das realidades familiares que vivemos e encontramos, para que se compreendam essas diferentes formas de viver. A ênfase será naquilo que se chama de “Direito Pessoal de Família”, ou seja, as relações que serão estudadas serão observadas pelo prisma do conví- vio, da estrutura e das responsabilidades. O patrimônio amealhado na família não será desconsiderado, mas o seu momento de foco será outro. Por fi m, esclarece-s desde logo que a tutela e curatela são temas estranhos ao direito de família, não estabelecem relações familiares e não serão direta- mente abordadas. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 5 1 Op. cit, p. 23. 2 Levi Strauss, Claude. As estruturas ele- mentares do parentesco, passim. 3 Schlüter, Wielfried. Direito de Família, p. 56. AULA 1. O QUE É FAMÍLIA? EMENTA: Família. Tipologia das relações familiares. A família na constituição de 1988. Família eudemonista. O papel do afeto nas relações familiares. TEXTO OBRIGATÓRIO TEPEDINO, Gustavo — “A disciplina civil constitucional das relações fa- miliares”, em Temas de Direito Civil, vol. I, Ed. Renovar. TEXTO COMPLEMENTAR DIAS, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, cap. 1, 2 e 3, ed. Livraria do Advogado. Natureza das relações familiares Para os autores de direito em geral, a Família se apresenta como constru- ção social, mas não há investigação mais profunda sobre por meio de quais elementos essa construção se origina ou direciona. Por exemplo, vejamos o que diz Maria Barenice Dias: “Mesmo sendo a vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma quí- mica biológica, a família é um agrupamento cultural. Preexiste ao Estado e está acima do Direito. A família é uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comporta- mento. Dispõe de uma estrutura na qual cada um ocupa um lugar, possui uma função. (...) É a preservação do lar no seu aspecto mais signifi cativo: afeto e respeito.” 1 Essa referência, todavia, é completamente insufi ciente. Em verdade, a ori- gem da família se centra em outros aspectos, todos distintos do acima citado: • A proibição do incesto;2 • A preservação da integridade da gens, como conseqüência da proibi- ção do incesto.3 Fundamentos jurídicos das relações familiares. Como visto acima, o pensamento civilista atual centra o afeto como sendo o elemento caracterizador das relações familiares. Mas será mesmo? DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 6 4 CÓDIGO CIVIL2002, art. 1694: “Podem os parentes, os cônjuges ou compa- nheiros...” 5 CÓDIGO CIVIL2002, art. 1521. Essa idéia poderia, por exemplo, ser confrontada com a da responsabilida- de social especial como fundamento das citadas relações. Isso explicaria a visão interessante trazida por Schlüter: que o Direito cuida de uma “grande” e de uma “pequena” família. Assim, por exemplo, o dever de alimentos se estende aos avós,4 e as proibições de casamento até o terceiro grau de parentesco.5 A família na constituição: art. 226. Dignidade da pessoa humana edireito de famí- lia: a família eudemonista. Como interpretar o papel da família na constituição? Vejamos os dispositivos: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º — O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º — O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º — Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei faci- litar sua conversão em casamento. § 4º — Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º — Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exerci- dos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º — O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após pré- via separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º — Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do ca- sal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científi cos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições ofi ciais ou privadas. § 8º — O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” O art. 226, §8º, determina a proteção dos membros da família na pessoa dos seus membros. Quais as consequências da adoção dessa visão? CASO “Supremo decide que concubina não tem direito a receber a metade da pensão da viúva. A pensão por morte do fi scal de rendas baiano Valdemar do Amor Divino Santos deve ser concedida apenas para sua esposa — Railda Conceição San- DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 7 tos — e não pode ser dividida entre a viúva e a mulher — Joana da Paixão Luz — com quem o homem manteve concubinato durante 37 anos. A decisão foi proferida ontem (3) pela 1ª Turma do STF, que deu provi- mento ao recurso extraordinário interposto na pelo Estado da Bahia. O TJ baiano determinou o rateio da pensão entre as duas mulheres, por considerar que “havia uma união estável de Valdemar com Joana, mesmo que paralela com a de um casamento ´de papel passado´ entre Valdemar e Rail- da”. O julgado do tribunal estadual considerou que Joana e Santos tiveram uma união estável paralela ao casamento dele com Conceição. Com esta, ele teve 11 fi lhos e com Joana, nove. O relator da ação ministro Marco Aurélio, afi rmou em seu voto que a Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 226, diz que a família é reco- nhecida como a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Para o ministro, a união entre Valdemar e Joana “não pode ser considerada estável”. O relator lembrou que o artigo 1.727 do Código Civil prevê que relações não eventuais entre o homem e a mulher — impedidos de casar — constituem con- cubinato. Segundo o voto, “a relação entre Valdemar e Joana não se iguala à união estável, e por isso não está coberta pela garantia dada pela Constituição Federal”. Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. Este lembrou que a palavra “concubinato” — do latim, ´concubere´ signifi ca compartilhar o leito. Já união estável é “compartilhar a vida”, salientou o ministro. Para a ministra Cármen Lúcia, a Constituição se refere a um núcleo pos- sível de união que possa se converter em casamento. “A segunda união deses- tabiliza a primeira”, salientou a ministra. O ministro Carlos Ayres Britto votou no sentido de manter a decisão do TJ da Bahia. Segundo seu voto, “ao proteger a família, a maternidade e a infância, a Constituição Federal, em diversos artigos, não faz distinção quanto a casais formais — que ele chamou de ‘papel passado’ — e os casais impedidos de contrair matrimônio. Ele negou provimento ao recurso do Es- tado baiano, por entender que” as duas mulheres tiveram a mesma perda, e estariam sofrendo as mesmas consequências sentimentais e fi nanceiras”. O procurador do Estado Antonio Ernesto Leite Rodrigues foi o subscritor do recurso extraordinário do Estado da Bahia. (RE nº 397762 — com informa- ções do STF e da redação do Espaço Vital..1 Você é favorável ao reconhecimento da simultaneidade de relações familiares? Quais os valores constitucionais implicados? O conceito de família utilizado faz diferença? 1 — em http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=11443). DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 8 AULA 2. O CASAMENTO EMENTA Fontes das relações familiares. O casamento. Características e deveres dos cônjuges. Habilitação e impedimentos. Celebração e efeitos. TEXTO OBRIGATÓRIO DIAS, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, 2ª ed, cap. 10. Natureza do casamento O casamento é ato, negócio, contrato ou instituição. Sentido do art. 1514 do Código Civil. Comunhão plena de vida e o sen- tido do art. 1.566. Casamento civil e religioso com efeitos civis. Inovações no Regime do Casamento Dentre as diversas inovações trazidas pelo CÓDIGO CIVIL destacam- se as seguintes: a) gratuidade de celebração e, com relação à pessoa cuja pobreza for declarada sob as penas da lei, também de habilitação, regis- tro e da primeira certidão (art.1512); b) regulamentação e facilitação do registro civil do casamento religioso (art.1516); c)redução da capacidade do homem para casar para 16 anos (art.1517); d) previsão somente dos impedimentos absolutos, reduzindo-se o rol (art.1521); e) tratamento das hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do CÓDIGO CI- VIL1916 não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade relativa do casamento (art.1550); f ) substituição dos antigos impedimentos impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas (art.1523); g) exigência da homologação da habilitação para o casamento pelo juiz (art.1526); h) casamento por procuração mediante instrumento público, com validade restrita a 90 dias; i) consolidação da igualdade dos cônjuges, aos quais compete à direção da sociedade conjugal, com o desaparecimento da fi gura o chefe de família (art.1565 e 1567) e j) ofi cialização do termo sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro por qualquer dos nubentes (art.1565). DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 9 Habilitação para o casamento Consiste na apresentação de documento para o ofi cial de cartório do Re- gistro Civil de Pessoas Naturais. Agora é também necessário à homologação do Juiz. Os documentos necessários estão arrolados nos incisos do art.1.525 do Código Civil. Impedimentos para o casamento Os requisitos essenciais do casamento são diferença de sexo, consenti- mento e celebração na forma da lei. Faltando qualquer deles o casamento é inexistente. Porém, outros requisitos devem ser observados para a validade e regularidade do casamento. A sua inobservância fulmina de nulidade o ato. a) Impedimento dirimente absoluto (público) — a penalidade aqui é a nulidade do casamento (art.1.521 do Código Civil); b) Impedimento dirimente relativo (privado, particular ou relativo) — a sanção aqui é a anulabilidade do casamento (art.1.550 do Có- digo Civil); c) Causas Suspensivas — a sanção aqui consiste na perda do direito de escolher o regime de bens, devendo se casar pelo regime da Separa- ção Legal Obrigatória de Bens (art.1.523 Código Civil) Celebração do casamento Deve ser pública e seguir os requisitos previstos no Código Civil. Quais os efeitos do descumprimento? Efeitos do casamento É necessário nesse ponto frisar dois institutos: o casamento putativo e a posse do estado de casado. CASO É possível o casamento de sobrinho e tia no Direito Brasileiro? Qual a constitucionalidadedo exame previsto nos art. 1º e 3º do DL 3.200, de 1941? Este dispositivo é compatível com o art. 1.521, IV, do Novo Código Civil? DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 10 DECISÃO(ÕES). Informativo nº 0418 Período: 30 de novembro a 4 de dezembro de 2009. Terceira Turma REGIME MATRIMONIAL. SUCESSÃO Trata-se de recurso interposto contra acórdão exarado pelo TJ que deferiu pedido de habilitação de viúva como herdeira necessária. A questão resume- se em defi nir se o cônjuge sobrevivente — que fora casado com o autor da herança sob o regime da separação convencional de bens — participa da sucessão como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes do falecido. No caso, a situação fática vivenciada pelo casal, declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal, é a seguinte: cuida-se de um casamento que durou dez meses; quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; os nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos. Para a Min. Relatora, o regime de separação obrigatória de bens previsto no art. 1.829, I, do CC/2002 é gênero que agrega duas espécies: a separação legal e a se- paração convencional. Uma decorre da lei; a outra, da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado median- te separação de bens, direito à meação tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, I, e 1.687 do CC/2002, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codifi cada e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna comple- mentares os citados dispositivos. Se o casal fi rmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação do regime de bens pactuado. Se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, signifi ca que o casal escolheu — conjuntamente — a separação do patrimônio. Não DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 11 há como violentar a vontade do cônjuge — o mais grave — após sua mor- te, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Em tais situações, haveria, induvidosamente, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem. Seria alterado o regime de sepa- ração convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobre- vivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio, o qual, recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade pró- pria. Assim, o regime de separação de bens fi xado por livre convenção entre a recorrida e o falecido está contemplado nas restrições previstas no art. 1.829, I, do CC/2002, em interpretação conjugada com o art. 1.687 do mesmo có- digo, o que retira da recorrida a condição de herdeira necessária do autor da herança em concorrência com os recorrentes. REsp 992.749-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/12/2009. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 12 AULA 3: A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É? EMENTA Fontes das relações familiares. União Estável. Regimes aplicáveis e carac- terísticas. Concubinato e união estável. TEXTO OBRIGATÓRIO DIAS, M. Berenice. op. cit, cap. 11. É a união entre homem e mulher com o objetivo de constituição de fa- mília em relacionamento na forma livre, pública, duradoura e contínua. O concubinato (Artigo 1727 Código Civil) é diferente da União estável. Quem vive em com concubinato é impedido de casar, e é difícil a determinação dos efeitos jurídicos. Vejamos o texto legal: “Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar à união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Características da união estável • Diversidade de sexos; • Objetivo de constituição de família; • Publicidade; • Coabitação; • Continuidade no relacionamento; • Durabilidade. Aspectos eficaciais da união estável Art. 1.724, Código Civil: APLICABILIDADE CONJUNTA COM O ART. 1.566. DISTINÇÃO ENTRE LEALDADE E FIDELIDADE: POSIÇÃO DE MARIA BERENICE DIAS. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 13 6 Retirado de http://www.consumi- dorbrasil.com.br/consumidorbrasil/ textos/modelos/familia/contratoconvi- ventes.htm. CASO Contrato de convivência.6 JOSÉ DOS ANZOIS, brasileiro, separado, industrial, portador da cédula de identidade de número MG —???????? expedida pela Secretaria de Segu- rança de Minas Gerais, e CPF de número?????????????, e MARIA DAS GRA- ÇAS, brasileira, divorciada, secretária, portadora da cédula de identidade de número M-??????????, expedida pela Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais, e CPF de número???????????, com endereço comum de residência à Avenida das abóboras, 000, apto. 0000, no Bairro Azul, em Belo Horizonte, ambos no pleno gozo de suas faculdades mentais e físicas, atendidos os ter- mos e a faculdade inserta no artigo 5º da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, desejando regular e defi nir os refl exos patrimoniais que possam advir da re- lação de convivência duradoura entre os contratantes, resolveram estabelecer cláusulas e condições reciprocamente outorgadas e aceitas, a que se obrigarão, conforme a seguir articulam: 1. DO CONVIVENTE VARÃO 1.1. O Convivente Varão é separado, desde 32 de janeiro de l900, embora separado de fato há mais tempo, com averbação respectiva, assento nº 1111, folha 111, do livro 11, conforme certidão expedida pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Nova York-MG, 1.2. O Convivente Varão é fi lho de José Pescador, falecido, e de Maria Ale- gria, possuindo 06 (seis) fi lhos maiores do antigo casamento e não possuindo fi lhos do atual relacionamento. 1.3. O Convivente Varão possui os seguintes bens e direitos patrimoniais: a) APARTAMENTO de número 1111, e sua respectiva fração ideal, sito a Av. do Sol, nº 1.111, Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza dos Anjos, matrícula 11.111 do Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca; b) CASA sito a Avenida do Sol, nº 222, Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza dos Santos, matrícula 22222 do Cartó- rio do 2º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca; c) LOTE de terreno, de nº 333, da quadra 33, do bairro Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza de Deus, matrícula 333333 do Cartório do 3º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca; d) VEÍCULO marca Ford, modelo Tatata, ano 1999, Placa KKK 4444, Adquirido de Jota Veículos, conforme certifi cado nº 4444444, expedido pelo DETRAN — MG; DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 14 2. DA CONVIVENTE VIRAGO 2.1. A Convivente Virago é divorciada, desde 13 de agosto de 1920, com averbação respectiva, assento nº 55555, folha 55, do livro 555-B, conforme certidão expedida pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturaisdo Quinto Subdistrito de Belo Horizonte-MG. 2.2. A Convivente Virago tem quatro fi lhas do antigo casamento, to- das maiores, não tem ascendentes vivos e não tem fi lhos do atual relacio- namento. 2.3. A Convivente Virago possui os seguintes bens e direitos patrimoniais: a) APARTAMENTO de número 666 do Edifício Bibi, sito à rua Babá, nº 666, matriculado sob o nº 66666, no Cartório do 6º Oficio do Re- gistro de Imóveis de Belo Horizonte, ora em fase de registro da compra e venda; b) LOTE de Terreno de número 77, da quadra 777, do Bairro Kaka, em Belo Horizonte, registro em andamento, havida por herança de sua mãe, Marta de Tal, conforme partilha julgada por sentença, processo 7777777, que tramitou perante a 7a. Vara de Sucessões e Ausência da Comarca de Belo Horizonte; c) JAZIGO do Cemitério do Bonfi m, Quadra 88, Carneiro, 888, em Belo Horizonte, havida por herança de sua mãe, Marta de Tal, conforme partilha julgada por sentença, processo 88888888, que tramitou perante a 8ª. Vara de Sucessões e Ausência da Comarca de Belo Horizonte; 3. CONVÍVIO CONSORCIAL — INÍCIO 3.1. Os Conviventes uniram-se em convívio consorcial desde de 00 de janeiro de l900, e até a presente data o relacionamento não sofreu qualquer interrupção. 4. RELAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA 4.1. Os Conviventes têm atividades econômicas próprias, com renda satis- fatória, e não dependem econômico-fi nanceiramente um do outro. 5. ADMINISTRAÇÃO DO LAR 5.1. Os Conviventes manterão conjuntamente a administração do lar co- mum, com a divisão harmônica dos encargos fi nanceiros na proporção que melhor atender os interesses das partes, considerada a situação econômico- fi nanceira individual de cada um, sempre consensualmente mensurados e avaliadas à época. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 15 6. INCOMUNICABILIDADE DE BENS E RENDAS 6.1. Fica estabelecido que os bens e direitos que cada um dos Conviventes possui individualmente, e suas rendas respectivas, não se comunicarão em qualquer hipótese, razão pela qual, ainda, cada qual administrará diretamen- te seu patrimônio pessoal. 6.2. Os bens e direitos futuros que qualquer dos Conviventes vier a adqui- rir em seu nome, também não se comunicarão em nenhuma hipótese, razão pela qual, ainda, cada um dos Conviventes administrará, individualmente, o que vier a lhe pertencer a qualquer título. 6.3. Os saldos bancários, as aplicações fi nanceiras e os créditos e débitos de qualquer natureza, presente e futuros, também não se comunicarão em nenhuma hipótese, fi cando cada um dos Conviventes com a responsabilida- de individual de movimentação e administração de seus respectivos negócios fi nanceiros. 6.4. Na hipótese da aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel, para o qual ambos os Conviventes hajam contribuído fi nanceiramente, constará do documento respectivo, escritura ou promessa de compra e venda, o percen- tual de participação e propriedade de cada um. Tratando-se de bem móvel, em que não haja possibilidade de constar à proporção da participação de cada um, os Conviventes o estabelecerão em documento à parte para que seja registrado e arquivado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos desta Comarca. 7. DURAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO 7.1. O presente contrato vigerá enquanto durar a união entre os contra- tantes, salvo a hipótese de aditamento ou alteração de suas cláusulas median- te instrumento escrito e, da mesma forma, livre e reciprocamente estipulado e aceito. 7.2. As eventuais alterações do presente instrumento, depois de formaliza- das e reconhecidas as fi rmas dos signatários, deverão ser registradas e arquiva- das no Cartório de Títulos e Documentos desta Comarca. 7.3. A eventual modifi cação ou revogação das leis que regem a matéria, ora vigentes, não alterarão os efeitos e objetivos da presente avença e mani- festação de vontade dos Conviventes. 8. FORO CONTRATUAL 8.1. Para dirimir eventuais dúvidas originárias da interpretação do pre- sente instrumento, se necessário, nomeiam os contratantes Conviventes o foro da comarca de Belo Horizonte, renunciando a qualquer outro por mais privilegiado que seja e por estarem justos e contratados, resolveram mandar DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 16 lavrar o presente Contrato Particular que estabelece condições patrimoniais em face da relação de convivência duradoura prevista na Lei 9.278/96, que assinam na presença das testemunhas abaixo nominadas, para que produza seus jurídicos e legais efeitos. Cidade, José dos Anzóis, Maria das Graças e duas testemunhas.” Pergunta-se: um contrato de convivência poderia regular aspectos não pa- trimoniais da relação de convivência, ou mesmo impedir a sua confi guração, no chamado “contrato de namoro”? DECISÃO(ÕES). Informativo nº 0418 Período: 30 de novembro a 4 de dezembro de 2009. Terceira Turma SOCIEDADE DE FATO, PROVA, ESFORÇO COMUM. A questão cinge-se em defi nir a qual fi gura jurídica corresponde o rela- cionamento havido entre homem e mulher em que o primeiro se encontrava separado de fato da primeira mulher, considerado o período de duração da união de 1961 a 1984, ano em que cessou o vínculo de fato para dar lugar ao casamento sob o regime de separação de bens, que perdurou até a morte do marido, em 1991. Inicialmente, destacou a Min. Relatora que a peculiarida- de da lide reside no fato de que foram os fi lhos do primeiro casamento que ajuizaram a ação de reconhecimento de sociedade de fato com a fi nalidade de obter, em autos diversos, a partilha dos bens adquiridos ao longo da união mantida pelo pai com a recorrente até a data do casamento. O TJ concluiu pela existência, a partir de 1961, de concubinato, para, a partir de 1972, ou seja, somente com o advento da separação judicial, estabelecer a existência de união estável, a qual cessaria em 1984, com a celebração do casamento. Em seguida, destaca que é comportável o reconhecimento jurídico da socie- dade de fato, já que a convivência em comum, por si só, gera contribuições e esforços mútuos. Para a Min. Relatora, a confi guração da separação de fato afasta a hipótese de concubinato e o reconhecimento da sociedade de fato é de rigor. Todavia, ao estabelecer a caracterização de sociedade de fato, o TJ foi além e lhe emprestou os contornos da união estável. É pacífi co o en- tendimento de que, além de sociedade de fato e união estável constituírem institutos diversos, não se operam, em relação à sociedade de fato, os efeitos decorrentes da legislação que deu forma à união estável, especifi camente por- DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 17 que, na hipótese em julgamento, a partir do casamento, em 1984, deixou de existir a sociedade de fato para dar lugar à sociedade conjugal e, nessa época, sequer a CF/1988, muito menos as Leis ns. 8.971/1994 e 9.278/1996 estavam em vigência. Dessa forma, a Lei n. 9.278/1996, particularmente no que toca à presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio de um ou de ambos os conviventes, contida no art. 5º, não pode ser invocada para determinar a partilha de bens se houve a cessação do vínculo de fato — trans- formado em vínculo decorrente de matrimônio — em data anterior à sua vigência. Dessa forma, deve ser reformado o acórdão recorrido para declarar unicamente a existência de sociedade de fato, da qual decorre a necessidade da prova do esforço comum na aquisição do patrimônio para eventual par- tilha, o que não se efetivou na espécie, de modo que os bens adquiridos pela recorrente permanecem sob sua propriedade exclusiva. Diante disso, a Turma conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento. Prece- dentes citados: REsp 147.098-DF, DJ 7/8/2000, e REsp 488.649-MG, DJ 17/10/2005. REsp 1.097.581-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/12/2009. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 18 7 Em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4752. AULA 4: O BOM FILHO A CASA TORNA... Fontes das relações familiares: Filiação. Formas de fi liação. Direitos e de- veres pessoais decorrentes da relação de parentalidade. Parentalidade sócioa- fetiva e verdade biológica. TEXTO OBRIGATÓRIO Dias, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, cap. 13, 19, 20 e 21. PARENTALIDADE Família Monoparental: proteção constitucional. Critérios de determinação de parentalidade: critério jurídico, biológico e sócio-afetivo. Distinção entre parentalidade e direito ao conhecimento da herança gené- tica. Os efeitos são distintos. TEXTO Paulo Luiz Netto Lobo7 “Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária.” Elaborado em 08.2003 1. Introdução Na tradição do direito de família brasileiro, o confl ito entre a fi liação bio- lógica e a fi liação socioafetiva sempre se resolveu em benefício da primeira. Em verdade, apenas recentemente a segunda passou a ser cogitada seriamente pelos juristas, como categoria própria, merecedora de construção adequada. Em outras áreas do conhecimento, que têm a família como objeto de inves- tigação, a exemplo da sociologia, da psicanálise, da antropologia, a relação entre pais e fi lhos fundada na afetividade sempre foi determinante para sua identifi cação. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 19 No direito, a verdade biológica converteu-se na “verdade real” da fi liação em decorrência de fatores históricos, religiosos e ideológicos que estiveram no cerne da concepção hegemônica da família patriarcal e matrimonializada e da delimitação estabelecida pelo requisito da legitimidade. Legítimo era o fi lho biológico, nascido de pais unidos pelo matrimônio; os demais seriam ilegítimos. Ao longo do século XX, a legislação brasileira, acompanhando uma linha de tendência ocidental, operou a ampliação dos círculos de inclu- são dos fi lhos ilegítimos, com redução de seu intrínseco quantum despótico, comprimindo o discrime até ao seu desaparecimento, com a Constituição de 1988. Com efeito, se todos os fi lhos são dotados de iguais direitos e deveres, não mais importando sua origem, perdeu qualquer sentido o conceito de le- gitimidade nas relações de família, que consistiu no requisito fundamental da maioria dos institutos do direito de família. Por conseqüência, relativizou-se o papel fundador da origem biológica. Ao mesmo tempo em que o direito de família sofreu tão intensas trans- formações, em seu núcleo estrutural, consolidou-se a refi nada elaboração dos direitos da personalidade, nas últimas décadas, voltados à tutela do que cada pessoa humana tem de mais seu, como atributos inatos e inerentes, alcan- çando-se o que Pontes de Miranda denominou “um dos cimos da dimensão jurídica”1. São dois universos distintos, pois o direito de família volta-se aos direitos e deveres das pessoas, hauridos do grupo familiar, e os direitos da personalidade aos que dizem com a pessoa em si, sem relação originária com qualquer outra ou com grupo. A origem genética da pessoa, tendo perdido seu papel legitimador da fi liação, máxima na Constituição, migrou para os direitos da personalidade, com fi nalidades distintas. O estado de fi liação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja aquela e qual- quer outra origem. Em outras palavras, o estado de fi liação é gênero do qual são espécies a fi liação biológica e a fi liação não biológica. Daí é de se repelir o entendimento que toma corpo nos tribunais brasileiros de se confundir esta- do de fi liação com origem biológica, em grande medida em virtude do fascí- nio enganador exercido pelos avanços científi cos em torno do DNA. Não há qualquer fundamento jurídico para tal desvio hermenêutico restritivo, pois a Constituição estabelece exatamente o contrário, abrigando generosamente o estado de fi liação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre outro. Na realidade da vida, o estado de fi liação de cada pessoa humana é único e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode haver confl ito com outro que ainda não se constituiu. Os argumentos a seguir expendidos prosseguem na mesma linha traçada em trabalhos anteriores, que publicamos2. Nos últimos anos, divisamos dois marcos essenciais para a solução do eventual confl ito entre fi liação biológica e DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 20 fi liação não biológica: a Constituição de 1988 e a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20.11.1989, e com força de lei no Brasil mediante o Decreto Legislativo nº 28, de 24.9.1990, e o Decreto Executivo nº 99.710, de 21.11.1990. Da Constituição derivam o estado de fi liação biológico e não-biológico e o direito da personalidade a origem genética e da Convenção a solução do confl ito pela aplicação do princípio do melhor interesse do fi lho, que signifi cou verdadeiro giro de Co- pérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida para o do fi lho. 2. Estados de filiação biológica e não biológica Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é considerada fi lha da outra (pai ou mãe). O estado de fi liação é a qualifi cação jurídica dessa relação de parentesco, atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reci- procamente considerados. O fi lho é titular do estado de fi liação, da mesma forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de mater- nidade, em relação a ele. Na doutrina, o estado de fi liação não tem merecido o tratamento devido, sem embargo de sua evidente essencialidade, salvo quando se cuida do estado de fato, na modalidade de posse de estado, ou do reconhecimento voluntário ou forçado. Todavia, são situações que têm por fi to comprovar a existência de estado de fi liação, quando este seja objeto de dúvida ou litígio. O estado de fi liação constitui-se ope legis ou em razão da posse de estado, por força da convivência familiar (a fortiori, social), consolidada na afetivi- dade. Nesse sentido, a fi liação jurídica é sempre de natureza cultural (não necessariamente natural), seja ela biológica ou não biológica. No direito brasileiro atual, com fundamento no art. 227 da Constituição e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, consideram-se estados de fi liação ope legis: a) fi liação biológica em face de ambos os pais, havida de relação de casa- mento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental; b) fi liação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regu- lar; ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o fi lho; e c) fi liação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação arti- fi cial heteróloga. Nessas hipóteses, a convivência familiar e a afetividade são presumidas, ainda que de fato não ocorram. Se qualquer forma, a convivência familiar e a afetividade constroem e consolidam diuturnamente os respectivos estados de fi liação, passando a ditar-lhes os contornos. Em qualquer dessas hipóteses, o DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 21 estado de fi liação poderá ser substituído, em razão de adoção superveniente do fi lho por outros pais. Os estados de fi liação não-biológica referidos nas alíneas b e c são irreversí- veis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternida- de ou maternidade, com fundamento na origem biológica, que apenas poderá ser objeto de pretensão e ação com fi ns de tutela de direito da personalidade. 3. Estado de filiação derivado de inseminação artificial heteróloga A inseminação artifi cial heteróloga, prevista no art. 1.597, V, doCódigo Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doa- dor anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A lei não exige que o marido seja estéril ou que, por qualquer razão física ou psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido pre- viamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”, razão porque pode ser verbal e comprovada em juízo como tal. Por linhas invertidas, a tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da fi liação e da paternidade. Se o marido autorizou a inseminação artifi cial heteróloga, não poderá negar a paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento, máxime em se tratando de doadores anônimos. Nos Estados Unidos, o Uniform Parantage Act, de 1973 e 1987, estabelece que “se, sob a supervisão de um médico habilitado e com o consentimento do marido, a mulher for inseminada artifi cialmente com sêmen doado por um ou- tro homem, o marido é considerado legalmente como se fosse o pai natural da criança concebida. O consentimento deve ser escrito pelo marido e pela mulher”. Toda a documentação relativa à inseminação será mantida pelo médico responsá- vel, sujeita à inspeção judicial. O Uniform Status of Children of Assisted Conception Act, de 1988/1997, estabelece que o dador do sêmen ou do óvulo “não é parente da criança concebida mediante concepção assistida”3. O art. 311-20 do Código Civil francês estabelece que o consentimento dado em procriação medicamente assistida interdita toda ação de contestação ao estado de fi liação decorrente. Para Maria Helena Diniz, se fosse admitida a impugnação da paternidade, haveria uma paternidade incerta, devido ao segredo profi ssional médico e ao anonimato do doador do sêmen inoculado na mulher. 4 A Corte de Cassação italiana já decidiu nessa linha de entendimento, que “o marido que tinha validamente concordado ou manifestado prévio consen- timento à fecundação heteróloga não tem ação para contestar a paternidade da criança nascida em decorrência de tal fecundação”. A decisão ressalta a DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 22 natureza de “pai de direito”, afi rmando que o favor veritatis não é um valor absoluto, pois não pode comprometer posições dotadas de tutela primária5. 4. Posse do estado de filiação A posse do estado de fi liação constitui-se quando alguém assume o papel de fi lho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais6, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua. Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança, que o direito considera satisfatória. No direito anterior, a posse do estado de fi liação ape- nas era admitida, para fi ns de prova e suprimento do registro civil, se os pais convivessem em família constituída pelo casamento, ou seja, para a fi liação considerada legítima. Em virtude do art. 226 da Constituição Federal, outras entidades familiares como a união estável e a família monoparental podem servir de fundamento para a posse do estado de fi liação. Ainda que mantenha a redação do Código Civil de 1916, o art. 1.605 do Código Civil de 2002, por seu enunciado genérico, abrange todas as hipóte- ses existenciais que se apresentam nos arranjos familiares de posse de estado de fi liação, ante a falta ou defeito do termo de nascimento. Essa norma não se refere nem poderia se referir à origem biológica, bastando à aparência dos papéis sociais de pais e fi lho, “quando houver começo de prova por escrito” ou “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. As presunções “veementes” são verifi cadas em cada caso, dispensando-se outras provas da situação de fato. O Código brasileiro não indica sequer exemplifi cadamente, as espécies de presunção, ou a duração, o que nos parece à orientação melhor. Por seu turno, o Código Civil francês, art. 311-2, na atual redação, apresenta as seguintes espécies não taxativas de presunção de estado de fi liação, não sendo necessária à reunião delas: a) quando o indivíduo porta o nome de seus pais; b) quando os pais o tratam como seu fi lho, e este àqueles como seus pais; c) quando os pais provêem sua educação e seu sustento; d) quando ele é assim reconhecido pela sociedade e pela família; e) quando a autoridade pública o considere como tal. Na experiência brasileira, confi guram posse de estado de fi liação a adoção de fato, em que muitas vezes se converte a guarda, os fi lhos de criação e a chamada “adoção à brasileira”. Essa reconfi guração da posse do estado de fi liação, no sentido do “nasci- mento da verdade sociológica” (dizemos socioafetiva), de um conteúdo afe- tivo e social profundo, cuja ruptura prejudicaria o interesse do fi lho, foi bem destacada na doutrina estrangeira: DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 23 Ninguém estranharia que o conceito de posse de estado ganhasse um con- teúdo particular e dirigido à fi nalidade de que se trata. Em vez de um índice de fi liação biológica ela serviria para consolidar um vínculo meramente afec- tivo, sociológico, para exprimir a criação de uma família cuja estabilidade a lei resolveria proteger no interesso do fi lho e no interesse social.7 5. “Adoção à brasileira” e a verdade do registro civil Questão delicada diz respeito ao que se convencionou chamar de “adoção à brasileira”. Dá-se com declaração falsa e consciente de paternidade e materni- dade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das exigências legais para adoção. O declarante ou declarantes são movidos por intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tives- sem gerado. Contrariamente à lei, a sociedade não repele tal conduta; exalça- a. Nessas hipóteses, ainda que de forma ilegal, atende-se ao mandamento contido no art. 227 da Constituição, de ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito “à convivência familiar”, com “absolu- ta prioridade”, devendo tal circunstância ser levado em conta pelo aplicador, ante o confl ito entre valores normativos (de um lado o atendimento à regra matriz de prioridade da convivência familiar, de outro lado os procedimentos legais para que tal se dê, que não foram atendidos). Outrossim, a invalidade do registro assim obtido não pode ser considerada quando atingir o estado de fi liação, por longos anos estabilizados na convivência familiares. Alerta João Baptista Villela que se o registro diz que B é fi lho de A e A não é efetivamente o procriador genético de B, o registro não conteria necessaria- mente uma falsidade, pois ele é o espelho das relações sociais de parentesco. Na Constituição se colheriam o compromisso da República Federativa do Brasil com a solidariedade, a fraternidade, o bem-estar, a segurança, a liberdade, etc, estando essas opções axiológicas muito mais para uma idéia da paternidade fundada no amor e o no serviço do que para a sua submissão aos determinis- mos biológicos. Verdade e falsidade no registro civil e na biologia têm parâmetros diferen- tes. Um registro é sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico que lhe deu origem. E é sempre falso na condição contrária. A chamada verdade biológica, se for o caso de invocá-la ou fazê-la prevalecer, tem um diverso teatro de operações: o das defi nições judiciais ou extrajudiciais. Para que chegue ao registro tem de converter-se em fato jurídico, o que, no to- cante à natureza da fi liação, supõe sempre um ato de vontade — pessoa, se for do declarante; política, se for daautoridade — e, portanto, um exercício de liberdade. Um cidadão que comparece espontaneamente a um cartório e registra, como seu fi lho, uma vida nova que veio ao mundo, não necessita qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 24 6. Afetividade como direito e dever jurídicos A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui entre um pai ou uma mãe e seus fi lhos. A afetividade, cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as rela- ções familiares contemporâneas. O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue. A história do direito à fi liação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consangüinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emanci- pação dos fi lhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização des- sas relações. O desafi o que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patri- monial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade social e aos fundamentos constitucionais. Como diz Eduardo de Oliveira Leite, as indagações doutrinárias mais re- centes têm insistido, de forma cada vez mais freqüente e fi rme, que a fi liação não é somente fundada sobre os laços de sangue; o vínculo sangüíneo deter- mina, para a grande maioria dos pais, um laço fundado sobre a vontade da aceitação dos fi lhos. Logo, a vontade individual é a seqüência ou o comple- mento necessário do vínculo biológico. Homenageando a fi liação socioafetiva, em promissora linha de tendência da jurisprudência brasileira, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná: 1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do enten- dimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ‘’adoção à brasileira’’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles fi lho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer à solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personi- fi cação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 25 vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘’adoção à brasileira’’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger- se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado10. 7. Fundamentação constitucional e no Código Civil Encontra-se na Constituição brasileira vários fundamentos do estado de fi liação geral, que não se resume à fi liação biológica: Todos os fi lhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucional- mente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou existência de outro pai (genitor) d) O direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e o do adolescente (art. 227, caput). e) Impõe-se a todos os membros da família o dever de solidariedade, uns com os outros, dos pais para os fi lhos, dos fi lhos para os pais, e todos com relação aos idosos (arts. 229 e 230). Em suma, a Constituição não oferece qualquer fundamento para a pri- mazia da fi liação biológica, pois amplo é seu alcance. A primazia não está na Constituição, mas na interpretação equivocada que tem feito fortuna, como se o paradigma da fi liação não tivesse sido transformado. Até mesmo no direito anterior, a fi liação biológica era nitidamente recortada entre fi lhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigoro- samente, a essência das relações familiares. O Código Civil reproduziu, em seu art. 1.596, a regra matriz do § 6º do art. 227 da Constituição, relativamente à igualdade entre fi lhos de qualquer natu- reza, superando o paradigma discriminatório da legitimidade, fundado na con- sangüinidade e na matrimonialidade. Outra norma geral superadora e inclusiva é o art. 1.593, que refere ao parentesco natural ou de “outra origem”. Uma das regras especiais mais incisivas, no rumo da superação da consangüinidade, foi o inciso V do art. 1.597, destinado à inseminação heteróloga, antes referida. 8. O critério do melhor interesse do filho para solução do conflito entre filiação biológica e não-biológica No que concerne ao estado de fi liação, deve-se ter presente que, além do mandamento constitucional de absoluta prioridade dos direitos da criança e DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 26 do adolescente (art. 227), a Convenção Internacional dos Direitos da Crian- ça, da ONU, de 1989, passou a integrar o direito interno brasileiro desde 1990. O art. 3.1 da Convenção estabelece que todas as ações relativas aos menores devem considerar, primordialmente, “o interesse maior da criança”, abrangente do que a lei brasileira (ECA) considera adolescente. Por força da convenção deve ser garantida uma ampla proteção ao menor, constituindo a conclusão de esforços, em escala mundial, no sentido de fortalecimento de sua situação jurídica, eliminando as diferenças entre fi lhos legítimos e ilegí- timos (art. 18) e atribuindo aos pais, conjuntamente, a tarefa de cuidar da educação e do desenvolvimento. O princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como “critério signifi cativo na de- cisão e na aplicação da lei”, tutelando-se os fi lhos como seres prioritários. O desafi o é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, “deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos”. O princípio está consagrado nos arts. 4° e 6° da Lei n. 8.069, de 1990 (ECA). O princípio é um refl exo do caráter integral da doutrina dos direitos da criança e da estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral. Assim, segundo a natureza dos princípios, não há supremacia de um sobre outro ou outros, devendo a eventual colisão resolver-se pelo balanceamento dos interesses, no caso concreto. Nesse sentido, diz Miguel Cillero Brruñol que sendo as crianças partes da humanidade, “e seus direitos não se exerçam separada ou contrariamente ao de outras pessoas, o princípio não está formu- lado em termos absolutos, mas que o interesse superior da criança é conside- rado como uma ‘consideração primordial’. O princípio éde prioridade e não de exclusão de outros direitos ou interesses”. De outro ângulo, além de servir de regra de interpretação e de resolução de confl itos entre direitos, deve-se ressaltar que “nem o interesse dos pais, nem o do Estado pode se considerado o único interesse relevante para a satisfação dos direitos da criança”. Valério Pocar e Paola Ronfani utilizam interessante fi gura de imagem para ilustrar a transformação do papel do fi lho na família: em lugar da construção piramidal e hierárquica, na qual o menor ocupava a escala mais baixa, tem-se a imagem de círculo, em cujo centro foi colocado o fi lho, e cuja circunferên- cia é desenhada pelas recíprocas relações com seus genitores, que giram em torno daquele centro. Nos anos mais recentes, parece que uma outra confi - guração de família relacional está se delineando, em forma estelar, que tem ao centro o menor, sobre o qual convergem relações tanto de tipo biológico quanto de tipo social, com os seus dois genitores em conjunto ou separada- mente, inclusive nas crises e separações conjugais. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 27 O princípio inverte a ordem de prioridade: antes no confl ito entre a fi lia- ção biológica e a não-biológica ou socioafetiva, resultante de posse de estado de fi liação, a prática do direito tendia para a primeira, enxergando o interesse dos pais biológicos como determinantes, e raramente contemplando os do fi lho. De certa forma, condizia com a idéia de poder dos pais sobre os fi lhos e da hegemonia da consangüinidade-legitimidade. Menos que sujeito, o fi lho era objeto da disputa. O princípio impõe a predominância do interesse do fi lho, que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a reali- zação pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os pais não-biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência fami- liar, constitutiva da posse do estado de fi liação, pois ela é prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, da Constituição Federal). 9. Pater is est — redirecionando da legitimidade para o estado de filiação em geral A mudança do direito de família, da legitimidade para o plano da afetivi- dade, redireciona a função tradicional da presunção pater is est. Destarte, sua função deixa de ser a de presumir a legitimidade do fi lho, em razão da origem matrimonial, para a de presumir a paternidade em razão do estado de fi lia- ção, independentemente de sua origem ou de sua concepção. A presunção da concepção relaciona-se ao nascimento, devendo este prevalecer. Essa é a orientação adotada em legislações que recentemente alteraram o direito de fi liação, privilegiando o nascimento em detrimento da concepção, como a da Alemanha (1997), segundo a qual se um homem for casado com a mãe no momento do nascimento da criança, então ele é pai da criança sem que deva haver outros requisitos. Deixaram de existir as presunções de coa- bitação e concepção. É decisiva somente a época de nascimento da criança. O homem casado com a mãe na época do nascimento é o pai mesmo que a criança tenha nascido durante a união conjugal, mas sido gerada antes do casamento. Ao contrário do § 1.591 al. 1 frase 2 BGB aF, ele é pai até mes- mo se, conforme as circunstâncias, seja obviamente impossível que a mulher tenha concebido dele. A contestação ou impugnação da paternidade são direitos personalíssi- mos, que radicam exclusivamente na iniciativa do marido da mãe. Ninguém, nem mesmo o fi lho ou a mãe, poderá impugnar a paternidade. O art. 1.601 do Código Civil, assim lido em conformidade com a Constituição, desloca a paternidade da origem biológica para o estado de fi liação, de qualquer ori- gem. Note-se que o artigo equivalente do Código Civil de 1916 referia-se à contestação da legitimidade dos fi lhos e não da paternidade, em si. Por sua vez, a legitimidade dos fi lhos fundava-se em dois fatores conjuntos, a saber, na família constituída pelo casamento (matrimonializada) e em terem-se ori- ginado biologicamente do marido da mãe. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 28 A presunção pater is est reconfi gura-se no estado de fi liação, que decorre da construção progressiva da relação afetiva, na convivência familiar. An- tes, presumia-se pai biológico o marido da mãe. Segundo Anne Lefebvre Teillard, citada por João Baptista Villela, o adágio pater is est atuou, por sécu- los, mantendo fortemente amarrado “o biológico ao institucional”, além de estar ancorado no pressuposto da fi delidade da mulher. Hoje, presume-se pai o marido da mãe que age e se apresenta como pai, independentemente de ter sido ou não o procriador. Como ressalta Villela, no processo de refi namento cultural do matrimônio constitui traço fundamental o encapsulamento da vida íntima na esfera interna da família. Assim, atribuir a paternidade ao marido da mulher não signifi ca proclamar uma derivação biológica. (...) A família não tem deveres de exatidão biológica perante a sociedade, pelo que, se a mulher prevarica e pare um fi lho que não foi gerado pelo seu marido, isso, tendencialmente, é matéria da economia interna da família. Pode ser um grave problema para o casal. Como pode não ser problema. O pai biológico não tem ação contra o pai não-biológico, marido da mãe, para impugnar sua paternidade. Apenas o marido pode impugnar a pater- nidade quando a constatação da origem genética diferente da sua provocar a ruptura da relação paternidade-fi liação. Se, apesar desse fato, forem mais fortes a paternidade afetiva e o melhor interesse do fi lho, enquanto menor, nenhuma pessoa ou mesmo o Estado poderão impugná-la para fazer valer a paternidade biológica, sem quebra da ordem constitucional e do sistema do Código Civil. 10. Sobre a imprescritibilidade do exercício da contestação da paternidade e da impugnação do estado de filiação O Código Civil de 1916 estabelecia prazos prescritíveis curtos para que o marido da mãe pudesse contestar a paternidade, sendo de dois meses a partir do parto, se estivesse presente, e de três meses, se esteve ausente. A fi nalidade da lei era afi rmar a presunção pater is est, no sentido de tutelar a família legítima, pois apenas admitia essa exceção para impugná-la, desde que a pretensão se exercesse em prazo curto. Sustentou-se na doutrina e na jurisprudência que tais prazos eram decadenciais ou preclusivos, atingindo não apenas a pretensão, mas o próprio direito, e não apenas prescritíveis. O Código Civil de 2002 adotou orientação totalmente oposta e problemática, optando pela imprescritibilidade. O marido da mãe, e somente ele, poderá a qualquer tempo impugnar a paternidade derivada da presunção pater is est. Provavelmente, o que moti- vou o legislador foi à orientação adotada no direito brasileiro de serem im- prescritíveis as pretensões relativas ao estado das pessoas. Todavia, ainda que imprescritível, a pretensão de impugnação não poderá ser exercida se fundada DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 29 apenas na origem genética, em aberto confl ito com o estado de fi liação já constituído. Em outras palavras, para que possa ser impugnada a paternida- de, independentemente do tempo de seu exercício, terá o marido da mãe que provar não ser o genitor, no sentido biológico (por exemplo, com resultado de exame de DNA) e, por esta razão, não ter sido constituído o estado de fi liação, de natureza socioafetiva; e se foi o próprio declarante perante o regis- tro de nascimento, comprovar que teria agido induzido em erro ou em razão de dolo ou coação. A família, seja ela de que origem for, é protegida pelo Estado e por sua ordem jurídica (art. 226 da Constituição). Se a exclusividade da prova de inexistência de origem biológica pudesse ser considerada sufi ciente para o exercício da impugnação da paternidade, anos ou décadas depois de esta ser realizada e nãoquestionada, na consolidação dos recíprocos laços de afetivi- dade, com a inevitável implosão da família assim constituída, estar-se-ia ne- gando a norma constitucional de proteção da família, para atender impulsos, alterações de sentimentos ou decisões arbitrárias do pai. Pelos fundamentos jurídicos que informam o atual regime brasileiro da paternidade, o exercício imprescritível da impugnação pelo marido da mãe depende da demonstração, além da inexistência da origem biológica, de que nunca tenha sido constituído o estado de fi liação. O argumento, tantas vezes manejado, da possível derrogação do art 362 do Código Civil de 1916 (estabelecia prazo decadencial de quatro anos para o fi lho impugnar o reconhecimento da paternidade, quando atingisse a maio- ridade), pelo art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, perdeu a consistência, pois o Código Civil de 2002 repetiu o mesmo conteúdo nor- mativo anterior. Em verdade, as duas normas são harmônicas, cuidando de matérias distintas. O art. 27 do ECA assegura o caráter de direito persona- líssimo “ao reconhecimento do estado de fi liação” dos fi lhos havidos fora do casamento, qualquer que seja a origem (art. 26), ou seja, daqueles que ainda não tenham sido reconhecidos por ambos ou por um dos pais. O art. 1.614 do Código Civil de 2002, ao contrário, disciplina a preservação do estado de fi liação dos que já foram reconhecidos, conforme consta do registro. Portan- to, o art. 27 do ECA nunca permitiu a impugnação do estado de fi liação dos que já se encontravam reconhecidos, contra o qual só pode haver impugna- ção do próprio pai (art. 1.601) ou do fi lho, no prazo de quatro anos após a maioridade (art. 1.614). 11. Afinal qual é a verdade real da filiação? A verdade biológica nem sempre é a verdade real da fi liação. O direito deu um salto à frente do dado da natureza, construindo a fi liação jurídica com outros elementos. A verdade real da fi liação surge na dimensão cultural, DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 30 social e afetiva, donde emerge o estado de fi liação efetivamente constituído. Como já vimos, tanto o estado de fi liação ope legis quanto à posse de estado de fi liação podem ter origem biológica ou não. Para o registro do fi lho, o declarante não precisa fazer prova da origem biológica; nem seria obrigado a fazê-lo, pois impediria a fi liação de outra natureza. O registro produz uma presunção de fi liação quase absoluta, pois apenas pode ser invalidado se provar que houve erro ou falsidade (art. 1.604 do Código Civil). A declaração do nascimento do fi lho, feita pelo pai, é ir- revogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, conjuntamente, que esta não se constituiu por não ter sido o genitor biológi- co e não ter havido estado de fi liação estável. Como diz Gerard Cornu, a verdade biológica não reina absoluta sobre o direito da fi liação, porque esta incorpora, necessariamente, um conjunto de outros interesses e valores. Para ele, confundir verdade real da fi liação com verdade biológica, é um entendimento “reducionista, cego, demagógico e decepcionante”, engendrando “um direito biológico totalitário, além de um pseudo-direito subjetivo ilusório e nefasto”. Esclarece João Baptista Villela que o registro não exprime um evento bio- lógico, pois compete ao ofi cial recolher uma manifestação de vontade. Ele exprime um acontecimento jurídico. A qualifi cação da paternidade ou a omissão dela dependerá, de um modo ou de outro, de um fato do direito: estar ou não casada à mãe, sentença que estabeleça ou desconstitua a paternidade, reconhecimento voluntário, etc. Ao registro não interessa a história natural das pessoas, senão apenas sua história jurídica. Mesmo que a história jurídica tenha sido condicionada pela história natural, o que revela o registro é aquela e não esta. Na Jornada de Direito Civil, levada a efeito no Superior Tribunal de Jus- tiça, nos dias 11 a 13 de junho de 2002, aprovou-se proposição no sentido de que “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compre- ende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a fi liação consangüínea e também a socioafetiva”. Não pode o autor da declaração falsa vindicar a invalidade do registro do nascimento, conscientemente assumida, porque violaria o princípio as- sentado em nosso sistema jurídico de venire contra factum proprium nulli conceditur. Sem razão o Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 130.334-4 — Marília — 1ª CDPriv — Rel. Des. Guimarães e Souza — 14.12.1999), ao decidir que a existência de vício do ato jurídico pode ser alegada a qualquer tempo até mesmo pelo autor da falsidade. A contestação, nesse caso, terá de estar fundada em hipótese de invalidade dos atos jurídicos, que o direito acolhe, tais como erro, dolo, coação. Na dúvida deve prevalecer o estado de fi liação socioafetiva, consolidada na convivência familiar, considerada prio- ridade absoluta em favor da criança pelo art. 227 da Constituição Federal. DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 31 No contexto atual, em conformidade com a Constituição Federal, o art. 1.604 do Código Civil reforça a primazia do estado de fi liação sobre a origem genética. Nesse sentido, a norma deve ser interpretada em consonância com os artigos 1.596, 1.597, 1.601 e 1.614, todos do Código Civil. É quase absoluta a presunção da fi liação derivada do registro do nascimento, pois apenas é afastada nas hipóteses de erro ou falsidade, não sendo admissível qualquer outro funda- mento. O registro do nascimento é a prova capital do nascimento e da fi liação materna e paterna. No caso do pai, reforça a presunção pater is est. Não é total- mente absoluta porque pode ser retifi cada, por decisão judicial, ou invalidada em virtude de prova de erro ou falsidade. A norma é cogente ao proclamar que ninguém poderá vindicar estado contrário ao que resulta do registro do nasci- mento. Refere ao estado de fi liação e aos decorrentes estados de paternidade e maternidade. A vedação alcança qualquer pessoa, incluindo o registrado e as pessoas que constam como seus pais. No Código Civil de 1916 a norma equi- valente (art. 348) tinha por fi to a proteção da família legítima, que não deveria ser perturbada com dúvidas sobre a paternidade atribuída ao marido da mãe. A norma atual, no contexto legal inaugurado pela Constituição Federal, contem- pla a proteção do estado de fi liação e paternidade, retratada no registro. 12. Direito à origem genética como direito da personalidade, sem vínculo com o estado de filiação O estado de fi liação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos cons- truídos no cotidiano de pai e fi lho, constitui fundamento essencial da atri- buição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da per- sonalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram. Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de in- vestigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da ori- gem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo sa- ber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da própria vida. Não há necessidade de se atribuir à paternidade a alguém para se ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes bioló- gicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi adotado, ou do que foi concebido por inseminação artifi cial heteróloga. São exemplos como esses que demonstram o equivoco em que laboram decisões que confundem investigação da paternidade com direito à origemgenética. Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado de fi liação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a origem biológica DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 32 desempenha papel relevante no campo do direito de família, como funda- mento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artifi cial heteróloga ou posse de estado). É inadmissível que sirva de base para vindicar novo estado de fi liação, contrariando o já existente. Como já tivemos oportunidade de afi rmar alhures, a evolução do direito conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto houve primazia da função biológica da família. Ao ser humano, concebido fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado de fi liação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco ou efeitos de direito de família tout court. Nesse sentido, dispõe a lei francesa nº 2002-93, de 22 de janeiro de 2002, sobre o acesso às origens das pessoas adotadas e dos “pupilos do Estado” (fi lhos de pais desconhecidos ou que per- deram o poder familiar, enquanto aguardam inserção em família substituta). A lei francesa tem por fi to a necessidade das informações sobre a sanidade, identidade e as condições genéticas básicas, no interesse dos menores, para que possam utilizá-los, principalmente quando adquirirem a maioridade, ou de seus descendentes, para fi ns de saúde pública e dos próprios, sem qual- quer fi nalidade de parentesco legal. O Direito espanhol, ao admitir excep- cionalmente a revelação da identidade do doador do material fecundante, expressamente exclui qualquer tipo de direito alimentar ou sucessório entre o indivíduo concebido e o genitor biológico. Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identifi cando seus ascendentes ge- néticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a for- tiori, da vida. Esse direito é individual, personalíssimo, não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade. A paterni- dade deriva do estado de fi liação, independentemente da origem (biológica ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação artifi cial heteróloga, autorizada pelo marido (art. 1.597, V, do Código Civil), o que reforça a tese de não depender a fi liação da relação genética do fi lho e do pai. Nesse caso, o fi lho pode vindicar os dados genéticos de doador anô- nimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que o armazenou, para fi ns de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de atribuição de paternidade. Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação de investigação de paternidade, para tal fi m. Os desenvolvimentos científi cos, que tendem a um grau elevadíssimo de certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 33 e fi lho, pois a imputação da paternidade biológica não determina a paternida- de jurídica. O biodireito depara-se com as conseqüências da dação anônima de sêmen humano ou de material genético feminino. Nenhuma legislação até agora editada, nenhuma conclusão da bioética, apontam para atribuir a paternidade aos que fazem dação anônima de sêmen aos chamados bancos de sêmen de instituições especializadas ou hospitalares. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da fi liação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. 13. Conclusão O direito à fi liação não é somente um direito da verdade. É, também, em parte, um direito da vida, do interesse da criança, da paz das famílias, das afei- ções, dos sentimentos morais, da ordem estabelecida, do tempo que passa (...) No estágio em que se encontram as relações familiares no Brasil, ante a evolução do direito, do conhecimento científi co e cultural e dos valores sociais, não se pode confundir estado de fi liação e origem biológica. Esta não mais de- termina aquele, pois desapareceram os pressupostos que a fundamentavam, a saber, a exclusividade da família matrimonializada, a legitimidade da fi liação, o interesse prevalecente dos pais, a paz doméstica e as repercussões patrimoniais. O estado de fi liação é gênero, do qual são espécies a fi liação biológica e a fi liação não biológica. Ainda que ele derive, na grande maioria dos casos, do fato biológico, por força da natureza humana, outros fatos o determinam, a saber, a adoção, a posse do estado de fi liação e a inseminação artifi cial heteróloga. Assim, para abranger todo o universo de situações existenciais reconhecidas pelo direito, o estado de fi liação tem necessariamente natureza cultural (ou socioafetiva). A origem biológica presume o estado de fi liação, ainda não constituído, independentemente de comprovação de convivência familiar. Neste sentido, a investigação da origem biológica exerce papel fundamental para atribuição da paternidade ou maternidade e, a fortiori, do estado de fi liação, quando ainda não constituído. Todavia, na hipótese de estado de fi liação não bioló- gica já constituído na convivência familiar duradoura, comprovado no caso concreto, a origem biológica não prevalecerá. Em outras palavras, a origem biológica não se poderá contrapor ao estado de fi liação já constituído por ou- tras causas e consolidado na convivência familiar (Constituição, art. 227). O confl ito entre pais biológicos e pais não biológicos do fi lho menor, não mais se resolve pela primazia dos primeiros ou dos segundos. A solução do con- fl ito mudou o foco dos interesses, dos pais para os fi lhos. A Convenção Inter- nacional dos Direitos da Criança, de 1989, com força de lei ordinária no Brasil, desde 1990, estabelece que todas as ações relativas às crianças devem conside- rar, primordialmente, o melhor interesse da criança, em face dos interesses dos DIREITO DE FAMÍLIA FGV DIREITO RIO 34 8 Notas: 01. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, tomo 7, p. 6. 02. A repersonalização das relações de família. In: BITTAR: Carlos Alberto (Org.). O direito de família na Consti- tuição de 1988. São Paulo, Ed. Saraiva, 1989, p. 53-82; O Exame de DNA e o Princípio da Dignidade da Pessoa Hu- mana. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, ano I, nº 1, p. 67- 78, abr./jun. 1999; Princípio jurídico da afetividade na fi liação. In: PEREIRA, Ro- drigo da Cunha (Org.). Anais do II Con- gresso Brasileiro de Direito de Família: A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: OAB-MG/IBDFAM, 2000, p. 245-54; Código Civil Comentado:Direito de Família. Relações de Parentesco. Di- reito Patrimonial. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Org.). Código Civil Comentado., São Paulo: Atlas, 2003, vol. XVI. 03. Cf. transcrição de WADLINGTON, Walter; O’BRIEN. Family law statutes, international conventions and uniform laws. New York: Foundation Press, 2000, p.135 e 148. 04. Cf. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 5, p. 380. 05. Cf. POCAR, Valerio; RONFANI, Paola. La famiglia e il diritto. Roma: Laterza, 2001, p. 206-7. 06. Sobre o conceito de lugar, como importante contribuição da psicanálise, cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Família, Direitos Humanos, Psicanálise e inclu- são social. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 16, p. 5-11, jan./mar. 2003, p. 8):
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