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Apostila - Direito de Família - FGV (2011)

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ROTEIRO DE CURSO
 2011.2
3ª EDIÇÃO 
DIREITO DE FAMÍLIA
AUTOR: GUSTATAVO KLOH MULLER NEVES
Sumário
Direito de Família
APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 3
PRIMEIRO BLOCO DE AULAS: .................................................................................................................................. 4
AULA 1. O QUE É FAMÍLIA? ..................................................................................................................................... 5
AULA 2. O CASAMENTO ......................................................................................................................................... 8
AULA 3: A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É? ............................................................................................ 12
AULA 4: O BOM FILHO A CASA TORNA... .................................................................................................................. 18
AULA 5: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: A REPROGENÉTICA NAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO ............. 36
AULA 6. ADOÇÃO ............................................................................................................................................... 39
AULA 7. FAMÍLIA HOMOSSEXUAL: UMA REALIDADE EM CONSTRUÇÃO. ............................................................................ 48
BLOCO II DE AULAS ............................................................................................................................................ 53
AULA 8: PREVENÇÃO DE CONFLITOS E REGIME DE BENS .............................................................................................. 54
AULA 9. DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO EXTRAJUDICIAIS .................................................................................................... 61
AULA 10: SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO JUDICIAIS. .......................................................................................................... 76
AULA 11. ALIMENTOS ......................................................................................................................................... 78
AULA 12. 1ª PARTE — FAMÍLIA E DIREITO EMPRESARIAL ........................................................................................... 83
AULA 12. 2ª PARTE — CASAMENTO GLOBAL ............................................................................................................ 85
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 3
APRESENTAÇÃO
O objetivo do nosso curso de direito de família consiste em apresentar a 
problemática da realidade familiar contemporânea, ao mesmo tempo em que 
municia você com ferramental para o entendimento dessas questões, e de 
um conhecimento de mecanismos preventivos e repressivos dos problemas 
ocorridos nas relações familiares.
As mudanças nas relações familiares são evidentes, saltam aos olhos, e não 
é possível que as discussões, e o próprio ensino do Direito de Família passem 
ao largo dessas alterações.
A ênfase na prevenção de problemas será sempre grande, uma vez que o 
preço pago, diante de um confl ito familiar não resolvido, é muito caro. Para 
tanto, é necessário enfatizar o caráter multidisciplinar das relações familiares, 
e suas intersecções com os demais ramos do Direito Privado, e mesmo até do 
Direito Público.
Tudo o que foi dito, todavia, partiu de um pressuposto simples, até prosai-
co: você sabe o que é uma família, pois vive em uma. Mas sabe mesmo? É cla-
ro que a vivência por você acumulada é perfeitamente válida, e você conhece 
com detalhes a vida e a realidade de ao menos uma família. Mas nem todas as 
famílias são e serão iguais, terão os mesmos problemas ou os mesmos anseios. 
Tosltói inicia seu célebre romance “Anna Kariênina” com a seguinte frase:
“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma a sua 
maneira.”
O conteúdo dessa frase não é mais capaz de ser considerado verdadeiro, ao 
menos em parte. Em verdade, todas as famílias são felizes e infelizes cada uma 
a sua maneira, e por isso a família é e será múltipla, diversa, rica em variações 
e vivências, e por isso demandará uma multiplicidade de alternativas para a 
resolução e prevenção de confl itos entre os seus membros.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 4
PRIMEIRO BLOCO DE AULAS:
ESTRUTURA DAS RELAÇÕES FAMILIARES (AULAS 1 A 7)
OBJETIVO
Compreensão da tipologia das relações familiares, com ênfase no direito 
pessoal das relações familiares.
Como vimos na apresentação, se a família é múltipla, tem origens distintas e 
comporta uma pluralidade de realidades, devemos começar o estudo do direito 
de família por meio de uma prospecção das realidades familiares que vivemos e 
encontramos, para que se compreendam essas diferentes formas de viver.
A ênfase será naquilo que se chama de “Direito Pessoal de Família”, ou 
seja, as relações que serão estudadas serão observadas pelo prisma do conví-
vio, da estrutura e das responsabilidades. O patrimônio amealhado na família 
não será desconsiderado, mas o seu momento de foco será outro.
Por fi m, esclarece-s desde logo que a tutela e curatela são temas estranhos 
ao direito de família, não estabelecem relações familiares e não serão direta-
mente abordadas.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 5
1 Op. cit, p. 23.
2 Levi Strauss, Claude. As estruturas ele-
mentares do parentesco, passim.
3 Schlüter, Wielfried. Direito de Família, 
p. 56.
AULA 1. O QUE É FAMÍLIA?
EMENTA:
Família. Tipologia das relações familiares. A família na constituição de 
1988. Família eudemonista. O papel do afeto nas relações familiares.
TEXTO OBRIGATÓRIO
TEPEDINO, Gustavo — “A disciplina civil constitucional das relações fa-
miliares”, em Temas de Direito Civil, vol. I, Ed. Renovar.
TEXTO COMPLEMENTAR
DIAS, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, cap. 1, 2 e 3, 
ed. Livraria do Advogado.
Natureza das relações familiares
Para os autores de direito em geral, a Família se apresenta como constru-
ção social, mas não há investigação mais profunda sobre por meio de quais 
elementos essa construção se origina ou direciona.
Por exemplo, vejamos o que diz Maria Barenice Dias: “Mesmo sendo a 
vida aos pares um fato natural, em que os indivíduos se unem por uma quí-
mica biológica, a família é um agrupamento cultural. Preexiste ao Estado e 
está acima do Direito. A família é uma construção social organizada através 
de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comporta-
mento. Dispõe de uma estrutura na qual cada um ocupa um lugar, possui 
uma função. (...) É a preservação do lar no seu aspecto mais signifi cativo: 
afeto e respeito.” 1
Essa referência, todavia, é completamente insufi ciente. Em verdade, a ori-
gem da família se centra em outros aspectos, todos distintos do acima citado:
• A proibição do incesto;2
• A preservação da integridade da gens, como conseqüência da proibi-
ção do incesto.3
Fundamentos jurídicos das relações familiares.
Como visto acima, o pensamento civilista atual centra o afeto como sendo 
o elemento caracterizador das relações familiares. Mas será mesmo?
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 6
4 CÓDIGO CIVIL2002, art. 1694: “Podem 
os parentes, os cônjuges ou compa-
nheiros...”
5 CÓDIGO CIVIL2002, art. 1521.
Essa idéia poderia, por exemplo, ser confrontada com a da responsabilida-
de social especial como fundamento das citadas relações. Isso explicaria a visão 
interessante trazida por Schlüter: que o Direito cuida de uma “grande” e de 
uma “pequena” família. Assim, por exemplo, o dever de alimentos se estende 
aos avós,4 e as proibições de casamento até o terceiro grau de parentesco.5
A família na constituição: art. 226. Dignidade da pessoa humana edireito de famí-
lia: a família eudemonista.
Como interpretar o papel da família na constituição? Vejamos os dispositivos:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º — O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º — O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º — Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável 
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei faci-
litar sua conversão em casamento.
§ 4º — Entende-se, também, como entidade familiar à comunidade 
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º — Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exerci-
dos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º — O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após pré-
via separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, 
ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º — Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da 
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do ca-
sal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científi cos 
para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por 
parte de instituições ofi ciais ou privadas.
§ 8º — O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada 
um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no 
âmbito de suas relações.”
O art. 226, §8º, determina a proteção dos membros da família na pessoa 
dos seus membros.
Quais as consequências da adoção dessa visão?
CASO
“Supremo decide que concubina não tem direito a receber a metade da pensão da viúva.
A pensão por morte do fi scal de rendas baiano Valdemar do Amor Divino 
Santos deve ser concedida apenas para sua esposa — Railda Conceição San-
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 7
tos — e não pode ser dividida entre a viúva e a mulher — Joana da Paixão 
Luz — com quem o homem manteve concubinato durante 37 anos.
A decisão foi proferida ontem (3) pela 1ª Turma do STF, que deu provi-
mento ao recurso extraordinário interposto na pelo Estado da Bahia.
O TJ baiano determinou o rateio da pensão entre as duas mulheres, por 
considerar que “havia uma união estável de Valdemar com Joana, mesmo que 
paralela com a de um casamento ´de papel passado´ entre Valdemar e Rail-
da”. O julgado do tribunal estadual considerou que Joana e Santos tiveram 
uma união estável paralela ao casamento dele com Conceição. Com esta, ele 
teve 11 fi lhos e com Joana, nove.
O relator da ação ministro Marco Aurélio, afi rmou em seu voto que a 
Constituição Federal, no parágrafo 3º do artigo 226, diz que a família é reco-
nhecida como a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar 
sua conversão em casamento. Para o ministro, a união entre Valdemar e Joana 
“não pode ser considerada estável”.
O relator lembrou que o artigo 1.727 do Código Civil prevê que relações não 
eventuais entre o homem e a mulher — impedidos de casar — constituem con-
cubinato. Segundo o voto, “a relação entre Valdemar e Joana não se iguala à união 
estável, e por isso não está coberta pela garantia dada pela Constituição Federal”.
Os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes 
Rocha e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. Este lembrou que a 
palavra “concubinato” — do latim, ´concubere´ signifi ca compartilhar o leito. 
Já união estável é “compartilhar a vida”, salientou o ministro.
Para a ministra Cármen Lúcia, a Constituição se refere a um núcleo pos-
sível de união que possa se converter em casamento. “A segunda união deses-
tabiliza a primeira”, salientou a ministra.
O ministro Carlos Ayres Britto votou no sentido de manter a decisão 
do TJ da Bahia. Segundo seu voto, “ao proteger a família, a maternidade 
e a infância, a Constituição Federal, em diversos artigos, não faz distinção 
quanto a casais formais — que ele chamou de ‘papel passado’ — e os casais 
impedidos de contrair matrimônio. Ele negou provimento ao recurso do Es-
tado baiano, por entender que” as duas mulheres tiveram a mesma perda, e 
estariam sofrendo as mesmas consequências sentimentais e fi nanceiras”. O 
procurador do Estado Antonio Ernesto Leite Rodrigues foi o subscritor do 
recurso extraordinário do Estado da Bahia. (RE nº 397762 — com informa-
ções do STF e da redação do Espaço Vital..1
Você é favorável ao reconhecimento da simultaneidade de relações familiares?
Quais os valores constitucionais implicados?
O conceito de família utilizado faz diferença?
1 — em http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=11443).
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 8
AULA 2. O CASAMENTO
EMENTA
Fontes das relações familiares. O casamento. Características e deveres dos 
cônjuges. Habilitação e impedimentos. Celebração e efeitos.
TEXTO OBRIGATÓRIO
DIAS, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, 2ª ed, cap. 10.
Natureza do casamento
O casamento é ato, negócio, contrato ou instituição.
Sentido do art. 1514 do Código Civil. Comunhão plena de vida e o sen-
tido do art. 1.566.
Casamento civil e religioso com efeitos civis.
Inovações no Regime do Casamento
Dentre as diversas inovações trazidas pelo CÓDIGO CIVIL destacam-
se as seguintes: a) gratuidade de celebração e, com relação à pessoa cuja 
pobreza for declarada sob as penas da lei, também de habilitação, regis-
tro e da primeira certidão (art.1512); b) regulamentação e facilitação do 
registro civil do casamento religioso (art.1516); c)redução da capacidade 
do homem para casar para 16 anos (art.1517); d) previsão somente dos 
impedimentos absolutos, reduzindo-se o rol (art.1521); e) tratamento das 
hipóteses de impedimentos relativamente dirimentes do CÓDIGO CI-
VIL1916 não mais como impedimentos, mas como casos de invalidade 
relativa do casamento (art.1550); f ) substituição dos antigos impedimentos 
impedientes ou meramente proibitivos pelas causas suspensivas (art.1523); 
g) exigência da homologação da habilitação para o casamento pelo juiz 
(art.1526); h) casamento por procuração mediante instrumento público, 
com validade restrita a 90 dias; i) consolidação da igualdade dos cônjuges, 
aos quais compete à direção da sociedade conjugal, com o desaparecimento 
da fi gura o chefe de família (art.1565 e 1567) e j) ofi cialização do termo 
sobrenome e possibilidade de adoção do utilizado pelo outro por qualquer 
dos nubentes (art.1565).
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 9
Habilitação para o casamento
Consiste na apresentação de documento para o ofi cial de cartório do Re-
gistro Civil de Pessoas Naturais. Agora é também necessário à homologação 
do Juiz.
Os documentos necessários estão arrolados nos incisos do art.1.525 do 
Código Civil.
Impedimentos para o casamento
Os requisitos essenciais do casamento são diferença de sexo, consenti-
mento e celebração na forma da lei. Faltando qualquer deles o casamento é 
inexistente. Porém, outros requisitos devem ser observados para a validade e 
regularidade do casamento. A sua inobservância fulmina de nulidade o ato.
a) Impedimento dirimente absoluto (público) — a penalidade aqui é 
a nulidade do casamento (art.1.521 do Código Civil);
b) Impedimento dirimente relativo (privado, particular ou relativo) 
— a sanção aqui é a anulabilidade do casamento (art.1.550 do Có-
digo Civil);
c) Causas Suspensivas — a sanção aqui consiste na perda do direito de 
escolher o regime de bens, devendo se casar pelo regime da Separa-
ção Legal Obrigatória de Bens (art.1.523 Código Civil)
Celebração do casamento
Deve ser pública e seguir os requisitos previstos no Código Civil. Quais os 
efeitos do descumprimento?
Efeitos do casamento
É necessário nesse ponto frisar dois institutos: o casamento putativo e a 
posse do estado de casado.
CASO
É possível o casamento de sobrinho e tia no Direito Brasileiro?
Qual a constitucionalidadedo exame previsto nos art. 1º e 3º do DL 
3.200, de 1941? Este dispositivo é compatível com o art. 1.521, IV, do Novo 
Código Civil?
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 10
DECISÃO(ÕES).
Informativo nº 0418
Período: 30 de novembro a 4 de dezembro de 2009.
Terceira Turma
REGIME MATRIMONIAL. SUCESSÃO
Trata-se de recurso interposto contra acórdão exarado pelo TJ que deferiu 
pedido de habilitação de viúva como herdeira necessária. A questão resume-
se em defi nir se o cônjuge sobrevivente — que fora casado com o autor da 
herança sob o regime da separação convencional de bens — participa da 
sucessão como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes do 
falecido. No caso, a situação fática vivenciada pelo casal, declarada desde já 
a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal, é a seguinte: cuida-se 
de um casamento que durou dez meses; quando desse segundo casamento, o 
autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença 
incapacitante; os nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime 
da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado 
em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos 
antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos. Para a Min. 
Relatora, o regime de separação obrigatória de bens previsto no art. 1.829, 
I, do CC/2002 é gênero que agrega duas espécies: a separação legal e a se-
paração convencional. Uma decorre da lei; a outra, da vontade das partes, 
e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação 
de bens, à sua observância. Não remanesce, para o cônjuge casado median-
te separação de bens, direito à meação tampouco à concorrência sucessória, 
respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e 
na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro 
necessário. Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre 
os arts. 1.829, I, e 1.687 do CC/2002, o que geraria uma quebra da unidade 
sistemática da lei codifi cada e provocaria a morte do regime de separação de 
bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna comple-
mentares os citados dispositivos. Se o casal fi rmou pacto no sentido de não 
ter patrimônio comum e se não requereu a alteração do regime estipulado, 
não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco 
foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria 
livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar 
o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com 
os descendentes, sob pena de clara violação do regime de bens pactuado. Se 
o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, signifi ca 
que o casal escolheu — conjuntamente — a separação do patrimônio. Não 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 11
há como violentar a vontade do cônjuge — o mais grave — após sua mor-
te, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir 
nada, nem em vida. Em tais situações, haveria, induvidosamente, a alteração 
do regime matrimonial de bens post mortem. Seria alterado o regime de sepa-
ração convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobre-
vivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, 
patrimônio, o qual, recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade pró-
pria. Assim, o regime de separação de bens fi xado por livre convenção entre a 
recorrida e o falecido está contemplado nas restrições previstas no art. 1.829, 
I, do CC/2002, em interpretação conjugada com o art. 1.687 do mesmo có-
digo, o que retira da recorrida a condição de herdeira necessária do autor da 
herança em concorrência com os recorrentes. REsp 992.749-MS, Rel. Min. 
Nancy Andrighi, julgado em 1º/12/2009.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 12
AULA 3: A UNIÃO ESTÁVEL: JUNTADO COM FÉ CASADO É?
EMENTA
Fontes das relações familiares. União Estável. Regimes aplicáveis e carac-
terísticas. Concubinato e união estável.
TEXTO OBRIGATÓRIO
DIAS, M. Berenice. op. cit, cap. 11.
É a união entre homem e mulher com o objetivo de constituição de fa-
mília em relacionamento na forma livre, pública, duradoura e contínua. O 
concubinato (Artigo 1727 Código Civil) é diferente da União estável. Quem 
vive em com concubinato é impedido de casar, e é difícil a determinação dos 
efeitos jurídicos.
Vejamos o texto legal:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar à união estável 
entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, 
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição 
de família.”
Características da união estável
• Diversidade de sexos;
• Objetivo de constituição de família;
• Publicidade;
• Coabitação;
• Continuidade no relacionamento;
• Durabilidade.
Aspectos eficaciais da união estável
Art. 1.724, Código Civil: APLICABILIDADE CONJUNTA COM O 
ART. 1.566. DISTINÇÃO ENTRE LEALDADE E FIDELIDADE: 
POSIÇÃO DE MARIA BERENICE DIAS.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 13
6 Retirado de http://www.consumi-
dorbrasil.com.br/consumidorbrasil/
textos/modelos/familia/contratoconvi-
ventes.htm.
CASO
Contrato de convivência.6
JOSÉ DOS ANZOIS, brasileiro, separado, industrial, portador da cédula 
de identidade de número MG —???????? expedida pela Secretaria de Segu-
rança de Minas Gerais, e CPF de número?????????????, e MARIA DAS GRA-
ÇAS, brasileira, divorciada, secretária, portadora da cédula de identidade de 
número M-??????????, expedida pela Secretaria de Segurança Pública de Minas 
Gerais, e CPF de número???????????, com endereço comum de residência à 
Avenida das abóboras, 000, apto. 0000, no Bairro Azul, em Belo Horizonte, 
ambos no pleno gozo de suas faculdades mentais e físicas, atendidos os ter-
mos e a faculdade inserta no artigo 5º da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, 
desejando regular e defi nir os refl exos patrimoniais que possam advir da re-
lação de convivência duradoura entre os contratantes, resolveram estabelecer 
cláusulas e condições reciprocamente outorgadas e aceitas, a que se obrigarão, 
conforme a seguir articulam:
1. DO CONVIVENTE VARÃO
1.1. O Convivente Varão é separado, desde 32 de janeiro de l900, embora 
separado de fato há mais tempo, com averbação respectiva, assento nº 1111, 
folha 111, do livro 11, conforme certidão expedida pelo Cartório do Registro 
Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Nova York-MG,
1.2. O Convivente Varão é fi lho de José Pescador, falecido, e de Maria Ale-
gria, possuindo 06 (seis) fi lhos maiores do antigo casamento e não possuindo 
fi lhos do atual relacionamento.
1.3. O Convivente Varão possui os seguintes bens e direitos patrimoniais:
a) APARTAMENTO de número 1111, e sua respectiva fração ideal, sito 
a Av. do Sol, nº 1.111, Bairro Paris, em Belo Horizonte, havido por compra 
e venda de Tereza dos Anjos, matrícula 11.111 do Cartório do 1º Ofício do 
Registro de Imóveis desta Comarca;
b) CASA sito a Avenida do Sol, nº 222, Bairro Paris, em Belo Horizonte, 
havido por compra e venda de Tereza dos Santos, matrícula 22222 do Cartó-
rio do 2º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca;
c) LOTE de terreno, de nº 333, da quadra 33, do bairro Bairro Paris, em 
Belo Horizonte, havido por compra e venda de Tereza de Deus, matrícula 
333333 do Cartório do 3º Ofício do Registro de Imóveis desta Comarca;
d) VEÍCULO marca Ford, modelo Tatata, ano 1999, Placa KKK 4444, 
Adquirido de Jota Veículos, conforme certifi cado nº 4444444, expedido pelo 
DETRAN — MG;
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 14
2. DA CONVIVENTE VIRAGO
2.1. A Convivente Virago é divorciada, desde 13 de agosto de 1920, com 
averbação respectiva, assento nº 55555, folha 55, do livro 555-B, conforme 
certidão expedida pelo Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturaisdo 
Quinto Subdistrito de Belo Horizonte-MG.
2.2. A Convivente Virago tem quatro fi lhas do antigo casamento, to-
das maiores, não tem ascendentes vivos e não tem fi lhos do atual relacio-
namento.
2.3. A Convivente Virago possui os seguintes bens e direitos patrimoniais:
a) APARTAMENTO de número 666 do Edifício Bibi, sito à rua Babá, 
nº 666, matriculado sob o nº 66666, no Cartório do 6º Oficio do Re-
gistro de Imóveis de Belo Horizonte, ora em fase de registro da compra 
e venda;
b) LOTE de Terreno de número 77, da quadra 777, do Bairro Kaka, em 
Belo Horizonte, registro em andamento, havida por herança de sua mãe, 
Marta de Tal, conforme partilha julgada por sentença, processo 7777777, 
que tramitou perante a 7a. Vara de Sucessões e Ausência da Comarca de Belo 
Horizonte;
c) JAZIGO do Cemitério do Bonfi m, Quadra 88, Carneiro, 888, em Belo 
Horizonte, havida por herança de sua mãe, Marta de Tal, conforme partilha 
julgada por sentença, processo 88888888, que tramitou perante a 8ª. Vara de 
Sucessões e Ausência da Comarca de Belo Horizonte;
3. CONVÍVIO CONSORCIAL — INÍCIO
3.1. Os Conviventes uniram-se em convívio consorcial desde de 00 de 
janeiro de l900, e até a presente data o relacionamento não sofreu qualquer 
interrupção.
4. RELAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA
4.1. Os Conviventes têm atividades econômicas próprias, com renda satis-
fatória, e não dependem econômico-fi nanceiramente um do outro.
5. ADMINISTRAÇÃO DO LAR
5.1. Os Conviventes manterão conjuntamente a administração do lar co-
mum, com a divisão harmônica dos encargos fi nanceiros na proporção que 
melhor atender os interesses das partes, considerada a situação econômico-
fi nanceira individual de cada um, sempre consensualmente mensurados e 
avaliadas à época.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 15
6. INCOMUNICABILIDADE DE BENS E RENDAS
6.1. Fica estabelecido que os bens e direitos que cada um dos Conviventes 
possui individualmente, e suas rendas respectivas, não se comunicarão em 
qualquer hipótese, razão pela qual, ainda, cada qual administrará diretamen-
te seu patrimônio pessoal.
6.2. Os bens e direitos futuros que qualquer dos Conviventes vier a adqui-
rir em seu nome, também não se comunicarão em nenhuma hipótese, razão 
pela qual, ainda, cada um dos Conviventes administrará, individualmente, o 
que vier a lhe pertencer a qualquer título.
6.3. Os saldos bancários, as aplicações fi nanceiras e os créditos e débitos 
de qualquer natureza, presente e futuros, também não se comunicarão em 
nenhuma hipótese, fi cando cada um dos Conviventes com a responsabilida-
de individual de movimentação e administração de seus respectivos negócios 
fi nanceiros.
6.4. Na hipótese da aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel, para o 
qual ambos os Conviventes hajam contribuído fi nanceiramente, constará do 
documento respectivo, escritura ou promessa de compra e venda, o percen-
tual de participação e propriedade de cada um. Tratando-se de bem móvel, 
em que não haja possibilidade de constar à proporção da participação de 
cada um, os Conviventes o estabelecerão em documento à parte para que 
seja registrado e arquivado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos 
desta Comarca.
7. DURAÇÃO DO PRESENTE CONTRATO
7.1. O presente contrato vigerá enquanto durar a união entre os contra-
tantes, salvo a hipótese de aditamento ou alteração de suas cláusulas median-
te instrumento escrito e, da mesma forma, livre e reciprocamente estipulado 
e aceito.
7.2. As eventuais alterações do presente instrumento, depois de formaliza-
das e reconhecidas as fi rmas dos signatários, deverão ser registradas e arquiva-
das no Cartório de Títulos e Documentos desta Comarca.
7.3. A eventual modifi cação ou revogação das leis que regem a matéria, 
ora vigentes, não alterarão os efeitos e objetivos da presente avença e mani-
festação de vontade dos Conviventes.
8. FORO CONTRATUAL
8.1. Para dirimir eventuais dúvidas originárias da interpretação do pre-
sente instrumento, se necessário, nomeiam os contratantes Conviventes o 
foro da comarca de Belo Horizonte, renunciando a qualquer outro por mais 
privilegiado que seja e por estarem justos e contratados, resolveram mandar 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 16
lavrar o presente Contrato Particular que estabelece condições patrimoniais 
em face da relação de convivência duradoura prevista na Lei 9.278/96, que 
assinam na presença das testemunhas abaixo nominadas, para que produza 
seus jurídicos e legais efeitos.
Cidade, José dos Anzóis, Maria das Graças e duas testemunhas.”
Pergunta-se: um contrato de convivência poderia regular aspectos não pa-
trimoniais da relação de convivência, ou mesmo impedir a sua confi guração, 
no chamado “contrato de namoro”?
DECISÃO(ÕES).
Informativo nº 0418
Período: 30 de novembro a 4 de dezembro de 2009.
Terceira Turma
SOCIEDADE DE FATO, PROVA, ESFORÇO COMUM.
A questão cinge-se em defi nir a qual fi gura jurídica corresponde o rela-
cionamento havido entre homem e mulher em que o primeiro se encontrava 
separado de fato da primeira mulher, considerado o período de duração da 
união de 1961 a 1984, ano em que cessou o vínculo de fato para dar lugar ao 
casamento sob o regime de separação de bens, que perdurou até a morte do 
marido, em 1991. Inicialmente, destacou a Min. Relatora que a peculiarida-
de da lide reside no fato de que foram os fi lhos do primeiro casamento que 
ajuizaram a ação de reconhecimento de sociedade de fato com a fi nalidade 
de obter, em autos diversos, a partilha dos bens adquiridos ao longo da união 
mantida pelo pai com a recorrente até a data do casamento. O TJ concluiu 
pela existência, a partir de 1961, de concubinato, para, a partir de 1972, ou 
seja, somente com o advento da separação judicial, estabelecer a existência 
de união estável, a qual cessaria em 1984, com a celebração do casamento. 
Em seguida, destaca que é comportável o reconhecimento jurídico da socie-
dade de fato, já que a convivência em comum, por si só, gera contribuições 
e esforços mútuos. Para a Min. Relatora, a confi guração da separação de fato 
afasta a hipótese de concubinato e o reconhecimento da sociedade de fato 
é de rigor. Todavia, ao estabelecer a caracterização de sociedade de fato, o 
TJ foi além e lhe emprestou os contornos da união estável. É pacífi co o en-
tendimento de que, além de sociedade de fato e união estável constituírem 
institutos diversos, não se operam, em relação à sociedade de fato, os efeitos 
decorrentes da legislação que deu forma à união estável, especifi camente por-
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 17
que, na hipótese em julgamento, a partir do casamento, em 1984, deixou 
de existir a sociedade de fato para dar lugar à sociedade conjugal e, nessa 
época, sequer a CF/1988, muito menos as Leis ns. 8.971/1994 e 9.278/1996 
estavam em vigência. Dessa forma, a Lei n. 9.278/1996, particularmente no 
que toca à presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio de um 
ou de ambos os conviventes, contida no art. 5º, não pode ser invocada para 
determinar a partilha de bens se houve a cessação do vínculo de fato — trans-
formado em vínculo decorrente de matrimônio — em data anterior à sua 
vigência. Dessa forma, deve ser reformado o acórdão recorrido para declarar 
unicamente a existência de sociedade de fato, da qual decorre a necessidade 
da prova do esforço comum na aquisição do patrimônio para eventual par-
tilha, o que não se efetivou na espécie, de modo que os bens adquiridos pela 
recorrente permanecem sob sua propriedade exclusiva. Diante disso, a Turma 
conheceu parcialmente do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento. Prece-
dentes citados: REsp 147.098-DF, DJ 7/8/2000, e REsp 488.649-MG, DJ 
17/10/2005. REsp 1.097.581-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 
1º/12/2009.
 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 18
7 Em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4752.
AULA 4: O BOM FILHO A CASA TORNA...
Fontes das relações familiares: Filiação. Formas de fi liação. Direitos e de-
veres pessoais decorrentes da relação de parentalidade. Parentalidade sócioa-
fetiva e verdade biológica.
TEXTO OBRIGATÓRIO
Dias, Maria Berenice — “Manual do Direito das Famílias”, cap. 13, 19, 
20 e 21.
PARENTALIDADE
Família Monoparental: proteção constitucional.
Critérios de determinação de parentalidade: critério jurídico, biológico e 
sócio-afetivo.
Distinção entre parentalidade e direito ao conhecimento da herança gené-
tica. Os efeitos são distintos.
TEXTO
Paulo Luiz Netto Lobo7
“Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária.”
Elaborado em 08.2003
1. Introdução
Na tradição do direito de família brasileiro, o confl ito entre a fi liação bio-
lógica e a fi liação socioafetiva sempre se resolveu em benefício da primeira. 
Em verdade, apenas recentemente a segunda passou a ser cogitada seriamente 
pelos juristas, como categoria própria, merecedora de construção adequada. 
Em outras áreas do conhecimento, que têm a família como objeto de inves-
tigação, a exemplo da sociologia, da psicanálise, da antropologia, a relação 
entre pais e fi lhos fundada na afetividade sempre foi determinante para sua 
identifi cação.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 19
No direito, a verdade biológica converteu-se na “verdade real” da fi liação 
em decorrência de fatores históricos, religiosos e ideológicos que estiveram 
no cerne da concepção hegemônica da família patriarcal e matrimonializada 
e da delimitação estabelecida pelo requisito da legitimidade. Legítimo era o 
fi lho biológico, nascido de pais unidos pelo matrimônio; os demais seriam 
ilegítimos. Ao longo do século XX, a legislação brasileira, acompanhando 
uma linha de tendência ocidental, operou a ampliação dos círculos de inclu-
são dos fi lhos ilegítimos, com redução de seu intrínseco quantum despótico, 
comprimindo o discrime até ao seu desaparecimento, com a Constituição de 
1988. Com efeito, se todos os fi lhos são dotados de iguais direitos e deveres, 
não mais importando sua origem, perdeu qualquer sentido o conceito de le-
gitimidade nas relações de família, que consistiu no requisito fundamental da 
maioria dos institutos do direito de família. Por conseqüência, relativizou-se 
o papel fundador da origem biológica.
Ao mesmo tempo em que o direito de família sofreu tão intensas trans-
formações, em seu núcleo estrutural, consolidou-se a refi nada elaboração dos 
direitos da personalidade, nas últimas décadas, voltados à tutela do que cada 
pessoa humana tem de mais seu, como atributos inatos e inerentes, alcan-
çando-se o que Pontes de Miranda denominou “um dos cimos da dimensão 
jurídica”1. São dois universos distintos, pois o direito de família volta-se aos 
direitos e deveres das pessoas, hauridos do grupo familiar, e os direitos da 
personalidade aos que dizem com a pessoa em si, sem relação originária com 
qualquer outra ou com grupo. A origem genética da pessoa, tendo perdido 
seu papel legitimador da fi liação, máxima na Constituição, migrou para os 
direitos da personalidade, com fi nalidades distintas.
O estado de fi liação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, 
a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja aquela e qual-
quer outra origem. Em outras palavras, o estado de fi liação é gênero do qual 
são espécies a fi liação biológica e a fi liação não biológica. Daí é de se repelir o 
entendimento que toma corpo nos tribunais brasileiros de se confundir esta-
do de fi liação com origem biológica, em grande medida em virtude do fascí-
nio enganador exercido pelos avanços científi cos em torno do DNA. Não há 
qualquer fundamento jurídico para tal desvio hermenêutico restritivo, pois a 
Constituição estabelece exatamente o contrário, abrigando generosamente o 
estado de fi liação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre outro.
Na realidade da vida, o estado de fi liação de cada pessoa humana é único 
e de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que 
derive biologicamente dos pais, na maioria dos casos. Portanto, não pode 
haver confl ito com outro que ainda não se constituiu.
Os argumentos a seguir expendidos prosseguem na mesma linha traçada 
em trabalhos anteriores, que publicamos2. Nos últimos anos, divisamos dois 
marcos essenciais para a solução do eventual confl ito entre fi liação biológica e 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 20
fi liação não biológica: a Constituição de 1988 e a Convenção sobre os Direitos 
da Criança, adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20.11.1989, e com 
força de lei no Brasil mediante o Decreto Legislativo nº 28, de 24.9.1990, 
e o Decreto Executivo nº 99.710, de 21.11.1990. Da Constituição derivam 
o estado de fi liação biológico e não-biológico e o direito da personalidade 
a origem genética e da Convenção a solução do confl ito pela aplicação do 
princípio do melhor interesse do fi lho, que signifi cou verdadeiro giro de Co-
pérnico, na medida em que a primazia do interesse dos pais foi transferida 
para o do fi lho.
2. Estados de filiação biológica e não biológica
Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece 
entre duas pessoas, uma das quais é considerada fi lha da outra (pai ou mãe). 
O estado de fi liação é a qualifi cação jurídica dessa relação de parentesco, 
atribuída a alguém, compreendendo um complexo de direitos e deveres reci-
procamente considerados. O fi lho é titular do estado de fi liação, da mesma 
forma que o pai e a mãe são titulares dos estados de paternidade e de mater-
nidade, em relação a ele.
Na doutrina, o estado de fi liação não tem merecido o tratamento devido, 
sem embargo de sua evidente essencialidade, salvo quando se cuida do estado 
de fato, na modalidade de posse de estado, ou do reconhecimento voluntário 
ou forçado. Todavia, são situações que têm por fi to comprovar a existência de 
estado de fi liação, quando este seja objeto de dúvida ou litígio.
O estado de fi liação constitui-se ope legis ou em razão da posse de estado, 
por força da convivência familiar (a fortiori, social), consolidada na afetivi-
dade. Nesse sentido, a fi liação jurídica é sempre de natureza cultural (não 
necessariamente natural), seja ela biológica ou não biológica.
No direito brasileiro atual, com fundamento no art. 227 da Constituição 
e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, consideram-se estados de 
fi liação ope legis:
a) fi liação biológica em face de ambos os pais, havida de relação de casa-
mento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na 
família monoparental;
b) fi liação não-biológica em face de ambos pais, oriunda de adoção regu-
lar; ou em face do pai ou da mãe que adotou exclusivamente o fi lho; e
c) fi liação não-biológica em face do pai que autorizou a inseminação arti-
fi cial heteróloga.
Nessas hipóteses, a convivência familiar e a afetividade são presumidas, 
ainda que de fato não ocorram. Se qualquer forma, a convivência familiar e a 
afetividade constroem e consolidam diuturnamente os respectivos estados de 
fi liação, passando a ditar-lhes os contornos. Em qualquer dessas hipóteses, o 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 21
estado de fi liação poderá ser substituído, em razão de adoção superveniente 
do fi lho por outros pais.
Os estados de fi liação não-biológica referidos nas alíneas b e c são irreversí-
veis e invioláveis, não podendo ser contraditados por investigação de paternida-
de ou maternidade, com fundamento na origem biológica, que apenas poderá 
ser objeto de pretensão e ação com fi ns de tutela de direito da personalidade.
3. Estado de filiação derivado de inseminação artificial heteróloga
A inseminação artifi cial heteróloga, prevista no art. 1.597, V, doCódigo 
Civil, dá-se quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doa-
dor anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. A 
lei não exige que o marido seja estéril ou que, por qualquer razão física ou 
psíquica, não possa procriar. A única exigência é que tenha o marido pre-
viamente autorizado a utilização de sêmen estranho ao seu. A lei não exige 
que haja autorização escrita, apenas que seja “prévia”, razão porque pode ser 
verbal e comprovada em juízo como tal.
Por linhas invertidas, a tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer 
a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da fi liação e da 
paternidade. Se o marido autorizou a inseminação artifi cial heteróloga, não 
poderá negar a paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser 
admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento, máxime 
em se tratando de doadores anônimos.
Nos Estados Unidos, o Uniform Parantage Act, de 1973 e 1987, estabelece 
que “se, sob a supervisão de um médico habilitado e com o consentimento do 
marido, a mulher for inseminada artifi cialmente com sêmen doado por um ou-
tro homem, o marido é considerado legalmente como se fosse o pai natural da 
criança concebida. O consentimento deve ser escrito pelo marido e pela mulher”. 
Toda a documentação relativa à inseminação será mantida pelo médico responsá-
vel, sujeita à inspeção judicial. O Uniform Status of Children of Assisted Conception 
Act, de 1988/1997, estabelece que o dador do sêmen ou do óvulo “não é parente 
da criança concebida mediante concepção assistida”3. O art. 311-20 do Código 
Civil francês estabelece que o consentimento dado em procriação medicamente 
assistida interdita toda ação de contestação ao estado de fi liação decorrente.
Para Maria Helena Diniz, se fosse admitida a impugnação da paternidade, 
haveria uma paternidade incerta, devido ao segredo profi ssional médico e ao 
anonimato do doador do sêmen inoculado na mulher. 4
A Corte de Cassação italiana já decidiu nessa linha de entendimento, que 
“o marido que tinha validamente concordado ou manifestado prévio consen-
timento à fecundação heteróloga não tem ação para contestar a paternidade 
da criança nascida em decorrência de tal fecundação”. A decisão ressalta a 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 22
natureza de “pai de direito”, afi rmando que o favor veritatis não é um valor 
absoluto, pois não pode comprometer posições dotadas de tutela primária5.
4. Posse do estado de filiação
A posse do estado de fi liação constitui-se quando alguém assume o papel 
de fi lho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de 
pai ou mãe ou de pais6, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de 
estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as 
características adiante expostas, devendo ser contínua.
Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança, que o direito 
considera satisfatória. No direito anterior, a posse do estado de fi liação ape-
nas era admitida, para fi ns de prova e suprimento do registro civil, se os pais 
convivessem em família constituída pelo casamento, ou seja, para a fi liação 
considerada legítima. Em virtude do art. 226 da Constituição Federal, outras 
entidades familiares como a união estável e a família monoparental podem 
servir de fundamento para a posse do estado de fi liação.
Ainda que mantenha a redação do Código Civil de 1916, o art. 1.605 do 
Código Civil de 2002, por seu enunciado genérico, abrange todas as hipóte-
ses existenciais que se apresentam nos arranjos familiares de posse de estado 
de fi liação, ante a falta ou defeito do termo de nascimento. Essa norma não 
se refere nem poderia se referir à origem biológica, bastando à aparência dos 
papéis sociais de pais e fi lho, “quando houver começo de prova por escrito” 
ou “quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.
As presunções “veementes” são verifi cadas em cada caso, dispensando-se 
outras provas da situação de fato. O Código brasileiro não indica sequer 
exemplifi cadamente, as espécies de presunção, ou a duração, o que nos parece 
à orientação melhor. Por seu turno, o Código Civil francês, art. 311-2, na 
atual redação, apresenta as seguintes espécies não taxativas de presunção de 
estado de fi liação, não sendo necessária à reunião delas:
a) quando o indivíduo porta o nome de seus pais;
b) quando os pais o tratam como seu fi lho, e este àqueles como seus pais;
c) quando os pais provêem sua educação e seu sustento;
d) quando ele é assim reconhecido pela sociedade e pela família;
e) quando a autoridade pública o considere como tal.
Na experiência brasileira, confi guram posse de estado de fi liação a adoção 
de fato, em que muitas vezes se converte a guarda, os fi lhos de criação e a 
chamada “adoção à brasileira”.
Essa reconfi guração da posse do estado de fi liação, no sentido do “nasci-
mento da verdade sociológica” (dizemos socioafetiva), de um conteúdo afe-
tivo e social profundo, cuja ruptura prejudicaria o interesse do fi lho, foi bem 
destacada na doutrina estrangeira:
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 23
Ninguém estranharia que o conceito de posse de estado ganhasse um con-
teúdo particular e dirigido à fi nalidade de que se trata. Em vez de um índice 
de fi liação biológica ela serviria para consolidar um vínculo meramente afec-
tivo, sociológico, para exprimir a criação de uma família cuja estabilidade a 
lei resolveria proteger no interesso do fi lho e no interesse social.7
5. “Adoção à brasileira” e a verdade do registro civil
Questão delicada diz respeito ao que se convencionou chamar de “adoção à 
brasileira”. Dá-se com declaração falsa e consciente de paternidade e materni-
dade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das 
exigências legais para adoção. O declarante ou declarantes são movidos por 
intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tives-
sem gerado. Contrariamente à lei, a sociedade não repele tal conduta; exalça-
a. Nessas hipóteses, ainda que de forma ilegal, atende-se ao mandamento 
contido no art. 227 da Constituição, de ser dever da família, da sociedade e 
do Estado assegurar à criança o direito “à convivência familiar”, com “absolu-
ta prioridade”, devendo tal circunstância ser levado em conta pelo aplicador, 
ante o confl ito entre valores normativos (de um lado o atendimento à regra 
matriz de prioridade da convivência familiar, de outro lado os procedimentos 
legais para que tal se dê, que não foram atendidos). Outrossim, a invalidade 
do registro assim obtido não pode ser considerada quando atingir o estado de 
fi liação, por longos anos estabilizados na convivência familiares.
Alerta João Baptista Villela que se o registro diz que B é fi lho de A e A não 
é efetivamente o procriador genético de B, o registro não conteria necessaria-
mente uma falsidade, pois ele é o espelho das relações sociais de parentesco. Na 
Constituição se colheriam o compromisso da República Federativa do Brasil 
com a solidariedade, a fraternidade, o bem-estar, a segurança, a liberdade, etc, 
estando essas opções axiológicas muito mais para uma idéia da paternidade 
fundada no amor e o no serviço do que para a sua submissão aos determinis-
mos biológicos.
Verdade e falsidade no registro civil e na biologia têm parâmetros diferen-
tes. Um registro é sempre verdadeiro se estiver conciliado com o fato jurídico 
que lhe deu origem. E é sempre falso na condição contrária. A chamada 
verdade biológica, se for o caso de invocá-la ou fazê-la prevalecer, tem um 
diverso teatro de operações: o das defi nições judiciais ou extrajudiciais. Para 
que chegue ao registro tem de converter-se em fato jurídico, o que, no to-
cante à natureza da fi liação, supõe sempre um ato de vontade — pessoa, se 
for do declarante; política, se for daautoridade — e, portanto, um exercício 
de liberdade. Um cidadão que comparece espontaneamente a um cartório e 
registra, como seu fi lho, uma vida nova que veio ao mundo, não necessita 
qualquer comprovação genética para ter sua declaração admitida.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 24
6. Afetividade como direito e dever jurídicos
A família, tendo desaparecido suas funções tradicionais, no mundo do ter 
liberal burguês, reencontrou-se no fundamento da afetividade, na comunhão 
de afeto, pouco importando o modelo que adote, inclusive o que se constitui 
entre um pai ou uma mãe e seus fi lhos. A afetividade, cuidada inicialmente 
pelos cientistas sociais, pelos educadores, pelos psicólogos, como objeto de 
suas ciências, entrou nas cogitações dos juristas, que buscam explicar as rela-
ções familiares contemporâneas.
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade 
derivam da convivência familiar e não do sangue. A história do direito à 
fi liação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente 
ligado à consangüinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emanci-
pação dos fi lhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução 
do quantum despótico, na medida da redução da patrimonialização des-
sas relações.
O desafi o que se coloca aos juristas, principalmente aos que lidam com 
o direito de família, é a capacidade de ver as pessoas em toda sua dimensão 
ontológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou patri-
monial. Impõe-se a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que 
apenas titulares de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas 
relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade social 
e aos fundamentos constitucionais.
Como diz Eduardo de Oliveira Leite, as indagações doutrinárias mais re-
centes têm insistido, de forma cada vez mais freqüente e fi rme, que a fi liação 
não é somente fundada sobre os laços de sangue; o vínculo sangüíneo deter-
mina, para a grande maioria dos pais, um laço fundado sobre a vontade da 
aceitação dos fi lhos. Logo, a vontade individual é a seqüência ou o comple-
mento necessário do vínculo biológico.
Homenageando a fi liação socioafetiva, em promissora linha de tendência 
da jurisprudência brasileira, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná:
1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do enten-
dimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o 
estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade.
2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e 
a verdade socioafetiva, decorrente da denominada ‘’adoção à brasileira’’ (isto 
é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se 
deles fi lho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer à 
solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana.
3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personi-
fi cação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser 
humano; aniquilar a pessoa do apelante, apagando-lhe todo o histórico de 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 25
vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular 
‘’adoção à brasileira’’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao 
caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-
se-iam as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do 
próprio apelado10.
7. Fundamentação constitucional e no Código Civil
Encontra-se na Constituição brasileira vários fundamentos do estado de 
fi liação geral, que não se resume à fi liação biológica:
Todos os fi lhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);
b) A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da 
igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, 
incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucional-
mente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou existência de 
outro pai (genitor)
d) O direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui 
prioridade absoluta da criança e o do adolescente (art. 227, caput).
e) Impõe-se a todos os membros da família o dever de solidariedade, uns 
com os outros, dos pais para os fi lhos, dos fi lhos para os pais, e todos com 
relação aos idosos (arts. 229 e 230).
Em suma, a Constituição não oferece qualquer fundamento para a pri-
mazia da fi liação biológica, pois amplo é seu alcance. A primazia não está 
na Constituição, mas na interpretação equivocada que tem feito fortuna, 
como se o paradigma da fi liação não tivesse sido transformado. Até mesmo 
no direito anterior, a fi liação biológica era nitidamente recortada entre fi lhos 
legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigoro-
samente, a essência das relações familiares.
O Código Civil reproduziu, em seu art. 1.596, a regra matriz do § 6º do art. 
227 da Constituição, relativamente à igualdade entre fi lhos de qualquer natu-
reza, superando o paradigma discriminatório da legitimidade, fundado na con-
sangüinidade e na matrimonialidade. Outra norma geral superadora e inclusiva 
é o art. 1.593, que refere ao parentesco natural ou de “outra origem”. Uma das 
regras especiais mais incisivas, no rumo da superação da consangüinidade, foi 
o inciso V do art. 1.597, destinado à inseminação heteróloga, antes referida.
8. O critério do melhor interesse do filho para solução do conflito entre filiação 
biológica e não-biológica
No que concerne ao estado de fi liação, deve-se ter presente que, além do 
mandamento constitucional de absoluta prioridade dos direitos da criança e 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 26
do adolescente (art. 227), a Convenção Internacional dos Direitos da Crian-
ça, da ONU, de 1989, passou a integrar o direito interno brasileiro desde 
1990. O art. 3.1 da Convenção estabelece que todas as ações relativas aos 
menores devem considerar, primordialmente, “o interesse maior da criança”, 
abrangente do que a lei brasileira (ECA) considera adolescente. Por força da 
convenção deve ser garantida uma ampla proteção ao menor, constituindo a 
conclusão de esforços, em escala mundial, no sentido de fortalecimento de 
sua situação jurídica, eliminando as diferenças entre fi lhos legítimos e ilegí-
timos (art. 18) e atribuindo aos pais, conjuntamente, a tarefa de cuidar da 
educação e do desenvolvimento.
O princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas 
relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a 
sociedade e com o Estado. A aplicação da lei deve sempre realizar o princípio, 
consagrado, segundo Luiz Edson Fachin como “critério signifi cativo na de-
cisão e na aplicação da lei”, tutelando-se os fi lhos como seres prioritários. O 
desafi o é converter a população infanto-juvenil em sujeitos de direito, “deixar 
de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular 
de direitos juridicamente protegidos”. O princípio está consagrado nos arts. 
4° e 6° da Lei n. 8.069, de 1990 (ECA).
O princípio é um refl exo do caráter integral da doutrina dos direitos da 
criança e da estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral. 
Assim, segundo a natureza dos princípios, não há supremacia de um sobre 
outro ou outros, devendo a eventual colisão resolver-se pelo balanceamento 
dos interesses, no caso concreto. Nesse sentido, diz Miguel Cillero Brruñol 
que sendo as crianças partes da humanidade, “e seus direitos não se exerçam 
separada ou contrariamente ao de outras pessoas, o princípio não está formu-
lado em termos absolutos, mas que o interesse superior da criança é conside-
rado como uma ‘consideração primordial’. O princípio éde prioridade e não 
de exclusão de outros direitos ou interesses”. De outro ângulo, além de servir 
de regra de interpretação e de resolução de confl itos entre direitos, deve-se 
ressaltar que “nem o interesse dos pais, nem o do Estado pode se considerado 
o único interesse relevante para a satisfação dos direitos da criança”.
Valério Pocar e Paola Ronfani utilizam interessante fi gura de imagem para 
ilustrar a transformação do papel do fi lho na família: em lugar da construção 
piramidal e hierárquica, na qual o menor ocupava a escala mais baixa, tem-se 
a imagem de círculo, em cujo centro foi colocado o fi lho, e cuja circunferên-
cia é desenhada pelas recíprocas relações com seus genitores, que giram em 
torno daquele centro. Nos anos mais recentes, parece que uma outra confi -
guração de família relacional está se delineando, em forma estelar, que tem 
ao centro o menor, sobre o qual convergem relações tanto de tipo biológico 
quanto de tipo social, com os seus dois genitores em conjunto ou separada-
mente, inclusive nas crises e separações conjugais.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 27
O princípio inverte a ordem de prioridade: antes no confl ito entre a fi lia-
ção biológica e a não-biológica ou socioafetiva, resultante de posse de estado 
de fi liação, a prática do direito tendia para a primeira, enxergando o interesse 
dos pais biológicos como determinantes, e raramente contemplando os do 
fi lho. De certa forma, condizia com a idéia de poder dos pais sobre os fi lhos 
e da hegemonia da consangüinidade-legitimidade. Menos que sujeito, o fi lho 
era objeto da disputa. O princípio impõe a predominância do interesse do 
fi lho, que norteará o julgador, o qual, ante o caso concreto, decidirá se a reali-
zação pessoal do menor estará assegurada entre os pais biológicos ou entre os 
pais não-biológicos. De toda forma, deve ser ponderada a convivência fami-
liar, constitutiva da posse do estado de fi liação, pois ela é prioridade absoluta 
da criança e do adolescente (art. 227, da Constituição Federal).
9. Pater is est — redirecionando da legitimidade para o estado de filiação em geral
A mudança do direito de família, da legitimidade para o plano da afetivi-
dade, redireciona a função tradicional da presunção pater is est. Destarte, sua 
função deixa de ser a de presumir a legitimidade do fi lho, em razão da origem 
matrimonial, para a de presumir a paternidade em razão do estado de fi lia-
ção, independentemente de sua origem ou de sua concepção. A presunção da 
concepção relaciona-se ao nascimento, devendo este prevalecer.
Essa é a orientação adotada em legislações que recentemente alteraram o 
direito de fi liação, privilegiando o nascimento em detrimento da concepção, 
como a da Alemanha (1997), segundo a qual se um homem for casado com 
a mãe no momento do nascimento da criança, então ele é pai da criança sem 
que deva haver outros requisitos. Deixaram de existir as presunções de coa-
bitação e concepção. É decisiva somente a época de nascimento da criança. 
O homem casado com a mãe na época do nascimento é o pai mesmo que 
a criança tenha nascido durante a união conjugal, mas sido gerada antes do 
casamento. Ao contrário do § 1.591 al. 1 frase 2 BGB aF, ele é pai até mes-
mo se, conforme as circunstâncias, seja obviamente impossível que a mulher 
tenha concebido dele.
A contestação ou impugnação da paternidade são direitos personalíssi-
mos, que radicam exclusivamente na iniciativa do marido da mãe. Ninguém, 
nem mesmo o fi lho ou a mãe, poderá impugnar a paternidade. O art. 1.601 
do Código Civil, assim lido em conformidade com a Constituição, desloca 
a paternidade da origem biológica para o estado de fi liação, de qualquer ori-
gem. Note-se que o artigo equivalente do Código Civil de 1916 referia-se à 
contestação da legitimidade dos fi lhos e não da paternidade, em si. Por sua 
vez, a legitimidade dos fi lhos fundava-se em dois fatores conjuntos, a saber, 
na família constituída pelo casamento (matrimonializada) e em terem-se ori-
ginado biologicamente do marido da mãe.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 28
A presunção pater is est reconfi gura-se no estado de fi liação, que decorre 
da construção progressiva da relação afetiva, na convivência familiar. An-
tes, presumia-se pai biológico o marido da mãe. Segundo Anne Lefebvre 
Teillard, citada por João Baptista Villela, o adágio pater is est atuou, por sécu-
los, mantendo fortemente amarrado “o biológico ao institucional”, além de 
estar ancorado no pressuposto da fi delidade da mulher. Hoje, presume-se pai 
o marido da mãe que age e se apresenta como pai, independentemente de ter 
sido ou não o procriador. Como ressalta Villela, no processo de refi namento 
cultural do matrimônio constitui traço fundamental o encapsulamento da 
vida íntima na esfera interna da família. Assim, atribuir a paternidade ao 
marido da mulher não signifi ca proclamar uma derivação biológica. (...) A 
família não tem deveres de exatidão biológica perante a sociedade, pelo que, 
se a mulher prevarica e pare um fi lho que não foi gerado pelo seu marido, 
isso, tendencialmente, é matéria da economia interna da família. Pode ser um 
grave problema para o casal. Como pode não ser problema.
O pai biológico não tem ação contra o pai não-biológico, marido da mãe, 
para impugnar sua paternidade. Apenas o marido pode impugnar a pater-
nidade quando a constatação da origem genética diferente da sua provocar 
a ruptura da relação paternidade-fi liação. Se, apesar desse fato, forem mais 
fortes a paternidade afetiva e o melhor interesse do fi lho, enquanto menor, 
nenhuma pessoa ou mesmo o Estado poderão impugná-la para fazer valer a 
paternidade biológica, sem quebra da ordem constitucional e do sistema do 
Código Civil.
10. Sobre a imprescritibilidade do exercício da contestação da paternidade e da 
impugnação do estado de filiação
O Código Civil de 1916 estabelecia prazos prescritíveis curtos para que 
o marido da mãe pudesse contestar a paternidade, sendo de dois meses a 
partir do parto, se estivesse presente, e de três meses, se esteve ausente. A 
fi nalidade da lei era afi rmar a presunção pater is est, no sentido de tutelar 
a família legítima, pois apenas admitia essa exceção para impugná-la, desde 
que a pretensão se exercesse em prazo curto. Sustentou-se na doutrina e na 
jurisprudência que tais prazos eram decadenciais ou preclusivos, atingindo 
não apenas a pretensão, mas o próprio direito, e não apenas prescritíveis. O 
Código Civil de 2002 adotou orientação totalmente oposta e problemática, 
optando pela imprescritibilidade.
O marido da mãe, e somente ele, poderá a qualquer tempo impugnar a 
paternidade derivada da presunção pater is est. Provavelmente, o que moti-
vou o legislador foi à orientação adotada no direito brasileiro de serem im-
prescritíveis as pretensões relativas ao estado das pessoas. Todavia, ainda que 
imprescritível, a pretensão de impugnação não poderá ser exercida se fundada 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 29
apenas na origem genética, em aberto confl ito com o estado de fi liação já 
constituído. Em outras palavras, para que possa ser impugnada a paternida-
de, independentemente do tempo de seu exercício, terá o marido da mãe que 
provar não ser o genitor, no sentido biológico (por exemplo, com resultado 
de exame de DNA) e, por esta razão, não ter sido constituído o estado de 
fi liação, de natureza socioafetiva; e se foi o próprio declarante perante o regis-
tro de nascimento, comprovar que teria agido induzido em erro ou em razão 
de dolo ou coação.
A família, seja ela de que origem for, é protegida pelo Estado e por sua 
ordem jurídica (art. 226 da Constituição). Se a exclusividade da prova de 
inexistência de origem biológica pudesse ser considerada sufi ciente para o 
exercício da impugnação da paternidade, anos ou décadas depois de esta ser 
realizada e nãoquestionada, na consolidação dos recíprocos laços de afetivi-
dade, com a inevitável implosão da família assim constituída, estar-se-ia ne-
gando a norma constitucional de proteção da família, para atender impulsos, 
alterações de sentimentos ou decisões arbitrárias do pai.
Pelos fundamentos jurídicos que informam o atual regime brasileiro da 
paternidade, o exercício imprescritível da impugnação pelo marido da mãe 
depende da demonstração, além da inexistência da origem biológica, de que 
nunca tenha sido constituído o estado de fi liação.
O argumento, tantas vezes manejado, da possível derrogação do art 362 
do Código Civil de 1916 (estabelecia prazo decadencial de quatro anos para 
o fi lho impugnar o reconhecimento da paternidade, quando atingisse a maio-
ridade), pelo art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, perdeu 
a consistência, pois o Código Civil de 2002 repetiu o mesmo conteúdo nor-
mativo anterior. Em verdade, as duas normas são harmônicas, cuidando de 
matérias distintas. O art. 27 do ECA assegura o caráter de direito persona-
líssimo “ao reconhecimento do estado de fi liação” dos fi lhos havidos fora do 
casamento, qualquer que seja a origem (art. 26), ou seja, daqueles que ainda 
não tenham sido reconhecidos por ambos ou por um dos pais. O art. 1.614 
do Código Civil de 2002, ao contrário, disciplina a preservação do estado de 
fi liação dos que já foram reconhecidos, conforme consta do registro. Portan-
to, o art. 27 do ECA nunca permitiu a impugnação do estado de fi liação dos 
que já se encontravam reconhecidos, contra o qual só pode haver impugna-
ção do próprio pai (art. 1.601) ou do fi lho, no prazo de quatro anos após a 
maioridade (art. 1.614).
11. Afinal qual é a verdade real da filiação?
A verdade biológica nem sempre é a verdade real da fi liação. O direito 
deu um salto à frente do dado da natureza, construindo a fi liação jurídica 
com outros elementos. A verdade real da fi liação surge na dimensão cultural, 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 30
social e afetiva, donde emerge o estado de fi liação efetivamente constituído. 
Como já vimos, tanto o estado de fi liação ope legis quanto à posse de estado 
de fi liação podem ter origem biológica ou não.
Para o registro do fi lho, o declarante não precisa fazer prova da origem 
biológica; nem seria obrigado a fazê-lo, pois impediria a fi liação de outra 
natureza. O registro produz uma presunção de fi liação quase absoluta, pois 
apenas pode ser invalidado se provar que houve erro ou falsidade (art. 1.604 
do Código Civil). A declaração do nascimento do fi lho, feita pelo pai, é ir-
revogável. Ao pai cabe apenas o direito de contestar a paternidade, se provar, 
conjuntamente, que esta não se constituiu por não ter sido o genitor biológi-
co e não ter havido estado de fi liação estável.
Como diz Gerard Cornu, a verdade biológica não reina absoluta sobre o 
direito da fi liação, porque esta incorpora, necessariamente, um conjunto de 
outros interesses e valores. Para ele, confundir verdade real da fi liação com 
verdade biológica, é um entendimento “reducionista, cego, demagógico e 
decepcionante”, engendrando “um direito biológico totalitário, além de um 
pseudo-direito subjetivo ilusório e nefasto”. 
Esclarece João Baptista Villela que o registro não exprime um evento bio-
lógico, pois compete ao ofi cial recolher uma manifestação de vontade. Ele 
exprime um acontecimento jurídico.
A qualifi cação da paternidade ou a omissão dela dependerá, de um modo 
ou de outro, de um fato do direito: estar ou não casada à mãe, sentença que 
estabeleça ou desconstitua a paternidade, reconhecimento voluntário, etc. Ao 
registro não interessa a história natural das pessoas, senão apenas sua história 
jurídica. Mesmo que a história jurídica tenha sido condicionada pela história 
natural, o que revela o registro é aquela e não esta.
Na Jornada de Direito Civil, levada a efeito no Superior Tribunal de Jus-
tiça, nos dias 11 a 13 de junho de 2002, aprovou-se proposição no sentido 
de que “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compre-
ende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a fi liação consangüínea e também a 
socioafetiva”.
Não pode o autor da declaração falsa vindicar a invalidade do registro 
do nascimento, conscientemente assumida, porque violaria o princípio as-
sentado em nosso sistema jurídico de venire contra factum proprium nulli 
conceditur. Sem razão o Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 130.334-4 — 
Marília — 1ª CDPriv — Rel. Des. Guimarães e Souza — 14.12.1999), ao 
decidir que a existência de vício do ato jurídico pode ser alegada a qualquer 
tempo até mesmo pelo autor da falsidade. A contestação, nesse caso, terá 
de estar fundada em hipótese de invalidade dos atos jurídicos, que o direito 
acolhe, tais como erro, dolo, coação. Na dúvida deve prevalecer o estado de 
fi liação socioafetiva, consolidada na convivência familiar, considerada prio-
ridade absoluta em favor da criança pelo art. 227 da Constituição Federal.
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 31
No contexto atual, em conformidade com a Constituição Federal, o art. 
1.604 do Código Civil reforça a primazia do estado de fi liação sobre a origem 
genética. Nesse sentido, a norma deve ser interpretada em consonância com os 
artigos 1.596, 1.597, 1.601 e 1.614, todos do Código Civil. É quase absoluta a 
presunção da fi liação derivada do registro do nascimento, pois apenas é afastada 
nas hipóteses de erro ou falsidade, não sendo admissível qualquer outro funda-
mento. O registro do nascimento é a prova capital do nascimento e da fi liação 
materna e paterna. No caso do pai, reforça a presunção pater is est. Não é total-
mente absoluta porque pode ser retifi cada, por decisão judicial, ou invalidada 
em virtude de prova de erro ou falsidade. A norma é cogente ao proclamar que 
ninguém poderá vindicar estado contrário ao que resulta do registro do nasci-
mento. Refere ao estado de fi liação e aos decorrentes estados de paternidade e 
maternidade. A vedação alcança qualquer pessoa, incluindo o registrado e as 
pessoas que constam como seus pais. No Código Civil de 1916 a norma equi-
valente (art. 348) tinha por fi to a proteção da família legítima, que não deveria 
ser perturbada com dúvidas sobre a paternidade atribuída ao marido da mãe. A 
norma atual, no contexto legal inaugurado pela Constituição Federal, contem-
pla a proteção do estado de fi liação e paternidade, retratada no registro.
12. Direito à origem genética como direito da personalidade, sem vínculo com o 
estado de filiação
O estado de fi liação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos cons-
truídos no cotidiano de pai e fi lho, constitui fundamento essencial da atri-
buição de paternidade ou maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada 
pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, 
tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda de direito da per-
sonalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem 
nem se interpenetram.
Para garantir a tutela do direito da personalidade não há necessidade de in-
vestigar a paternidade. O objeto da tutela do direito ao conhecimento da ori-
gem genética é assegurar o direito da personalidade, na espécie direito à vida, 
pois os dados da ciência atual apontam para necessidade de cada indivíduo sa-
ber a história de saúde de seus parentes biológicos próximos para prevenção da 
própria vida. Não há necessidade de se atribuir à paternidade a alguém para se 
ter o direito da personalidade de conhecer, por exemplo, os ascendentes bioló-
gicos paternos do que foi gerado por doador anônimo de sêmen, ou do que foi 
adotado, ou do que foi concebido por inseminação artifi cial heteróloga. São 
exemplos como esses que demonstram o equivoco em que laboram decisões 
que confundem investigação da paternidade com direito à origemgenética.
Em contrapartida, toda pessoa humana tem direito inalienável ao estado 
de fi liação, quando não o tenha. Apenas nessa hipótese, a origem biológica 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 32
desempenha papel relevante no campo do direito de família, como funda-
mento do reconhecimento da paternidade ou da maternidade, cujos laços 
não se tenham constituído de outro modo (adoção, inseminação artifi cial 
heteróloga ou posse de estado). É inadmissível que sirva de base para vindicar 
novo estado de fi liação, contrariando o já existente.
Como já tivemos oportunidade de afi rmar alhures, a evolução do direito 
conduz à distinção, que já se impõe, entre pai e genitor ou procriador. Pai é o 
que cria. Genitor é o que gera. Esses conceitos estiveram reunidos, enquanto 
houve primazia da função biológica da família. Ao ser humano, concebido 
fora da comunhão familiar dos pais socioafetivos, e que já desfruta do estado 
de fi liação, deve ser assegurado o conhecimento de sua origem genética, ou 
da própria ascendência, como direito geral da personalidade, como decidiu 
o Tribunal Constitucional alemão em 1997, mas sem relação de parentesco 
ou efeitos de direito de família tout court. Nesse sentido, dispõe a lei francesa 
nº 2002-93, de 22 de janeiro de 2002, sobre o acesso às origens das pessoas 
adotadas e dos “pupilos do Estado” (fi lhos de pais desconhecidos ou que per-
deram o poder familiar, enquanto aguardam inserção em família substituta). 
A lei francesa tem por fi to a necessidade das informações sobre a sanidade, 
identidade e as condições genéticas básicas, no interesse dos menores, para 
que possam utilizá-los, principalmente quando adquirirem a maioridade, ou 
de seus descendentes, para fi ns de saúde pública e dos próprios, sem qual-
quer fi nalidade de parentesco legal. O Direito espanhol, ao admitir excep-
cionalmente a revelação da identidade do doador do material fecundante, 
expressamente exclui qualquer tipo de direito alimentar ou sucessório entre o 
indivíduo concebido e o genitor biológico.
Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, 
de vindicar sua origem biológica para que, identifi cando seus ascendentes ge-
néticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a for-
tiori, da vida. Esse direito é individual, personalíssimo, não dependendo de 
ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. Uma coisa 
é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade. A paterni-
dade deriva do estado de fi liação, independentemente da origem (biológica 
ou não). O avanço da biotecnologia permite, por exemplo, a inseminação 
artifi cial heteróloga, autorizada pelo marido (art. 1.597, V, do Código Civil), 
o que reforça a tese de não depender a fi liação da relação genética do fi lho e 
do pai. Nesse caso, o fi lho pode vindicar os dados genéticos de doador anô-
nimo de sêmen que constem dos arquivos da instituição que o armazenou, 
para fi ns de direito da personalidade, mas não poderá fazê-lo com escopo de 
atribuição de paternidade. Conseqüentemente, é inadequado o uso da ação 
de investigação de paternidade, para tal fi m.
Os desenvolvimentos científi cos, que tendem a um grau elevadíssimo de 
certeza da origem genética, pouco contribuem para clarear a relação entre pais 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 33
e fi lho, pois a imputação da paternidade biológica não determina a paternida-
de jurídica. O biodireito depara-se com as conseqüências da dação anônima 
de sêmen humano ou de material genético feminino. Nenhuma legislação 
até agora editada, nenhuma conclusão da bioética, apontam para atribuir a 
paternidade aos que fazem dação anônima de sêmen aos chamados bancos de 
sêmen de instituições especializadas ou hospitalares. Em suma, a identidade 
genética não se confunde com a identidade da fi liação, tecida na complexidade 
das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.
13. Conclusão
O direito à fi liação não é somente um direito da verdade. É, também, em 
parte, um direito da vida, do interesse da criança, da paz das famílias, das afei-
ções, dos sentimentos morais, da ordem estabelecida, do tempo que passa (...)
No estágio em que se encontram as relações familiares no Brasil, ante a 
evolução do direito, do conhecimento científi co e cultural e dos valores sociais, 
não se pode confundir estado de fi liação e origem biológica. Esta não mais de-
termina aquele, pois desapareceram os pressupostos que a fundamentavam, a 
saber, a exclusividade da família matrimonializada, a legitimidade da fi liação, o 
interesse prevalecente dos pais, a paz doméstica e as repercussões patrimoniais.
O estado de fi liação é gênero, do qual são espécies a fi liação biológica e a 
fi liação não biológica. Ainda que ele derive, na grande maioria dos casos, do 
fato biológico, por força da natureza humana, outros fatos o determinam, 
a saber, a adoção, a posse do estado de fi liação e a inseminação artifi cial 
heteróloga. Assim, para abranger todo o universo de situações existenciais 
reconhecidas pelo direito, o estado de fi liação tem necessariamente natureza 
cultural (ou socioafetiva).
A origem biológica presume o estado de fi liação, ainda não constituído, 
independentemente de comprovação de convivência familiar. Neste sentido, 
a investigação da origem biológica exerce papel fundamental para atribuição 
da paternidade ou maternidade e, a fortiori, do estado de fi liação, quando 
ainda não constituído. Todavia, na hipótese de estado de fi liação não bioló-
gica já constituído na convivência familiar duradoura, comprovado no caso 
concreto, a origem biológica não prevalecerá. Em outras palavras, a origem 
biológica não se poderá contrapor ao estado de fi liação já constituído por ou-
tras causas e consolidado na convivência familiar (Constituição, art. 227).
O confl ito entre pais biológicos e pais não biológicos do fi lho menor, não 
mais se resolve pela primazia dos primeiros ou dos segundos. A solução do con-
fl ito mudou o foco dos interesses, dos pais para os fi lhos. A Convenção Inter-
nacional dos Direitos da Criança, de 1989, com força de lei ordinária no Brasil, 
desde 1990, estabelece que todas as ações relativas às crianças devem conside-
rar, primordialmente, o melhor interesse da criança, em face dos interesses dos 
DIREITO DE FAMÍLIA
FGV DIREITO RIO 34
8 Notas:
01. Tratado de Direito Privado. Rio de 
Janeiro: Borsoi, 1971, tomo 7, p. 6.
02. A repersonalização das relações 
de família. In: BITTAR: Carlos Alberto 
(Org.). O direito de família na Consti-
tuição de 1988. São Paulo, Ed. Saraiva, 
1989, p. 53-82; O Exame de DNA e o 
Princípio da Dignidade da Pessoa Hu-
mana. Revista Brasileira de Direito de 
Família. Porto Alegre, ano I, nº 1, p. 67-
78, abr./jun. 1999; Princípio jurídico da 
afetividade na fi liação. In: PEREIRA, Ro-
drigo da Cunha (Org.). Anais do II Con-
gresso Brasileiro de Direito de Família: 
A família na travessia do milênio. Belo 
Horizonte: OAB-MG/IBDFAM, 2000, p. 
245-54; Código Civil Comentado:Direito 
de Família. Relações de Parentesco. Di-
reito Patrimonial. In: AZEVEDO, Álvaro 
Villaça (Org.). Código Civil Comentado., 
São Paulo: Atlas, 2003, vol. XVI.
03. Cf. transcrição de WADLINGTON, 
Walter; O’BRIEN. Family law statutes, 
international conventions and uniform 
laws. New York: Foundation Press, 
2000, p.135 e 148.
04. Cf. Curso de Direito Civil Brasileiro. 
São Paulo: Saraiva, 2002, vol. 5, p. 380.
05. Cf. POCAR, Valerio; RONFANI, 
Paola. La famiglia e il diritto. Roma: 
Laterza, 2001, p. 206-7.
06. Sobre o conceito de lugar, como 
importante contribuição da psicanálise, 
cf. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Família, 
Direitos Humanos, Psicanálise e inclu-
são social. Revista Brasileira de Direito 
de Família. Porto Alegre, n. 16, p. 5-11, 
jan./mar. 2003, p. 8):

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