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Poderes e Deveres do Administrador Público

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Poderes e Deveres do Administrador Público
1 – INTRODUÇÃO
O Estado pode-se afirmar, é uma ficção jurídica, ou seja, constitui criação humana, de representação coletiva. Contudo, o Estado, por ser uma abstração, não age por si mesmo. Nesse quadro, surgem os agentes públicos, aos quais a ordem jurídica confere prerrogativas diferenciadas, a serem utilizadas para a consecução dos interesses da sociedade.
Esse “conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”1 denomina-se Poderes Administrativos. Regra geral, citados Poderes são concedidos por lei e destinam-se a instrumentalizar o Administrador Público para o atingimento do fim último a que se presta o Estado: a satisfação dos interesses públicos.
Em contrapartida, por tutelarem interesses coletivos, impõem-se aos agentes públicos2, de modo geral, uma série de deveres. Em determinadas hipóteses, pode-se mesmo afirmar que os poderes convertem-se em verdadeiros deveres administrativos. De fato, enquanto na esfera privada o poder é faculdade daquele que o detém, no setor público representa um dever do administrador para com a comunidade que representa. A doutrina fala, então, em Poder-dever de agir, a ser mais detalhado abaixo.
Há que se fazer diferença, ainda, entre Poderes Administrativos e Políticos. Aqueles, são poderes instrumentais da Administração, instrumentos de trabalho para cumprimento de tarefas de natureza administrativa, como não poderia deixar de ser. Já os Poderes Políticos são estruturais e inerentes à organização do Estado, integrando a organização constitucional, sendo que a inter-relação entre estes é objeto de estudo de ramo próprio do Direito, o Direito Constitucional.
Por fim, inúmeros são os Poderes e Deveres do Administrador Público. Desse modo, serão analisados aqueles reiteradamente abordados pelos principais autores da doutrina pátria.
2 – DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO
Além de poderes, os agentes administrativos, obviamente, detém deveres, em razão das atribuições que exercem. Dentre os principais, podem ser citados os seguintes, conforme aponta doutrina a respeito do assunto:
Dever de probidade;
Dever de prestar contas;
Dever de Eficiência:
Poder-dever de agir.
2.1 – Dever de Probidade
Ainda que não se estabeleça ordem de importância entre os deveres que devem nortear a conduta do Administrador Público, pode-se afirmar que o de probidade é dos mais relevantes. Com efeito, além de estar pautada na Lei, a conduta dos agentes públicos deve ser honesta, reta, respeitando a noção de moral não só administrativa, mas também da própria sociedade.
É de tal importância a conduta proba que o Legislador a erigiu a status constitucional, conforme se vê no § 4º, art. 37 da Carta Magna, verbis: Os atos de improbidade importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em diversas normas encontram-se referências à improbidade, tal como na Lei 8.112/90, que estabelece o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União3. De toda forma, é digna de destaque a Lei 8.429/92, que dispõe sobre atos de improbidade administrativa.
Um dos pontos de relevo daquela norma é sua área de abrangência: atinge não só os agentes públicos, mas também àqueles que induzam ou concorram para a prática de ato de improbidade administrativa, ou dele se beneficie direta ou indiretamente, ainda que não seja agente público. Registre-se, ainda, que a Lei 8.429/92 é de abrangência nacional, isto é, aplica-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As sanções estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa são de ordem administrativa, civil e política. Assim, a Lei 8.429 não cuida de sanções penais. De toda forma, a ocorrer infração prevista na Lei 8.429 que seja tipificada como crime, nada impede que o infrator responda na esfera penal pelo fato cometido.
Por fim, ressalte-se que os atos de improbidade serão abordados com maior propriedade mais a frente, em capítulo específico.
2.2 – Dever de Prestar Contas
Em decorrência de gerir o que não lhe pertence, constitui dever do Administrador Público apresentar contas do que realizou à toda coletividade. Ora, se na esfera privada já o é assim, não poderia ser diferente no setor público. Bem esclarece Hely Lopes Meirelles, ao afirmar: a regra é universal: quem gere dinheiro público ou administra bens ou interesses da comunidade deve contas ao órgão competente para a fiscalização. Pela regra, percebe-se que o dever de prestar contas é maior do que se pensa: abrange não só aqueles que são Agentes Públicos, mas a todos que tenham sob sua responsabilidade dinheiros, bens, ou interesses públicos, independentemente de serem ou não administradores públicos.
2.3 – Dever de Eficiência
Elevado à categoria de Princípio Constitucional de Administração Pública (vide Emenda Constitucional 19/1998), o dever de eficiência impõe que a atividade administrativa seja cada vez mais célere e técnica, ou seja, que se busque não só o aumento quantitativo, mas também qualitativo do papel desempenhado pelo Administrador Público. A busca contínua pela eficiência resulta, sem dúvida, em maiores benefícios à própria coletividade, daí por que constitui dever do administrador.
Inúmeros exemplos da busca da eficiência pela Administração podem ser observados em textos legais, tais como o Decreto Lei 200/674, ou mesmo na Constituição Federal5.
- Poder-dever de Agir.
O poder que possui o agente público significa, em realidade, dever com relação à comunidade, no sentido de quem o detém está na obrigação de exercê-lo, sendo inadmitida a sua renúncia. Assim, difere em essência com relação à noção de poder na esfera privada, na qual o poder é faculdade de agir para quem é seu titular.
Por oportuno, cite-se a lapidar lição, como de costume, do Prof. Hely Lopes Meirelles, que ensina: Se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. É que o Direito Público ajunta ao poder do administrador o dever de administrar.
Assim, conclui-se que pouca margem de decisão subsisti ao agente quando surge a oportunidade (dever) de agir. Disto resulta que a omissão da autoridade ou o silêncio administrativo ocorridos quando é seu dever atuar gerará a responsabilização do agente omisso, autorizando a obtenção do ato não realizado por via judicial, em regra, por intermédio de mandado de segurança, quando ferir direito líquido e certo do interessado.
3 – PODERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO
Já se viu que aos agentes públicos são concedidos poderes, para que bem desempenhem sua função de elemento concretizador da vontade do Estado. A despeito da controvérsia que o assunto gera, faz-se necessário abordar aqueles mais relevantes, com base na doutrina majoritária.
3.1 – Poder Discricionário:
É impossível a Lei prever todas as condutas a serem adotadas pelo Administrador frente às situações concretas que se apresentam e que exigem pronta solução. Dessa maneira, a Lei faculta ao administrador a possibilidade de adotar uma dentre várias (ou pelo menos mais de uma) condutas possíveis, a qual deve estar alinhada ao melhor atendimento do interesse público, o que resulta num juízo discricionário por parte do responsável pelo ato, o qual, de forma alguma, pode ser confundido com um “livre arbítrio”, pois a Administração Pública, ao revés dos particulares de modo geral, só pode fazer aquilo que a Lei lhe determina (atuação/poder vinculado – vide item 3.2 abaixo) ou autoriza. Neste último caso é que há discricionariedade. De toda forma, em ambas as situações (vinculação ou discricionariedade), a conduta do agente deve estar pautada na legalidade, em nenhuma hipótese admitindo-se ações que desbordem tal limite, faltando ao administrador público, por conseguinte,a possibilidade de escolher livremente, da forma que melhor entender (livre arbítrio), uma vez que limitado, SEMPRE, pela Lei. Por tudo, pode-se afirmar que arbitrariedade é, para a Administração Pública, sinônimo de ilegalidade.
Afirma, com razão, o Prof. José dos Santos Carvalho Filho: conveniência e oportunidade são os elementos nucleares do poder discricionário. A primeira indica em que condições vai se conduzir o agente; a segunda diz respeito ao momento em que a atividade deve ser produzida. Registre-se, porém, que essa liberdade de escolha tem que se conformar com o fim colimado na lei... A lição é auto-explicativa, sendo desnecessários comentários adicionais.
Ainda que discricionários, os atos praticados pela Administração não refogem, de maneira alguma, ao controle judicial. Conforme se viu em capítulo próprio, os elementos do ato administrativo são 5: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Os 3 primeiros são sempre vinculados, ou seja, sobre estes o agente não possui liberdade quanto à decisão a forma de agir. A discricionariedade, quando existente, reside nos dois últimos, motivo e objeto, que constituem o que a doutrina denomina de mérito administrativo, existente nos atos discricionários. Assim, é mais fácil ao Poder Judiciário o controle daqueles 3 primeiros elementos, dada a sua vinculação. Quanto ao motivo e ao objeto, o Julgador (Juiz ou Tribunal) deve agir com cautela: não se admite que o controle judicial invada a competência que, por lei, foi reservada ao Administrador, sob pena de ofender o princípio republicano da separação dos poderes. Não é possível, portanto, o Judiciário controlar o mérito da decisão administrativa, desde que esta seja produzida dentro dos limites da lei. De qualquer forma, o Judiciário tem se utilizado dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, dentre outros fundamentos, para coibir excessos na discricionariedade administrativa.
É razoável a conduta que respeite critérios aceitáveis do ponto de vista racional, ou seja, que leve em conta o senso comum de pessoas equilibradas, sensatas e prudentes. Não se admite, assim, que a Administração adote condutas bizarras, incoerentes, ou seja, em síntese, desarrazoadas6.
A proporcionalidade pode ser traduzida como a adeqüabilidade entre os meios utilizados e os fins pretendidos. Se a conduta do Administrador não respeita tal relação, será excessiva, portanto, desproporcional. A idéia central da proporcionalidade é que ninguém é obrigado a suportar restrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam imprescindíveis ao atendimento do interesse público.
Pelo exposto, verifica-se que a apreciação do ato do Administrador sob a ótica da razoabilidade e da proporcionalidade amplia a atuação do Judiciário, possibilitando a apreciação de atos que, sob o manto da discricionariedade, consubstanciam verdadeiros abusos de poder, podendo-se afirmar, por conseguinte, que o mérito administrativo é uma faixa de liberdade cada vez mais estreita ao Administrador Público.
3.2 – Poder Vinculado
Também chamado de regrado, o Poder Vinculado é aquele conferido por Lei à Administração para a prática de atos nos quais a liberdade de atuação é mínima, ou mesmo inexiste. Difere em essência do Poder e, por conseqüência, dos atos administrativos discricionários, nos quais há maior liberdade de atuação da Administração.
Nos atos vinculados, todos os elementos que o compõem (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) não podem ser valorados pela Administração, a qual não goza de liberdade para a prática de atos vinculados. Daí por que alguns autores considerarem que não existe “Poder Vinculado”, uma vez que esse não encerra prerrogativa do Poder Público, mas mera restrição à atuação administrativa, constituindo, quando muito, atributos de outros poderes da Administração. Essa é a posição defendida por Maria Sylvia di Pietro, por exemplo.
3.3 – Poder Regulamentar
Conforme já dito, não haveria como o legislador prever todas as soluções técnicas a serem adotadas frente às situações reais enfrentadas pela Administração Pública. Tampouco caberia a este mesmo legislador tornar exeqüível todas as normas que edite. A tarefa tornar-se-ia por demais onerosa, mesmo desvirtuando o sentido de abstração e generalidade inerentes às normas legais. Incumbe à Administração, então, complementá-las, criando os mecanismos para sua efetiva implementação. Essa constitui a principal caracterização do Poder Regulamentar, o qual, na lição do Prof. José dos Santos, pode ser conceituado como a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir sua efetiva implementação. Ressalte-se ainda que, com acerto, alguns autores preferem falar em Poder Normativo ao invés de Poder Regulamentar, uma vez que este representa apenas uma das formas pelas quais se expressa aquele, coexistindo com outras. Adota essa posição, por exemplo, a Profa. Maria Sylvia di Pietro.
3.3.1 – Natureza do Poder Regulamentar
Constitui prerrogativa de direito público, dado que é conferido aos órgãos que tem por responsabilidade a gestão de interesses públicos. É o Poder Regulamentar, ainda, de natureza derivada, somente exercido com base em lei anterior. As leis, de sua parte, são normas originárias, arrimando-se diretamente na Constituição.
3.3.2 – Materialização do Poder Regulamentar
Basicamente, a formalização do Poder ora tratado se dá por meio dos regulamentos e decretos. Nessa linha, estatui o inc. IV, art. 84 da CF que compete ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos7 para a fiel execução das leis. Em decorrência do princípio da simetria constitucional, os Chefes de Executivos dos Estados possuem a mesma prerrogativa.
Outras autoridades, como os Ministros, podem editar atos normativos (inc. II, § único, art. 87, CF). Também há possibilidade de outras entidades, tais como as agências reguladoras, assim procederem. Para ambos os casos, evidentemente, há que se preservar os limites postos pelo princípio da legalidade.
3.3.3 – Limites do Poder Regulamentar
O Legislador não pode, sob pena de ofensa ao princípio de separação dos poderes, delegar in totum (integralmente) sua competência legiferante ao executivo. Nessa situação, ocorreria uma delegação legislativa “em branco”, tida por inconstitucional pelo STF, e, assim, inaceitável em nosso sistema jurídico.
Mesmo naquelas matérias de alta dose de tecnicidade, a delegação concedida para a Administração regulamentá-las deverá ser limitada. Assim, o Legislativo poderia, por exemplo, determinar regras básicas, enquanto à Administração caberia a regulamentação técnica, de maior complexidade, de acordo com parâmetros estabelecidos na norma. A Administração não pode, portanto, a pretexto de regulamentar norma, criar direito, introduzindo novidade no mundo jurídico, dado que este papel cabe ao Legislativo, este sim, possuidor da prerrogativa de produzir novidades jurídicas.
3.3.4 – Decretos e Regulamentos: de Execução, autônomos e autorizados.
Os decretos/regulamentos de execução são regras jurídicas gerais, abstratas e impessoais, concebidas em função de uma lei, para lhe dar fiel execução e referentes à atuação da Administração. No âmbito federal, a competência para expedição desses decretos é do Presidente da República (§ único, art. 84), sendo tal competência indelegável. Fundamento básico para a edição de decretos de execução é que estes devem ser editados em função de uma Lei que futuramente exigirá a participação da Administração na sua efetivação. Assim, não seria razoável, ou mesmo legal, a Administração, sob a argumentação de uso do Poder Regulamentar, expedir decretos de execução em razão de normas que nada tem a ver com o exercício de suas atribuições, tais como alguns dispositivos de direito comercial, por exemplo.
Os decretos autônomos foram reintroduzidos em nossa ordem jurídica por intermédio da Emenda Constitucional 32/2001. A partir da promulgação desta, compete ao Presidente da República “dispor, mediante decreto, sobre:a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”. Ressalte-se que, a despeito do que estabelece a alínea a, a criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública continua a depender de Lei (art. 88, CF). São duas situações distintas, então: tratando-se de organização/funcionamento da administração federal (alínea a), competência do Presidente da República, por meio de decreto (autônomo), competência que é delegável, nos termos do art. 84, § único da CF/88; já a criação/extinção de Ministérios é matéria a ser tratada em lei.
Por fim, decretos/regulamentos autorizados são os que complementam disposições de uma lei, em razão de expressa determinação contida nessa mesma norma para que o Executivo assim proceda. Ressalte-se, ainda que repetitivamente, a impossibilidade da Administração prover por meio de atos administrativos situações cuja regulamentação exija a edição de Lei.
3.3.5 – Controle dos Atos Regulamentares
A regra geral é que os atos regulamentares (ou mesmo não regulamentares) devem ser praticados sem vícios. Veremos, contudo, em capítulo próprio (referente aos Atos Administrativos), que, sob certas circunstâncias, podem ser “corrigidos” (convalidados, é a expressão correta) certos vícios. Nesse sentido, levando em conta a regra geral, verifica-se a existência de uma série de instrumentos ou mecanismos que visam coibir tal prática nociva de se editar atos ilegais.
Inicialmente, diga-se que, conforme o inc. V, art. 49 da CF, compete exclusivamente ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativo. Tal controle visa nitidamente impedir a usurpação da competência legiferante do poder que, constitucionalmente, a detém, ou seja, visa restringir a invasão de competência do Legislativo pelo Executivo.
Com relação ao controle judicial dos atos regulamentares, este variará conforme a natureza destes e em razão à norma infringida. No caso de conflito com a lei, o ato regulamentar estará sujeito ao controle de legalidade. De outra parte, o ato regulamentar poderá ser submetido ao controle de constitucionalidade, desde que ofenda diretamente a Lei Maior. Nesta situação, não haverá lei subordinadora do ato regulamentar editado, o qual será qualificado como autônomo, podendo ser impugnado por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade, permissiva da invalidação dos atos que ofendem diretamente a constituição. Assim, conclui-se que só são passíveis de controle direto de constitucionalidade os atos regulamentares normativos e autônomos. Nessa linha, já decidiu o STF: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Objeto – Decreto. Uma vez ganhando contornos de verdadeiro ato autônomo, cabível é a ação direta de inconstitucionalidade8.
Por fim, quando a Administração deixar de regulamentar lei que para produção dos seus efeitos exija, imprescindivelmente, a edição de ato normativo próprio, os destinatários do ato não editado poderão utilizar o mandado de injunção, para gozar todas as vantagens que seriam decorrentes. Para tanto, a Lei produzida deverá ter fixado prazo para sua regulamentação, o qual, por sua vez, transcorrerá “em branco” quanto à publicação do decreto regulamentar. Tal saída jurídica é justificada, pois a omissão do Executivo não poderia inviabilizar direitos estabelecidos em norma editada pelo Legislativo. Ressalte-se que a omissão do ato normativo tem que se referir a direitos de ordem constitucional, que encontram supedâneo no art. 5º, inc. LXXI, verbis: conceder-se-á mandado de injunção sempre que falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
3.4 – Poder Hierárquico
Nas relações hierárquicas vislumbra-se vínculo de subordinação entre órgãos e agentes que componham a relação de direito em questão. A despeito de ser inerente ao Executivo, não se pode afirmar que as relações hierárquicas se restrinjam a este no âmbito da Administração Pública. De fato, onde ocorra o desempenho da função administrativa poderá ocorrer uma relação hierárquica, mesmo no Legislativo ou no Judiciário. Mas, quando os membros desses dois poderes estiverem exercendo suas funções típicas, de legislar ou de judicar (funções legislativa e jurisdicional, respectivamente), inexiste hierarquia. Não há, portanto, hierarquia entre parlamentares ou membros da magistratura.
É o poder hierárquico que permite à Administração “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal”9. Nota-se, desse modo, a íntima relação existente entre o Poder Hierárquico e o Disciplinar, a ser visto logo abaixo. Do Poder Hierárquico resultam, ainda, as prerrogativas dos superiores de ordenar, fiscalizar, rever, delegar ou avocar, com relação aos subordinados.
Ordenar implica impor ao subordinado a conduta a ser adotada diante do caso concreto. Consigne-se que o dever de obediência do subordinado não será absoluto: nos casos em as ordens emanadas pelos superiores foram manifestamente ilegais não há que se cumpri-las. A afirmativa encontra amparo mesmo no texto da atual Carta Magna, que estabelece, em seu art. 5º, inc. II que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Regra no mesmo sentido está contida na Lei 8.112/90, que estabelece o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, ao estatuir, no inc. IV, art. 116, que o servidor é obrigado a cumprir com as ordens que lhes são dadas, salvo quando manifestamente ilegais.
Fiscalizar significa verificar se a conduta dos subordinados se coaduna com o que dispõem as normas legais e regulamentares, bem como em relação às diretrizes fixadas pelos agentes superiores.
Revisar implica a apreciação pelos superiores quanto aos aspectos dos atos praticados pelos inferiores, no sentido de mantê-los ou invalidá-los. A revisão ocorrerá de ofício (iniciativa da Administração) ou por provocação do interessado, e só poderá ocorrer até quando o ato ainda não tenha se tornado definitivo para a Administração ou não tenha gerado direito adquirido para o Administrado.
Delegar consiste na “transferência de atribuições de um órgão a outro no aparelho administrativo”10. Não é admitida com relação a atos políticos, bem como de um Poder para outro, salvo nos casos constitucionalmente previstos (por exemplo, no caso de lei delegada). Em nível federal, há, hoje, norma que trata de tal instituto, a Lei 9.784/99, a ser tratada no capítulo referente ao Processo Administrativo.
Avocar é a possibilidade que tem o superior de trazer para si as funções exercidas por um subalterno. É medida excepcional, que só pode ser realizada à luz de permissivo legal e que desonera o subordinado com relação à qualquer responsabilidade referente ao ato praticado pelo superior. Não pode ser avocada, destaque-se, a atribuição expressamente dada por lei a certo órgão ou agente, como no caso dos julgamentos de licitações pelas comissões competentes.
Finalmente, é de se registrar que não se deve confundir vinculação com subordinação. Enquanto a primeira tem caráter externo e é conseqüência do controle que as pessoas federativas têm sobre as pessoas administrativas que compõem a administração indireta, a última é de caráter interno, estabelecida entre órgãos de uma mesma entidade, como decorrência do poder hierárquico. Assim, a relação da União com uma de suas autarquias é de vinculação destas para com aquela, enquanto que a relação de uma divisão de um Ministério (órgãos criados) com relação ao próprio Ministério é de subordinação.
3.5 – Poder Disciplinar
Pode-se afirmar que o Poder Disciplinar decorre, em boa medida, do escalonamento hierárquico verificado no exercício da atividade administrativa.Com efeito, se ao superior é dado poder de fiscalizar os atos dos subordinados, nada mais lógico que, em verificando o descumprimento de ordens ou normas, tenha a possibilidade de impor as devidas sanções que a conduta infratora exija.
Por oportuno, consigne-se o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, que conceitua o Poder Disciplinar como faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. Cabem algumas pequenas observações com relação ao conceito.
O termo “faculdade” contido na definição do Mestre poderia dar a impressão de que se trata de decisão discricionária da autoridade, a qual avaliaria a conveniência em agir. Não o é. Em verdade, trata-se de um poder-dever, que obriga a autoridade a apenar o infrator, caso a sanção a ser aplicada esteja na esfera de sua competência. Para ratificar o afirmado, basta ver o que estabelece o art. 143 da Lei 8.112/90, que estatui o denominado Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, Autarquias e Fundações Públicas: A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover sua apuração imediata.... Deixar de promover a necessária apuração de uma infração que tenha conhecimento poderá implicar responsabilidade criminal ao Administrador, pelo que se vê do art. 320, do Código Penal, que cuida dos crimes contra a Administração Pública: Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente... O assunto será retomado com maior minudência no capítulo “Agentes Públicos”, mas deixe-se claro o seguinte: caso a autoridade tenha conhecimento de infração cometida por seu subordinado, deverá determinar sua apuração11.
Deixe-se registrado, ainda, que não há de se confundir o Poder Disciplinar, administrativo, com o Poder punitivo do estado. Enquanto aquele é de ordem interna, abrangendo as infrações relacionadas ao serviço, este é realizado pelo Poder Judiciário, e refere-se à repressão de crimes e contravenções, com tipos estabelecidos nas leis penais. Também é digno de nota que, em determinadas situações, há possibilidade de uma mesma infração levar à punição administrativa e penal, sendo que a primeira é de menor severidade, por assim dizer, com relação à última. Assim, certas infrações implicarão apenas sanções administrativas, não alcançando conseqüências na esfera penal. Observe-se que, por não terem uma “tipicidade” tão rígida quanto as sanções penais, as condutas administrativas infratoras permitem à autoridade valorar quanto à penalidade administrativa a ser aplicada. Aqui, sim, pode-se afirmar que há uma certa discricionariedade “relativa” no agir da autoridade aplicadora, a qual, de toda forma, deve se ater ao princípio da adequação punitiva, aplicando sanção adequada ao caso verificado.
Por derradeiro, consigne-se que nos atos de punição disciplinar sempre deverá haver motivação, que pode ser entendida como a exposição dos motivos, de fato e de direito, que levaram à aplicação da sanção disciplinar. Ainda que de forma resumida, a motivação deverá ocorrer, como condição de validade do ato sancionatório. Tal providência encontra-se positivada, por exemplo, na Lei 8.112/90, que estabelece no art. 128, § único: o ato de imposição da penalidade mencionará sempre o fundamento legal e a causa da sanção disciplinar12.
3.6 – Poder de Polícia
O conceito de Poder de Polícia encontra-se positivado no art. 78 do Código Tributário Nacional - CTN, que em seu art. 78 estabelece: considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. O conceito encontra-se contido no CTN em razão do exercício do Poder de Polícia constituir fato gerador de taxas, em virtude do que dispõe a CF/8813. Pode-se, afirmar, então, que é indevida a cobrança de tarifa em decorrência do Poder de Polícia. De fato, a tarifa caracteriza-se por ser preço público, tendo natureza negocial e contratual, adequada para remunerar serviços públicos econômicos, não adequando-se, portanto, à instituição em razão do poder polícia.
Ainda que de precisão jurídica, o conceito dado pelo CTN é por demasiado extenso, razão pela qual opta-se, mais uma vez, por conceito dado pelo Prof. Hely Lopes Meirelles, que assim o faz: ‘Poder de polícia’ é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade e do próprio Estado. E explica o autor: em linguagem menos técnica, podemos dizer que o ‘poder de polícia’ é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Em resumo, o Poder de Polícia consiste na limitação do uso do exercício dos direitos individuais, quando assim exigir o interesse público. Evidentemente, há que se ter em conta certos limites para o exercício de tal mister, em razão das condições verificadas. Passa-se, então, à análise dos principais pontos referentes ao Poder de Polícia.
3.6.1 – Sentido Amplo e Estrito
De forma ampla, Poder de Polícia abrange todas as ações do Estado que impliquem a limitação de direitos individuais. Aqui, é relevante o papel do Poder Legislativo, ao qual incumbe a função precípua de criar o direito, dado que apenas por lei pode-se impor obrigações ou proibições, o que constitui princípio constitucional, haja vista que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF, o já citado e conhecido princípio da reserva legal).
Estritamente, ao se referenciar o Poder de Polícia quer-se tratar de atividades administrativas que culminam no uso pelos agentes da administração das prerrogativas que lhe foram concedidas e que tenham por resultado a restrição e o condicionamento da liberdade e propriedade. Aqui, a atuação da administração ocorre dentro dos limites estabelecidos pelas Leis, preexistentes quanto ao efetivo uso do Poder de Polícia. Por oportuno, cite-se o comando contido no § único do art. 78 do CTN, que estatui como regular o uso do poder ora abordado quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
3.6.2 – Polícia Administrativa e Judiciária.
O poder policialesco do Estado pode ocorrer em duas áreas: na administrativa e na judiciária.
A Polícia Administrativa é atividade da Administração que se exaure em si mesma, ou seja, com início e fim no âmbito da função administrativa, levada a efeito por órgãos administrativos e incidindo basicamente sobre asatividades dos indivíduos. Já Polícia Judiciária atua na preparação da atuação função jurisdicional penal, sendo executada por órgãos de segurança (polícia civil de um estado, a exemplo), referindo-se ao indivíduo, ou seja, aquele que poderia cometer um ilícito penal.
Evidentemente, há ilícitos penais que repercutirão na esfera administrativa, assunto o qual será abordado oportunamente em vários pontos deste texto14. De toda forma, a título de esclarecimento, exponha-se a lição da Profa. Maria Sylvia di Pietro: ...a linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área de ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente) a Polícia é Administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a Polícia Judiciária que age. Como exemplo de polícia administrativa pode-se citar a fiscalização de atividadesde comércio, sobre condições de estocagem de alimentos, etc. Quando há investigação criminal, com a audiência de testemunhas, inspeções e perícias, por exemplo, estão a se desenvolver atividades de Polícia Judiciária, após o término das quais os elementos deverão ser enviados ao Ministério Público, para a adoção das providências pertinentes.
Outro critério adotado para diferenciação entre as Polícias Administrativa e Judiciária seria quanto a seu caráter: quando preventivo, trata-se de atividade de polícia administrativa; quando repressivo, de polícia judiciária. Tal critério, contudo, deve ser relativizado.
A Polícia Administrativa também atua repressivamente quando, por exemplo, apreende arma usada indevidamente ou quando interdita um estabelecimento comercial. Já os agentes da Polícia Judiciária podem agir, e modo preventivo, de modo a evitar a prática de delitos. Em resumo, pode-se afirmar: a Polícia Administrativa reveste-se, eminentemente,de caráter preventivo, mas, sob determinadas circunstâncias, terá caráter repressivo.
3.6.3 – Competência para Exercício
A princípio, o critério para determinação de competência para o exercício do Poder de Polícia é o que diz respeito ao poder de regular a matéria, o qual, por sua vez, arrima-se no princípio de predominância do interesse. Assim, aproveitando os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: os assuntos de interesse nacional ficam sujeitos à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional sujeitam-se às normas e à polícia estadual; os assuntos de interesse local subordinam-se aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal15.
No caso de invasão de competência de um por outro ente, ou pessoa, que não detenha atribuição constitucional para regular a matéria, o ato de polícia será inválido, já que ilegitimamente praticado. Em verdade, muita confusão a esse respeito tem sido feita e importa ao intérprete da norma, com base no caso concreto, identificar a quem cabe o exercício do poder de polícia, caso tenha sido levantada dúvida quanto à titularidade. Para ilustrar o afirmado, veja-se o seguinte exemplo: de acordo com a Súmula 19 do Supremo Tribunal de Justiça – STJ, compete à União regular o horário de atendimento bancário. De outro lado, fixa a recente Súmula 645 do Supremo Tribunal Federal – STF, competência para os municípios para fixação do horário para funcionamento de lojas comerciais. Desse modo, a depender da situação, incumbirá a um ou outro ente político a competência para exercício do poder de polícia.
3.6.4 – Poder de Polícia Originário e Delegado
Por estar se tratando, em essência, da polícia administrativa, apenas a esta estaremos nos referindo. Doutrinariamente, o Poder de Polícia pode ser dividido em originário e delegado.
De maneira originária, o Poder de Polícia é exercido pelas pessoas políticas do Estado (União, Estados e Distrito Federal e Municípios), abarcando os atos administrativos praticados por estas.
Ocorre que o poder público, sabidamente, não age exclusivamente por órgãos e agentes internos a sua estrutura. Quando o poder de polícia é levado a efeito pelas pessoas administrativas do Estado, componentes da Administração indireta, em decorrência de delegação (outorga) legal da entidade estatal a qual pertence está-se diante do poder depolícia delegado. Duas são as condições para validade dessa delegação:
Deve decorrer de lei formal, oriunda do regular exercício da função Legislativa;
O delegatário (aquele que recebe a delegação) deve ser integrante da administração indireta, devendo possuir, ainda, personalidade jurídica de direito público.
Observe-se que a doutrina inadmite outorga do poder de polícia a pessoas da iniciativa privada, sem vínculo oficial com os entes públicos, dado que tais pessoas não possuem o poder de império (ius imperii), próprio e privativo do Poder Público.
3.6.5 – Limites e Extensão
Em razão do contínuo aumento das atividades estatais, o que tem se observado é o proporcional aumento nas atividades de polícia administrativa, alcançando as mais diversas áreas, tais como: proteção à moral e aos bons costumes, controle de publicações, saúde pública, etc. A regra para definir a área de abrangência da polícia administrativa é a seguinte: verificando-se relevante interesse da coletividade ou do Estado, ocorre a possibilidade, de maneira correlata, do exercício do Poder de Polícia Administrativa para a proteção desses interesses.
De outra parte, não poderia ser ilimitado o exercício do Poder de Polícia, haja vista que esse não poderia fulminar direitos da sociedade e dos indivíduos, de modo geral. Assim, têm-se como limites do Poder de Polícia: os direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis16.
Outros pressupostos de limitação do Poder ora estudado são a proporcionalidade dos atos de polícia, bem como a observância do devido processo legal.
Em decorrência da proporcionalidade, que pode ser entendida como a adequada relação entre a medida restritiva e o benefício a ser atingido, a decisão adotada pela autoridade não poderá ultrapassar o necessário para atingimento do benefício desejado pela coletividade, sendo desproporcional o ato de polícia praticado com abuso de poder (a ser visto logo a seguir), podendo ser corrigido pela atuação do Poder Judiciário. Não é por outra razão que Celso Antônio Bandeira de Mello ensina: mormente no caso de utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem energeticamente com a liberdade individual, é preciso que a administração se comporte com extrema cautela, ‘nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei’, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração.
Por fim, para a aplicação das sanções decorrentes do Poder de Polícia deve ser observado o devido processo legal (due process of law), garantindo-se ao administrado o direto à ampla defesa, assegurado constitucionalmente (art. 5º, LIV e LV, CF).
3.6.6 – Atributos ou Características
Três são os atributos costumeiramente apontados pela doutrina no que se refere aos atos resultantes do exercício regular do poder de polícia: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade.
A discricionariedade significa que a Administração detém razoável liberdade de atuação no exercício do Poder de Polícia. Dentro dos limites dados pela lei, a Administração poderá valorar critérios de conveniência e oportunidade para a prática dos atos de polícia, determinando critérios para definição, por exemplo, de quais atividades irá fiscalizar, bem como as sanções aplicáveis em decorrência de uma certa infração, as quais, é lógico, devem estar previstas em lei. A regra é que atividade de polícia administrativa é discricionária, mas, sob determinadas circunstâncias, será vinculada. É o caso das concessões de licença, que é ato administrativo vinculado e definitivo, por meio do qual a Administração reconhece o direito subjetivo de um particular à prática de determinada atividade, a partir do preenchimento de certas condições necessárias ao gozo desse direito. Não há que se confundir a licença com o alvará, pois este apenas se apresenta como uma das formas de exteriorizar a licença. O assunto será novamente abordado, diga-se, quando se tratar dos atos administrativos em espécie, em capítulo próprio.
Assim, pode-se afirmar que a regra é a discricionariedade do exercício do Poder de Polícia, mas nada impede que este, sob determinadas situações, seja vinculado.
A auto-executoriedade consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria Administração, independentemente de ordem judicial17. É pressuposto lógico do exercício do Poder de Polícia, sendo necessária para garantir agilidade às decisões administrativas no uso desse poder. Contudo, a auto-executoriedade não está presente em todos os atos decorrentes do poder de polícia administrativa. Com efeito, no caso, por exemplo,das multas, permite-se, de maneira auto-executória, apenas a imposição destas, mas não a sua cobrança, a qual deverá ser realizada por meio da ação adequada na esfera judicial. Em razão disso, parte da doutrina opta por desdobrar o atributo da auto-executoriedade em dois: a exigibilidade (privilège du prèalable) e a executoriedade(privilège d’action d’office).
Em decorrência da exigibilidade, a decisão administrativa constante de um ato de polícia se impõe ao administrado, independentemente de sua concordância. Para fazer valer esse instituto, a Administração pode lançar mão de meios indiretos de coação, tais como as multas ou a impossibilidade de licenciamento de veículo, enquanto não pagas as multas anteriores.
Pela executoriedade, haverá coação direta, ou material, do administrado para a prática de um ato. Há executoriedade, por exemplo, na dissolução de uma reunião ocorrente em determinado local.
É de se concluir, portanto, em consonância com a abalizada lição de Maria Sylvia di Pietro que a exigibilidade está presente em todas as medidas de polícia, mas não a executoriedade (privilège d’action d’office).
Não se confunda auto-executoriedade das sanções de polícia com punição sumária e sem defesa, a qual só pode ser aplicada nos casos urgentes, que imponham risco iminente à saúde ou à segurança pública. É o que ocorre, por exemplo, na interdição de estabelecimentos que, por sua estrutura física, estejam a ameaçar a vida das pessoas, ou na apreensão e destruição de alimentos impróprios para o consumo humano.
Por fim, tem-se o atributo da coercibilidade. Em razão deste, as medidas adotadas pela Administração no exercício do Poder de Polícia podem ser impostas de maneira coativa aos Administrados. A imposição coercitiva também independe de prévia manifestação judicial. De todo modo, frente a pretensões que poderão sofrer forte resistência dos particulares, a Administração poderá, a priori, demandar manifestação do Judiciário, no intuito de diminuir essa resistência. Tal situação é comum, por exemplo, na interdição de prédios que, em decorrência de suas instalações físicas, sejam inseguros para o exercício de certas atividades. De qualquer maneira, o particular insatisfeito com a atuação administrativa poderá levar a situação à apreciação do Poder Judiciário, a quem competirá, última forma, decidir sobre a questão discutida. A coercibilidade justifica, ainda, o uso da força física no caso de resistência do administrado, a qual deverá ser proporcional à tal resistência.
Bom registrar que nem todo ato de polícia é dotado de coercibilidade: de fato, as licenças, autorizações e permissões, decorrentes do poder de polícia, contam com a concordância do destinatário do ato, daí dizer que, nestes atos, não há falar em coercibilidade.
3.6.6 – Sanções decorrentes do Poder de Polícia
As sanções administrativas são os atos punitivos que resultam de uma infração administrativa, a serem aplicadas por órgãos da Administração. Quando decorrer do Poder de Polícia, constituirão, obviamente, sanções de polícia. Devem guardar origem na lei, em face do princípio da legalidade, não podendo ser instituídas, originariamente, por meio de atos administrativos. Em razão da abordagem elucidativa, exponha-se o julgado do Tribunal Regional Federal – 1ª Região:Portaria não é instrumento adequado a, originariamente, prescrever infrações e sanções administrativas, de modo que, somente a lei, em sentido formal e material, pode descrever a infração e impor penalidades.
A título de exemplo, podem ser citadas as seguintes sanções administrativas, em decorrência do exercício do Poder de Polícia: as multas, a interdição de atividades, demolição de construções irregulares, inutilização de gêneros, apreensão de objetos; etc.
4 – USO E ABUSO DO PODER
Os Poderes concedidos aos agentes para o bom desempenho de suas atribuições de interesse público devem ser usados com normalidade, dentro dos contornos da lei. Não pode a autoridade, por achar-se no uso legítimo dos poderes que lhe foram cometidos, desbordar dos limites estabelecidos Para que não sejam invalidados, os atos das autoridades e dos agentes em geral devem, então, ser legítimos, legais e morais, atendo-se, em qualquer espécie, aos interesses públicos da coletividade. Ao mau uso do poder, de forma desproporcional, ilegal, ou sem atendimento do interesse público, constitui o abuso de poder, que pode ocorrer de duas formas18:
O agente atua fora dos limites de sua competência; e,
O agente, embora dentro de sua competência, afasta-se do interesse público que deve nortear todo o desempenho administrativo.
No primeiro caso, verifica-se o excesso de poder, com o agente público exorbitando das competências que lhe foram atribuídas, invadindo competências de outros agentes, ou praticando atividades que não lhe foram conferidas por lei. O vício aqui é de competência, tornando o ato arbitrário, ilícito e nulo.
Na segunda situação, embora o agente esteja atuando no raio de sua competência, pratica ato visando fim diverso do fixado em lei ou exigido pelo interesse público. Ocorre, então, o que a doutrina costumeiramente chama de desvio de poder ou de finalidade. Consequentemente, o vício do ato, nesse caso, não é de competência do agente, mas de finalidade. Em duas acepções pode ocorrer essa violação da finalidade: de forma ampla, quando o ato praticado ofende genericamente o interesse público, como a concessão de vantagens pecuniárias a um grupo de servidores, ou de forma específica, quando o ato, por exemplo, desatende o objetivo prevista em norma, tal como no já clássico exemplo da remoção de ofício do servidor como forma de punição do mesmo. Tal figura jurídica [a remoção] tem por fim o atendimento de necessidade do serviço, e não poderia, com intuito diverso, ser utilizada como forma de punição do servidor, sob pena de invalidação por desvio de finalidade.
Então, em rápida síntese, o abuso de poder é gênero, do qual são espécies o excesso de poder e o desvio de poder ou de finalidade, com as características apontadas acima.
1 Manual de Direito Administrativo – José dos Santos Carvalho Filho.
2 No capítulo referente aos “Agentes Públicos” será feita a necessária diferença entre agentes públicos e administrativos: estes são espécie da qual aqueles são gênero.
3 A improbidade, inclusive, é fato motivador de demissão do servidor público, conforme se extrai do art. 132 da Lei 8.112/90.
4 Controle de Resultados, sistema de mérito, etc.
5 Por exemplo: possibilidade de firmatura de contratos de gestão entre o Poder Público e seus órgãos e entidades, visando a propiciar um maior controle de resultados de suas atividades – ver art. 37, § 8º, da Carta Maior.
6 Conforme as idéias de Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu “Curso de Direito Administrativo”.
7 Alguns autores, por conseqüência, afirma que o Poder “Regulamentar” caberia só aos Chefes do Executivo.
8 Adin 1396-3 (informativo STF, no. 98)
9 Conforme Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro.
10 Dicionário de Direito Administrativo – José Cretella Júnior.
11 Não determinando a apuração, a autoridade poderá sujeitar-se, ainda, à responsabilização por improbidade administrativa, pelo que estatui o inc. II, art. 11, da Lei 8.429/92.
12 Também se encontra disposição nesse sentido no art. 50, inc. II da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo na Administração Pública Federal. Estabelece o dispositivo: Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I - ...; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; ...
13 Art. 145, II, além do art. 77 do mesmo CTN.
14 No capítulo referente aos Agentes Públicos, por exemplo.
15 Informa a repartição de competências o princípio da predominância de interesses
16 De acordo com a posição de José Cretella Júnior.
17 Com base em Hely Lopes Meirelles.
18 De acordo com o prof. José dos Santos Carvalho Filho.

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