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Regina Helena Costa Princípio da Capacidade Contributiva

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PRINCÍPIO DA CAPACIDADE 
CONTRIBUTIVA 
- -- MALHEIROS 
:;:EDITORES 
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PRINCÍPIO DA CAPACIDADE 
CONTRIBUTIVA 
© Regina Helena Costa 
1993 
Direitos reservados desta edição por: 
MALHElROS EDITORES LTDA. 
RI/a Líbero Badaró, 377 - conjunto 2.306 
CEP 0/074-900 - São Paulo - SP 
TEL: 37-8505 - 36-1781 - FAX: 239-1938 
Fotocomposição, Paginação e Filmes: 
Helvética Editorial Ltda. 
Capa: 
Nadia Basso 
Impresso no Brasil 
Prinled in Brazil 
OS - 1993 
A meus pais 
I 
I. 
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I 
Pouco se requer, para levar um Estado 
da barbárie mais baixa para o mais alto grau 
de opulência, além da paz, impostos baixos 
e uma administração aceitável da jus/iça; to-
do o resTO é feito pelo curso naTural das coisas. 
(ADAM SMITH, Manuscrito de 1755) 
PREFÁCIO 
A sólida e farta literatura citada pela autora constitui a pri-
meira convincente demonstração de seu critério - rigorosamen-
te científico - para estudar e orientar os seus leitores. 
A excelente impressão que o leitor extrai da consideração des-
se seu elevado critério é logo confirmada pela meditação sobre 
o plano de estudo , consubstanciado no seu sintético, mas preci-
so, sumário. Aí a colocação esquemática do conteúdo a ser 
desdobrado. 
Seu prudente método de tratamento da matéria e sua expo-
sição terminam por demonstra r as razões pelas quais a exigente 
banca examinadora da Faculdade de DireilO da Universidade Ca-
tólica de São Paulo, em 1992, outorgou-lhe o titulo de mestre em 
direito tributário, com base na sustentação deste belo trabalho, 
que foi sua tesc. 
Este brilhante sucesso confirmou a expectativa de seus exa-
minadores , os renomados professores Paulo de Barros Carvalho, 
Roque Carrazza e Carlos Ari Sundfeld. 
Regina Helena Costa é uma vocação para o estudo. Sempre 
o demonstrou, seja nas atividades especificamente acadêmicas, 
seja nas carreiras públicas a que se dedicou, com sucesso . As con-
cepções teóricas que neste livro expõe são aplicadas nas salas de 
aula da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São 
Paulo e fecundadas pela intensa a tividade de magistrada federal, 
que exerce em São Paulo . A abundância e riqueza de casos con-
cretos que desfilam sob seus argutos olhos solidificam suas con-
clusões. 
Vale a pena ler este livro. Adota excelente orientação. Ex-
põe criticamente a melhor doutrina que nos é ordinariamente aces-
, 
I 
10 PRINC(PIO DA CAPACiDADE CONTRIBUTIVA 
sível. Levanta e enfrenta os principais problemas que o tema sus-
cita. E o faz bem, inclusive, com firmeza. 
Regina Helena Costa não teme desafios, nem foge aos pro-
blemas. A todos dá tratamento adequado, coerente com os prin-
cipios e reverente às cxigencias sistemáticas pertinentes. Seu li-
vro mostra ângulos novos ou explora ângulos velhos ainda pou-
co tratados , desse tema fundamental. E a todos exorta a mais de-
tida meditação e mais ampla confrontação com nossa pobre ela-
boração doutrinária e ainda sofrível tratamento jurisprudencial 
das questões que o princípio da isonomia propõe. Nesse sentido, 
o livro é um desafio a lodos os estudiosos . 
Num pais onde a igualdade é algo tão distante das práticas 
legislativas , das praxes fiscais e da preocupação jurisprudencial, 
a tese de Regina Helena Costa deve ser saudada como oportuna 
provocação ao estudo, à meditação e à reOexão. 
GERALDO ATAUBA 
SUMÁRIO 
PREFÁCIO - PROF. GERA LDO ATALlBA 
I. INTRODl!.ÇÃO . . ......... . .. . ...••••••••••••••• 
2. EVOLUÇAO H ISTÓR ICA DO CONCE ITO .... .. . 
3. O CONCE ITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
4. A JURIDICIDADE DO PRINCíPIO ............. . 
5. IGUALDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA . . 
6. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OUTROS 
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS .............. . 
7. NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA DO 
8. :~~I~f~~A60 'PRiNCipio •••............. ... 
9. ATRIBUTOS DA CAPACIDADE 
CONTRI!lUTIVA.... . ................... . 
lO. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA 
CONSTITU IÇÃO DE 1988 ..................... . 
I I. C\PACIDADE CONTRIBUTIVA E OUTROS 
DIREITOS CONSTITUCIONAIS ..... . 
12. CONCLUSÕES ................................ . 
?IBLlOGRAFlA . . .......................... . ..... . 
INDICE ALFABÉTICO-REMISS IVO ................ . 
9 
13 
15 
21 
31 
35 
41 
45 
51 
83 
87 
99 
101 
105 
110 
j 
) 
1. INTRODUÇÃO 
o controvertido tema da capacidade contribmiva vem sen-
do discutidoh-á mUilo~pelaaou-lrina . especialmente a estrangei-
ra , sob as mais variadas óticas. No Brasil, o assunto foi objeto 
de acesos debates por parte dos especialistas a partir da Consti-
tuição Federal de 1946, que insculpiu, em seu artigo 202, o prin. 
cípio segundo o qual os tributos deveriam ser graduados confor-
ma a capacidade econômica dos contribuintes. 
A Emenda ConstÍlucional n. 18, de I? de dezembro de 1965, 
ao imprimir a reforma constitucional tributária, veio a retirar 
aquele preceito do Texto Fundamental, não reprodu zido pela 
Constituição de 1967 e pela Emenda Constitucional n. I, de 1969. 
Durante todo esse período de ausência de norma constitucional 
expressa a respeito da capacidade contributiva, a doutrina mais 
atenta sempre proclamou a necessidade de sua observância, co-
mo princípio implícito decorrente do ordenamento jurídico. ver-
dadeiro parâmetro para a eleição de hipóteses de incidência tri-
butária e, especialmente, para a graduação dos impostos, 
traduzindo-se em le~~li~~limite ao exercício do P?der c!e tnoutai. 
A Constituição da República , promulgada em 1988, traz, 
dentre suas inúmeras virtudes, a de devolver ao princípio da ca-
pacidade contributiva a estatura constitucional que sempre me-
receu. Entre nós, ainda que não se possa atribuir ao mesmo o 
a1cance que apresenta em sistemas tributários alienígenas, posto 
que a Lei Maior já define as regras-matrizes de incidência de im-
postos, tal princípio encontra importantes aplicações nas relações 
entre o fisco e o contribuinte, constituindo-se em emanação do 
próprio Estado de Direito no campo tributário. 
Entretanto, apesar do caráter fundamental dessa noção, seus 
contornos ainda não se apresentam bem definidos, provocando 
I' 
• 
14 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
duvidas acerca do campo de irradiação de seus efeitos . Os mcan· 
dros do conceito de capacidade contributiva encerram questões 
múlLiplas, que ensejam o exame cuidadoso de sua relação com 
outros princípios e institutos jurídicos. 
Assim, nossa proposta consiste numa modesta análise do con· 
teúdo do conceito de capacidade contributiva e de suas manifes· 
tações no âmbito do direito constitucional positivo . 
Desejamos, desse modo, estar contribuindo para a reflexão 
dos mais ilustrados . 
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO 
Fincada na idéia de justiça fiscal, a noção de capacidade con-
tributiva remonta sua ongem"lfo-próprio surgim-cnto do tributo. 
Registra·se que, já no antigo Egito, concebia·se que os tributos 
deveriam guardar, de alguma forma, relação com a riqueza da· 
queles que os deveriam pagar . 1 Também os filósofos gregos pre· 
gavam o ideal de justiça distributiva, segundo a qual a desigual· 
dade remunera cada um consoante os seus méritos. 2 
Tal idéia precisou-se na Idade Média, pelo que se pode de-
preender do pensamento de São Tomás de Aquino, para quem 
cada um devia pagar tributos secundum facultatem ou seculldum 
equalitatem proportionis. J 
Em 1776. Adam Smit h, em sua famosa obra A RiqugILdgs 
Nações, susten tava, como concretização da justiça da imposição 
fi scaT, que todos devessem contribuir para as despesas públicas 
"na razão de seus haveres", sendo que, no atendimento ou não 
desta máxima, residiria a chamada Higualdade ou desigualdade 
da tributação". 4 
I. Cf. Emilio Giardina, Le 80si TeQriche deI Principio delfa Capacirà Con-
tributiva, p. 6, n. 8.2. Idem, ibidelll. 
Quanto à concepção de justiça dislribuli\a de Aristóte!cs, \'eja-se Luis Rc· 
caséns Sichcs, Tratado General de Filosofia dei Derecho, p. 483. 
3. Cf. Carlos Palao Taboada, "Isonomia e capacidade contributiva". Re· 
vista de Direito Tributário 4/ 126. 
4. Apud José Marcos Domingues de Oliveira, Capacidade COlllributi\'o-
Conleúdo e Eficácia do Principio, p. 22. 
A!. ctlcbres málCimas de Adam Smilh são 3S seguintes: "a) Os süditos de 
cada Estado devem contribuir para a sustentação do Governo, tanto quanlO pos-
~i\'e l em proporção de suas faculdades, isto c, em proporção à renda que eles des-
i 
16 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUT IVA 
Nesse momento histórico, tão arraigada já se encontrava a 
idéia de capacidade contributiva na consciência dos povos civili-
zados, que vários episódios políticos de relevo podem ser atribuÍ-
dos, direta ou indiretamente, a sua inobservância. Assim, a I' Bos_ 
ton Tea Party". evento no QuaJ os norte-americanos rebelaram-
se contra a tributação inglesa das importações efetuadas pelas co-
lônias, entre elas a de chá , e que se constituiu em importante pre-
cedente da independência (1773); a Revolução Francesa, que te-
ve como causa, dentre outras, a precária situação do governo de 
Luis XVI I que o obrigava a sangrar o povo com impostos (1789); 
e a Inconfidência Mineira, provocada pela opressiva política fis-
cal da Coroa Portuguesa, por ocasião da coleta da Hderrama" 
(1789). 
Como conseqüência, a "Déclaration des droi ts", de 1789, 
reilerada pela "Déclaration de l'homme et de les citoyens" (1791), 
estabelecia que os impostos deveriam ser suportados em propor-
ção às possibilidades econômicas de cada um. 5 
Dada a repercussão de tais documentos, a mesma regra fo i 
adotada por todas as Constituições editadas posteriormente, co-
mo a Jl!:.asileira, de 1824 e o Estatuto Albertino, de 18486 
EntretanlO. supõe-se que O nascimenw da noção de capacida-
de contributiva, como teoria precisa e coerente, vem surgir depois 
desses fatos, na Ciência das Finanças clássica do século XIX .1 
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frutam sob a proteção do Estado; b) A ta.u ou porção de imposto (sic) que é 
obrigado cada indivíduo a pagar, deve ser cena e não arbitrária; c) Todo tributo 
deve ser percebido na época e da maneira presumivelmente mais cômoda para 
o contribuinte; d) Todo imposto deve ser estabelecido de modo que tire do bolso 
do povo tão pouco quanto possível além do que traga para o Tesou ro Público" 
(Cf. Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição Brasileira ele /946, \'OI. 111 , 
p. 267). 
5. O artigo, que constou também nas Constituições de lí91 (art. 306) e de 
1848 (preâmbulo e art. 15), dispunha: "Pour I'emrétien de la force publique et 
polir les dépcnses de I'administration, une comribution ot indispcnsable; elle doit 
être également reparlie entre tous les citoyens, en raison de Icms facul1és" Apud 
Victor Uckmar, Prindpios Comuns de DireilO Consliwcional TribUlário, p. 65. 
6. Cf. Anacleto de Oliveira Faria, Do Principio da Igualdade Poftíica, p. 251. 
A Carta Imperial assim preceituava no inciso 15 de seu artigo 179: "Nin· 
guém será i5ento de contribuir para as despesas do Estado, na propo rção de seus 
haveres". O Estatuto Albertino, por sua vez, acolhia regra bastante semelhante, 
em seu artigo 25: "Essi contribuiscono indistintamente. nella proporzione dei 10-
ro avcri, a i carichi dello Stato" (Apud Antonio Berliri, Principi di Diritto Tribu· 
tario, vol. I, p. 223, n. 2). 
7. Cf. Carlos Palao Taboada, ob. ci!., p. 126 e Alfredo Augusto Becker, 
Teoria Ceral do Direito Tributário, 2~ ed. , p. 438. 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO 17 
A introdução do tema como objeto de preocupação da Ciên-
cia Jurídica deveu-se ao trabfllho do professor Be~~o~r!; 
~ e da escola de seus discípulos, conhecida por lrs-
cola de Pavia, uma vez que, até então , o assunto continuava res-
trito à apreciação dos estudiosos da Ciência das Finanças.8 p-ª= 
ra Griziotl.iL.ª q!p'~cidade contributiv.a .erª_a.Qt9m:ia. caus.a..~ 
gação !!ibutária,9 
Carlos Palao Taboada, professor catedrático da Universidade 
de Zaragoz3, ao dissertar sobre a evolução do conceito de capa-
cidade contributiva, ensina que, após uma primeira fase na qual 
a mesma foi entendida como uma idéia imediatamente deduzida 
do princípio de justiça, foi posteriormente concebida como no 
- 8. Cf. Carlos Palao Taboada, ob. ciL, p. 127. 
9. Idem, p. 128, Ensina luan Manuel Terán que o conceito de causa é im-
prescindível a toda concepção jurídica, uma vez que não é possível uma situação 
juridka sem causa ou dlU~as jurídicas, vale dizer, sem su postos criadores dessa 
si tuação (Filosofia dei Derecho, 5~ ed., pp. 80-8 1). Dino larach, aperfeiçoando 
a idéia do mestre Griziotli, afirma ser a causa do tributo "a circunstância ou o 
critério que a lei assume como razão necessária ou suficien te para justificar que 
do verificar·se de um determinado pressuposto de fato derive a obrigação tribu· 
tária ( ... ), a ponte entre o pressuposto e a- íeiCõmo razã"õPeJãclual a lei assume 
fatõs de uma determinada natureza como pressuposto das relações tributárias" 
(EllIecho lmponible, 2~ ed. , pp. 99-102) . Rubens Gomes de Sousa, para quem 
a causa é elemento da obrigação tributária, entende que " a capacidade contribu-
tiva é simplesmente o .wCW~sto que a lei adota para ~95 ato5:"Tãios 
mI negocIas c0!Tl..Q fatos geradoresoe trl6ulos~ e~i1essas condições a cau~~ .~-
), gàÇão-tri a PtóPI.ia..kL'. Assim, arremata o au tor, o direito brasileiro 
rou efetuar "uma síntese entre o elemento jurídico e o elemento econômico 
da causa da obrigação tributária, atribu indo ao segundo o caráter de um preceito 
de orientação do legislador" (Compêndio de Legislação Tributária, pp. 98·99). 
Gilberto de UlhÔa Canto, outro precursor do direito tributário no Brasil, inclina· 
se a aceitar orientação análoga à de Vanoni, que localiza a causa da obrjgaeão 
tributária nas poctHKtades fiscais do ESl..ado (Apud Aliomar Baleeiro, Limita-
ções Constitucionais ao Poder de Tributar , 2~ ed., pp. 324-325). Pode-se con· 
cluir, pois. que, no direito tributário, a noção de causa ressente-se do seu pouco 
desenvolvimento, encontrando-se profundas diverg~ncias entre os poucos estu · 
diosos que nela se detiveram. como bem demonstra Baleeiro (Ob. ci t. , p. 293). 
Nossa impressào a respeito, sem maior aprofundamento, é a de que a capa-
cidade csmtrjnpVYa "'apOde ser ª causa da obrigação trjbplárja l ou seja , aquilo 
que enecessário ào seu surgimento. A capacidade con tributiva poderia ser consi-
derada causa da obrigação tributária, talvez, no sentido econômico. Isto porque, 
se existir capacidade contributiva mas inexisti r hipótese de iflcidência gue a apreen-
da, não haverá fato juridico lribut:irio ti Conseqüentemente, obrigação. Aproxima. 
se, muito mais, a capacidade contributiva , de um pressuposto constitucional pa· 
ta ~ determinado fato possa ser acolhido numa..hipótese de incidência "ui: 
posto, õU,eiTiõtttfas palavras , revela·se como pré·requisito ara que, a um de· 
terminado fato, estranho a qualquer atuação esta , ossam atrelar-se efeitos ju-
rídicos tributários. 
i 
, 
18 PRINCfPIO DA CAPACIDADE CONT RIBUTIVA 
ção necessária para dotar de conteúdo material o principio da 
igualdade, então compreendido no aspecto puramente form al. O 
princípio da igualdade era , assim, complementado por um crité-
rio material de justiça apto a distinguir quais as situações iguais 
e quais as desiguais . 
Esta mudança de entendimento doutrinário deveu-se, segun-
do o jurista espanhol, a dois fatos: os ensinamentos de Grizioui 
c a adoção de uma concepção posit ivista do princípio da igualda-
de. reforçada pela inserção de preceito expresso sobre o princípio 
da capacidade contributiva na Constituição italiana de 1947.10 
Nessa fase, a evolução do princípio da capacidadecontribu-
tiva e as suas relações com o princípio da igualdade conhece dois 
momentos amplamente distintos: o do seu apogeu, quando a no-
ção de capacidade contributiva absorve por completo o princí-
pio da igualdade; e o da crise dessa concepção, com o abandono 
da idéia de que a capacidade contributiva representa o conteúdo 
material do princípio da igualdade, para atr ibuir-se aos dois prin-
cípios funções dislintas. 11 
No Brasil, após a COIlSlituição Imperial, as Cartas dc 189 1, 
1934 e 1937 mostraram-se tímidas ou omissas a respeito de al-
gum dispositivo que prestigiasse o postulado da capacidade con-
tributiva. Foi somente com a democrática Constituição de 1946 
que o princípio ganhou o merecido realce, face à dicção de seu 
a rtigo 202, assim vazado : 
"An. 202 - Os tributos terão cará ter pessoal sempre que 
isso for possível, e serão graduad os conforme a capacidade eco-
nômica do conlribuinte." 
Os comentaristas do mencionado texto fundamental diver-
giram profundamente acerca da inteligência do preceito. As-
sim, para Themístocles Brandão Cavalcanti, o sentido da nor-
ma era de "individualizar o imposto , atribuindo-lhe uma fun-
ção política e colocando o critério fisca l sob a influência pre-
ponderante dc sua repercussão no terreno social, subordinando 
10. O artigo 53 da Constituição italiana de 1947, atualmente em vigor, pre-
ceitua: " Tutti sono tenu!i a concorrere alie ~pese pubbliche in ragioue della Iara 
capacità contributiva. 11 sistema tributario é informato a crit eri di progressività" 
(opud Uckmar, ob. cit.. p. 67). Tal dispositivo justifica, a nosso ver, o fato de 
a doutrina italiana ser a mais preocupada com o tema. Francesco .i\loscheui, em 
monografia sobre o assunto, salienta que esse artigo possui grande importância 
no direito tributário, como norma expoente e critério fumJamental de ju ~tiça e 
racionalidade fisca l (lI Principio della Copocirà Conrribulivo, p. 12). ) 
11. Cf. Carlos Palao T aboada, ob. cit., pp. 125·127. . 
12. A Constlllliçüo Federal Comentada, \01. IV, p. 221. 
EVOLUÇAo HISTÓRICA DO CONCEITO 19 
o seu quantum à capacidade econômica do contribuintc".12 Já 
para Alcino Pinto Falcão, o disposit ivo era um verdadeiro 
"idiotismo" .13 
Foi o incansável precursor do direito tribu taria no Brasil, o 
mestre Aliomar Baleeiro, quem prim eiro preocupou-se mais de-
tidamente com a matéria . Em sua clássica obra Limitações cons-
titucionais ao poder de tributar, ao comentar o mencionado arti-
go, dedicou dezenas de páginas ao estudo de seu alcance e, às suas 
palavras, por preciosas, faremos remissão repetidas vezes neste 
trabalho. I4 
Em flagrante retrocesso , a Emenda Constitucional n. ]8, de 
l ~ de dezembro de 1965 , ao veicular a reforma tributária, veio 
a expulsar aquele dispositivo do (exlo constitucional. Si lentes per-
maneceram, a respeito, a Carta de 1967 c a Emenda Constitucio-
nal n. I, de 1969. 
Felizmente, a Constituição da Repúbl ica de 1988, coadunan-
do-se com o panorama veri ficado no direito constit ucional com-
parado,IS de\"ohe·nos, ainda que com modificação de redação, 
o preceito conlido no artigo 202 do texto fundamental de 1946, 
a lém de consagrar, em outros dispositivos, desdobramentos do 
princípio da capacidade contributiva . Tal fato, indubita-
13. Com.lituiÇliO Al1otada, vol. 111, p. 147. 
14. Ob. cil., ~'p. 267-36 1. 
15. Em breve e.\;amc do d ireito constituc ional comparado, \'erificamos que 
a preocIlpaç50 com o respeito à ca pacidade contributiva aflora no constituciona-
Ibmo pós·gucrm, voltado para a~ questões de ordem econômica e social. A Cons-
tituiçno de \Veimar. de 14 de agosto de 1919, o mais sig nifica tivo dos textos fun-
damentais da época, eqabcleda, em seu artigo 134, que todos os cidadàos , sem 
distinção, contribuiriam na proporçno de seus próprios meios (mirre/) a todos os 
õnus ptlblicos , em conformidade à lei (apud ~'(oschetli, ob. cit., p. 7). Após a 
2~ Guerra Mundia l, as princi;'fais nações incorporaram preceito expresso a res-
peito em suas Con~lituições, como a Espanha (1945, ar!. 19); França (1946, art. 
37); Iugoslávia (1946, art. 42); Bulgária (1 947. art. 94); Itália (1947, art. 53); Ve-
nezuela (1 947 . art. 232); e Alemanha Oriental (1949, art. 29), além do I3rasil, en· 
tre outras (C f. Uckmar, oh. ci t. , pp. 66-67). Nas Constituições atualmente em 
.... igor, constatamos que, em alguns texlOS, a referência à capacidade contributiva 
c e",\;pressa, enquanto em outros, aPCSE_dejmplíçita,..i.facilmente deduzjvel. Men-
cionam expressamen te a capacidade contributiva, exemplificadamenle, os textos 
magnos da Itãlia (1 947, art. 53), Venezuela (1 96 1. art. 223) e Espanha (1978, art. 
31). A dc~pei!O de nào consignarem a expressão "capacidade contributiva", em-
pregam os termos "igualdade", "proporcionalidade" ou "progressi\'idadc" as 
Constituições da Argentina (1853 e emendas, arts. 4':' e 16); Chi le (1891, art. 20); 
Peru (1979, arts. 77 e 139); Portugal (1976, art. 107); Bulgária (197 1, art. 64); 
l\lé,I(ico (IYI 7, art. 31) e Suiça (1874, art. 41, ter, 5) (Constitllirüo do Brasil e Cons· 
tiluições Estrangeiras). Consulte-se Uckmar quanto li outros textos constiludo· 
nais (ob . cit., pp. 66-67). 
20 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
velmente, provocará o despertar das atenções sob re o assunto, 
adormecidas que estiveram nestes ú1timos anos. 
O momento é. pois. mais do que oportuno para adentrar-
mos ao exame do conceito de capacidade contributiva. 
3. O CONCEITO 
DE CAPACIDADE CONTRIBUTIJ->4 
A identificação do perfi l da noção de capacidade contribu-
tiva tem sido o cerne de toda a discussão acerca do assunto . Lui-
gi Einaudi sintetizou, em breves palavras , o grau de dificuldade 
da apreensão do verdadeiro significado dessa idéia : 
"Capacidade contributiva ( ... ). Este par de palavras se me 
escapa por entre os dedos, se esconde imperceptivelmente e volta 
a aparecer a cada momento, inesperado e persecutório ( . .. ), com 
esse par de palavras se explica tudo." 1 
Assim é que, na doutrina, encontramos plúrimas entendi-
mentos sobre o conceito . Para Griziotti, precursor das preocu-
pações jurídicas em torno do tema, o princípio indica a "p..o.ten~ 
cial!9~~e_que Q..~suem oS.JiJlbmetido~~ sQQerani<!,fiscal p.ara CQIl.-
tribuir para os gastos públicos".2 Rubens Gomes de Sousa defi-
niu capacidade contributiva como a "soma de riqueza disponí-
vel depois de satisfeitas as necessidades element ares de existên-
cia, riqueza essa que pode ser absorvida pelo Estado sem reduzir 
o padrão de vida dó contribuinte e sem prejudicar as suas ativi-
dades econômicas". 3 Emilio Giardina a entende como a "possi-
bilidade econômica de pagar o tributo" ,4 enquanto Moschetti a 
vê como a "foJS~ econômi~a ~l~ontribuinte".s 
Outros tantos a identificam com "capacidade econômica" . 6 
Para GeraJdo Ataliba e Cléber Giardino, o princípio "traduz-se 
I. Apud José Marcos Domingues de Oliveira , ob. cit., p. 5. 
2. Princípios de la Ciencia de las Finanzas, p. 215 . 
3. Ob. dt. , p. 95. 
4. Ob. cit., p. 434. 
5 . Ob. cit. , p . 238. 
6. Assim entendem Berliri (Principios de Derecho Tributario, vaI. lI, pp. 
329-333), Sainz de Bujanda (Hacienda e Derecho, \01. III , p . 189) e Perez de Ayala 
' I 
.~ 
PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
na exigência de que a tributação seja modulada, de modo a 
adaptar·se à riqueza dos contribuintes".7 
As dificuldades encontradas para gizar-se o conceito sob aná-
lise, repousam, cremos, no fato de que a expressão "capacidade 
contributiva" apresenta alto grau de generalidade e vaguidade, 
características próprias da linguagem do direito positivo. 
À vista disso, não faltaram críticas à sua validade cientifica, 
como as fez veementemente o mestre Alfredo Augusto Becker: 
"Dizer que as despesas públicas devem ser partilhadas en· 
tre os contribuintes conforme as respectivas possibilidadesde su-
portar o peso do tributo é incorrer numa tautologia: as pala-
vras capacidade contributiva sem alguma outra especificação, 
não constituem um conceito científico. Elas nem oferecem um 
parâmetro para determinar a prestação do conlribuinte e para 
adequá·]a às prestações dos demais; nem dizem se existe e qual 
seja o limile dos tributos. Esta expressão, por si mesma, é reci-
piente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos con-
teúdos; Irata·sc de locução ambígua que se presta às mais va-
riadas interpretações". 8 
Também Giardina manifesta-se com relação à imprecisão do 
conceiro, alllda que recusando-lhe a ausência de significado: 
"Mas, se se admite a elasticidade da locução e a sua falta 
de significado preciso e unívoco, deve parecer claro que tais prin-
cípios, ideais, declarações constitucionais, figuras dogmáticas, não 
fogem à censura de vacuidade e indeterminação. Os princípios 
tributários fundamentais expressos pelas Constituições modernas 
não seriam, em definit ivo, palavras vazias, privadas de qualquer 
significado concreto, menos que manifestações de boas intenções, 
seriam formas litúrgicas para pronunciar-se diante do altar do mi-
to da justiça, ao qual é oportuno elevar um pouco de incenso, 
mas para o qual é suficiente uma verbal oferenda". 9 
(Las Ficcioncs en ef Derecho Tributaria, p. 106). Geraldo Ataliba e Cl~ber Gjar-
dino, após lembrarcm que a noção corre~pondc, nos planos ético e sociológico. 
ao dito popular francês divulgado por Gaston Jbe ("plumer la poule sans la fai-
re crier"), esclarecem que "capacidade econômica há de entender-~c como real 
possibilidade de diminuir-se patrimonialmente, sem destruir-se e sem perder a pos-
sibilidade de persistir gerando a riqueza de lastro â tributaçào" ("lmposlO de Renda 
- Capacidade contributiva - Aparência de riqueza - Riqueza fictícia - Ren-
da escritural- Intributabilidade das correções monetárias", Revlsla de Direito 
Tributário 38/143). 
7. Geraldo Ataliba e Clêber Giardino, artigo citado na nota supra, p. 143. 
8. Ob. cit.. p. 439. 
9. Ob. cit., p. 5. 
o CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 23 
Temos para nós não possa o cientista do Direito esquivar-se 
de enfrentar problema que lhe é posto à apreciação, com a escu-
sa de que determinados termos são carentes de significação . A 
Ciência Jurídica tcm por tarefa "explicitar o sistema lógico-
normativo ínsito no conj unto da legislação, convertendo assim 
esse conjunto de leis num todo unitário e inteligível"; não pode, 
pois, furtar-se a examinar certas questões, sob pena de compro-
meter a sua própria condição de ciência. 10 
Assim, ainda que não se possa oferecer soluções unívocas 
a determinadas indagações, o cientista do Direito_tem 3_ obri-
gaçãJLd~ buscar O delineamento dos c~nceitºs jurídicos, inde-
pendente~édo griü de indeiêrmfnação que eles possam con-
ter. 11 ~ -
Ora, é sabido que a linguagem jurídica l2 é uma linguagem 
natural, não formalizada, possuindo a chamada (ltextura aber-
ta", vale dizer, os termos que utiliza são imprecisos e equívo-
cos. IJ Contudo, é necessário que seja desse modo, uma vez que 
10. Cf. Irineu Strenger, Da Dogmática Jur/dica: contribuição do Conse-
lheiro Ribas à Dogmdticu do Direito O\,i1 Brasileiro, p. 23. 
11 . Tulio Raul Ronsembuj, professor titular de Finanças Publicas c Direito 
Tributário da Faculdade de Direito da Universidade Nacional de Buenos Aires, 
assim apreende tal problem;itica: "Toda palabra posee ai menos dos dimensio-
nes: emotiva y conceptual. Estas pueden o no aparecer diferenciables; ello dc-
pende deI uso habitual de la palabra o de su contexto operativo en diversos cam-
pos de refereneia. En este juego de preva1encias en una olra dimensión, capad-
dad contributiva posee un uso preferentemente emotivo , de ahi las dificultades 
en dOClrina para describirla r la frecuente acusadón Que rcçibe por su significado 
\ago y impreciso (entre otros, Giuliani Fonrouge)_ Sin embargo, cuando eapad-
dad contributiva es receptada en norma predomina , ames que 5U dimen5ión emo-
cionai, su dimensión conceptual eu la medida cn que entra en un esquema o for· 
ma cognitiva; en esc caso el intérprete, malgrado las diJicultades, no tiene otra 
opción que analizar cual es juridicamente el sentido y ámbilo de capacidad con-
tributiva. SUSl3ncialmente conforme Ross , (Dirilto e Gillstizia, Torino, 1.965, ps. 
106 y 55.): EI posible significado de cada palabra es vago, su posible campo de 
referenda es indefinido. La mayor parte de las pala bras es ambigua. EI significa-
do de una palabra es determinado com mayar precisión ~i la palabra es conside-
rada parte integralllc de un enunciado definido. EI significado de una pa labra 
está cn fundón de la concxión: enunciado, conte:-;IO, situadón (EI flecho de Con-
tribuir, pp. 132-133, n. 4)". 
12. Como adverte Lourival Vila nova, a e.\pres~ào "linguagem jurídica" é 
ambígua, pois referc-!'e a dois níveis de linguagem: a do direito po~itivo e a da 
Ciência do Direito, que tem aquele como objeto de conhecimento. r\ linguagem 
do direito positivo ê prcscriti\3, a da Ciência Jurídica, descriti\a" (As Estruturas 
Lógicas e o Sistemo do Direito Positi)'o, pp. 24-25). Aqui utilizamos o termo com 
referenda ao direito p05iti\'O. 
13. Cf. Agustín A. Gordillo. Trarodo de Derecho Administral/t·o, Parte Ge-
rai, tomo I, p. 1/3. 
24 PRINCIpIO OA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
o Direito traz regras de disciplina social de condutas concretas e, 
portanto. sua linguagem deve ser acessível às pessoas comuns. 14 
Destarte, a ambigüidade e a imprecisão revejam-se , mesmo, 
como traços característicos da linguagem juridica. Entretanto, o 
que se acaba de afirmar não significa que os conceitos ou termos 
empregados pela Jinguagem jurídica não tenham significação de-
tcrminável. ls 
Consoante Engisch, deve-se entender por conceitos indeter-
minados, no âmbito do direito, aqueles cuja realidade a que se re-
ferem não aparece bem definida, cujo conteúdo e extensão não 
estão delimitados precisa mente. J6 Acurada a advertência de Eros 
Grau, para quem, ao invés de falar-se em conceitos jurídicos inde-
terminados, seria mais adequado referir-se a "termos indetermi-
nados de conceitos", uma vez que não são as idéias universais, mas 
sim suas expressões, que podem ser desse modo qualificadas. J7 
Para o autor, " são indeterminados os conceitos cujos termos são 
imprecisos QU ambíguos - -espeCialménfê1mpreclsOs-- r-azão pe-
la qual necessitam ser completados por quem os aplique" _ E arre-
mata concluindo que "talvez pudéssemos referi-los como concei-
tos carentes de preenchimento com dados extraídos da 
realidade" . 18 
Os mestres Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez apresentam 
tríplice significação da locução "capacidade contributiva", de mo-
do a espancar as dúvid as em torno da validade cientifica do con-
ceito. Assim, entendem que a significação da mesma pode ser da-
da, indist intamente, no plano jurídico-positivo , no plano ético-
econômico e no plano técnico ou técnico-econômico. 19 
--.... ~º-plano jurídico-positivo, a capacidade contributiva sigo i-
,/ fica que um sujei to é titufar de direitos e obrigãçães com funda-
mento na legislação tributária vigente, que é quem vai definir 
r ~~ , aquela c~paci~ade e seu â':l_~it.o. ~o plano ético-econô~icol po~ 
\...j sua vez, relaclOna-se com a JustIça e-con"Ôrntca-matenaI. AqUI 
designa-se por capacidade contributiva a aptidão econômica do 
sujeilO para suportar ou ser destinatário de impostos, que depende 
de dois elementos: O volume de recursos que o sujeito possui pa-
ra satisfazer o gravame e a necessidade que tem de tais recursos . 
I l-23. 
14. Cf. Genaro CarriÓ. AIgunas Pala bras sobre las Pafabras de la Ley, pp_ 
IS. CL Eros Grau, Direito, Conceitos e Normas Jurldicos, pp_ 59-60. 
16. Introdução 00 Pensamento Jurldico, 3~ ed., p. 173_ 
17_ Ob. ciL, pp. 6S-66. 
18. Ob. ciL, p. 72.19. Curso de Derecho Tributaria. 2~ ed., IOmo I, pp. 163-166. 
O CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 2S 
Por fim , em nível técnico o u técnico-econômico, tem-se em 
conta todos os princípios , regras) p rocedimentos e categorias re-
lativas à operatividade e eficácia arrecadatória dos impostos. Por-
tantQ....jê_fi ca~id_ª-d~contributiva. seg.!!ndo esta concepção, 
aqueles sujeitos que: ~) constituam unidades econômicas de pos-
sessão e de emprego de recursos produtivos ou de riqueza; b) se-
iam facilmente identificáveis e avaliados pela Fazenda pública co-
mo suscetíveis de imposição, e c) estejam em situãção- de solvên-
cia presumidamente suficiente para suportar o tributo. 
Objeto deste estudo é a concepção de capacidade contribu-
tiva no plano jurídico-positivo; no entanto, não podemos pres-
cindir .de referências, ainda que breves, ao seu sentido ético-
econômico. Como salienta Moschetti, no conceito de capacida-
de contributiva está implícito um elem~nto de juizo, uma 3Yalia-
ção. uma estimação sobre a idoneidade para concorrer à despesa 
públiÇa.~o ITatã--se, na verdãde, de uma apreciação f~"lldamen­
tal, um juízo de valor sobre a aptidão para contribuir .2I 
O afirmado fez ressaltar O sentido ético do princípio,22 
revelando-o mesmo como o critério ético da imposição tributá-
ria, posto que responde aos reclamos da justiça tributária, volta-
da à minimização das disparidades sociais e econômicas. 23 
São de Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez as lapidares pa-
lavras que transcrevemos : 
fiEI gravamen, según la capacidad económica, puede o no 
considerarse un principio ético, según el concepto de Justicia dei 
que se parta. Personalmente -creemos dos cosas: una , que desde 
luego, es una exigencia ética de la Justicia. Otra, que ya va sien-
do hora de que la Ciencia no tema demasiado vincularse a jui-
cios de valor. "24 
Note-se que o conceito em estudo pode, ainda, ser compreen-
dido em dois sentidos distintos. 
20_ Ob. cit., p. 236_ No mesmo sentido üiardina. ob. cit., p. 437. 
21. Cf. Antonia Agulló Aguero, catedrálica da Faculdade de Direito de Bar· 
celona, in "Estructura de la imposición sobre la rema y ti patrimonio y el princi-
pio de capacidad contributiva", Revisto de Direito Tr ib"tório 41/56. 
22. Juan Manuel Terán, ao cuidar da \aloração do direito, ensina que ético 
é aquilo que determina os fins da vontade; ponanto, o problema ético consiste 
em examinar os fins conforme os quais devem ser estabelecidos os sistemas jurí-
dicos (Ob. cit., pp. 177·180). 
23. Estamos com Sainz de Bujanda quando afirma que a justiça tributária 
C, por essência , parte do direito tributário e, em rigor, sua cimentação e sua ra-
7.ão de ser (Ob. cit., vol. 1lI, p_ 182). 
24. Ob. CiL, p. 170. 
26 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Fala-se em capacidade contributiva absoluta ~~_ ob~etiva 
quando se está diante de um fato que se constitua numa manifes-
tação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade 
de eleição. pelo legislador. de eventos que demonstrem aptidão 
para concorrer às despesas públicas . Tais eventos, assim escolhi-
dos, apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial. 
Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subje-
tiva - como a própria designação indica - reporta- se a um su-
jeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de 
contribuir na medida das possibilidades econômicas de determi-
nada pessoa. Nesse plano. presente a capacidade contributiva in f concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo, apto, 
i G pois, a absorver o impacto tributário . ... 
Na lição de Cortés Dominguez e Martín Delgado", capacida-
de contributiva absoluta é a Haptidão abstrata para concorrer aos 
gastos públicos", enquanto a capacidade contributiva relativa, 
que pressupõe a primeira. "se dirige a delimitar o grau de capa-
cidade". consistindo na aptidão específica de dado contribuinte 
diante de um fato jurídico tribulário. 2~ 
A <;;loacidade contributiva absoluta ou objeti'@l.unciQJ1a~o= 
mo prcssuQosto ou fu ndamento jurídico do trib~tº.L.ao condicio-
nar "ã"atividade de oleiçao, pelo Iegislador;dOS fatos que enseja-
rão o nascimento de obrigações tributárias. Representa sensível 
restrição à discrição legislativa, na medida em que não autoriza, 
como pressuposto de impostos, a escolha de fatos que não sejam 
reveladores de alguma riqueza. 
Do afirmado, praticamente não dissente a doutrina. 26 
Exemplifique·se com as lições de Giardina e Alberto Xavier. Pa· 
ra o primeiro, "definitivamente o princípio constitucional - se-
gundo o qual a força econômica deve constituir o conteúdo fun-
damental da capacidade contributiva - implica que só aqueles 
fatos da vida social que sejam indídos de capacidade econômica 
podem ser assumidos pelas leis tributárias singulares como pres-
supostos de nascimento de obrigações tributárias" .27 
25. Ordenomiento Tributório Espoliol, vol. f. p. 74. Consulte-se, também, 
a respeito, Sainz de Bujanda (Oh. tiL, pp 189·190 e 199-200) e Paulo de Barros 
Carvalho (Curso de Direito Tributório, 4~ ed., pp. 233-235). 
26. Cilem-!.e, cxemplificadamente, Perez de AyaJa e Eusebio G007ales, oh 
ci l., pp. 166-167; Amilcar de Araújo Falcão, Fato Gerador da ObrigoçrJu Tribu-
tária, 2~ ed .. p. 66; e Viciar Utkmar, "Diret rizes da Corte Constitucionalltalia-
na em maTéria tribUlâria", Revista de Direito Tributário 38/12. 
27. Ob. de, p. 439. 
o CONCElTO DE CAPACIDADE CONTRIRUTIVA 27 
o mestre português, por seu turno, assevera: 
"Nem todas as situações da vida abstractamente suscetíveis 
de desencadear efeitos tributários podem, pois, ser designadas pelo 
legislador como factos tributáveis. Este encontra-se limitado na 
sua faculdade de seleção pela exigência de que a si tuação da vida 
a integrar na previsão da norma seja reveladora de capacidade 
contributiva, isto é, de capacidade econômica, de riqueza, cuja 
expressão sob qualquer forma se pretende submeter a tributo. 
"Pode o legislador escolher livremente as manHestações de 
riqueza que repute relevantes para efeitos tributários. bem como 
delimitá· las por uma ou outra forma mas sempre deverá proce-
der a essa escolha de entre as situações da vida reveladoras d.e 
capacidade contributiva e sempre a estas se há-de referir na defi-
nição dos critérios de medida do tributo" .28 
Se os fatos a serem escolhidos pelo legislador como hipóte-
ses de incidência tributária devem espelhar situações reveladoras 
de tal capacidade, forçoso refiram, portanto, a índices ou indi-
cadores de capacidade contributiva, que nada mais são do que 
signos que representam manifestações de riqueza. 
A identificação desses índices é fornecida pela Ciência uas 
finanças, como salienta Moschetti. 29 Certo é que o direito cria 
suas próprias realidades; porém, o substrato econômico da ca-
pacidade contributiva exige que se atente às formulações pré-
legis lmivas da Ciência das Finanças, ao invés do recurso puro e 
sim ples à'i ficções jurídicas. Desse modo, o legislador poderá auo-
IM, na sua integralidade. o conceito econômico-financeiro; po-
derá não proporcionar um conceito expresso de conteúdo deter-
minado; como, ainda, poderá ocorrer que o conceito econômico· 
fin3.nce iro seja acolhido parcialmente ou deformado por uma fic-
ção jurídica, no conceito lcga1. l0 
28. Manual de Direiro Fiscal. vaI. l, p. 108. 
29. Ob. cit., p. 218. 
30. Cf. Pc.rez de Ayala e Eusebiv GOJ\znle7, ob. cit., p. I S I. OS autores cn· 
f;:ui7:Wl essa rcstrição à possibilida.!c de se!cç;io de indices pelo legislador: "Aho-
ra bien, aún:oi se p,lrtc de CSI;1S premisas, no pucdc caber duda que la reali7.ación 
de! principio de eapacidad contributiva (entendida. como eapacidad económica 
gravable) exige que cI legislador. a la hora de definir los hechos imponibles, y 
también ai determinar los elementos de ctI<!ntificación de las basesimponible~, 
ttnga presentes , y reciba co !a maycr m~didJ. posible , bien directa o indirec:ta· 
mente, dentro dei prccepto legal o fiscal eon\'eniéndolos en conceptos Icgales. 
los conceptos o categorias elaboradas y seleccionadas por la Ciencia de la Ha· 
cicnda como indices de capacidad cconómica det pago de tributos" (ob. cit., p. 
182). Citam, ainda, as opiniões convergentes dos professores Micheli, Sainz de 
BujanJa e Berliri (pp. 183-185). 
28 PRINCfPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Dessarte, O legislador deve, tanto quanto possível, receber 
OS conceitos êIaborados pela Ciência das Finanças, a fim de asse-
gurar a captação de índices que constituam autênticas manifes-
tações de riqueza . Contudo, lembre-se que nem todo índice de 
capacidade contributiva deve ser necessariamente gravado, pois 
a e1eição de tais índices é uma decisão essencialmente política.3 1 
Classicamente, ensina Sainz de Bujanda que a doutrina dis-
tingue índices diretos dessa capacidade, que seriam a posse de bens 
OU a percepção de rendas, dos índices indiretos, quais sejam, a 
circulação e o consumo de riquezas. 32 Adverte Moschetti, porém, 
que não há muito interesse na distinção entre índices diretos e 
indiretos. Para ele, ela parte do pressuposto implícito de que o 
conceito de capacidade contributiva se identifica com aquele de 
renda ou patrimônio, mesmo que estes sejam apenas manifesta-
Ções parciais. e ainda imperfeitas de capacidade contributiva.33 
Também Fritz Neumark enfatiza essa errônea interpretação, 
aO salientar que, desde Adam Smith, se tem imposto a idéia de 
que a renda do contribuinte constitui, senão a única, a melhor 
expressão de capacidade tributária. 34 
Atualmente, sabe-se que os índices de capacidade contribu-
tiva reportam-se, sempre à renda, ao patrimônio ou ao consu-
(110. Os índices são plurais porque plurais são os fatos revelado-
res da situação econômica dos sujeitos, argumento que afasta, 
definitivamente, a possibilidade de um imposto único.35 
31. Cf. Antonia Agull6 Aguero, ob. ci t. . p. 58 . 
32. Ob. tit.. vaI. m, p. 196. 
33. Ob. dt., pp. 219-220. 
34. Princípios de la Imposici6n. p_ 176. 
35. Como lembra Moschetti. é universalmente reconhecido que a idéia do 
ill'lposto único é inaplicável (ob. cit., p. 218)_ A tese é antiga, tendo ganho divul-
gação com a Escola Fisiocrática, na França, em meados do século XVIII. No Brasil, 
periodicamente, ressurgem algumas vozes proclamando que a solução para o de-
sordenado "Sistema TribUlário Nacional", que contempla dezenas de impostos , 
ta:xas e contribuições diversas, é a instituição de um imposto único. Argumentam 
com a simplicidade e facilidade na arrecadação e na fiscalização desse tributo, 
o que propiciaria um efetivo combate à son.:gação fiscal. A idéia pode encantar 
OS mais desatentos. já que basta uma breve renexão para concluir-se que a impo-
sição imica fere seriamente, não s6 o princípio da capacidade contributiva. mas 
O próprio postulado da igualdade. Na medida em Que tratar·se-ão igualmente pes-
S03S que se encontram em situações desiguais , fatalmente restará comprometida 
a justiça cm matéria tributária, posto que não se poderá observar as condições 
pessoais de cada um. Baleeiro aponta como inconvenientes da adoção da imposi-
çãO única, justamente, entre outros, a elevação da carga lJibutária e a desconsi-
deração da diversidade dos sujeitos (Uma introdu.ção à Ciência das Finanças, 14! 
cd., pp. 219-220). Válida, portanto, a célebre frase de Voltaire: "impôt uniquc, 
irnpõt iniquc". 
O CONCEITO DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 29 
A capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu tur-
no, opera, inicialmente, corno critério de graduação dos impos-
tos. Como ver-se-á adiante, quando cuidarmos especificamente 
da definição da base de cálculo e da alíquota, a apuração do quan-
!um do imposto tem como medida a própria capacidade contri-
butiva do sujeito passivo. 
É o que Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez denominam de 
"graduação do imposto, segundo a valoração econômica do pres-
suposto de fato" .36 Esta também é a orientação da Corte Cons-
titucional Italiana.37 
Em sendo critério de graduação do imposto, a capacidade 
contributiva atuará, outrossim , como limite da tributação, per-
mitindo a manutenção do "mínimo vital" e obstando que a pro-
gressividade tributária atinja níveis de confisco ou de cerceamento 
de oulros direitos constitucionais, conforme demonstraremos. 
CONCEPÇÕES DA CAPACIDADE CONTR IBUTIVA 
ABSOLUTA OU .. PRESSUPOSTO OU 
OBJETIVA ~ FUNDAMENTO 
/ 
I JURíDICO DO IMPOSTO 
: DIRETRIZ PARA A I ELEIÇÃO DAS HIPÓTESES DE 
CAPACIDADE I INCID~NCIA DE IMPOSTOS 
CONTRIBUTIVA 
\i 
RELATIVA .. CRITÉRIO DE GRADUAÇÃO 
OU SUBJETIVA DO IMPOSTO 
~ LIMITE A TRIBUTAÇÃO 
36. Ob. d t . p. 167. No mesmo sentido, Giovanni Ingrosso, Linf!amenli dei 
Tributi Sfalafi nell'Ordinamento PosirÉ\·o. p. 25 e José Marcos Domingucs de Oli-
veira. ob. CiL, p. 38. 
37. Apud Uckmar, Diretrizes ...• p. 12. 
I 
I 
i 
I 
4. A JURIDICIDADE DO PRINCÍPIO 
Princípio, do latim principium. principii. significa começo , 
origem, base. Cientificamente, é o alicerce sobre o qual se cons-
trói um sistema. ' Quanto ao princípio jurídico, Roque Carrazza 
nos oferece acurada definição: 
"Princípio jurídico é O enunciado lógico, implícito ou explí-
cito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de pree-
minência nos vastos quadrantes do Direito c, por isto mesmo. vin-
cula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das nOT-
mas jurídicas que com ele se conectam ... 2 
-" Podemos dizer que os princípios jurídicos são normas de 
maior hierarquia, autênticas sobrenormas Que orientam a apli-
I. Lourival Vila nova ensina que o direilo positivo é um sistema social, sub-
sistema do sis tema global que é a sociedade. Ao referir-se às estruturas do direito 
positivo, afirma que, entre elas, há aquelas que residem no falO de o direito ser 
um produto objetivo da cultura, fixado num sistema de linguagem, e, nesta, en-
contramos, além das estruturas gramaticais, as estruturas lógicas ou formais ... As-
sim, O direito positivo se não é, tende a ser um sistema. Não é mero agrupado 
de proposiçÔdi normativas, simples justaposição de preceitos, caótico feixe de nor-
mas. A própria finalidade que tem de ordenar racionalmenTe a conduta humana 
~ujejta-o às exigências da racionalidade. de que a lógica é a expressão mais apu-
rada. É da ordem da praxis. sem deixar de pertencer à "razão prática" (Aseslru-
llIras ...• p. 47, destaques do autol). 
2. Curso de Direito Constitucional Triburúrio, p. 27. (Lapidar. tambem, 
a definição formulada por Celso Antonio Bandeira de Mello: "Principio - já 
averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, ver-
dadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes nor-
mas compondo-lhes o espirito e sentido e sen'indo de criHl:rio para sua exata com-
preensão e inteligência, exalamente por definir a lógica e a racionalidade do sis-
lema normati\o , no quc lhe confere Iônica e lhe dá sentido harmônico. É o co-
nhecimen to dos princípios que preside a imelccção das diferentes partes compo-
nentes do todo unitário que há por nome sistema juridico positivo" (Efemenlns 
de Direito Administrolivo, 3~ ed., p. 299. 
32 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
cação das demais. No dizer do eminente administrativista Agus-
tin Gordillo , os princípios de direito público contidos na Consti-
tuição diferem das simples normas porque , enquanto a norma é 
um marco dentro do qual existe uma certa liberdade, o princípio 
tem substância integral ; enquanto a norma é limite, o principio 
é limite e conteúdo , e~tabeJecendo "uma direção estimativa , um 
sentido axioló'gico . de valoração. de espírito" .J 
Portanto, não é exagero afirmar que a violação de um prin-
cípio representa a transgressãodo próprio sistema no qual ele se 
jnsere:~ 
Jesus Gonzales Perez, resume em breves palavras, a relevân-
cia dos princípios jurídicos : 
"Os princípios jurídicos constituem a base do ordenamen to 
jurídico, a parte permanente e eterna do Direito e, também. o 
fator cambiante e mutável que determina a evolução jurídica; são 
as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica 
da Nação ( ... ). E, precisamente, por constituir a base mesma do 
ordenamento , não é concebível uma norma legal que o contrave-
nha" ,5 
O mesmo autor espanhol aponta as fundamentais funções 
exercidas pelos princípios gerais de direito: a orientação do tra-
balho interpretativo, a regulação da atividade discricionária e sua 
aplicação direta em caso de insuficiência da norma legal, sendo 
fonte supletiva de Direito ante a ausência de lei ou de costume.6 
Diante das lições apresentadas, não resta dúvida de que a nor-
ma que impõe a observância da capacidade contributiva traduz-
se num autêntico princípio . Trata-se de regra geral e abrangente 
que vem condicionar toda a atividade legiferante no campo tribu-
tário, quer na eleição das hipóteses de incidência (no nosso siste-
ma , observadas as regras-matrizes já postas pela Constituição), 
quer no estabelecimento dos limites mínimo e máxjmo dentro dos 
quais a tributação pode atuar, quer. ainda, na graduação dos im-
postos at.endendo às condições pessoais dos sujeitos passivos . 
Entretanto, o ceticismo de diversos estudiosos em relação ao 
princípio da capacidade contributiva se deve, além da indigna-
ção ante a indeterminação da expressão, ao preconceito de que 
se cuida de uma concepção econômica ou financeira. Tal ocorre, 
), Introduôón 01 Derecho Administrativo, 2~ ed., pp. 176-177. 
4. Cr. Celso Antonio Bandeira de Mello. ob. cil. . p. 300. 
5. EI Principio de lo Bueno Fe en e/ Derecho Administrolivo, pp. 45-46. 
6. Las Licencias de Urbanismo. pp. 49-54. 
A J UR IDlCIDADE DO PRINCIpIO 33 
aliás, com vários tópicos do di reito tributário, em razão das con-
ceituações pré-legislativas da Ciência das Finanças. Esta preocupa-
se com os tributos sob o aspecto 'econômko, político e adminis-
trativo, contendo enormes divergências internas e sujeitando-se 
à infl uência de subjetivismos , o que não é aceitável no estudo do 
Direito .1 Por isso , os concei tos da Ciência das Finanças não po-
dem ser transportados, pura e simplesmente. para o âmbito jurí-
dico. 
Isto não significa, porém, que tais formulações financeiras 
não possam ser encampadas pelo Direito : esse fenômeno eviden-
temente acontece toda vez que o texto consti tucional autorizar 
essa admissão. 8 
No que concerne à capacidade contributiva, não se pode ne-
gar o fundamento econômico do conceito, por vezes identificá-
vel com "capacidade econômica". Por outro lado, também não 
se pode refutar seu conteúdo jurídico, na medida em que se en-
contra amalgamado com a idéia de justiça tributária. 9 
Luigi F. Natoli, em monografia acerca do assunto, afi rma 
que a expressão "capacidade econômica" é ainda mais vaga que 
"capacidade contributiva", O que resulta difícil a identificação 
mesma dos dois conceitos. Todavia, exemplifica, um sujeito po-
de ser capaz economicamente, no sentido de possui r renda ou pa-
trimônjo, mas não ter nenhuma capacidade contributiva , se esta 
renda ou patrimônio permiti r somente um mínimo vital , intribu-
tável. Assim, demonstra , numa primeira conclusão, a natureza 
"essencialmente" mas não "exclusivamente econômica" da ca-
pacidade contributiva. 10 
Na mesma linha de raciocínio, ensina Moschetti que a capa-
cidade contributiva pressupõe a capacidade econômica, contudo 
não coincide totamente com esta. E acrescenta que, se é verdade 
7. Cf. Geraldo Ataliba, Hip6lese de Incidência Tributário, 5~ ed., p. 17 1, 
8, r..Ioschetti assevera que a expressão jurídica pode interpretar-se no pró-
prio significado econômico somente nos limites nos quais isto se harmonize com 
a letra, a ratio e O sistema normativo (ob. dt., p. 63). 
9. Decker entende que a origem histórica do princípio, bem como a fertilís-
sima proliferação de teorias diversas, são dois fatos que denunciam a natureza 
jusnaturalista do principio da capacidade contributiva (ob. dt.. p. 447). E. como 
adverte Tércio Sampaio Ferraz JUnior . no universo da cit:nda jurídica atual, a 
dicotomia existente entre O direito positivo e o direito natural esta operacional-
mente enfraquecida. o que se explica. também, pela promulgação constitucional 
dos direitos fundamentais, provocando a trivialização deste último (Introdução 
ao Estudo do Direito - Técnico, Decisão, Dominação, pp. 160-161). 
10. Faltispecie Tributaria e Copacità Contributi\'a, pp. 43 e 56. 
I 
• 
~ 
34 PRINCfPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
que não existe capacidade contributiva na ausência de capacida-
de econômica. também é verdade que pode existir capacidade eco-
nômica que não demonstre aptidão para contribuir .11 É a capa-
cidade econômica gravável, no dizer de Perez Ayala e Eusebio 
Gonzalez. 12 
O preclaro Sainz de Bujanda pondera que, mesmo naqueles 
ordenamentos tributários cujos textos positivos não reconhecem 
explicitamente nenhum critério de justiça impositiva , poder-se-á 
dizer que o conceito de capacidade contributiva é paralegal, mas 
nunca parajuridico, já que a repartição dos encargos tributários 
somente poderá reputar-se legítima se se inspirar na idéia de jus-
tiça, ainda que esta tenha de ser buscada fora dos textos positi-
vos. E, aO comentar a possibilidade de a Constituição consagrar 
previsão expressa da observância da capacidade contributiva, as-
sinala: 
"Esta es exactamente lo que acontece cuando la capacidad 
contributiva deja de ser una idea de justicia, que vive extra muros 
dei ordenamiento positivo, para convertirse en un principio jurí-
dico de ]a imposición que aparece constitucionalizado y, por tanto, 
positivizado, por hallarse aquella idea explicitamente incorpora-
da a un precepto de rango constitucional. En ta l supuesto, no es 
posible negar relevancia jurídica a la idea de capacidad contribu-
tiva, corno hacen, con notaria error, las tesis que proclaman la 
naturaleza sustancialmente económica deI concepto que nos ocu-
pa . Esas doctrinas confunden, ai formular aquella negación, la 
eficacia operativa dei concepto de capacidad contributiva, que, 
sin la menor duda, tropieza con ingentes dificultades para un am-
plio y ordenado desenvolvimiento, con su relevancia jurídica, que 
se pane visiblemente ai descubierto ai incorporarse a preceptos 
dei ordenamiento positivo". 13 
Cremos, pois, que as palavras do sábio mestre espanhol ser-
vem para afastar. definitivamente, a idéia pré-concebida de que 
a capacidade contributiva é assunto de interesse exclusivo do do-
mínio da Ciência das Finanças. Na medida em que, da correia 
avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo vão de-
pender as relações deste com o Fisco, a Ciência Jurídica, logica-
mente, não poderia estar alheia. 
11 . Ob. dI., p. 236. 
12. Ob. cil., p. 181. 
13. Ob. cil., vol. IIJ, pp. 184-186. Os destaques são do amor. No mesmo 
semido, ~Iathias Cortés Domingucz e 1\'lartín Delgado, ob. ciL, pp. 273·274. 
, 
5. IGUALDADE E 
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Da máxima aristoteliana consistente em "tratar igualmente 
os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se 
desigualam", até os dias contemporâneos, o princípio da igual-
dade - para alguns, o mais vigoroso de todos os princípios cons-
titucionais - sofreu diversas interpretações, fruto de injunções 
políticas múltiplas. 
Precise-se, inicialmente, que se nos referimos à igualdade no 
seu sentido material ou substancial, queremos significar o dese-
jável tratamento equânime de todos os homens, proporcionando-
lhes idêntico acesso aos bens da vida. I Cuida-se, portanto, da 
igualdade em sua acepção ideal,humanista, mas que jamais foi 
alcançada.2 
A igualdade no sentido formal, de irrefutável relevância prá-
tica, expressa as legítimas discriminações autorizadas aos legisla-
dores, vale dizer, aquelas equiparações ou desequiparações con· 
sagradas na lei. Dirige-se, assim, o princípio, imediatamente ao 
legislador e mediatarncnte aos seus aplicadores.] 
I. Cf. Celso Bastos, Curso de Direito Constitucional, 11 ~ ed., p. 165. 
2. Os textos eonSlitucjon:li~, usualmcnt~, abrigam normas de caráter pro-
gramático com O objetivo de minimizar a desigualdade material. Na Constitui-
ção da Republica de 1988, elas são encontráveis, principalmente. nos títulos da 
ordem econômica e financeira ~ da ord~m social (arts. 170 a 232). 
3. Kelscn não vislumbrou com nitidez a possibilidade de o princípio da iso-
nomia dirigir ·sc também ao legislador, quando da feitura da lei. É o que se de-
preende quando o jurista de Viena afirma que "a igualdade dos individuos sujei-
tos à ordem jurídica, garan tida pela Coostituiç.io , não significa que aqueles de-
vam ser tratados de forma igual nas normas legisladas com fundamento na Cons-
tituição, especialmente nas leis. Não pode ser uma tal iaualdade Que se tem em 
vista, pois seria absurdo impor os mesmos deveres e conferir os mesmos direitos 
a todos os individuas, sem fazer quaisquer distinções, por exemplo, entre crian-
36 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Como adverte José Afonso da Silva, desnecessária a distin-
ção entre" a igualdade ?erante a ~ei ,e .3 igualdade na le.i. p~i~ o 
que importa ressaltar e que o pnnclplo tem como destmatanos 
tanto o legislador como os aplicadores da lei .4 
Prova da mutação de conteúdo e}Cperimentada pelo princí-
pio da igualdade (esta compreendida daqui em diante, sempre em 
sua acepção formal), é a de que ele atua, hodlernamente, com 
maior intensidade no campo das atividades econômicas . É o cé-
lebre Francisco Campos quem argutamente salienta esse aspecto: 
"A igualdade perante a lei, tem assim, hoje em dia, como 
domínio eletivo de aplicação. o campo das atividades econômi-
cas. É claro que nào se restringe exclusivamente a ele. Nos ou-
troS domínios, porém, perdeu o interessc que constitui a princi-
pal razão que determinou o seu enunciado nas primeiras Consti-
tu ições democratas. Não existe hoje, com efeito , ainda que rc-
moto, o perigo de que venha a estabelecer-se uma ordem social 
fundada sobre discriminação de classes sociais. O motivo que ins-
pira a declaração nas Constituições modernas do direito à igual-
dade perante a lei é de outra ordem. Ele consiste na convicção 
de que um determinado regime econômico, precisamente o de que 
a livre concorrência constituiu a categoria lógica, ética c jurídi-
ca, não poderá subsisti r a nâo ser se ao Estado se impõe o dever 
de não alterar, em caso algum , as condições da concorrência, a 
ças e aduhos, sàos de espírito e doentes mentais, homens e mulheres". Prossegue 
o autor concluindo que a igualdade constitucionalmente garantida dificilmente 
poderá significar algo mais do que a igualdade perante a lei , vale dizer, no mo-
mentO de sua aplicação. E, com isso, a rremata, apenas se estabelecem os princi-
pias, imanentes a todo O direito, da juridicidade e da legalidade (Teoria Pura do 
Direito, 2~ ed. brasileira, p. 154). Foi Francisco Campos. cntre nós, quem pri-
meiro proclamou, categoricamente, ser o legislador o principal destinatário do 
princípio em foco. São suas as palavras Que transcrevemos: "O mandamenlo da 
Constituição (o principio da igualdade) se dirige particularmente ao legislador e 
efetivamente, somente ele poderá ser o destinatário útil de tal mandamento. O 
executor da lei já está, necessariamente, obrigado a aplicá-Ia de acordo com os 
critérios Constantes da própria lei ( ... ). Nos regimes como o nosso , em Que o prin-
cipio da legalidade é secundário, ou subordinado ao princípio superior, que é o 
da constitucionalidade, não pode haver dúvida quanto à Obrigatoriedade do prin-
cípio da igualdade, se prescrito na Constituição, para o legislador, s~bretudo pa-
ra ele, particularmente, especialmente ou com prioridade para ele. A Constitui-
ção não se acham , com efeito, subordinados apenas os órgãos de execução, mas 
lambem o órgão central de elaboração da vontade do Estado, o qual é, precisa-
mente, o legislador" (Direito COlIstilllcional, p. 18-:9). Acrescentamos que, em 
sentido amplo, os particulares também são destinatários mediatos do principio 
da igualdadc, uma vez Que se submetem aos comandos legais que contemplam 
as discriminações entre pessoas e situações. 
4. Oh. cit., p. 167. 
IGUALDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 37 
não ser que tais alterações sejam gerais ou se apliquem indiscri-
minadamente a todos os concorrentes, '.j 
Na visão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, "o princípio da 
igualdade imprime um caráter de racionalidade que preside per-
manentemente e constantemente o sentido do jogo sem fim do 
direito" .6 
E não se pode pretender ferir o tema da igualdade sem 
invocar-se a magistral monografia do mestre Celso Antonio Ban-
deira de Mello, obra-prima da literatura jurídica, intitulada O con-
teúdo jurfdico do prindpio da igualdade. O grande mérito de seu 
estudo foi esclarecer em que hipóteses pode a lei estabelecer dis-
criminações e em que situações , inversamente, o discrimen legal 
colide com a isonomia. 
Consoante as lições do jurista pátrio, as discriminações são 
admissíveis quando se verifique uma correlação lógica entre o fa-
to r de discrímen e a desequiparação procedida e que esta seja con-
forme os interesses prestigiados peja Constituição. 1\.1ais especi-
ficamente, entende o autor que. para que não se agrida o princí-
pio da isonomia, mister a concorrência de quatro requisitos : 
I) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto 
um só indivíduo; 
2) que o fator de desigual ação consista num traço diferen-
cial residente nas pessoas ou situações, vale dizer, que nào lhes 
seja alheio; 
3) que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a 
discriminação legal estabelecida em razão dele, e 
4) que, no caso concreto, ta l vínculo de correlação seja per-
tinente em função dos interesses conslitucionaJmente protegidos, 
visando o bem público, à luz do texto constitucional. 7 
Sendo assim, impende verificar se a discriminação tributá-
ria postulada pelo princípio da capacidade contributiva atende 
ao princípio da igualdade. 
O fator de discrímcn é, singelamcnte, a riqueza de cada po-
tencial contribuinte, revelada pelo fato imponívcl. A discrimina-
çào é feita consoante diversas manifestações de capacidade eco-
nômica, de modo que é impossível que venha ela a atingir. de mo-
do atual e absoluto, um único individuo. 
S. Ob. cit .. p. l7. 
6. Ob. ci!., p. 325. 
7. O Conteúdo J!lr/dica do Principio da Igualdade. 3~ ed., pp. 37-38. 
J 
• 
I 
38 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Tal fator de desigualação - riqueza - é um traço diferen-
cial concernente à própria pessoa, a ela referente . 
Outrossim, clara é a correlação lógica existente entre o fator 
de discriminação - riqueza - e a diferenciação estabelecida em 
função dele - maior carga tributária . 
Finalmente, in concreto, essa discriminação curva-se aos in-
teresses constitucionalmente protegidos, com vista ao interesse co-
letivo, quais sejam a distribuição da riqueza e a justiça social. 
Portanto, a graduação tributária fixada em função da capa-
cidade econômica dos sujeitos soa legítima, conformando-se aos 
ditames do princípio da isonomia . 
Diante dessa conclusão, cumpre questionar. pois, qual a re-
lação existente entre os dois princípios. 
Clássica é a afirmação de que o princípio da capacidade con-
tributiva é um desdobramento do princípio da igualdade ou a de 
que é a manifestação ou a aplicação deste no campo tributário. 
Entretanto, a doutrina tcm reveladopreocupação com a insufi-
ciência desse asserto, envidando esforços em busca de maior pre-
cisão na identificação do liame existente entre ambos.8 .. 
Enquanto alguns afirmam despiciendo erigir a capacidade con-
tributiva à estatura princípio, uma vez que ela estaria irremedia-
velmente contida no princípio da igualdade, outros sustentam que 
a capacidade contributiva é um princípio com conteúdo próprio. 
Sampaio Dória. em sua decantada obra Princlpios constitu-
cionais tributários e a clúusula "due process of law", vê as va-
riações da capacidade contributiva como uma das discriminações 
lícitas que o legislador pode efetuar para atender ao princípio da 
igualdade no campo tributário .9 
Para Carlos Palao Taboada, sendo o princípio da igualdade 
um princípio que tem conteúdo próprio, não necessita de con-
ereções positivas fora dele. podendo a noção de capacidade con-
tributiva perfeitamente desaparecer 00 texto constitucional sem 
que se diminuíssem as garantias dos particulares. Assim , a capa-
cidade contributiva não seria mais do que um elemento imedia-
tamente deduzível da idéia de justiça 10. 
Ernesto Lejeune Valcárcel apresenta posicionamento preci-
so a respeito da questão. Inicialmente, adverte que "justiça td-
8. Cf. Salvatore La Rosa, Eguagfianza Tributária ed Esenz,ioni FlscaN, p. 12. 
9. Ob. dI. 
10. Ob. cit., p. 134. 
IGUAl.DADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 39 
butiria" é um conceito que de modo algum pode ter por conteú~ 
do exclusivo ° respeito ao princípio da capacidade contributiva. 
Mais adiante, assevera que a capacidade contributiva, assim co-
mo a noção de generalidade da tributação, não são dois princí-
pios distintos do da igualdade, mas meras especificações e exi-
gências do mesmo. Finalmente, conclui que o princípio da capa-
cidade contributiva é incapaz, por si só, para dar resposta às exi-
gências do fenômeno tributário de nossos dias, ao passo que o 
princípio da igualdade permite superar com maior perfeição téc-
nica as contradições que aquele implicaria se fosse convertido no 
único princípio diretor de todo ordenamento jurídico. II 
Cremos que a igualdade está na ausência da noção de capa-
cidade contributiva, que não pode ser dissociada daquela. Pode-
mos dizer que a capacidade contributiva é um subprincípio, uma 
derivação de um princípio mais geral que é o da igualdade, irra-
diador de efeitos em todos os setores do Direito. E, neste passo, 
felizes as palavras de José Marcos Domingues de Oliveira, ao en-
sinar que a igualdade no direito tributário desdobra-se em várias 
facetas: 
lia) Se lodos são iguais perante a lei, todos devem ser por 
ela tribulados (princípio úa generalidade); 
"b) o critério de igual ação ou desigualação há de ser a ri-
queza de cada um, pois o tributo visa a retirar recursos do con-
tribuinte para manter as finanças públicas; assim, pagarão todos 
os que tenham riqueza, localizados os que têm riqueza (logo, con-
tribuintes) devem todos estes ser tratados igualmente - ou seja 
- tributados identicamente na medida em que possuírem igual 
riqueza (principio da igualdade tributária); 
"c) essa 'riqueza' só poderá referir-se ao que exceder o mí-
nimo necessário à sobrevivência digna, pois até este nível o COI1-
tribuinte age ou atua para manter a si e aos seus dependentes. 
ou à unidade produtora daquela riqueza (primeira acepção do 
princípio da capacidade contributiva, enquanto pressuposto ou 
fundamento úo tributo); 
"d) essa tributação, ademais, não pode se tornar excessiva, 
proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributação, em cotejo com 
diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao traba-
lho e à livre iniciativa, proteção à propriedade), não poderá in-
viabilizar ou mesmo inibir O exercício de atividade profissional 
ou empresarial lícita nem retirar do contribuinte parcela substan-
cial de propriedade (segunda acepção do principio da capacida-
J J. "Aproximadón al principio constitucional de fgualdad tributaria". Seis 
EslUd;o~; sobre DeredlO Constitucional e Internacional Tributário. pp. 119- J 21. 
40 PRINCiPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
de contributiva, enquanto critério de graduação e limite da tri-
butação)" . l2 
Veja-se. pois, que, ao lado da capacidade contributiva, ou-
tras manifestações de igualdade tributária somam-se para com-
pletar o ideal de justiça tributária,13 ainda que a idéia de justiça 
do imposto, usualmente disseminada, confunda-se com a adequa-
ção deste ao princípio da capacidade contributiva. 14 
12. Ob. cit., p. 13, destaques do autor. No mesmo semido, HC'Ctor VilIegas 
Curso de Direito Tributário, p. 89. 
13. Hcinz Paulick lembra que a idéia de justiça é a meta de toda ordem 
justa, em particular do próprio ordenamento jurídico. Desse modo, a justiça e 
a igualdade têm cmre si uma relação íntima, já que o principio da igualdade se 
tem desenvolvido a partir da idéia de justiça ("La Ordenanza Tributaria de la 
Republica Federal Alemana - Su función e significado para cI Oerecho Tributa· 
rio", in OrdenanZD Tributaria A/emana, I ~ ed., p. 42). 
14. Cf. Baleeiro. Uma introdução ... , p. 268. 
6. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
E OUTROS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 
Erigido à categoria de princípio do sistema tributário, o pos-
tulado da capacidade contributiva relaciona-se, como não pode-
ria deixar de ser, com outros principios de relevo constitucional. 
Cumpre-nos destacar aqueles com os quais desfruta de maior afi-
nidade : princípio da legalidade, princípio da tipicidade, princí· 
pio republicano e princípio da segurança jurídica. 
Com O princípio da legalidade, inicialmente, a capacidade 
contributiva apresenta nítida conexão . Como pondera Sainz de 
Bujanda, "Ia ley es la fuente formal dei Derecho que más puede 
facilita r un acercamiento efectivo ai postulado de la capacidad 
de pago" .1 É a lei, pois, Que vai estabelecer as hipóteses de inci-
dênçia dos impostos, observadas as regras-matrizes já colocadas 
pela Constiluição, sempre alendendo àquela idéia de que a Iribu· 
tação deve relacionar-se com a riqueza dos particulares. 
Por sua vez, Alberto Xavier salienta que o aspecto formal 
do Estado de Direito, segundo o qual o Eslado, na realização de 
seus fins, deve exclusivamente utilizar formas jurídicas, impõe 
a lei e apenas a ela a escolha, dentre as múltiplas manifestações 
de capacidade econômica possíveis, daquelas que se reputam ade-
quadas à tributação. Assim, o princípio da legalidade no ESlado 
de Direito revela que a lei forma l é o único"rrieío possível de ex-
pressão da justiça material, ou seja, é o único instrumento váli-
do para o Estado de Direifo de revelação c garantia da justiça 
tribiitária. 2 Desse modo, e novamente invocando o sempre pre-
cioso magistério de Sainz de Bujanda, O princípio da legalidade 
constitui, primordialmente. uma limitação formal ao sistema de 
I. Ob. tiL, \'01. 111, p. 254. 
2. Os prindpios ... , p. 11. 
, , 
• i ~ 
" 
42 PRINCIpIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
produção de normas jurídicas tributárias, e~quanto o da capaci-
dade contributiva supõe uma limitação material com relação ao 
conteúdo de tais normas .3 
O princípio da tipicidade, como expressão de princípio maior 
que é o da legalidade, mantém também estreita relação com o 
princípio da capacidade contributiva. Para Alberto Xavier, este 
é um imperativo constitucional dirigido ao legislador. um lirnüe 
material ao processo de tipificação, uma vez que aquele encontra-
se limitado na sua faculdade de escolha de situações da vida sus-
cetíveis de desencadear efeitos tributários àquelas situações reve-
ladoras de capacidade contributiva. Logo, "objeto da tipifica-
ção é, pois e sempre, a capacidade contributiva, cujas expressões 
a lei delimita pela formulação de modelos ou tipos , aos quais se 
devem ajustar as situações da vida para que se desencadeiem os 
efeitos tributários". O conceito de fatotributário, portanto, 
caracteriza-se por um requisito formal - a tipicidade - e por 
um requisito material - a capacidade contributiva. 4 
Por sua íntima relação com o princípio da igualdade, o prin-
cípio republicano também evoca o respeito à capacidade contri-
butiva dos cidadãos . 
.. A res publica é de todos e para todos. Os poderes que de 
todos recebe devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais 
para lodos os cidadãos", lembra Geraldo Alaliba .l 
E, assim, sendo a carga tributária, ao menos em matéria de 
impostos, calibrada em função da riqueza do contribuinte, a ob-
servância da capacidade contributiva do sujeito passivo realiza 
o ideal republicano, afastando, na tributação, privilégios indevi-
dos, de pessoas ou categorias de pessoas.6 
Do mesmo modo, o principio da segurança jurídica, que se 
estriba nos postulados da certeza e da igualdade, exige que as dis-
criminações efetuadas pela lei tributária apresentem relação de 
causalidade entre o discrímen eleito e a distinção procedida em 
razão dele,7 o que ocorre na aplicação da capacidade contribu-
tiva - maior riqueza, maior carga tributária. 
Outrossim, impondo o mesmo princípio que os contribuin-
tes tenham condições de antecipar objetivamente seus direitos e 
deveres tributários,8 saberão eles que, quanto maior a expressão 
3. Ob. cit.. vol. 111, p. 252. 
4. Os prindpios ... , pp. 74-77. 
j. RepúbJic'a e Constituição, p. 134. 
6. Cf. Roque Antonio Carraua, ob. cil., p. 248. 
7. Idem, p. 210. 
8. Cf. Roque Antonio Carrazza, ob. cit., p. 208. 
E OUTROS PRINCfPIOS CONSTITUCIONAIS 43 
econômica dos fatos jurídicos tributários que rcaHzarcrn, maior 
o impacto tributário que sofrerão, por terem demonstrado maior 
aptidão para contribuir. 
Note-se que, em última análise, os princípios apontados têm 
como pano de fundo a própria isonomia , núcleo da noção de ca-
pacidade contributiva. Resumem-se, pois, nos pilares do próprio 
Estado de Direito. 
I 
I 
I 
: I 
7. NATUREZA DA NORMA 
ACOLHEDORA DO PRINCÍPIO 
Acerca da natureza da norma que hospeda o princípio da 
capacidade contributiva, partindo-se da premissa da sede consti-
tucional do mesmo, a doutrina tem se dividido em duas posições 
bastante distintas . A primeira consiste em sustentar ser ela regra 
"meramente programática". "apenas uma advertência, uma di-
retriz; não uma regra peremptória, intangível" ,I, Para os adep-
tos dessa corrente, segundo as palavras de Becker, seria uma "re-
gra vazia de juridicidade" ( ... ), urecomendação sedutora desti-
nada a apaziguar nostalgias de uma justiça impraticável". Co-
mo conseqüência, a ela não estariam obrigados nem o legislador 
ordinário, nem o juiZ.2 
Antagonicamente, en tende um menor número de estudiosos 
que tal norma possui conteúdo prcceptivo, vinculando, assim, a 
atuação do legislador infraconstitucional e do magistrado. Para 
o primeiro, ela é obrigatória na medida em que ele, para a com-
posição das hipóteses de incidência tributária, só pode eleger fa-
tos que demonstrem capacidade econômica, observadas as regras-
matrizes de incidência já delineadas na Constituição, sendo os im-
postos consoante ela graduados, sob pena de incorrer em incons-
titucionalidade. Para o segundo, a norma é compulsória no sen-
tido de que a ele cabe declarar a aludida inconstitucionalidade, 
bem C0l110 aquela referente à inexistência ou insuficiência de efe-
tiva capacidade contributiva no caso concreto.] 
1. Cf. Carlos t\.laximiliano, ob. ci1., p. 267. 
2. Ob. cit.. p. 444. Em nola de pe de página, o autor lraz. ex te nso rol dos 
que comungam desse entendimento, cabendo destacar, dentre eles, os nomes de 
Ponles de Miranda e Rubens Gomes de Sousa. 
3. Tal questão será por nós desenvolvida em lópico seguinte, denominado 
.. Apuração da inconslimcionalidade da hipótese de incidênci a e da imposição tri· 
butária no caso concrcto"(pp. 73·78). 
• 
I 
I 
I 
~ 
46 PRINC!PIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 
Registre-se, ainda, a opinião do próprio Becker, que se si-
tua em posição intermediária. Para o autor gaúcho, ainda que 
se trate do "mais notável exemplo de constitucionaJização do equí-
vaca" . laI regra constitucional goza de "um mínimo de certeza 
c praticabilidade que revelam sua juridicidade, e que delimitam 
o restrito campo de sua eficácia jurídica". a qual, contudo, não 
iria longe a ponto de permitir ao juiz o exame, em cada caso con-
creto, da incidência ou não da regra jurídica tributária, ou seja, 
da análise da efetiva existência de capacidade contributiva em cada 
situação singular. 4 
A nosso ver. para a correta apreciação do problema , impres-
cindível estabelecer-se o que deva ser entendido por norma cons· 
titucional programática.5 E essa questào não pode ser tratada 
sem apoio na clássica obra do professor José Afonso da Silva a 
respeito do assunto . 
Como é sabido, distingue o mestre as normas constitucio-
nais. quanto à eficácia e aplicabilidade, entre normas de eficácia 
plena e aplicabilidade direta, imediata e integral, normas de efi· 
cácia contida e aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmen-
te não integral, e normas de eficácia limitada, que podem ser de-
claratóri as de princípios institutivos ou organizativos ou decla-
ratórias de principias programáticos.6 
As primeiras "são as que receberam do constituinte norma-
tividade suficiente à sua incidência imediata"; as segundas, por 
sua vez, também gozam da mesma normatividade. porém, "pre-
vêem meios normativos (leis, conceitos genéricos etc.) não desti· 
nados a desenvolver sua aplicabilidade, mas, ao contrário, per-
mitindo limitações à sua eficácia e aplicabilidade". 7 
Já as normas de eficácia limitada sào aquelas que "não re-
ceberam do constituinte normatividade suficiente para sua apli-
cação" , exigindo do legislador ordinário a complementação da rc-
4. Ob. CiL, pp. 444-445. 
5. Durante muito tempo, especialmente quando da vigência do ordenamentO 
constitucional pretérito. a referência a uma regra constitucional como "meramente 
programática" denotava um caráter pejorativo, indicativo de sua pouca ou ne· 
nhuma eficácia, d~ norma que, ~nfim , não seria aplicada. Tamanho foi o pre· 
conceito e a aversão com relação às regras constitucionais programáticas qu~ a 
Constituição de 1988 preceitua que "as normas definidoras dos direitos e garan· 
tias fundamentais têm aplicação imediata" (an. 5~ § I ~), prevendo a figura da 
inconstitucionalidade por omissão atacável por ação direta ou mandado de in· 
junção (arts. 103, §§ 2~ e 5~ , LXXI). 
6. Apli~QbilidQde dos normas COlIstiwcionais. 
7. Idem . ibidem, p. 254. 
NATUREZA DA NORMA ACOLHEDORA 47 
gulamentação da matéria por elas disciplinada.8 Enquanto as 
normas constitucionais de princípio institutivo são aquelas "atra-
vés das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de 
estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, pa-
ra que o legislador ordinário os estruture em definitivo, median· 
te lei", as normas constitucionais de principio programático, ou 
simplesmente, normas programáticas, são aquelas nas quais o 
constituinte "limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem 
cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicio-
nais e administrativos), como programas das respectivas ativida-
des, visando a realização dos fins sociais do Estado".9 
Dessa concepção quanto à eficácia e aplicabilidade das nor· 
mas constitucionais, ressalta o caráter polêmico de que se reves· 
tem as normas programáticas, exatamente porque são elas que apon-
tam os valores dajustiça social a serem resguardados pelo Estado. 
Pensamos que o eminente jurista pátrio, em suas primoro· 
sas lições, sepultou as críticas quanto à juridicidade e à imperati-
vidade das normas programáticas, ao demonstrar seu caráter vin-
culante, especialmente no condicionamento da legislação infra-
constitucional

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