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C~4DERNOSn. E trnilllRElTO TRlBUT.ÁRlO A EXTRAFISCALIDADE DALEI 12.715/2012 E A CAPACIDADE CONTRlBUTIVA: A CO~-VIVÊ~CIA DO LOBO E DO CORDEIRO? lOSli ROBERTO VIErRA ProCes,or ce Duel!o Tribu::àrio da ';n'R, do UN1CURlTlBA e d0 lBET (Gradueção, Especialil:lçào, Mestrado e Doutora,lo), Mestre e Doutor em Dire;!o do EstaJo - Direi!o Tribu!àr'o (PUClSP). Estudes PÓ$·Gf1Ju~dos no /nswulo de Eslildíos Fiscales (Madn/Espanha). Ex-Membro JulgJdor do Con:;clho de Contnbumtes de ~Eaistério da Fazenda, hOJe CARF (BnsíliaIDF). Ex·A'Jdiror da Receita Federal (Curtt,baIPR). Parecerista. "A fJ7adequação entre afabula e C camporlamcnto nwtf.QJtO e consequêncfa de o comportamento lw,!,ano ir além da fdbuld~ (CARLOS D1I.G'MMo,",u L>U MDRADE') J As fábulas 2. O lubo e () cordeiro. J. CapQcl<lade contributim e igm;idade. 4. Ettraf.scalid<1de. 5 lnceflli"os tributário, e a Lei /2.715/2012. 6. lnquietudes quanto aas incent.vas tributários da LeI 12 115/2012. 7 btrafiscalidade: aprisco do cordeiro Ou cOVIl do tubo? 1. As fábulas Qual se:ia o gênero das fábulas? Tal questão exige, antes de que se encare pro- priamente o embaraço árduo da "fábula", que já se tenha enfrentado o óbice penoso dos "gêneros literários" E eis aqui não só "uma quest.'l.o controversa", mas, como reconhece Mass<'1.ud Moísés, o antigo ProfeSBor Titdar de Literatura da USP, um problema "Dos maís complexos da nomenc:arura literária".l J. "0 a'< e.-.so d.1S CViS~5 (afQ[l.)mm.)", in Prosa Selela, p. 91L 2. A Crl(~çJo LJtel íÍrra. Poe:.Jw, p 45; Dicionário de T~/7rlos Llteranas, p 196 Desde o século XVIII, é tradicional e majoritária a tríplice divis.'io dos gêneros - que Olegário Paz e Antônio Moníz, os especialistas lUSitanos, atribuem a Goetae, o poeta e pensador alemãoJ - em: épico, dramático e lírico.' Ficamos, contudo, na boa companhia de Massaud Moisés, para quem "somente há dois gêner-os: a poesia '" a prosa"' e "os gêneros seriam a expressão, a estrutura, de dois modos für.damentais de ver o mundo: o vol~ado para fora - a prosa, e 3. Dicionárw B""e de Termos LIlm:moi. F. 9':1 4. Massaud M0isés, D;âonario .. , p 202,Angélica Soares. Gêneros LaeráriOS, p 8. CADERNOS DE DlRE!TO TRlBUT ÁRIO li o voltado para dentro - a poesia";! sendo, a poesia. constituída por dU3S especí\3S: a lírica e a 6pica; e a presa, IX'!: três fonnas: o conto, a ooveIa e o romance.6 lr.existem, por~m, gêneros, ou espécies, ou formas, absolut.'1mente puras. A classi.t1ca· ção adotada, como qualquer outra, é ampla e aberta. So::u próprio autor declara: ":1 n'Jssa proposta de classificação dos ger.eros deve ser lida na hor.zor.ta!, na yertcal e :la diagonal, admitindo toda sor.e de associação".' Dai as chamadas mal'!ijestações híhridas, como o teatro, a poesia didática, o jomaltsmo, a ora:ória, o ensaio, a crônica, a biogr::u'ia, a autobiografia, a historiografia, a epistolografia etc. É exatamente O caso das fábulas, não incluídas entre as manifestaçDes especulatl· vas ou destinadas ao registro dos fatos, mas. sim, entre as utilitárias ou militantes, pela sua vinculação ética.8 Em temlOS de definição, selecionamos a de Nair Lacerda: "uma pequena história ( ... ) na qual as per:>Ol1agens são animais, e cujo remate, invariavelmente, tem intenções rnoralizantes"! Cabendo, ainda, o fecho de Jean de La Fontainc: "o corpo é a fábula, e a alma é a moralidlde que dela deriva".IO A fábula aproxima-se do apólogo e da p!lrábola. Para alguns, como reporta Ma~saud MOlsés, a distinção entre essas narrativas, todas curtas e marcadas pelo conteúdo moral, 5. A Criação .. , ob. etê, p. 69 6.lbwcm, pp 59·ri, Dlcíonárío ... on. cu. pp. 202·203 7. A Criação .ob Clt .• p. 71. 8. lv1assaud Moisés, A Cri..zção LJtuárí.:t Prosa n,pp.153.154. Q. "Introdução". in Fábu!a< du :J",do ''''em), p. 9. De acordo Massand Moisés: "Nnrrntiva Certa ( .. ) moral. implícita ou ,xplícita (,,), No gera!, c protago· lllzada por anirn.1is irraciona:s" (D":imwrin .. , p lb4) TamWm cor,cordam Oiegaro Pn e Antólllo MGniz: "uma hlstêlr!n sobre snírnais. com cstat'IJto de: mterve- nientes ",donais, con fmalidade dictátlco·m0n[" (s/c) (Dicioftáio Bre-ce .. , p. 91). E inciuSl'/e o proprio la Fantaíne' "Fábu!a é "ma narrativa n.a QlL11, s<lb (\ véu da tlcÇftO, \Ia: cnvo:tfi a moralidade, e CU)QS personagens são. ordinariamente, 0S aninoais" tapúd Nair Lacerda. HIntrt.\dução",oo, cit. p_ 9) 10. Apud "km. residiria nas personagens: quêUdo protago- muda por seres humanos, seria a parábola; quando por objetos ma:limados, sçria o a;;ó- logo; e qt;ando por wúmais irracionais, senil a tabula.',' Outra vez, incabíveis as separaç6es estanques. Aristóteles, por exemplo, rena pretendido, sçgundo La Fontaine, que apenas esses animal:> figurassem nas fábulas, mas é fartarr:~nte sabic!o que "nem todos os cultores do gênero se 3Comodaram a C'-,;":>a e:xigência":~ E a fábula aco::rca-se, ainda, da alegoria, no sentido de cst,5na que sugere outra estória, e que se pode confundir com os mitos ou com 33 figuras m:tteas. i3 Sua classificação precisa, no entanto, é praticamente impossível, como reconhece, ))ara ilustrar, Nair Lacerda, pois "conÍünde·se com a mitologia. é irmã gêmea do apólogo. aproxirnl·se do conto pC'pular, introduz-se na região da lenda e do folclore. e acaba por sc tornar um pouco de tudo isso", confirmando decididamente sua !Ulture:::a variada e muI· {ífárta," Constitui uma forma narrativa "De longeva origem" (Massaud Moisés15), "uma das ( .. ) mais recuadas no tempo" (Nair La· cerdatÓ),procedendo, historicam?nte, ao qUê I:,do indica, &1 Índia. Amamzaktí reinava na cidade do:: Mahilaropya, e possuía três filhos, todO$ eles, para seu desgosto, enormemente estúpidos. Reuniu, então, os eruditos da corte, para que o aconselhassem sobre as prov idên- eias pos,iveis em relação aos seus filhos. Um deies indi:ou-lhc o nome de Vixnuzarma, um sábio brâmane, que logo se tomou o mestre do trio de ígnorantes reais, redigindo, para eles. um conjunto de cmco livros, com os quais, em apenas seis meses, transrom10u seus obtusos discípulos em sábios na Ciência Política. Esse conjtU1tG de livros. gravados 1 L D:~tonario .ob clt .. P 34 I ~ -lprt~1 NaU' Lacerda. "Intrücução", ob. CiL. p li.: I J. !v1assi.wd Moisés. D:cwl'kÍrfo ... oh. Clt. O ~ 4, O. paz e A. ~\oniz. Dicionário Breve .', p. 14. . 14 "rntroduçJo". ob. dL, p. 9. !5. Dic;onário .• ob. CiL.? 134. l6. "introd'JÇlc", ob Clt" i' 9. 20 REVISTA DE DIREITO TRl13UTÁRJO-Il8 em ouro, por ordem do encantado monarca, constituiu o primeiro fabulário, denominado de "Panchatantra".17 Da Grécia Antiga, Aftônio e Babrias, mas sobretudo Esopo, <,} célebre escritor e escravo do século VI a.c., a quem chegou a ser atribuída a paternidade da fábula; entre os latinos, Avianus Fulvio, mas especialmente Fedro, oriundo também da classe dos escra- vos, do século I; da Inglaterra, Gay, Samuel Johnson, Dryden e Thomas More; da Alema- Ma, Gelerte Lessing; da Arábia, LDkman; da Rússia, Kriloff e Bogdanovitch; da Suécia,. OIoff; da Holanda, Katz; da Itália, Abstêmio, Roberti e Passcroni; da Espanha, Juan Ruiz, SamaIlÍego e o Frade Iriarte; da França, Florian, mas principalmente La Fontaine, "o mais inventivo dos fabulistas" (Massaud Moisés1S), "o mais conhecido, pelo menos no Ocidente, entre os fabulistas de todos os tempos" (Nair Lacerdat9). Em nossa Ungua: de Portugal, Francisco Manuel de Melo, João de Deus, Filínto Elísio, Almeida Garret e Bocage; e do Brasil, Anastácio Luís do Bomsucesso, Fonseca Jordão, Coelho Neto e Montei.ro Lobato.20 Esses e outros nomes, ao longo dos séculos, colaboraram para a construção e a solidificação da literatura dasfábulas. Mas fiquemos, para concluir, com aquelecujo gênio para a fábula já foi, ampla e universalmente, exaltado: La Fontaine, o grande tàbulista francês do século XVII. Para ele, as fábulas contêm "verdades ( ... ) que servem de lição" - porque, com sua preocupação ética, no diagnóstico acertado de Ruth Guimarães, "realizam ( ... ) esta coisa extraordinária: predispõem-nos ao amor do Bem, do Belo''!' - e verdades que permitem 17. Do S.1nscrito,pa'lch c la"Ira signlfkam cinco eapílu:oS Oll livros - Nair Lacerda, "Introdução", 00. eit, pp 10-11. 18. Dicionúriu _ .. ob. ciL. p 184. 19. "Introdução". ob. ci!.. p. 9. 20. Ibidem. pp. 11·12; Massaud Moisés, Dicioná· rio . . ob. Cll, p. 184 2\. "Dois deuns de prosa sobre os mitos". in L"rnJas e F<ibulas do Brasil, p. lO. "traçar m\1i rápidas pintuIas", pinturdS essas nas quais, aqui e acolá, "podemos encontrar nosso próprio retrato".22 E tal descoberta de nosso autorretrato tanto pode ser para o bem, quando confirma nossas opções pes- soais, como para o mal, quando denuncia nossos equívocos; 0\1, mesmo assim, para o bem, quando conduz a eventuais emendas <! alterações de rumo. E entendemos lícito, também, ampliar o nosso ângulo de análise, para afirmar que nelas, nas fábulas, podenws, até mesmo, deparar o retrato do nosso estado, inclusive do ponto de vista tributário. Essa. em particular, é a motivação que aqui nos inspira, move e impele. 2, O !cbo e o cordeiro Lobo, do latim "lupus", como esclarece o etimologista, significa "animal carnívoro, selvagem".:) Para os gregos, ele ainda era o animal sagrado de Apolo, o deus da luz; para os romanos,já aparece como o acompanhante de Marte, o deus da guerra;24 na mitologia nórdica, o poderoso lobo Fenris só é derro- tado por Odin, o deus pai do universo; e na antiga China, ele já personificava a crueldade e a voracidade. Na visão do cristianismo, o lobo é identificado como o representante do mal, como os falsos profetas, contra quem Jesus faz uma advertência, no Sermão da Montanha, porque se disfarçrun de cordeiros. mas, em verdade, são lobos ferozes (Mt. 7, 15);25 simbolizando o inimigo diabólico, que Z2. nA Monseoltor, O Delfim", e seguoda capa, Fáblilas: AntologIa. p. 1I e segunda capa. 23. Antônio Geraldo éa Cmlha,Dicionário Elímo- lógico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, p. 478. 24 Na mitologia romana, tarnhbn se encnntn>v~ Ltlperr:os, o deus Lobo ou a deusa Loba, cujo santuário fic:lva numa grutA, no cume do PaJatino, oode, segundo a rradiçl!o, a Loba l.upe= amamentou Rômulo e Remo (Junilo BrnndJ", DIcionário Mirico-Etimológico da Mif()/ogia e da Religião Romana, p. 209). 25. A expressão "lobo em pele de cordeiro" teria origem, oonf()nne Ari Riboldi, numa lenda da Gréda Antiga (O Bode Expiatória Origem de Palc:rvras, ex- pressões e Ditados Populares com Nomes de Animais, pp.46-47). CADERNOS DE D[REITO TRIBUTÁRIO 21 ameaça os cordeiros, ou seja, o rebaPllO dos fiéis. Atravessando toda a Idade Média e até os nossos tempos, é nítida su~ assiroilação a um animal demoniaco. Ilustram-no, com eloquência. por exemplo, os contos de fadas, tal como "Chapeuzinho Vennelho". em que o lobo é, simples e frequentemente, a encar- nação do mal.U, Muito embora, etimologica.'llente, cor- deiro enc.ontre raízes no latim "corda.-ius" e "cordus", com o sentido de tardio em nascer, para designar o filhote ainda novo de ovelha; também se apresenta ligado ao latim "cordiatis", de "cor, cordis", coração, com o significado de relativo ao coração, afetuoso, afável;11 com paralelo confirmador na pala- vra inglesa "lamb", cuja origem germânic.a aponta para o uso figurativo de mansidão e inocência;2B dados que autorizam a conclusão de Deonísío da Silva: "Uma hipótese mais aceita é que sua origem tenha sido cordo, manso, dada a índole pacífica do animal".2~ Nas religiões da antiguidade. era um dos animais preferidos para os sacrificios: entre os hititas e gregos, por exemplo, o dcus soi era alvo da oferta do cordeiro branco, ao passo que o negro era destinado aos deuses do mundo subterrãneoJO No Antigo Testamento, ele constítuía o cordeiro pascal; en.quanto, no Novo, João Batista, seu profeta e precursor, anunciava Jesus: "Eis o Cordeiro de Deus!" (Jo. I, 29); numa identificação ratificada, posteriormente pelo Apóstolo Paulo: "Cristo, nosso Cordeiro pascal ( ... )" (1 Cor. 5, 7). Foi. também, o símbolo dos mártices, como no 26. Manfred Lurker, Dicionário de SImbologia, pp. 397-398; Hans Biedermann, Diccionario de Sím- bolos, pp. 272-275. 27. AntOnio Geraldo da Omha. DtciOlUírio Eti- mológico .... p. 216. 28. "Cordaim ( ... ). As associaçães de usafigurati- vo incluem mansidão e inocência, o quê tem conduzida a sua aplicação como uma palavra de afeiçãa." No original inglês: "Lamb ( ... ). ll-.e assocÍtllíons in figHrative use includc meek:ness and innO<".ence, whích h.s 100 to ilS applíc.atioo as a ter.n of 6 ffectioll." (Gl)'l'.nis Chantr>!:I, ]1,e Ox[ord Diclionary ofWord lfÍ>/ones, p. 293). 29. De Onde Vem as Palavras· Origens e Curio. sidades da Língua Portuguesa, p. 269. 10. Man&ed Lurker, Dicivnário ...• pp. 153·154. caso do çordeiro entre os lobos, da catacumba romana de Prctcxtato.11 Sempre lembrado, pois, como o modelo ideal de uma criatura pura e inocente. Conquanto Voltaíre nos advirta de que "La mayor parte de las ( .. .) fábulas son (. .. ) la deformaciÓll de historias antiguas", boa parte delas consiste em repetições e adaptações dessas velhas estórias.H É o que ocorre, justamente, com a Fábula do lobo e do cordeiro, que já aparece entre as contadas por Esopo;J} assim também como entre as da lavra de La Fontaine. J4lndependentemente da legitimidade da autoria, preterimos a versão mais rocente, pela simplicidade e simpatia dos versos de La Fontaine, na tradução de João Cardoso de Me.neses e Sousa (1827-1915), o Barão de Paranapiacaba:" Na límpida corrente de um ribeiro Mata a sa!e um cordeiro. Chega um lobo em jejum que a fon:.e atiça, A tàJ:ejar carniça. - Ousas turvar-me as á!;uas, malcriado? (Uiva O loho, irritado). - Rogo, senhor, a Vossa Majestade. E com toda a humildade, Que não se zangue com seu pobre servo; Pois, respeitoso, observo Que embaixo e no declive eStou bebendo, E a água vem desceudo. - Tw"Vas (retfuca o bárbaro animal); Demais, falaste mal, Há seis meses. de mim. - Não é verdade! Conto só três de idade, Não tinha ainda nascido! - Pois então, Falou um teto im'lão! - Não o tenho. 31. Hans Bieckmlaml, DiccÚ)nario .. , p. 124. 32. Diccíonaria Filnsqjico, p. 254. 33. Fábulas, pp. 156-157. 34. "'Fãbulas de La Fontainc", in F'ábulas do Mundo .. , pp. 93 ·94. 35. Idem 22 REvrSTA DE DIREITO TRIBUTÁRiO-tiS - Foi um de teus parentes, Que me têm entre dentes; E eu vingo-me de vós - cães e pastores, Que sois tão falaCores. Disse, e sobre o cordeiro se despenha E o conduz para a brenha. Onde o come, do mato no recesso, Sem forma de processo. Que a razão do mais forte prednmina Estafábula ensÍfU1. 3. Capacidade contributiva eigU4ldade Antes, porém, de lançannos mão da criatividade do fabulista para descrever o ~1ado brasileiro, no que diz respeito à tributa- ção, cumpre sublinhar a elevada dignidade da Capacidade Contributiva em nosso Sistema Constitucional Tributário e os altos riscos que, para ela, representa a Extrafiscalidade. E o que faremos, neste e no próximo item. Como o fundamento da Capacidade Contributiva se encontra no Princípio da Igualdade, estabeleçamos ai nosso ponto de partidaJuridíco_ E registre-se, de começo, na linha de Humberto Ávila, que a fgualdade é apresentada, no Preâmbulo da Constituição, como um dos "valores supremos de uma sociedade fraterna"; já nos começos cons- titucionais, na abertura do Título n, comoo termo inaugural e inicial do vasto rol dos "Direitos e Garantias Fundamentais" (art. 52, caput); logo no primeiro momento do capí- tulo tributário do TíUlto VI, por inteOllédio da Capacidade Contributiva, como um dos "Princípios Gerais" desse sistema (art. 145, § P); e pouco depois, no mesmo capítulo, como uma das "garantias asseguradas ao contribuinte" (art. 150, copu! e inciso U),36 Ora, tais fornlas de referir o princípio, como "valor supremo", como "di.reito e garantia fundamental", como "princípio geral" e como "garantia tributária", justificam, sem dúvida, 36. Teoria da Igualdade 1hbutdria, pp. 146-147. a questão proposta por Ávila: "enquanto principio constitucional, a igualdade 'vale mais' que os outros príncípios?"P E a resposta do jurista gaúcho, qu; não tarda - "ao ser colocada em primeiro lugar nas garantias fundamentais, a Constituição atribuiu uma superioridade abstrata à igual- dade"3s - é idêntica à que chegara antigo e grande constitucionalista pátrio, Francisco Campos, na metade do século passado, ob- servando que essa precedência cronológica do princípio, no texto, "Não foi por acaso ou arbitrariamente", mas "quis significar expressivamente ( ... ) que o princípio da igualdade rege todos os direitos em seguida a ele enumerados" (SiC).3? Eis que, nas pala- vras de Souto NL.1.ior, intérprete priVilegiado desse constitucionalista, "ele penetra, como uma linfa, os demais direitos e garantias constitucionais, perpassando-lhes o conteúdo nonnatívo";«l "eondiciona a eficácia C .. ) de todos os demais princípios constitucionais", que, "servientes", colocam-se "a serviço da isonomia",41 Sabemos todos, e há muito, que é aristotélica a noção de Igualdade Relativa, a demandar tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na proporção das respectivas desigualdades. Mas sabemos também, hoje, da indisforçável insuficiência dessa concepção, carente de "precisões maio· res" (Celso Antônio Bandeira de Mello'2) e 37. Ibidem, p. 147. 38. Ibidem, p. 148. No mesmo sentido, vasta doutr'.rm, da qual, SÓ para ilustrar, lembramos Regina Helena Costa: "diretriz mais relevantcde todo o ordena- mento jurídico ( ... ) sobre a qual repousam e encontram fúndamr.n'o tQ(las ai dcm;lÍs" (Praticabilidade e justIÇa Trll>ulárú:r ãequibiJúlade de Lei Tributária e Direilas do Contribuinte, Jlll. 109 e 113). 39. "Igualdade perante a lei - Sentido e com- preensJo desta garantia constitucional...~, in Direito Constitucional, vOl.I!, p. 12. 40. "Significação do princlpio da isonomia na Constituição de 1988", Revista Trimestral de Direito Público 15/30. 41. "Aisonomia tributária na Constituição Federal Cc 1988", Revista de Direito Tributário 64/12-13. 42. O Conteúdo Jurídico do Principia da Igual- dade, p. 15. CADERNOS DE DIREITO TRlBUT.>\RJO 23 destituída de "critérios operacionais seguros" (Humberto Ávila·3). E sabemos mais: que é a Celso Antônio - e àquele que já chamamos de seu "pequeno grande livro''''' - que deve- mos o esforço primeiro, entre nós, de apro- fundamento da investigação, nesse campo, identificaodo as condições de concretízação do princípio, mediante o exame: do fator de discriminação; da correlação lógica entre esse fator e o tratamento jurídico estabelecido; - .Á..vib prefere aludir, aqui, adequadamente, à compatibilidade com a finalidade45 - e da consonância entre essa correlação e os valores constitucionais." Já o Principio da Capacidade Contri- butiva, hoje, expressamente enunciado no diploma constitucional vigente (art. 145, § 1 Q), poderia continuar implícito, entre nós, tal como o estava no sistema constitucional ime- diatamente anterior, assim como em outras plagas - como o ratifica a doutrina lusitana (José Casalta Nabais') e a doutrina alemã (César García Novoa48), além, também, da ju- risprudência germânica (Andrei Pitten Vello- 5049) - sem prejuízo da sua efetividade, uma vez que inegável corolârio do Princípio da Igllaldade em matéria tributária. Não exis- tem aqui disceptações na doutrina nacional e internacional: ele sempre esteve "implícito nas dobras do primado da igualdade" (Paulo de Barros CarvalholD); ainda hoje, "hospeda- -se nas dobras do princípio da igualdade" (Roque Antonio Carrazza51); constituí "uma 43. Teoria da Igualdade ... , oh. cit., p. 29. 44. "PrincípiosconSllt\lClonais e E.~do de [)".i- to", Revista de D.reito Tributário 54/9&. 4~11.>ona da Igualdade ...• ob. dI., pl'. 62·73 e 191 46. O Conteúdo ... , ob. cit, pp. 27.28. 47. O Dever Fundamental ,te Pagar Impostos, p.688 48, li! Princípio de Segutidod JIiJ icJica en Maleria Trílmtaria,p.I09. 49. O Principio da Isonomia TríbUldna: da TeorUl da Igualdade ao COnlrole das Desigualdades Imposill- vas, pl'. 160-161. 50. Curso de Direito Tributário, p. 402. 51. Curso de Direito Constihlciona/ Tributário, p.87. expressão específica do principio da igual- dade" (Casal ta Nabais5Z); "uma derivação do princípio maior da ig1.Jaldade" (Regina H. CostaSJ); "decorre do princípio da igualdade" (Fernando Aurelio Zilveti"'); "representa um desdobramento do princípio da igualdade" (José Mauricio ContiSS); "a coocretização, no campo impositivo, do princípio da igualdade" (Roque Carrazza '6). Mesmo a forte corrente doutrinária que defende a existência de outros princípios, como o da Equivalencia e o do Benet1cio (Andrei P. VellosoS7), a concorrer com o da Capacidade Contributiva, na rea- lização da Tgualdade Tributária, reconhece- -lhe não só a condição de um subprincípio deste (Regina H. Costa58), mas ~obretudo a condição de "sub principio principal que es- pecifica, em uma ampla gama de situações, o princípio da igualdade tributária" (grifamos) (Marciano Seabra de GodoiS9). Trata-se, pois, a Capacidade Contributiva, do "critério de comparação que inspira, em substância, o principio da igualdade" (Misabel de Abreu Machado DerziW); "o critério fundamental de diferenciaçãO 110 âmbito tributário", condição que lhe é "amplamente reconhecida e enfati- zada" (Andrei P. Vellosd l ); "o mais elevado critério comparativo ( ... ) de isonomia de encargos tributários" (Klaus Tipke e Joachim LangÓZ); "critério definido pela Constituição 52. O Dever Ftmdamelllol ... , ob. cit, p. 444. 53. Pmuipio da Capacidade CONtributiva, pp. 37-42 e 107. 54. Princípios de Düt!ito TríblJ/ário e a Cape/cio dade Cnnlrl/'ufh'Cl, p. 386. 55. Prlflcipios TributáriOS da Capacidade Contn> hIlIiV/l" dIJ PnogresslVidade, [7p. 29·33 c 97. 5ó. Imposto sabre a Renda (Perfil COflSlÍluctonal e Temas Específico..), p 304. 57 O Principio da lsanomla. .. , ob. cit., pp. 164 e >JI. SR. Pri"dpio ... , ob. cit, pp 41·42 li! 107. 59 JWliça. 1,,',,,ldad. e DIreito Tnbutário, pp. 211·215, 256-~59, e especificamente pp. 215 e 257. 60. ''Noras de Atualização", in Aliomar Baleeiro, L.mtitações ConstitucIonais ao Poder de Tributa,.~ p, 878. 61. O Princípio da Isonomia ... , ob. cit., p. '60. 62 Dtreito Tn'butário, vol. I, p. 200. 24 REVISTÁ DE DlREfTOTRJBUTÁRlO-1l8 como o mais apropriado a constituir a 'me- dida geral '" (MarcíalID OOO016J); "o principal e mais adequado 'critério de comparação'" (Douglas Yamashita64); consistindo esse o seu "aspecto ( ... ) que tem maior significado e alcance" (Casatta Nabais·'). No que tange ao seu conteúdo. há que, preliminarmente, rejeitar certa doutrina, que já o tentou caracterizar como "uma caIXa vazia" ou "um conceito vazio", como lembram Gian Antonio Micheli e Fernando Sáinz de Bujanda. 66 A despeito de rcconh.e- cida, internacionalmente, a "sua 'inerente indeterminabilidade'" (Casalta Nabais61), há quc sublinhar, com Tipke, de um lado, que o seu conteúdo "6 'indeterminado, mas não indeterminável "';6:< e com Diego Marin- -Bamuevo Fabo, deoutro, que "Ia dificultad para delimitar el alcance del principio" não implica "la negación de su eflcaciajuridica".ó? Há excessos dos dois lados da polêmica conceptual que envolve esse principio. De uma parte, o exagero c1ássíco de Luigí Ei- naudi, antigo Professor das Universidades de Turim e Milão, "para quien la capacidad contributiva no es más que ( .. .) un par de palabras que se escapan de entre los dedos y que escllrren incomprensiblemente", lO De outra, alguma demasia recente daqueles que asseveram "ter alcançado na atllalidade sólido 63. Jusli{a_., ob, ClL, p. 258. M. "Eficácia do principio da capacidade contribu- tiva no B13Sil", in K. Tipke c D. Yamashita.Jusliça Fiscal e Principio da Capacidade COnJribuliva. p. 56. 65. O Dever Fundamental.... ob, cit .. p. 469. 66. O.A. Nhcheli. CIJTS(j de Deredto Tríb.iI"rio. p. 146: "un coneeplo vacio de significado, W'(J 'coja vacía', como SE /ta dicho paI .t:lf ios <.",lEivodores de la clénCIO económlca y de la clenda jurídica" (há uma tradu>ào para nossa língua. da década de setenta do século pas- sado: Curso de Direito Tribvtárlo. p. 93 - F Sáinz de Bujanda. UCdOMS de Derec/w Fmailciem. p. 107: Use ha dicho que se trata de .. " co"c~pla vaei,,"). 67. Ibidem, pp. 456 e 683. 68. «Fundamentos da Justiç.l FlSCal". í., K. Típkee D. Yamashita, Justiça FiscaL. ob. cit.. pp. 31-32. 69. LA Prolección dei Mínimo E:::istencial en cf ÁmbitodellRPF. p 21, nota 23. 70. Apud Jorge BravQ C~ccí, Fun-Jamentas de Derecho Tributaria. p. 121. conteúdo" (Alexandre Barros Castro71 ). Mas, nenhum descomedimento na observação já cinquentenáría de Emílio Giardina, o jurista italiano: "não é dificil mostrar qualquer hi- pótese de imposição em evidente contraste com o princípio ... " É desnecessário acompanhar toda a evolução histórico-çonccptual desse princípio para chegar a uma noção razoável, senão pouco mais de uma década, de 1%1, com Giardina - "possibilidade econômica de pagar ° trihuto".D - até 1973, com Francesco Mos- chetti, o Professor da Universidade de Pádua - "aquela força econômica ( ... ) idônea para concorrer com os gastos públicos"." Não se trata, pois, da simples disposição de riqueza, que indicaria mera capacídade econômica, mas do dispor de uma riqueza suficiente para a submissão ao tributo, excedente, pois, da ri- que:r.a bastante para apenas atender ao mínimo necessário para uma vida digna, satisfazendo, assim, mais do qlle tão só as necessi dades vi- tais básicas do cidadão (Constituição, art. 7', IV), condição essa que, então sim, apontaria para uma genuína capacidade de contribuir para a sobrevivência do estado, constituindo uma capacidade econômica qualificada por um dever de solidariedade social;1l ideia 71. Sujeição Passiva no imposto sobre a &nda. p.160. 72 Le Basi Teoriche dei Prinâpia dei/a CapacÍlà Contribuliva, p. 428. No originar italiano: "UM é dífficíle prospetta<~ qnalche ipotesi di imposizione in evidente contraslO cal principio~ 73. Ibidem. p. 434. No original italiano: "p"",ibi- ltlã economica di pagare li tributo". 14. 11 Principio deifa Capacítà CanlribuIÍt'a. p. 238. No original italiano: "Capacità contributiva ( ... ) quclla forza ecnnrnnk.a C .. ) ídonea a concorrere alte spese pubbtiche~. 75. Ibidem, p. 22: "Mais precisamente, afirmou-se que. capacidsde conlribl~iv. li dada por aquda parte da forÇá econômica, da riqueu de um SUJeito. q"': supcra o mínimo vital"; atlnnação que Moschetti faz corroborôr, em nota de rlXiapé, com a citação de t~xt"" convergenles de Oiardina. de Micheli ede Maozoni (no original italia- no: '''P1Ú precisamente. \'enne aífermato che ta cspacici contributiva e data da queUa parte ddla forza e<:onomíca, della ncchc= di \ln soggetto. che super' il mínimo vi- tale"). Ibidem, p. 239: "capacidade contributiva C·.). Se esta não é simplesmente a capa::idade econômica. mas é a capac"lade econômica qualificada por um dever de CADERNOS DE DfRElTO TRlBVTÁRIO 25 diversa, ainda, da de capacidade financeira, esta voltada para a noção dc,tiquidez. Da primeira distinção, as críticas úoutrin~rias ao nosso legislador constitucional, que optou pela locução "capacidade econômica" (art. 145, § I"), sem, contudo, merecê-Ias, uma vez que pensamos assistir razão a José Maurício Conti, no sentido de que a expressão inteira - "capacidade econômica do contlibuinte" - afasta as equivocidades, desde que indica, nitidamente, aquele cuja riqueza disponível é qualificada, tornando-o apto à sujeição passi- va de uma obrigação tributária, na condição de "contribuinte". Eis que não se trata, assim, de singela capacidade econômica, mas de autêntica capacidade "contributiva",16 É clássica a distinção entre a Capaci- dade Contributiva absoluta ou ol?jetiva e a relativa ou subjetiva.rI No primeiro caso, cabe ao legislador selecionar. para a hipó- tese de incidência das normas tributárias, fatos que sejam reveladores de capacidade contributiva, - ou, na célebre expres..'\ão de Alfredo Augusto Becker. "fatos-signo pre- suntivos de capacidade contributiva", ou, em outras palavras, fatos que constituam sinais que permi tam estabelecer a presunção da existência dessa capacidade;n - aspecto que desempenha a função de pressuposto ou fundamento juridico do imposto. No se- gundo caso, cabe estabelecer a contribuição à medida das possibilidades econômicas de determinado sujeito passivo, adequa.'1do o "quantum" do tributo ao porte econômico do fato ocorrido e adequando-o às circunstâncias pessoais do cidadão; aspecto que cumpre a soltdsriedade. isso é, por um dever orientado e caracten- Lodo por um ~valecente :nteressecolelivo" (no original luliano: "capaciill contributivo ( ... ). s~ qucsta non é semplicememe la capacita economica. ma e capac:tá economica qualifical' <lo un dovere di so!idarietã, doê da un dovere nnalizzalO" caratterinalo da un pn:vaknte interesse collcttivo"). 76. Pnncipios TrtholÓrias .... ob. CiL, pp. 36-37. 77. Entre !antas outros: Regina H. Costa. Princi- pio .... ob. cit, pp. 27-3 t; Andrei P. Velloso. O P'","cípio daIsonomia .... ob.cit.pp.171·172. 78. TeOria Geral de Dm,ilo Tnhurário. W. 458, 460et seq. função de critério de graduação do tributo e de fixação dos seus limites, A primeira espécie de capacidade contributiva, atinente à hipótese das normas de incidência tributárias, espe- cificamente à sua materialidade; a segunda, adstrita à conscquência ou ao mandamento dessas nomlas. 79 Diversamente daquelas correntes doutrinárias que optam por apenas uma das formas de capacidade contributiva, identificando uma unilateral cOl1sagl"ação constitucional. parece-nos mais próprio e acertado admitir-lhe "una doble función". como sustenta Alvaro Rodríguez Bereijo, Catedrático da Universidade Autônoma de Madri;$O ou aludir às funções de fundamento e de graduação do tributo como dois momen- tos sequenciais da capacidade conttibutiva, como prefere Giardína.81 Procedente, nessa linha, os fundamentos constitu.cionais da capacidade contributiva identificados por Regina Helena Costa: o art. 145, § I", para a capacidade contributiva relativa; e os artigos relativos à distribuição das competências dos impostos-153, 155 e 156-paraacapacida<le contributiva absoluta.!l Tão elevada é a relevância da Ca- pacidade Contributiva para um sistema tributário, que, mesmo reconhecendo certo grau de veracidade na assertiva de Nicho/as Kaldor, o antigo Economista da Universi- dade de Cambridge. de que a demanda da sua melhor medida "é como a caça de um 79. Marçal Justen Filho. "Capacidade contribu- üva~. in lws Gandra da Silva Martins (coord.), QI(>Q- âdade Co"'l'ibutiva, Pl". 362-36-': And .. e; P Velloso, O Princípio da Isonomia ... , ob. cit .• pp. 17l- 172. 80. Ap"d Diego Marín-BarnuevoFabo, 1-" Pro- ("'--cid" ...• ob. cit., p. 21. 81. Le 8asi Teoríche ...• ob. cit, pp. 53-56: "São. portanto. dois os "momentos' da capacidade cOl1cribu .. \)'3. Ao primeiro. pode-se denominar de mamemo da capacidade contributiva ·.m!uta' (.._). Com a .:xprcs>lío capaCIdade contributiva "relativa" indlcamos u segundo momento da imposição" (no onginal italiano: "Sono quindi due i ·momenti· ddl. capacità contributiva. li primo si puõ denominare momento della capacitá contributiva 'assu!uta' C.). Con I'espressione .::tradu! .:onlrioutiva 'relativa' indichiamo il secondo momento dell'imposizioue"). 82. haricabilidade .... 00. cito p. J 16. 26 REVISTA DE DJREITO TRlBUT ÁRlO-IIS meteoro"j31 é imprescindível registrar, com Tipke e Lang, que, não obstante o grau dc dificuldade, inexiste qualquer alternativa a esse princípio, a não ser a da "indigência de princípios fundamentais";&<! donde a sensatez e a atualidade da sua condição de "energia que dá vida e sentido ao Direito Tributário" (José Marcos Domínglles de Oliveira&5), do seu caráter de "transcendência dogmática" e da sua identidade como "a espinha dorsal da justiça tributária" (!vfis<,bel Derzi""), como "Ia verdadera estre!la polar del tnbutansta" (Matías Cortés DomíngueT,. ~~~ajZscalidade Penoso e precário, porém, é o convívio da Capacidade Contributiva com a Extra- fiscalidade. "A complexidade do assunto", como observa Karina Pawlowsky. jurista paranaense, "tonla a questão, em verdade, de difícil solução".88 E confirma-o a doutrina estrangeira, aqui representada por Gustavo J. Naveira de Casanova, o Professor da Universidade de Buenos Aires: "Sin lugar a dudas estamos ante uno de los tópicos que más problemas presenta dentro de! Derecho financiero en general, y dt:! Derecho tributa- rio en particular"."" Isso porque, encre elas, instala-se, na expressão de Andreí Pitten Velloso, o jurisperito gaúcho, uma "signifi- cativa tensão". 90 Não obstante bons autores situem, historicamente, as primeiras exp('.riência~ 83. Apud Heleno Taveira Torres, Di''';I" Co",- /Í1ucional Tributá,.io e Segurança Jurídica' ,Ve/ódlca da Segurança Jurídica do Sistema ConsEilucionol Tnbutario. p. 604. &4 Oireílo TribUlárlG. ob. cit.. p 202 85 Dimilo '[}fbulário - Capocidode C"nlr!bullva (.ol1le';do e Eficdcia do Principia, p. 181. 36. "NotaS ... ", oh. cit.. p. 878. 87. O,denamienlo 7i-ibulJrio Espanol, p. SI, 88.A Utilizaçãod. Tributo cem Efi:ilo de Conf.sCiJ e slIa "edação Constitucional, p. 123. 89. EI principio de No ConfiscaIOríed.:ld: Eshld,a en Espana y Argentina, p. 356. 90. O Principio da Isonomia, .. , oh, cit., p. 331'. e.:ttrafiscais em meados do século XVIII;91 Alíomar Baleeiro lembra os "direitos alfan- degários altamente onerosos para proteção da produção nacional". registrando sua adoção pela França, "desde o século XVII", e por Veneza, udesde o fim da Idade Média ( ... ) pelo menos", o que implica o recuo inicial até o século XV:92 Já no século XL'{, espe- cUicamente em 1848, o mesmo Baleeiro e Souto Maior Borges, apontam o Manifesto Comunista, em que, segundo ° último, Karl Marx e Friedrich Engels incitam "a massa a pleitear esse instrumento de oportunismo na ação política".;» É mais recente, porém, a etapa que é considerada afase contemporânea da utiliza- ção ex:trafiscal dos Iributos, marcada por um caso jurisprudencial clássico, que, aliás, defla- grou o início dessa etapa: trata-se de um caso do começo do século XX, mais exatamente de 1904, estabelecendo uma discussão que alcançou a Suprema Corte norte-americana, ocaso "Estados t;nidos versus McGray", que discutiu a tributação diferençada da margarina e da manteiga; e no qual a Suprema Corte reconheceu a procedência da tributação mais gravosa da margarina em virtude de razões 91. Antonio Roberto Sampaio Dória, PrincípIOS Conslirucwnais Tribul(Írios e a Cláusula "Olle Processo ofLuw", p. 237; "Éapcnas "'" meados do século XVIU ( ... ) que se vilo revelanéo os extraordinários préstimos dos imf>Oslos, paI<! atingir finalklad.s diversas da mera obtenção de receita" - texto repetido n. reedição, ~omo 1),reila ConslltuclOnal TributáriO e "Olle Preces.! of ÚJw", p. 175. Regll1a Helena Costa, Prmcl,oiO ... , ob. cil, p. 71: "Fenômeno perceptível apenas em meados no século ,)(VIIl, a extran<Calidade ..... (sic). 92. Uma fnfrodttçiío à ClblCIO das Finanças} pp.190-19L 93. A. Baleeiro, Limitações ... , oh. cit., pp. 1.163 e 1.367; J. Souto Maior Borges, Introdução ao DireIto Financeiro. p. 56. A maiona das refet~ncias é â recomen- da;;l!o do "Imposto fortemente progressivo" - Monifesto ComunL.ta, p. 58, mas também se encontra. nesse famoso documento, a menção às "Tarifas proteloras!". na tradu- çilode Alvaro f'ln. e lvanaknklng3 -ibtdem, p. 65, ou a alus[o às "taxas pmtecionislas!". na lraduçãode Marcos Aurélio 'NogurÍTa e Leandro Konder - Manrfl!$IO do Par- lido C"mun;sta, pp. 87 e 95; ou a índicaçãosimphficada de 'IProtedonismo!" ~ na edição comentada por Chico Alentar, cujo(s) tnCutor(es) nào é(s:lo) identifioado(s) - .Manifesto CClmmista, pp, 73 c 82. CADERNOS DE DIREITO T1UBUT ÁRIO 27 ex trafiscais atinentes à saúde, como lembra Baleeiro.'" Foi a panir de então que se cons- truiu, nos Estados Unidos, a duplicidade da v isão do tributar com fundamento no "power to ta.:'{" - no "poder de tributar", literalmente, ou, cientificamente, na competência tributá- ria, que consiste na tributação habitual, na tri- butação que visa tão somente cam:ar recursos para os cofres públicos - e do tributar com amparo no que os norte-americanos chamam de "police power" -literalmente, no "poder de polícia", que corresponde a uma tributaç1io regulatória, a uma tributaçoo intervendonista, a uma tributação que visa realizar objetivos não meramente arrecadatórios, mas de caráter social ou econômico. Na primeira hipótese, fala-se de "fiscalidade", em oposição àsegun- da, em que se cogita de '·extrafisca!idade'-.9' No Brasil, ponha-se êntà.;;e, de início, no registro de Baleeiro de que, quando a doutrina ainda nem sequer sonhava com a extrafiscalidade, 'Já os governos a pratica- vam largamente sob a forma de isenções a. indústrias novas ou subsídios à exportação ( ... ) etc.", mencionando que "O Dec.-lei 300, de 1938, regulou e consolidou várias dessas isenções da legislação anterior".% Essa a m- zão pela qual o mesmo juristadeclarava,jà no alvorecer da segunda metade do século XX: "Acredita-se encerrado o tempo das finanças 'neutras', às quais sucedem as finanças 'ati- vas', como alavancas de comando da con- juntura econômica e do desenvolvimento'''!7 - um tempo em que, diz Mestre Souto, uma década e meia depois, chega-se a aludir a 11m estado "regulador e tributador", assinalado 94. O Direito Tributário da lOf>,Stillliçào, p. 165. 95. A. [3~lcciro, idem, Uma Inllrxh.ção .... ob. Clt., pp. 189-190; Geraklo Ataliba, Sislemu Cor.\(lluc;or.al Tl'luwârio LJrasileiro, p. 15 t; Aponíam(:JtlOs de Ciência das Fil1aJfçllS~ Du-eilO Financeira e Tribtlfáno, p, 138; J. Souto Maior 13orge<, Inrro(/uçti.> .. • ol>. cir, pp. 58-59. 96. Cinco A,,"" de Finanças e Politla, F/se"I, p.93. 97. Lbnitações ... , ob. Clt., p_ 1.370. Apcsarde que. na ediÇllo cltada. a 8'. o aUIOr ter·se-la valido do VCl:CO "encerrar" no ger<.mdlO - hencerra:tdo"; tnantivemos o p".rticipio possado - "encerrado" -. em atenção. edlções ar.íeriNes (L'mitações .... oh Cllo 6' ed .• p. 328). pela "agressividade"!S Por fim, quase cinco décadas depois, o panorama é bem desenhado por Pitten Velloso: "hoje em dia não só se admite pacificamente a extrafiscalidade, mas também se reconhece que ela constitui uma realidade irreversível nos Estados Soctais de Direito" (grifamos), inclusive no Brasil.99 Mas se, de um lado,há que reconhecer que tal presença é permanente e definitiva em nossa realidade juridica, é inevitável, de outro. admitir e confessar os problemas e embaraços que dda d~orrem. Dos quais, o mais importante e delicado deles, na aso...ertiva clássica de Sáinz de Bqj:mda, é exatamente o da sua legitimidade constitucional. 100 Esses fins alheíQS ao quotidiano da fiscalidadc devem encontrar nítida e clara consagração constihtcionaL Ora referidos como interesses públicos ou sociais;101 ora mencionados como objetivos, finalidades, diretrizes ou princí- pios;,o2 mas sempre vistos como contempla- dos. amparados ou protegidos na Lei das Leis. De todos, a modo de síntese, a conclusão de Martinez de Pisón. o Professor da Universi- dade Autônoma de Madri: "existe un amplio consenso doctrinal y jurisprudencial sobre 98. lntrodução ... , ob. cit., p. 47. 9Y. OPrmciplO da lso/lo>nia ... , ob. cit" p. 295, LOO . .\7 Scma'l<1 d~ Esrudios de Derecha Fman- dOr). ;'01. 2, pp. l.l~6-1.147. lO\. J, Souto Maior Borgc'$, Teorta Geral da Isenção Tnbulária, p. 75; Raimundo nozcna Falcão. T>'ibulação e Mudança Social. p. 199; RegUla Helena COSI". Principio .... oh. cit., p. 72. 102, Dentre 0, estrangeiros: José rllan Ferreiro L.'patl..1, "Los principios consul1.lciou,llcs de! ardeu tributaria: la no cQnfiscatorie<larl", 1/\ PnsqWll<- Pistone e Hdcno Taveira T(\rres (coords.), Estudios de Oel'echo Tributario Constitucional e InternacIonal: Hon:enaje úrllloamericano a '"clor Uckmar, p. 204; S",lvatore la Rosa, Eguaglid"!o 7i'iblliaria ed Esen:ioni Fi,calí. pp. t1 el seq.; Pedro Mal,.,tel Herrera M<>lina, Capaciclad Ecot1ómu:a y SiSleflff.[ FtScal- Anó.ftsls deIOrr:fenamier.!a Espd!ol a la LJlz dei Derechn Alemátl, p. 156; lu,," ArrieU! Martinez de Pisón, Técnica., Oetgr",'atonas y Oeberdc Conlribuir. p. 125; FrancISCo Gucia Dorado, Prohib,cllin Camt,luóonal de Cor,fiscatorIedad y Deber de TrtbU/ücwn, p. 65; Gaspare Falsitta. Manu"le di Di- duo Tributaria -- Pari" Ganerule. pp. 159-160. Dentrc os nacion.,s; Estevão HON'lh. OPrinôpio do Niío.Con. fisco no DU'eito Tnbulano, pp. 92.93j Humbce:rto A vila, SLllemll ConstítucÍlmal TrUl!ili.nv, pp. 352-353. Svvcv:>d C 28 REVISTA DE DIREITO TRlBUT ÁRlO-ll8 la legítimidad de los fines extrafiscales del tributo cuando dichos fines estén amparados por la Constítucíún";IO) caso contrário resta violada a Capacidade Contributiva e, por via de coosequência, a Igualdade. Aliás, é justamente nesse campo da extrafiscalidade. mais do que em qualquer outro, que reside o maior risco das investidas contra a Capacidade Contriburiva e a Igual- dade Tributária. Entre nós, a advertência foi de Souto Maior;l'" mas, internacionalmente, a precedência coube a Sáínz de Bujanda, que identificou, aqui, um "espinoso problema";I05 e mais do que isso, um "ten:ible problema"; 106 que o conduziu a famosas e multicitadas conclusões; "Desde el punto de vista jurídico positivo, la equitaliva distribución de la carga fiscal no puede sacrificarse para ellogro de orros fines, por muy elevados y atrayentes que és tos sem"; 10' "El progreso nO es legítimo ni eficaz, S1 se sacrifica 'el valor perdurable de lajustícia'·'.'<l8 Pelas quais, seus pronuncia- mentos foram classificados como "categóri- cos" (Pitten VcllosolO?), e ele mesmo como o "expoente máximo" da tese que Stl~tenta a ilegitimidade das providências extrafiscais (Seabra de Godoi"O). Tal corrente doutrinária, francamente a.·essa à extraf/Scalidade, embora quase sempre conectada a Sáinz de Bujanda, en- 103. Técnicas ... , oh. cil .• p. 125. 104. Teoria Geral... 00. cit., p. 72. lOS. LeCC'OIl€S .... ob. cit, p. 105. 106. ''Teoria jurídica de la cxencíón tribUEaria". in lladenda y Derecho, vol. m, p. 41 S. 107. Úcdunes .... uo. cit .• pp. 105-106. 108. "Reficxioncs sobre \In SiSlCmA de DerechQ tributario espano I". in Hadenda .... ob. cit., p. 374. 109. O Principio da lsononna .... ob. cil., p. 301. 110. Jusri,a .ob. cit .• p 193. Intere<santc le,n· brar. corno contraponto. COmo Já "fi7.emes. no passado. "uma interpretação posterior, de \975, de Carlos Pal.ao Tabeada, num trabalho clássico - Apogeo .v CrlSlS dei Prlllcipio de Cap"cidad Contributiva -, suslentando que aquela poS!ção de Slinz de Bujanda não era muito bem definida coma propri.m<!Ote contrlÍria à lribuu,i!io e'lrafiSClll, dever.do mais ser entendida como caUlela e pnldência 110 encará-la, e não realmente como a sua rejeIção" ("IPI e cxtrafiscnIidade·'. RevlSla de Di",ilo TI",\.~;!.iÍrio 9In5). controu defesa em outras vozes importantes do século XX, como as de Carlos M. Giulíani Fonrouge, da Argentina, Luigi Rastello, da Itália, e Ernesto Flores Zavala, do Méx.ico, entre outros.''' Todavia, em face do amplo acatamento internacional da extrafiscalidade, trata-se de concepção bem avaliada, hoje, por Pitten Velloso, por exemplo, como radical e af1.acrônica, cujo agasalho incondicionado só teria lugar no clássico Estado Liberal, encon- trando-se, pois, tal como este, superada.'" Em completa oposição, a tese de Fran- cesco Moschelli. advogando a possibilidade de conjugação dessas noções. Como SÓ se pode cogitar de capacidade contributiva quan- do a econômica for qualificada pelo dever de solidariedade social, então, na capacidade contributiva, "não se pode considerar a rique- za do individuo singular separadamente das exigências coletivas", assim como acontece quando se perseguem também os objetivos extrafiscais constitucionalmente estabele- cidos, motivo pelo qual "O problema da legitimidade dos fins extrafiscais do imposto queda resolvido, a nosso juízo, de modo simples e linear".1Il Conquanto seguida por muitos, inclusive da doutrina autóctone;'14 parece-nos uma explícaçao e:xcessimmente J 1 i. C. M. Giuliani Fonrouge. DerecllO FinaT/- CumJ, ."ol. l, p. 347: "capacídad contributiva ( ... ) pcdria entorpecer el desarrollo de una legislación trIbutaria eoo finillidades exlrafi.scales"; L. Rastello. Dírillo TrilrutariCJ _ Principi Generali, p. 377 e! seq.; E. Flores Zavala, apud J. R. Vieira. ~IPI e extrafiscalidade", ob. cit.. p. 75. Parece ser, também, a inclinação, na Espanha. de César Garcia Novoa: "capacidad ecotlómica ( ... ) CIlyo respeto por lo~ tributos exlrafis.cales es más que dudos." (EI COfILlt/l1U de Trllnuo. p. 333); e l1J Argentina. de Naveim de C.sanava: "Eu la postura opuesta. de tipo restric.:i.vo [il txtrafiscalidade) ( ... ) ala que en pr'Jlcipio le reconocemos mayor caudal de razóo" \e~la=mos. nos calcoetes) - SI Prmcipio .... ob. til., p. 358. 112. O Principio da Isonomia ... , ob. Clt.. P?· 301·305. ll3. No ongínal italiano: "nor. si puó considerare la riccheaa dei singo1o separatamerue dalle esigerue co;' lettive" - "11 problema della legíttimità deífini extmliscali dcll'impcsta ê risolH>, a Destro avviso, in modo semplicc e lin!are" -11 Princlpw ... , ob. cito p. 239. 114. José Marco~ Dorningues de Oheim. Dire/lo Tnwlário .... oh. cito pp. 116-118; Marcimo Buífon. O CADER.'<OS DE DIREITO TRlBUTÁRIO 29 simplificadora e adrede destinada a superar as contradiçàey; 115 se não "un j.uego díaléctico para eludir ((l control de la eapacidad con- tributiva, más que orra cosa", como sugere, com algo de excesso, Garcia Novoa;li. e que já tivemos a oportunidade de cJassificarcomo "uma tentativa talvez heroica", mas de muito difícil, e mesmo impossível sustentação, sob pena de notório vilipêndio à Capacidade Contributiva. 111 Pode-se cogitar, entretanto. de uma aplicação mais branda desse princípio, mesmo no âmbito da extrqfiscalidade. Há muito, Baleeiro chamava a atenção, no caso, par .. a disposição da Suprema Corte nortc- -americana de tolerar e mitigar o "due process oflaw"; 118 numa tendência tal vez semelhante à do Tribunal Constitucionalespanhol e de suas decisões dos anos oitenta do século passado, para as quais, ainda que no reino da extrafiscalidade. "lo que realmente se exige es que los tribunales no 'desconozcan' la capacidad económ.ica, pudiendo no estar inspirados exclusivamente en la misma".119 QuiçÍi similar a doutrina de Klaus Típke e de Joachim Lang, ao afirmaren1 que a capacida- de contributiva pode ser restrita pelas normas de finalidade social, mas não eliminada; IlO ou a de Ferreiro Lapatza e de Martínez de Písón, aludindo ao consenso quanto à extra- fiscaJidade, quando respeitadas as exigências "básicas" ou "mínimas" do princípío. "I A P,1ncipío da progres$ividade Tributark"w COl1Slinâçiio Federal de 1988. p. 89; Luís Eduardo Schoueri.Non",,' Tnbutários Indu/oros e [nfenlCnç(io Econômica. pp. 280·281. 115. De ,cordu, quanto às intençõe, teóricas explicitas. Mall>Íano Seabra de Godoi, Jus/iça .... ob. cito p. 195. 116 EI Concep(() . • 00. cit.. p. 334. 117. "IPI e ..... traf.scalidade .. , ob. oil., p. 16. É como pe:Jsa, também. Karina Pawlowsky. A Utiliu.:t;ão .... ob d.pp.188-189. 118. O Direito Tributário .... ob. Cll. p. 165. i 19. Césl!.{ Gorda N",,'oa, "Ileneficios oscales y librc eompetCllcia". in César Garcia Novoa < Caúllma Hoyos Jiména (coords.). t:1 TrihUfO Y SlI AplucaclÓn' Persp,'clivas para eI Siglo XXi, t. I. p. 763. 120. Direito Trtbutár!v. ob, cIL. p. 231. chave estaria, aqui, no diagnóstico dessas exigências básicas ou mínimas. Para alguns, elas estariam consubstanciadas na reverência ao lvfínimo Existencial, o limite inferior da capacidade contributivaY' Outros inclinam- -se a identificá-las na obediência à Vedação do Efeito de Confisco, o limite superior desse princípio. m Já nos pronunciamos pelo aten- dimento simultâneo e cumulativo de ambos as limites, que, em boa companhia, seguimos entendendo adequado.ll< Admita-se, porém, que. nesse recinto extrafiscal, a capacidade contributiva não vai além da exigência relativa aos seus li- mites de piso e de teto, sendo, no demais, afastada, como critério da igualdade. Esta, no entanto, a Igualdade em si, continua rei- !lO/Ido soberana. porque mais ampla do que a Capacidade Contributiva. Competente, como de hábito, a explicação de Humberto Ávila: "capacidade contributiva ( ... ) <.:onstituí a concretização setorial específica do princípio da igualdade, no caso das normas tributárias primariamente cliadoras de encargos. O âm- 121.).1. ferreiro Lapatza, Los PrinCÍpios .. ,00. eit.. p. 204; J. A. Martinez de Písón, Técnicas ... , 00. eit.. p. 125. ! ~2. Emilio Giar<:lin:l, Le Basi Teor!cllC: .... ob. ci:". pp. t 50-154; Alfredo Aug'J.<IO Becker. Teoria GeraL .• ob. eit.. p. 4$7. 123. É ocaso, eHlrenós. de Ricardo Lobo Torres. Os Dm!Í(Qs Humanos e a Tributação: I",unidades f? ísonomia. p. 136; e de Esu;yãc Horvath, O Principio ... , oh. cit .• p. 92; e, rdaúvamente. porque com temperos. de P. M. Herrera Molina, CO{Xlcídad EcoIfÔmKA ... , 00. cít, p. 158, Em """tido eontr.mo. Aliomar Baleeiro. akgllndo que. quando dn funçlo c"transe.l, "o camter destrutivo e agressivo é in."nte a essa tributação" - LtmÍlc",,<;cs .... oh. dI., p. 903; bem corno Cecilia Mari. :v!.rcondes H.rnllll. "Dtreitos fundamentais docontribuintc", inl"es Gandrada Silva Martins (coor<:l,).DiniIO$ FltnWmenlais do COIIMbl/irrle. p. 275. 124. J. R. Vieira, "IPI e extratisC<llidndc", ob. CIL, p. 76. Na mesma direç1io: G.bnel Cas..'1do OUero, Lo, Fi',cs '\'0 Fiscales de los TrIbutos. pp. 120 e J 22; G. J. Nlveir., de CasancV3. EI Principio ... , ob. cit .• pp. l73· t 74; Ka! ina Pawlowslcy, A Utilização .... 01:>. "it, pp. 123 e 193-194, que adere à doutrina S<!gundo a qual I) l.:m,ite do não confisv:J será, no caso, mais elástico; e Regina Helena Costa, Prillcípie .... oh. cit.. pp. 72.-76. que exclui. até mesmo da aplicação mínima dos limites. as ímunidadc-s e as isenções poUticas. ;,) REVISTA DE DIREITO rruauT ÁIUO-ll a bit0 de aplicação do princípio da igualdade é, todavia, mais extenso (.._) porque ( ... ) tanto se aplica para aquelas normas que têm por finalidade pomiria a criação de encargos (subtração de valores) quanto para aquelas que têm por finalidade primária a alteração de comportamentos (afetação dos dlfeitos de h'oerdade)".:z5 Estas últimas é que dizem respeito à extraTIscalidade, perímetro dç qual é excluida a Igualdadt! na sua vertente 19ualdace-Capacidade Contributiva, mas não a igua!dade que recorre a outros critérios de e~tabdeeimento das si,;:ilituces e distinções. Misabel Derzi trata, aqui, de dCrfeg':'y<-ies da c::pcidade contributiva que não ofenckm :l igualdade, desde que fundadas, por exemplo, no mérito econômico, na aptidão para concre- tizar planos econômicos governamentais. I,. Eis porque C~alta Nabais cogita, no caso, de um afastamento parcial da rgualdade, uma vez que restrito à vertente da Capacidade Contributiva. 121 E encontramo-nos, portanto, diante de uma terceira con-ente doutrinária, que, acatando uma aplicação atenuada da capacidade contributiva, na .cara da extra- fiscaltdade, no que conceme apenas aos seus limites, sustenta uma decidida aplicação da igualdade que busca arrimo em critérios ou- tros, que não a capacidade contributiva. 128 Atente-se, porém, para O fato de que, se, no circu lo da extranscal idade, afastl,-se a capacidade contributiva, exceto pela manu- 125. S,stema ... , 'lb. ciL, pp. 363-364. 126. "Princípio da Igualdade no Direito tnb\l:á· rio e suas manifest,1Çoos". il1 Geraldo Ataliba e A. R. Sampaio Dória (coords.)~ Princil'iO$ COI1stitucionais THburários' Aspectos PráIlCO' -Aplicações COl/crela.l. pp.180-18l. 127. O DffV€r FundamentaL, ob. eil.. p. 658. 123. Além dos autores citadus, mencionem-se; Em"stQ Lejeune Va ICMeel, U A?ro"imac;ón ui principio constltucional de igua!dad tributaria". in Se/$ Estudros som Derecho ConstitucIOnal e InteolaCicrral Tríbu:ario. p. 121; Eu.wbio Gonz.lez Garcia. apud G. J. Navel'" ce Ca.sanova, El Principio ... , ob. oi:.. p. }62; J. A. Mar· tinez de Pis6n, Técnicas ...• ob. Cl~, p. 142; M" .. .;íano Se2bra de Oadoi, Justiça ...• ob. Clt, pp 193·194. Lds Emtaréo Schoueri inclui. entre esses autores, KlAus lípke e Ricardo Lobo Torres - Nan"as 7hbulciria> .... ob. cit., p. 278. lençào do exame dos seus limites, então, a própria igualdade é atingida, mesmo que par- cialmente. E razão seja dada a Andrci Pitten Vclloso: emfáce de qualqúerconflilo de bens jurídico; que envolva o Princípio da Igual- dade é forçoso reconhecer a procedenCÊa da (utela do contrOle da proporcionalidade, como ocorre com qualquer outro direito fun- damental, por ex ;gência do pr6prio Estado de DireIto. Não há que se contentar, aqui. com a simples análise da legitimidade constltucional dos fins e dos meios das providências extta- fiscais - necessária, mas insuficiente - porquc redundaria, inevitavelmente. no manso, paci- fico e inocente acolhimento de toda e qual- quer desigualdade decorrente da tributação extrafiscal, apequenando, irremediavelmente, o Prir:cipio da 19ualdaée, por natureza, grande CClllO talvez nenhum outro.'" Estabelecida a legitimidace constitucio- aal dos fins e dos meios extrafiscais, de que Já falamos, à guisa de uma precondição, aí, então, cabe o recurso à proporcionalidade. 110 Não no sentido da integração, material 0\1 de conteúdo, da proporcionalidade à igual- dade - tendência adotada, a par&- dos anos oitenta do século :XX, pelo Tribunal Cons- titucional alemão, e batizada como "nova fórmula"'" - mas na ace~o de controle das desigualdades. Trata-se do triplice exame da proporcionalidade: verificar se as medidas escolhidas são adequadas à finalidade ex- trafiscal perseguida (adequação, na relação "meio x fim"); se, diante da existência de medidas altemativ-as,as adotada!> são as me· 129. O Príncíp.i0 da fronomia.,., ob, ciL, pp. JI0· 311,307-308 e3J6. E per<:cido O raciocínio, igualmente apurado. de Casalta Nabais, defendendo a aplica<;ão do~ prindpjos da Igualdade e da Proporcionalidade para ., uonn3S cx.qa.fiscais, e asseverando que elas "enquanto medidas mtervenciontstas susceptíveis de afecrdr OJ restringir os direüos. liberdades e gamnt.as fundame"ta", nlo pedem deixar de obctlt:Cer à vinculaçlo rrtdteri,l decorren\e dos prinCípiOS da propOtcior.alidadc 'loto scn&U' e Ca íguald.'\de" - O Dever Fvnda/llentu[ ... ~ 00. dI.. pp. 648 e 655. 130. Andrei P. Vdh>so. O Principio da Isonofnlu .. ob. c:L, pp. 249-25 L 131. Ibidem, pp 59--65. CADERNOS DE DfRFITO TlU13CT ÁRIO :lI nos restritivas e prejudiciais à igualdade (ne- cessidJ.de, na relação "meio.'1neío"); e se as vantagens derivadas da finalidade extranscaI almejada são proporcionais às desvantagens oriundas das desigualdades estabelecidas (proporcionalidade em sentido estrito, na relação ''va''ltagens x desvantagens') m É larga e respeitável a doutrina que trilha esse ca:ninho;lll mesmo porque, como observa Schoueri. é exatamente o Princípio da Pro- porcionalidade que permite compmibilizar as nomzas e.vrafiscais com o Princípio da igualdade. ,J' Na jurisprudência comparada, o Tribu- nal Constitucional espar.hol, embora tenha ace!1.ado nessa direção, acaba por não reali7..ar esse tipo de controle; lacuna que, no caso do Tribunal Constitucional alemão, é parcial, desde que o faz, em dctcmtL'1adas dedsÕC!>, deixando de fazê-lo em outras. lJI Já o nosso Supremo Tribunal Federal nem sequer distin- gue entre ~ desigualdades provenientes das normas tributárias do campo da fiscal idade, subordinadas à capacidade contributiva, daquelas advindas das nonnas tribl:tárias da esfera da extrafiscalidade, sujeitas à propor- cionalidade, revelando-se completamente omisso. 110 que tange a e~te último controle; e curiosamente, porque o realiza em diversos casos de controle da constirucionalidade de leis, mas, neste. contenta-se em alegar que as 132. H. Ávila. Sistema ... , 00. til., pp. 350·351 • 406-415; A. P. Velloso. O Princípio da Isonomia .. , oh. cit., pp. 25J-258 e 311-317; L. E. Schoueri, Narmas Tributá,."' •... , ob. ;;l\., p. 294; K. Pawlowsky, A Uti- Inação ... , ob. cit .• p. 195; J. Ca$alta NilialS, O Dever Fundamental ... , oh. cit .• pp. 657 e 696. 133. Ademais dos autores já referid"", acrescente· -se, exemplíficativamenle: Álvaro Rodri~te]; Bereijo. hLos limites rons!:tucl\:>"ales dd poder tribufaria en ta Jurisprudencia dei Tribunal Coostituciooaí", Ul EI S,,· tema Económico en la Lcmstltuci6n EspLJJlola, p. 1.3 ~ 4; .? ~t Herrern Mo[ina, Capacidad EconômIca" .. ob, cic. p. S9; e incluslVe nó-< mesUl<lS - "IPI e extr.fiscalidade'·, ob. cit.. p. 76. 134. Normas Tributárias ... , ob. cit.. p 292. 135. A Rodríguez Bereljo. "Los limites .. :'. ob. c:!.. p. 1314; P. M. Herror. Molina, Cap<1c.dad Ü"('- nómiCiJ ... , oh. cir.. p. 89; A. P VeUoso, O Prmcipio da úonomia ...• ob. cit.. p. 317. providências co Legislativo ou do Executivo são tomad~ no exercício d~ respe ctivas dis- cricionariedades, e, assim, não são passíveis do seu controle. Perante essa inquestionável insuficiência de controle, Humberto Ávila, com toda procedência, censura a tese sim~ plista da msíndicabilidade judicial. taxando-- -a corno "uma monstruosidade que viola a função de guardião da Constituição atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a plena reali- zação do pr..ncípio democrático e dos direito> fundamentais bem como a concretiz..'ção do princípio da uníversalid&de da jurisdição"; concluindo que, lamentav'elmente, ta! ornis· são judicial toma "o princípio da igualdade deficitário", entre nós.1l6 $, 1ncemivos trihutáriose a Lei lZ. 715 Restringimos, a p<U1ir deste pento, nosso ângulo de preocupações extrafiscais, concen- trando a atenç1W nos incentivos tributários, pelo pronunciado relevo dessa específica arena da extrafiscalidade. Com efeito, como sublinha Casalta Nabais, "é no domínio d\ils chamados beneficios fiscais que a extrafiscali- dade se revela em termos mais shmüicativos c frequentes". Trata-se, hoje, da ";lanifestação dominante da extrafiscatidade". iJ1 Abrimos, contudo, parênteses, aprovei- tando a terminologia do ilustre jurista lw;itano - "beneficios fiscais" - ou a da expressão ain- da mais comum, entre nós - "incenlivvsjis- cais" -, para registrar nossas reser.'as quanto a essa nomenclatura, de cunho etim ológico, como já registranlos alhuresYs Fiscal, do latim "fiscalis", sígniDca hoje "relativo à jàzenda pública", como ensina Antônio Geraldo da CllnhaY' Mas convém 136 Si"ema ...• ob. cit.. pp. 350-362, especIfica- mente, pp. 350, 352,353,356 e 362 . 137. O Dew!r Funda,,""'taL, ob. dI., pp. 632 < 695. US. uPrefàclO", HO direilo de crédito .do contn- buín~e: excelênCIas e ex.cre$CênciJ:3H~ in Cétia Ga5Cho Cassuli. O DÚ'eilo de Crédito do Conlrib"int<?, pp. XIX·XX, 139. D.c/ÓnáYlo ErimolJgico . .. , 00. cit.. p. 359. 32 REVISTA DE DIREITO TRlBUTARlO-lIS que consideremos, às rápidas, a evolução etimológica da palavra. Numa primeira etapa do unpério romano, a palavra "fisco" ("fiscum") foi utilizada para referir o cesto de vime ou junco empregado pelos coletores parà guardar o dinheiro arrecadado; numa etapa posterior, passou a indicar a caha des- tinada a permanecer nas mãos do imperador, para conservar o "tesouro do Principe", com os seus recursos privados, que não se con- fundia com a palavra "erállO" ("aerarium"), caixa depositada nas mãos do senado romano, para resguardar o "tesouro público", abaste- cido por receitas públicas; na terceira etapa evolutiva, "fisco" ganhou mais relevância do que "erário", passando a acolher maior vulto de recursos; e, numa etapa derradeir~ já na fase republicana, ambos os vocábulos - tanto "fisco" como "erário" - passaram a apontar para o mesmo e idêntico significado de te- souro público ou fazenda pública.''''' Ora, ao tesouro chegam to<las as receitas (obtenção de recursos), que serão administradas enquanto ali permanecerem (gestão de recursos), e de- pois deLxarão o caixa, sendo despendidas na prestação, por exemplo, de serviços públicos, de sorte a atender às necessidades públicas (gasto de recursos). É claro e manifesto quc o adjetivo "fiscal", abarcando as receitas, a gestão e as despesas - todos os campos da atividade financeira do estado - acaba por identificar-se muito mais com "financeiro" do que com "tributário". Por isso, e nada obstante a observação dc Aliomar Baleeiro, que utiliza "tributário" e "fisca!" como sinônimos, "a despeito de qualquer contraindicação eti- mológica", entendemos adequado s\lbstiruir as expressões mencionadas por "incentivo tributário".'·' A Lei 12.7/5, de 17.9.2012, resultante da conversão da Medida Provisória 563, de 3.4.2012, ademais de díspor sobre a alíquota das contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, sobre os controles dos ! 40. Bem ardo Rlbeiru de Moraes, Compêndio de Di''eilo TributárIO, vol. I, f'p.91-92. 141. Direi/o Tributário Br(lS,leiro, p. 5. preços de transferência, sobre as empresas preponderantemente exportadoras e numero- sos outros temas, em seus longos i9 artigos, apesar de alguns vetos do Executivo, tratou, detida e minuciosamente, de diversos incen- tivos tributários. Esse diploma legal instituiu o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica - P RONaN, como incenti vo a ações e serviços de atenção oncológica, desenvolvidos por instituições de prevenção e combate ao cân- cer (art. 2'); bem como instituiu o Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência - PRONASlPCD, como incentivo a ações e serviços de reabili-tação de pessoas com deficiências (art. 3", § 2~); permitindo que as doações e patrocínios em prol das ações e serviços das instituições beneficiadas por esses programas constituam deduções do IRPF, para as pessoas fisicas, nos anos-calendários de 2 O 12 a 201 5, e constituam deduções do IRPJ, para as pes- soasjwídicas, nos anos-calendários de 2013 a 2016 (art. 4°). A mtmcionada lei também restabeleceu o Programa um Computador' por Aluno - PROUCA, para promover a inclusão digital nas escolas públicas e nas escolas sem fi ns lucrativos de atendimento a pessoas com de- ficiências, mediante a aquisição e utilização, para alunos e professores, de equipamentos de informática, progranlas de computador e de suporte e assistência técnica (art. 16); além de institu ir o Regime Especial de incentivo a Computadores para Uso Educacional- REI- COMP, beneficiando as empresas habilitadas que tàbriquem esses bens e que prestem, mediante licitação, esses serviços (art. 17). As empresas fabricantes dos equipamentos de in- formática que forem beneficiárias do regime gozam de isenção do IPI nas saídas destinadas às citadas escolas (art. 19); e gozam de sus- pensão do IPI. do PISIPASEP-Importação, da COFINS-Importação, do Imposto de Un- portação e da CIDE tanto sobre os insumos importados diretamente por elas quanto sobre os pagamentos de serviços importados dire- tamente por elas, quando destinados áquelcs CADER.~OS DE DIREITO TRrBUT ÁRIO 33 equipamentos; bem como seus fornecedores gozam de suspensão do IPI, If3. venda dos insumos, e de suspensão do PIS/PASEP c da COFINS sobre a receita decorrente tanto da venda dos insumos quanto da prestação de serviços a elas, quando destinados àqueles equipamentos (art. 18, I a IH); suspensão que, após utilizados os insumos e serviços adquiridos ou importados, converte-se em alíquota zero (ar!. 23). Essa lei instituiu, ainda, o Regime es- pecial de Tributação para Conslmção ou Reforma de Estabelecimentos de Educação Infantil, destinado a beneficiar projetos de construção ou reform:l de creches ou pré- -escolas, até 31.12.2018, desde que o imóvel seja utilizado como tal por, pelo menos, 5 anos (art. 24). Mantendo escrituração contábil segregada para cada obra (art. 27), a empresa construtora pagará I % da receita mensal re- cebida pela obra, como pagamento unificado dos seguintes tributos: COFINS (0,44%), PISIPASEP (0,09%), IRPJ (0,31%) e CSLL (0,16%) (art. 25); pagamento que serA con- siderado definitivo, sem direito à restituição ou à compensação (art. 26, § 2Q). Também foi instituido, pela mesma lei, o Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações - REPNBL- Redes, destinado a projetos de implantação, ampliação ou modernização de redes de tele- comunicações que suportam acesso à internet em banda larga, incluindo estações terrenas satel itais que contribuam com os objetivos do Programa Nacional de Banda Larga - PNBL. As empresas fornecedoras de máquinas, aparelhos ~ equipamentos, e de materiais de constmção, bem como fornecedoras de serviços, para obras abrangidas pelos projetos das pessoasjulidicas ben.eficiárias do regime, gozam de suspensão do IPI sobre as respecti- vas vendas, e de suspensão do PISIPASEP e da COFINS sobre as receitas das respectivas vendas e prestações de serviços (arts. 30 e 31); suspensões que, depois de utilizados os bens e serviços adquiridos, convertem-se em alíquota zero (art. 30, § 2°). Outra providência dessa lei foi a criação do Programa de Incentivo à lno~'ação Tecno- lógica e Aden,amento da Cadeia Produtiva de Veiculos Automotores - INOVAR-AUTO, com o objetivo de apoiar, até 31.12.2017, o desenvolvimento tecnológioo, a inovação, a segurança, a proteção ao meio ambiente, a eficiência energética e a qualidade dos automóveis, caminhões, õníbus e autopeças; habilitando, sob a exigência do cumprimento de certas condições mínimas, empresas que fabriquem ou comercializem esses produtos, ou que apresentem projetos para a instalação de fábricas ou de novas plantas ou projetos industriais para a produção de novos mode- los desses produtos (art. 40). As empresas habilitadas podem apurar crédito presumido do IPI, com base nos dispêndios rnensais realizados com pesqui~ desenvolvimento tecnológico, inovação tecnológica, 1I15Ul110S estratégicos etc.; além de crédito presumido do IPI em relação a veículos importados, bem como suspensão do mesmo tributo no desem- baraço aduaneiro desses veiculos, quando da importação por parte de empresas que terJ,am projetos para a instalação de fábricas ou de novas plantas ou projetos industriais para a produção de novos modelos desses produtos (art. 41). Tudo nos telmos da regulamentação do Decreto 7.819, de 3.10.2012, expedido pelo Poder Executivo. Ademais, a Lei 12.715/20l2 alterou incentivos tributários já existentes. Foi o que fez com o Regime Tributário para in- centivo à Modemízaçào e à Ampliação da Estrutura Portuária- REPORTO, instituído pela Lei 11.033, de 21.12.2004, que estabe- leceu estimulos à aquisição de máquinas e equipamentos para utilização exclusiva na execução de serviços ligados aos portos; tendo como beneficiários o operador portuá- rio, o concessionário de porto organizado, o arrendatário de instalação portuária de uso público, a empresa autorizada a explorar instalação portuária de uso privativo misto Oll exclusivo, o concessionário de transporte ferroviário, as empresas de dragagem, os recintos alfandegados de zona secundária e 34 REVISTA DE DIREITOTRlBUTÁRJ:0-1l8 os centros de treinamento profissional do art. 32 da Lei 8.630, de 25.2.1993 (art.~. 14 a 16 da Lei 11.033/2004, com as novas redações do art. 39 daLci 12.71512012).As vendas, no mercado interno, e as importações de máqui- nas e equipamentos, diretamente efetivadas pelos beneficiários do regime, para utilização exclusiva nos serviços especificados ligados aos portos, gozam de suspensão do IPI, do PIS/PASEP, da COFINS e do Imposto de Importação; suspensão que, após 5 anos, no caso do IFI e do Imposto de Importação, converte-se em isenção, e, no caso do PISI PASEP e da COFINS, em aHquota zero (art. 14, caput e §§ 10 e 2", da Lei 11.033/2004, na redação do art. 39 da Lei 12.7 :5/2012); além da manutenção, por parte dos fornecedores, dos créditos de PISIPASEP e da COFINS vinculados às operações beneficiadas (art 17 da Lei 1 \.033/2004). E a mesma Lei 12.71512012 alterou,ain- da, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústrla de Semiconduto- res - PADIS, instituído pela Lei 11.484, de 31.5.2007, que determinou o encorajamento das operações realizadas pelos beneficiários, de pesquisa e desenvolvimento, em relação a dispositivos eletrônicos semicondutores, mostradores de informação ("disp!ays"), e insumos e equipamentos para a fabricação de ambos, desde que industrializados de acordo com o Processo Produtivo Básico estabelecido (art. 22 da Lei 11.484/2007, na redação da Lei 12.715/2012). As vendas, no mercado interno, e as importações de mác;ui- nas e equipamelltos, por parte das pessoas jurídicas beneficiárias, para a incorporação ao seu ativo imobilizado e a realização das atlvidades especificadas, desfrutam de alíquo- ta zero, do P1SIPASEP e da COFINS sobre a receita do fornecedor, de alíquota zero do PIS/ PASEP-Importação e da COFINS-Importação sobre os produtos beneficiados importados, e de alíquota zero do IPI sobre os produtos adquiridos ou importados beneficiados; além de aliquota zero da CIDE, nas remessas para o exterior, para pagamentos relativos a paten- tes, marcas, tecnologia e assistência técnica, da parte das pessoas jurídicas beneficiárias; de alíquota zero do Imposto de Importação sobre máquinase equipamentos para incor- poração ao seu ativo imobilizado, e sobre insumos importados pelas pessoas jurídicas beneficiárias; e, por fim, nas vendas dos pro- dutos beneficiados, das reduções a zero das alíquotas do IPI sobre os produtos, e do PIS! PASEP e da COFINS sobre as respectivas receitas, bem como da redução de lOD% das alíquotas do Imposto de Renda e do adicional sobre o lucro da exploração (arts. 3º e 4" da Lei I I .484/2007). 6. Inquietudes quanto aos incentivos tributários da Lei 12. 71512012 Não são poucos os desassossegos cau- sados pelos incentivos tributários instituidos ou alterados pela Lei 12.715/2012. A começar pela sempre presente parti- Cipação do Poder Executivo em lodos esses programas e regimes de incentivo tributárifJ, às vezes um pouco menos, às vezcs um pouco mais, mas, invariavelmente. desempenhGluio um pape/forte e robusto Em relação ao PRONON e ao PRONASIPCD,porexemplo, cabe ao Executivo fixar, anualmente, o limitc da dedução do Imposto de Renda, tanto para as pessoas fisicas, num percentual da renda tributável, quanto para as pessoas jurídicas, num percentual do imposto devido (art. 4", § 5"); bem como lhe cabe estabelecer a forma e o procedimento pelo qual as ações e os serviços de atenção oncológica e de reabi- litação de pessoas com deficiências 5erão aprovados previamente pelo Ministério da Saúde (art. 7Q). Da mesma [onua, no que diz respeito ao PROUCA (alt. 16, §§ 10 e 20), ao REICOMP(art. 17, § 3"), ao Regime Especial de Ttibutação para Construção ou Refonna de Estabelecimentos de Educação Infantil (311. 24, § 3'), ao REPNBL-Redes (arts. 28, § 2Q; e 29, §§ l' e 4Q), ao INOVAR-AUTO (arts. 40, § 9"; e 41, §§ 3" e 5°), ao REPORTO (arts. 14, § 7"; e 15, § 2·, da Lei 11.033í2004) CADER."IOS DE DIREITO TRIBUTARlO 35 e ao PADIS (31ts. 2', III; 5"; e 6", § 4Q, da Lei \1.484(2007). Em todos esscs casos, o(s) diploma(s) legal(is) atribui(em) diversas funções, seja, genericamente, ao Poder Exe- cutivo, como, por exemplo, simplesmente, re- gulamentar o programa ou o regime, hipótese em que se deve entender como atribuição do Presidente da República, a ser exercida por meio de decreto, desde que a ele compete, nos tennos do art. 76 da Constituição, exercer as atribuições do Poder Executivo, embora com o auxílio dos ministros de Estado; seja, espe- cificamente, a ministros relacionados com a área do incentivo ou à Secretaria da Receita Federal do Brasil. É verdade que, na maior parte desses casos, deparamos com o Executivo a de- sempenhar suas funções regulamentares ordinárias, tais como detalhar os conceilos sintéticos da lei; estabelecer os procedimentos administrativos, dentro do seu âmbito de a(u- ação; e reduzir as ambiguidades ou vaguezas decorrentes dos termos e enunciados legais, inclusive no que tange à chamada disericio- nariedade técnica, na boa sinopse de M arcdo Costenaro CavaIi. '42 Contudo, é indispensável uma atilude cuidadosa de constante alerla e de perene vigilância, dado que os excessos e descomedimentos do Executivo, não exa- tamente raros, no cumprimento das tarefas que lhe foram confiadas pelo legislador, podem minimizar esses programas e regimes, tomando-os insignincantes, ou, pelo contrá- rio, maximizá-los, fazendo-os extremamente significativos; e, em ambos os casos, seja restringindo-os, seja ampliando-os, assumin- do o risco de "redesenhar" administrativa- mente o incentivo tributário originalmente estabelecido pela lei, hipótese em que restaria traído o legislador e violado o mandamento da Lei Maior segundo o qual "Qualquer sub- sídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou con- l42. "funções do regulamento", in "Perfil cons- titucional do regulamento e alguns reflexos tributários", Revüfa da Academia Brasileira de Direíro Consiitucio· naI4l197-205, e especificamente pp. 198-202. tribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, tederal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição" (ar!. 150, § 6,).'43 Nossa aflição quanto a esses incentivos tributários cresce quando verificamos o di- minuto e acanhado cuidado do legis! ador no identificar o amparo especifico, no t.exto da Lei Suprema. dos fins extrq/iscais persegui- dos, explicitando, acima dc qualquer dúvida, a legitimidade constitucional do incentivo tributário estabelecido. A Exposição de Motivos 2512012, que acompanhou a Medida Provisória 563/2012, de cuja conversão se originou a Lei 12.715/2012, ao justificar a instituição do P RONON e do PRONAS/PCD, programas voltados à atenção oncológica e à reabilita- ção de pessoas com deficiências, além de mencionar o câncer como "uma das doenças que mais mata no Brasil" (item 8) e as difi- culdades das deficiências para "uma inserção mais ativa de seus portadores na sociedade" lltem 9), limitou-se a refel1r o mandamento da "dignidade da pessoa humana" (item 10); que, conqu311to um dos fundamentos da nossa República (Constituição, alto 1", UI), não dis- pensa Ilem escusa da lembrança do direito à saúde como um dos direitos sociais (art. 6°), como uma das nossas necessidades vitais básicas (art. 7", IV), como "direito de todos e dever do Estado" (art. 196), reafirmando a "relevância pública" das "ações e serviços de saúde" (art. 197). Ao fundamentar o restabelecimento do PROUCA e a instituição do REICOJvIP, incelltivo~ que contemplam os bens de infor- mática e o seu uso educacional, a exposição de mo ti vos não vai além de destacar a "im- portância que o acesso às novas tecnologias da informação tem para a formação da nossa 143. EmboC<l1l30 seja essa nossa maior prC()cupa- ção. sliblinhe-se que aLei 12.715/2012, versandoo"me- rosos u~sunlos, não "regula exclUSIvamente a matéria" das incentivo!' tributários nem algum específico tributo, na que já se descumpre uma d.;s doterminaçi:ies claras do legislador constitucional. 36 REVISTA DE DIREITO TRIBUTARIQ.118 juventude" (item 21); calando a memória do direito à educação como um direito social (art. 6"), como uma necessidade vital básica (art. 7°, IV) e como um "direito de todos e dever do Estado e da t:1mí!ia" (art. 205). Já ao alicerçar a instituição do REPNBL- Redes, regime especial destinado a projetos de redes de telecomunicações com acesso à internet em banda larga, o legislador não fez mais do que declarar as intenções de "acelerar os investimentos em infraestrutura" dessas redes (item 23) e de permitir "o maior acesso do cidadão àredc mundial de computadores" (item 29), estimando "a geração de vinte e três mil empregos diretos no setor até 2016" (item 30), motivações predominantemente econômicas; sem a mínima preocupação de invocar as liberdades de manifestação do pensamento (art. 5°, IV), de expressão da atividade intele.ctual, artística, científica e de comunicação (art. ~, IX), de acesso à informação (art. 5', XIV), c o mandamento pelo qual "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição" (art. 220). Na justificativa da instituição do INO- ~'AR-AUTO, regime dedicado ao incremento tecnológico da indústria <lu(omotiva, a expo- sição de motivos, lembrando a "posição de destaque nos mercados mundiais" dessa in- dústria nacional (item 41), enuncia o objetivo de fortalecê·la (item 44), com o atendimento "aos atuais padrões de produção da indústria automotiva internacional" (item 45), me- diante "ações em tavor do desenvolvimento tecnológico, da Inovação, da segurança e da proteção ao meio ambiente", "dada a natureza estratégica do setor envolvido" (item 46); razões, novamente, de
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