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Indkado para: Participam deste volume: Aldo de Paula Junior Ana Maria Ribeiro dos Reis António Francisco de Sousa Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy Celso de Barros Correia Neto Fernanda Laís de Matos Giovanna Loyola Macêdo , " Hadassah LaIS de Sousa Santana José Roberto Vieira, Liziane Angelottl Meira Marcos Aurélio Pereira Valadão Micaela Domlnguez Dutra Mohamad Ale Hasan Mahmoud Paulo Gonet Branco Rosaldo Trevisan Tereza Cristine Almeida Braga ( GradUação a J C-profi~!J' áraivaJur í ",; ,t,,.;; ""' ...... , ... ~ .. , .. ~." ... b. I, .... l" SAC 10800-0557688 saraivajurOedito<asaraiva,com,br J u r De 2' a 6', clds 8:30 às 19:30 ISBN 978 -85 -02 - 18090'- 1 ."" . .1 J II Tributação e Direitos Fundamentais conforme a jurisprudência do STF e do STJ Coordenadores Paulo Gonet Branco Liziane Angelotti Meira Celso de Barros Correia Neto n1. EdHor. ~ Saraiva f Série •• INSTITUTO -dP.IC~ IUSllIENSE I ~ DE DIREITO .,- ..... .. t ' o • -.'.1 o "c" .,. .. .~. ;. ,- ~ q, '" , ,. . .. ~ ..... " "- fi " - l/. ;,) o' () .J ç ... J l> Q " L • • .... (J . , .. o - ~ ... ~ ~ PÚBLICO ~ ' q • • ',.. {)(llri4 0<:> ~ o:. . • _ : ....... 0 0 'Q '-l ~"',. ': ~ , \ .. . ~ o: , .. ~. .~~~ .~ ., (s~ ~. \~.~~} 1;0 h !, ~ r;;' '_~~J t'?, .~ ., .-:-;-: . ~) ~,! ,.... : ~'~ "\ '" .'0 :~ ,' '"":"'). ,.?;i .'.! ~ ,:': . , ,', ~ ~ . ...... :' """ '.' ~, ' .. :.' ,....., '""'\ ê'\. ." ~ "'" ",,' -:,. "'.' .\--: .,~. ...... ", ··r: .( '~'. ., t i~ t:~ ~ 1:.(' ~; ... 'li ,;. Paulo Gonet Branco Liziane Angelotti Meira Celso de Barros Correia Neto (Coordenadores) Tributação e Direitos Fundamentais conforme a jurisprud'ência do STF e do STJ n,. Editora. r Sara iva 2012 , - f Serle • . / INSTITUTO -Idp j1~ WOSII~nrJE ~ PUBLICO ISBN 978·85·02·18 09 0·1 Dados Internocionoi ~ de Cotologoção no Ptrblic9çóo (CIP ) (Cômoro Bfosileiro do livro, SP, Brasil) . ~ro.nío"PoÜlóJ,GM~,~;J,F~;i;·;;:,;: ,;L<;' ,), . .:. :.~i:T~ib\itp\õ~·i~91~~.ità.~wIi9,9m,à~t'o.!kA:éo.o(ds: · Poulo ., G2~e~!Bron.co,~1I~~gQ:~\~DQ.e.)0.~~~e.I!Q!;~ 8.e':o ~ de . , . Borros. (orrelo ;. t{eto ;.~·Sõo; eoulo ,:fSorOlvo; ·"012. " . (~~~!~~~:~~~Jl~~~li~~ti~l;:Hr :~/'o " ;. . ;;1: ;·:orreitlis;JYb:dafu~n~(9f€:(<<:'B rOQ:êo ii;Poúlo' Gono t. , 1!."Me)ió, ;,lIz~·~~~~geIQ~i;).l~~Çiíiitiió~~t.iJ'; Célso ~: ~l ·~ffjN);fMJi~f~~~~~~jrF' JF::;h::" . 1'21'0"-72 . . ~r"";!;""~"~.;; .. ;·:.;·,t'·"\·"J , . c· ,,(DU~42 7 '::. :~~~:.:\:Z'~~"." .... ::;':;:~;r'~~A!:;~~~.:.~(~·:{lt;h~/;:~{}}f' ~::':::~';';; :;~ ", ! ! índice poro catálogo sistemótico: 1. Direitos fundomentois : Direito constitucional ' , 342.7 Diretor editorial Luiz Roberto Curia Gerente de produção editorial Ligia Alves Editor Jônatas Junqueira de Mello Assistente editorial Sirlene Milanda do Sales Produtora editorial Claríssa Boraschi Maria Preparação de originais Ano Cristina Gorcia Maria Izabel Borreiros Biten(oun Bressan Maria de Lourdes Appas . Arte e diagramação Cristina Aporecido Agudo de frqUos Muiroquitó Editoroçóo Grófico Revisão de provas Rita de Cássio Queiroz GOloolI ' . Ivani Cazarim Willians Calazans Serviços editoriais Cemilo Artioli loureiro Maria Cecilia Coutinho Martins .' Capa Moyora Enohata ; Produção gráfico Marli Rompim Impressão fd,Loyolo Acabamento fd,Lo yola Data de fechamento da edição: 3·8·2012 Dúvidas) Acesse www.sara ivalur.com.br Nenhuma pOfle desto publicOIÓO pod. 1O sei " plOdU lido p~1 :quolque l meio ou 101m ° s.m o p,é,1O ourOli lOIÔO do 1dilOIO SO loi,o. . A '1Ololêo dos di r'I/os ourOlois i crime estabe lec ido no lei n. 9.6 10/98. punido pelo Ofl. 184 do Código Pena l. Abreviaturas AC ADC ADCT ADI ADPF Ag, I AgRg AI CC CDC CF CLT CP CPC CRFB CTN OJ DJe OJU DOU EC Ação Cautelar Ação Declaratória de Constitucionalidade Ato das Disposições Constitucionais Transitórias Ação Direta de Inconstitucionalidade Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Agravo I Agravo Regimental Agravo de Instrumento Código Civil Código de Defesa do Consumidor Constituição Federal Consolidação das Leis do Trabalho Códi~o Penal Código de Processo Civil Constituição da República Federativa do Brasil Código Tributário Nacional ~iário da Justiça Diário da Justiça eletrônico Diário da Justiça da União Diário Oficial da União Emenda Çonstitucional 5 , - ;-,: r--:.. ~~ F .'- r"\ " ,...-> ~, ,...... ... , .-... , ~. o IRPF e o D ire ito Fundamenta l a Igualdade: um tr ibuto de dupla personal idade ! 7 José Roberto Vieira * " ... a isonomia não está no texto constítucional apenas; a isonomia, em certo sentido, é a Constituição Federal de 1988 ... Todos os princípios e Normas se reconduzem ao princípio mais originário, o que está /10 fun - do dos fund~mentos da Constituição''!. 7.1. Robert Louis Stevenson É raro e singular, e mesmo insólito, O fenôrne n o que se dá, no Brasil, com o Imposto d e Rend a das Pessoas Físicas - um tributo de dupla personalidade ! - um caso patoló gico de transtorno psiqui- átrico cuja explicitação p ede e exige o v alioso e oportüno socorro de Stevenson, a quem não podemos deixar, uma vez mais, dl' recorrer2. Professor de Direito Tributário da UFPR, da UNICURITmA t:! do mET. Mestre e Doutor em Direito do Estado - Direito Tributárió (l'UCSP). Estu- dos pós-graduados no Instituto de Estudios Fisca/e:; (Mad ri, I::~;panha). Ex- -Membro Julgador do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazen- da (Brasília-DF). Ex-Auditor da Receita Federal (Cllritib~ - PR). Parecerista. 1 José Souto Maior Borges, A isonomia tributária na Constituição Federal de 1988, Revista de Direito Tributário, n. 64, p. 14. ' 2 Já lançamos mão de Stevenson e da sua obra insl'irads, espl!cificam~nte no que tange à convivência dos opostos, em 2005, para allldir ao ISS, em 164 . NasceU em 13 de novembro de 1850, em Edimburgo, lia Escó- cia, e faleceu em 3 de dezembro de i894, em Vailima, Sarnoa; e, n50 obstante batizado Robert " Lewis", foi como r,obert Louis Balfour Stevenson que ele foi chamado e se tornou conhecido'- Fiel à tra- dição familiar, iniciou a vida universitária pelos estudos de Engenha- ria Naval e Hidráulica, só se transferindo, quatl'O anos depois, para o Curso de Direito, que concluiu aos 25 anos, em 18754 • Mas não estava na engenharia nem era jurídica a sua vocação. Seu lar ficava na liter atura . Na poesia, ol1de demonstrou ta- lento, mas sobretudo no romance. Renovou o romanc e his tó ri co, na linhaGlo seu conterrâneo Walter Scott, criador do gênero, que ele seguiu e superou5 . E reconstruiu e reergueu o romance d e aven- turas , do 'qual A Ilha do Tesouro (1883) é certamente a obra-prin,a, e cuja edição " se convertió en un auténbco acontecimiento" , avalia Fernançlo Savater, o filósofo e literato espanhol contemporâneo; um acontecimento de repercussão, tanto que" en menos de dos atlOS se hicieron traducciones a casi todas las lenguas, dei espanol aI griego "; e um acOn tecimento de alto significado literário, tanto que a obra ganho~l"l'l honr~so carácter de :~lá;,iC O' que se le atribyyó casi des- de el dia de su pnmera pubhcaclOn 6 . Sua inodução foi ex tensa - "umas cinquE'nta obras em 44 élnos de exis têiú: ia" - apresentando mesmo 11 algo de prodi).,rioso ", se con- siderarmos que, além do período curto, tratou -se de \.1 ma " existência pref:lcio ao excelente livro de Marcelo Caron Baptista - Prefácio: Adupla personalidade do ISS: Dr. Jekyll e Sr. Hyde' , in ISS: do texto à norma, p. 9-28:·-, ex- orientando e amigo, a cujo beneplricito pedimos vênia para a reu tilização da analogia, uma vez tão adequ:ld ., e pertinente aqlli. em rel"ç~ci ao IRPF, quanto lá, no que atine ao ISS. H' não mais . 3 M,lIcr)lm Elwin, Introduction and Notes, in Trcasrtre Islond, p. XII. 4 El lscu Sgarbossa, O autor e .:l sua obra, in O Doutor Jckyll c o 11I0n.<lro I! o u~ros contos, p. 8-9. 5 M(\riç) da Silva Brito, Apresentação, in O médico (' o 1I10J1Stro e oõ/tras histórias p. l1. 6 La E~icócia mágica de Stevenson, in Instruccion,'s para olVIdar cI Q /ulotl! p. 227-228 . 165 minada pela moléstia"7. Com efeito, to~a a vida de Stl.'venson foi uma luta con tra a tuberculoseB, que não só o fe z perambular "de sanatório em sanah')rio, percorrendo os mais importaries d<1 Euro e da Arnéri~a"9, como, também, sendo "por cierto in c~m patjble con el clima escocês". constituyó la razón esencial de suexílio"lO, aca bando inclusive por determinar sua m dança, nos últÍnios anos da~ sua vida, para o Pacífico Sul, especific mente para SamóaJ'J . Stevenson despertou até "a ad iração de críticos e como Gilbert K. Chesterton"12, isso p rque /I é realmente o mestre do ronlance"13, "el maestro de narrado es"14. É significativo que, por ocasião da sua morte, sessenta nativ s da Samoa, em sua honra, . tenham aberto um caminho na mata ce rada, enquanto o carregavam até o alto do Monte Vailima, o seu preferido, onde o sepultaram e registraram em uma placa: A Tumba. de Tusitala - no idioma dos nativos da Samoa, "Tusitala" significa O Contador 4e Es tórias15. Há que admitir qUl' toda razão cabia a Mário da Silva ]?rito: "Sabiam o que diziam esses seus bons amigos dos Mares do SU)("16. 7.2. Or. Jeky/l e Sr. Hy d e A obra de Stevenson que nos interessil, contudo, pertence a um outro segm.ento da sua literatura, o do romance de ficçã~ fan~ástica . 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Eliseu Sgarboss,I, O autor ... , cit., p. 18. No original inglês: "Stevenson's whole life was a struggle against tuber- culosis" Q. B. Pri(Õstley e Josephine Spear, Adventures in English -Literature, v. 3, p. 338). Mario da Silva l1rito, Apresentação ... , cit., p. 9: Fernando Savatl'r, La Escócia ... , cit., p. 231. . B. Priestley e josephine Spear, Adventures .. , cit., p. 339. Elisl'u Sgarboss;I, O Autor ... , cit., p. 19. No original inglês: "Stevenson is indeed the mas ter of roinance" (Ham - mond Innes, Introductiol1, in Kidnapped, p. XVII). Fernando Savatcr, Oiccionario Filosófico, p. 364. . Hammonci Innes, lntroductioll ... , cit., p. V; J. B. Priestley e )osephine Spe - ar, AdvL'l1tures ... , cit., p. 339. Apresentação .. , cit., p. 12. 166 Trata-se, no caso, de um romance composto de forma singular, em 1885. Atmves~and () um m omento de crise de saúde, dos que muitas . vezes o lançavam num estado de letargia e torpor, foi m otivado por um sonho à desobediência das ordens médicas, e escreveu o primei- ro esboço da estórta em três dias . Colhida a opinião da esposa, co - labor8dora e crítica exigen te, queimou o trabalho, ficando a m editar sobre ele por cerca de dois meses. E então, outra vez em três dias, redigiu -o por inteiro17. Confirmam-no suas próprias anotações: o . livro foi " concebido, escrito, reescrito, re-reesç:rito, e impresso den- tro de dez semanas"18. Estamos cogi tando, é claro, de The Strange Case Df Doctor Jekyll and Mister Hyde19 • Publicado por Longmans, em janeiro de 1886, e impulsionado por urna notícia do Times, o romance teve 40 mil exemplares vendidos em apenas seis meses - e corria o século XIX! - , convertendo-o, en tão, no pI;incipal escritor do m,omento, disputado como presa para as entrevistas de jornais e de presença in dispensá - vel em todo simpósio literári02o. Presente nesse trabalho outro traço característico da literatura do autor: uma adminivel habilidade para empreender a análise psicoló - gica das suas personagens. Aqui, Stevenson debruça -se sobre a dupla natureza humana, investigando os formidáveis embates entre o bem (Dr. J ekyl1) e o mal (Sr. H y de) que têm lugar no íntimo do ser hu- mano. E o fez " tão qramaticamente que esses nomes passaram, no discurso comum, t1 representar os lados bom e mau de um indivíduo", como observam corretamente J. B. Priestley e Josephine Spear21. 17 E. Sgarbossa, O Autor .. . , cit., p. 12-13. 18 Apud Ma1colm Elwin: " ... conceived, written, re -written, re-re -written, and printed in5ide ten weeks"(Introduction, cit., p. XXV). J 19 " 0 Estranho Caso do Doutor Jekyll e Senhor Hyde", frequentemente tradu zido como O médico e o monstro. 20 No original inglês : "Henceforth he was a leading writer of the day, a prey for interviewing journalists and indispensable to every magazine sympo- sium" (M. Elwin, Introduction ... , cit., p. XXVI). 21 No original inglês:"." 50 dramatically that these names have passed into common speech as represen ting the good and bad sides of an individual" (Adventures .", cit., p, 343). 167 r;.;., 0..,,"'., r. \ .. :~ r-, r .. . ; ~ c' ,'-. ' - .I' :~~ r:-:! o .... :;~. . ~. , j/ 0 , '~ J' "'-.,:, -, 'C' '-, ) :;-. A despeito de remontar a um passado longínquo, das antigas lendas nórdicas e germânicas, como sublin ha Nicole Fernandez Bravo, o m ito do duplo ganhou espaço e vigor com o r omantismo, florescendo de modo particular na literatura do século XIX22. Recorde- -se, a m odo de ilustração, Fausto e Fausto n de Goethe (Faust: Erster Teil e Faust II - 1808 e 1832); Os Elixires do Diabo, de Hoffmann (Die Elixiere des Teufels - 1815-1816); Conto de Natal, de Charles Dickens (A Christmas Carol - 1842); O Gato Preto, de Edgar Allan Poe (The Black Cat-1843); O Sósia, de Dostoievski (Dvojnik-1846)23; O Homem Obcecado, de Dickens, novamente (The Haunted Man -18413); Ele, de Guy de Maupassant (Lui - 1883); O Sonho de Duncan Parennes, de Rudyard Kipling (The Dream of Duncan Parennes - 1891); O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde (The Picture o[ Dorian Gray - 1891); e outros, até culminar, já em meados do século XX, com o livro em que Jorge Luis Borges leva às últimas consequências o mito do duplo: O Criador (El Hacedor - 1960)24. Ninguém, entretanto, logrou tanto sucesso na exploração des- se mito quanto Stevenson. No seu livro, Henry J ekyll é um sério e íntegro cien tista, um m édico respeitado, um honrado e digno cidadão, o próprio modelo do bem. Mas, em virtude das experiências que envolveram a ingestão de certa droga, passa a transfornlar-se fisica- mente em Edward Hyde, descrito pelas personagens do romance como alguém que provoca perturbação (Dr. Hastie Lanyon), que causa uma espécie de calafrio (o velho criado Poole), que instala a sensação de agressivo e revoltante (Dr. Hastie Lanyon\ que tem algo de chocante e de absolutamente odioso (Richard Enfield), que, sem 22 Duplo, in Pierre Brunel (org.), Dicionário de mitos literários, p, 261-262, 23 Obra traduzida para a nossa língua com o título de O duplo. 24 Fernando Sava ter seleciona esse como um dos quatro rne lhl)fes livros de Borges, e ademais de apontar o tema do desdobramento do eu como caro ao literato argentino, identifica a página mais notáVE'1 do livro como o texto "Borges yyo", uma"prosa perpleja ... en la que trémscri- be su extraneza y su incomodidad ante el hombw público, el estereo- tipo literário en que se ha ido gradualmente convirtiendo" (Jorge Luis Borges, p. 63, 64, 68 e 73). 168 " qualquer deformação aparente , ocasiona <l impressão de disfor- midaâe (o narrador), talvez como "reflexo de alma imunda que ressum" do corpo e o desfigura" (advogado Utterson), enfim, o autêntico protótipo do maF 5 O próprioJekyll sintetiza o anta- gonismO: /I Assim Como a bondade brilhava no rosto de um, assim também: ,a maldade estava larga e claramente impressa no rosto do o1.1tro,1/ 26 • E 'a estória evolui com a progressiva desilpropriação e 111eSmO, "vampirlzaçãol/ da personalidade do Dr. J ekyll por porte do Sr. Hyde , O~.rgumento de base encontra -se na ideia que se costuma exprimir pela assertiva de Boécio, o filósofo escolástico romano do início do século VI: Homo mimdus Minor - O homem é o mundo em m.inia t ura; inas cuja formulação filosófica original é atribuída a De~ócrito, o filósofo pré-socrático da Escola de Abdera, do sécul o V a.c. , depois retomada por Aristóteles, no século TV a,C. 27 Idel él expressa~nente assumida por Stevenson, pela palavra do Dl'. Jekyll " ... ouso prever que afinal o homem será colJ-siderado como COl/jUllto de seres multiformes, independentes e em contraste" (sic)28 Subjacente também o estímulo implícito que respondanws à velha inscrição do Templo de Delfos: Nasce te ipsum - Conhece-te 11 ti mesmo. Tão frequentemente repetida, ao longo dél histório das ideias humanas, quanto um dos maiores desCI fios com que nos de- frontamós. t: impossível.não lembrar, aqui, d() verbo forte de Frie- drich Nie tzsche, de início, avaliando: li, .. as palavras 'Conh ece a ti mesmo!' são, na boca de ) .. un' deus e dirigidas aos homens, quase uma maldade~'29. E, ao depois, explican'do: "O que é tão difícil para os homens compreenderem, ,dos mais remotos tempos até hoje, é sua ignor,inc'ia sobre si mesmosl" 30 250 Dàutor,." cit., p, 103,89,104,37, 47 e 48 , 26 Ibidem, p. 114-115, 27 Renzo Tosi, Dicionário de sentenças la tmas e gré'ga~, p 56 28 O Doutor. ." cit., p, 110-111, 29 A gnia ciência, p. 222. 30 Aurora: reflexões sobre os preconceltos morais, p, 88, 169 E por que essas reflexões li terárias e fil osóficas à guisa de intro- dução a uni art. jurídico a respeito do Imposto de Renda das Pesso- as Físicas - IRPF? ' Porque, definitivamente, não nos é dado dele cogitar sem que, de imediato, tenhamos a mente acometida e arre - batada pelo surprc~éndente fen ômeno da dualidade da sua natureza. Ora um imposto simpático, atraente, agradável, que guarda uma corresp ondê ncia estrita e rigorosa com o padrão constitucional. Ora um tributo antipático, adverso, até repugnante, até 11'lesmo asque- roso, em total desacordo, em perfeita dissensão, em com ple ta de- sarmonia, em cabal dissonância çom o molde da Lei.Mãe. No pri- .' meiro caso, um genuíno IRPF-Dt. Jekyl1; n o segundo, um legíti- mo IRPF-Sr. Hyde ! 7.3. Direitos fundamentais tributários Antes, porém, da demonstração do curioso dualismo que as- salta e acomete esse tributo, cabe prepará-la de modo adequado, mediante o destaque, especificamente, de alguns dos princípios constitucionais tributários que, ademais de assinalarem e distingui- rem o IRPF, indubi tnvelmente, pertencem ao conjunto dos direitos . fundamentais tributários. A expressão " direitos funda mentais ", preferida da dou trina germânica - Grundrechte - , veio à luz na França, em l770, como fruto do movimento político e cultural que deflagrou' a Declaração dos Direitos do H omem e do Cidadão de 178931; correspondendo . razoavelmente a outras expressões - direitos naturais, direitos hu- manos, direitos individuais, direitos civis ~u liberdades públicas - que Ricardo Lobo Torres aponta como sinônimas32 . . Numa Frimeirél dimensão, jusnaturalis ta, aqui ple namente identificados com os direitos humanos, os direitos Í1.mclamentais 31 Antonio-Henrique Férez Luno, Derechos humanos, Estado ele Derecho y Constitución, p. 30-31. No mesmo sentido, entre nós: Ana Mmja D'Ávila Lopes, Os dire i to~ fun damentais como limites ao poder de legislar, p. 35; e Alberto Nogueira , A reconstrução dos dirt tos humanos da tributação, p. 33. 32 Os direitos humanos e a tributação: jmunj~ades e isonomia, p. 9-11 . 170 correspondem àqueles válidos para todos os homens, de todos os povos, (~m todos os tempos. Já numa segunda dimensão, jusposi ti - vista , "os direitos fundamentais são-no, enquanto tais, na medida em que encontram reconhecimento nas constituições ':33 . Em outras palavras, "una( vez que los derechos humanos, o mejor dicho, deter- minados derechos humanos, se positivizan, adquiriendo categoría de verdaderos derechos protegidos procesalmente, pasan a ser 'de - rechos fundamentales' en un determinado ordenamiento jurídico", explica analiticamente Gregorio Robles, para depois proceder à síntese adequada: "Los derechos funda mentales vienen determinados positivamente . Son derechos humanos positivizados"34, No mesmo sentido a doutrina nacionaP5 e internaciona]36, Daí a historicidade dos direitos fundamentais, sublinhada por Norberto Bobbio: /I OI' sempre defendi OI . que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defe - sa de novas liberdade.s contra velhos poderes, e nascidos de m odo graduat não todos de uma vez e nem de uma vez por todas "37. Historicidade igualmente enfatizada, entre nós, por José N onso da Silva3R, que a elege como primeira das características dos direitos fundamentais, repelindo, assim, a visão jusnaturalista, bem como o absolutismo, a universalidade e a imutabilidade que esses direitos exibem desse ponto de vista, E historkidad1e que, eI'lf nenhum m omento, desmerece ou macula a sua fundamentalidade, pois, como leciona Carlos Santiago 33 José Joaq\l im Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Consti - tuição, p. 375-376 e 391. ' 34 Los derechos fundamentales y la ética en la sociedad actual, p. 20 - grifa- mos. 35 Entre outros, F. K. Compara to, A afirmação histórica dos direito:; humanos, p. 56 e 59; e A M. D, Lopes, Os Direitos ... , cit., p. 36, 36 For exemplo: Robert Alexy, Teoría de los derechos fundamenta les, p. 21. 37 A era dos direitos, p, 5. 38 Cu rso de direi to constitucional positivo, p. 162. Na mesma direção, A M . D, Lopes, Os Direitos .. . , cit., p. 37. 171 .. :' r-, .; . .~ .. --..... ---, ---, _. '-""', ~, Nino, filósofo porter:lho, li ellos versa,n sobre bienes de fundamen- tal importancin ... bienes que son normalmente deinlportancia primordial"39 , Percepção h á muito assumida p ejos n ossos cons - titucionalis tas, desde José Antônio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, esse grande jurista do Império - "O S direitos indi - vidu ais, que s'e podem também d e n o mi nar ... pri m i tivos ... primordiais ... " 40 - , e Rui Barbosa, nosso publicis ta dos COlneços republicanos;- " ... direitos individuais ... os direitos primários ... aqueles de onde provêm os outros ... "41. Primariedüde l~ssa que encontrou expressão privilegiada na palavra de Paulo Ferreira da Cunha, o professor lusitano da Unive rsidade do Minho; "Os Di- reitos Fundamentais, pela sua própria designação, jô inculcam a ideia de essencialidade, magna importância, ou cn réÍcter estrutu- rante, e evocam as imagens de esteio, estrutura, alicerce, fundação, ou ... fu ndamento. A fundamentalidade parece; assim, uma característica evidente e imanente dos direi tos fundamentai s . Ou seja; ,tudo indica que, de entre os vários direitos, esses a que designamos como 'fundamentais' serão, relativamente aos demais, um prius valorativo, lógico e ontológico; e, nessa perspectiva, estão antes deles e são a base em que os demais repousam; legitimam- nos; explicam-nos na sua radicação e a té na sua gé- nese" (SíC)42. Salta à vista que tais direitos, ' p rotetores dos cidadãos, também resguardam o contribuinte, como reconhece Roque Antonio Carrazza 43 . E não calharia ser difereI)te, uma vez que os princípios constitucionais tributários e as imunidades são "projeçõesde direit os fu ndamen tais", traduzindo suas "reafirmações, expansões 39 Ética y derechos humanos: un ensayo de fundamentación, p. 40-41. 40 Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, p. 382. A edição utilizada é de 1978, mas a original é de 1857. 41 Apud Vicente Barretto (org.), O liberalismo e a Constituição de 1988: tex- tos selecionados de Rui Barbosa, p. 90, 42 Dos fundamentos dos direitos fund amentais, in Res Publica - ensaios constitucionais, p. 27. 43 Curso de direito constitucional tributário, p. 420. 172 egaral/tim;"44; "são meras especializações ou exp/ica(ljes dos direitos e gl7rcm - tias indiz'iduais", "são meros desdobramentos dos direitos e garantias flmdn- mentais (/rrcidadão, explicitamente repetidos para o cidadão-contribuznte""' . Es!;es direitos fundamenta is do contribuinte integram o con- junto qu.e Louis Trotabas chamou de Es ta tuto do Contribuinte l "; e que, en!,:e nós, foi assim demarcado por Paulll de Bélrros Carvalh o: "Defin~'- se o es tatuto do contr ib u inte, ao pé de nossa realidade jurídieo;·positiva, como a somatória, har'mônica e q,rganizada, dos mand,llllcntos constitucionais sobre matéria tributária, que positivél ou negativamente estipulam os direitos, obrigações e deveres do sujeitó p"ssivo, diante das pretensões impositivas do Estado"47. A esse complexo de direitos e deveres du mn tribuinte pertence, sem qlinlCluer chance de contestação, o Princípio da Igualdade Trí- butári<1, encarado como o nosso mais insit,'1le princípio constihlCionaL na linha da doutrina insuspeita e acatada de Fr,mcisco CanLpos4~ e de José Souto Maior Borges49 . E pertencem, esses princípios, a6 estatuto do contrll:Juinte, para desempenhar uma função d e ga ranti a, com o defendepl José Afonso da Silvaso, Lobo Torressl e Sacha Calmonõ2 . 44 Sacha Calmon Navarr.o Coêlho, Curso de Direilo Tributário Bmsilciro, p . 198~"l99. 45 Misabe! de Abreu Machado Derzi, Notas de atualização, In A1JOIllar Ba - leeiro, Limitações constitucionaiS ao poder de tri/lutnr, p. 14 e 66. 46 ~o original francês: "le statut du contribuable" (Fim.7l1ccs Publiques, p. 498) 47 E,;tirtuto do contribuinte, direitos, garantias individuais em matéria tribu- tária' e limitações constitucionais nas relações entre Fisco e contribuinte Revista de Direito Tributário n. 7-8, p. 138. 48 19uàldade perante a. lei - sentido e compreensão desta gararltlZl constltuCIO- nal ... , in. Direito constitucional, v. lI, p. 12-14. 49 A isonomia hibutária .. :, cit., p. 11-14; Significação do plincípio d2\ Isonomia naC:0nstituição de 19~, Revista TrimestraL dI.' Direito Públlco n 15, p. 29-33 . Jj nos colocamos, no pas ado, nesta mesma linha doutrinária: ]. R Vieira, IPI e extraflscalidade - Mes de Debates "C"- Tributos Federais, Revista de D/I'CIlo Tributário, n. 91, p. 80. 50 Curso ... , cit. , p. 360. 51 . Os. direitos .. . , cit., p. 34. 52 Curso ... , cit., p. 179-18~. 173 De fato, não calharia ser diferente, uma vez que, ao arrolar os ; princípios constitucionais tributários, inclusive o· da Igualdade' Tributária (Constituição, art. 150, II), o legislador .constituci principia, no caput do dispositivo, afirmando que "s~m prejuízo de. outras garantias asseguradas ao éontribuinte", évedado a todas as esferas de governo descumprir a igualdade e os demais princípios constitucionais tributários ali arrolados. Eis que esses princípios constituem, pois, de forma irrecusável, garantias fundamentais do cidadão enquanto contribuin te. É impossível esclarecer o sentido de garantias,distinguindo- -as dos direitos, sem recorrer à pena de Rui Barbosti, cuja lição; depõe José Afonso, "é O que de melhor se produziu no constitucio- nalismo brasileiro sobre o tema"S3. São palavras de, Rui: "." uma coisa são garantias constitucionais, outra coisa os ,direitos ... Os d irei tos são aspecto's, manifestações da personalidade humana em sua existência subjetiva ... As garantias constitucionais sfricto sensu são as solenidades tutelares, de que a lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do poder" (sic) 54 , E novamenteI~\1i, lançan- do luz sobre o carMer instrumental das garantias constirucionais: "". a Rccepção é obvia, desde que separarmos, no texro da lei funda- mentat as disposições meramente declaratorias, qUl~ são as que imprimem existencia legal aos direitos reconhecidos, e'as cI isposições . assecura tohas, que são as que, em defesa dos di reitos, limitam o poder. Aqudlas instituem os direitos; estas, as gnrarÚins ... " (SiC)55. , Conquunto bem posta a distinção, é possível, c mesmo neces- sário, questioná-I,), pois ela só se sustenta em caráterinki<11 e didá - tico, e, em t'iltima análise, essas categorias jurídiccls identificam-se, como argumenta com apuro Gomes Canotilho: "Rigor(l~ié1mente, as clássicas tara71til1~ são também direitos ... "56; apesar de "direitos - . 53 Curso ... , cit., p. 355. 54 Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo, in 7ra'balh os jurí- . dicos, p. 130. . , 55 Commenfarios d Constituição Federal Brasileira Colligidos e Ordenados por Homero Pires v. V, p. 181. 56 Direito ... , cit. , p. 394 - grifamos. 174 -instrumentais ... destinados a tutelar um direito principal"57. Po- sicionamento que também assume Misabel DerzL para registrar: "Sob certo ângulo, portanto, os traços distintivos entre os direitos funda- mentais e suas garantias acabam por tornar-se obscuros e imprecisos, uma vez que as garantias são meios que se convertem, por sua vez, em direitos concedidos ... "58. Assim, essas garantias fundamentais constituem também di- reitos fundamentais instrumentais. Com evidente dupla face, apresenta-se, também, a Igualdade Tributária, quer como direito genérico (COl:stituição, art. 52, caput), quer como especificamente tributário (Co'nstituição, art. 150, II); seja como direito principat seja como instruinental. Ora, visceralmente conectados ao Princípio da Igualdade, el'1contram-se os Princípios da Capacidade Contribu- tiva e da Pessoalidade, ambos corolários do primeiro, ambos es- pecialmente significativos, no âmbito do Imposto de Renda das P,essoas FísiCas, e aos quais se aplicam, in totum, os raciocínios de- senvolvidosnesses últimos parágrafos. E terminemos este item por frisar a especial relevância dos princípios da Igualdade Tributária e dos seus consectários, Capacidade Contributiva e Pessoalidade - aosl quais nos dedica - remos, 1'1<1 sequência -, e que, como direitos e garantias fundamentais dos contribUintes que são, encontram-.se protegidos das eventuais propostas normativas, inclusive do nível de emendas constitucionais, . que não só lhes sejam contrárias, mas que apenas lhes guardem tenclêncül contrária, como cláusulas constitucionais intangíveis, nos lermos do art. 60, § 42, IV; integrando o "núcleo irreformável"s9 ou o "cerne inalterável"60 da Constituição, e desempenhando a fun- ção de alma em relação ao corpo constit1..lciona161 ., 57 José Afonso da Silva, Curso ... , cit., p, 360. 58 Notns"., cit., p. 67, 59 José Afonso da Silva, Curso ... , cit., p. 59. 60 Pontt!s de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de :1 969, t. IH, p. 146. 61 Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A teon'a das Constituições rlgidas, p. 46. 175 ;\ ..-;.., "; I ..., -', ~ ~, ~ ~I ~, -, ., .... ") -..., ~ ". -, -, --, 7.4, Igualdade, capacidade contributiva e pessoalidade Principiemos o tópico por registrar, na linha de Humberto Ávila, que a Igualdade é apresentada, no Preâmbulo da Consti- tuição, como um dos "valores supremos de uma sociedade fraterna" i já nos começos constitucionais, na abertura do Título II, como o termo inaugural e inicial do vasto rol dos "Direitos e Garantias Fundamentais" (art.52, caput); logo no primeiro mo- mento do capítulo tributário do Título VI, por intermédio da Capacidade Contributiva, como um dos "Princípios Gerais " desse sistema (art. 145, § 12); e pouco depois, no mesmo capí- tulo, como uma das " garantias asseguradas ao contribuinte" (art. ISO, caput e inciso II)62. Ora, tais formas de referir o princípio, como "valor supremo", como " direito e garantia fundamental ", como "princípio geral" e como" garantia tributária", justificam, sem dúvida, a questão proposta por Ávila: " ... enquanto princí- pio constitucional, a igualdade 'vale mais' que os outros princípios?" 63. . E a resposta do jurista gaúcho, que não tarda - " ... ao ser colo- cada em primeiro lugar nas garantias fundamentais, a Constituição atribuiu uma sup erioridade abstrata à igualdade ... "M - , é idênti- ca à que chegara antigo e grande cqnstitucionalista pátrio, Francisco Campos, na metade do século passado, observando que' eSSil prece- dência cronológica do princípio, no texto, "não foi por acnso ou ar- bitrariamente", mas "quis significar expressivamente que o princípio da igualdade rege todos os direitos em seguida a ele enumerados" (sic) 65. Eis que, nas palavras de Souto Maior, intérprete privilegiado desse constitucionalista, "ele penetra, como uma linfa, os demais 62 Teoria da igua.ldade tributária, p. 146-147. 63 Ibidem, p. 147. 64 Ibidem, p. 148. No mesmo sentido, vas ta doutrina, da qual, s6 para ilustrar, lembramos ~egina Helena Costa: " ... diretriz mais relevante ele todo o ordenamento jurídico ... sobre a qual repousam e encontram nlndumento todas as demais" (Praticabilidade e justiça tributária: exequibiliclil de de lei tributária e direitos do contribuinte, p. 109 e 113). 65 Igualdade perante a leL, cit., p. 12. 176 direitos e garantias constitucionais, perpassando-lhes o conteúdo norma,tivo l/ 66; /I condiciona a eficácia de todos os demais princípios constitucionais", .qu e, "servientes ", colocam-se "a serviço da isonomia"67 Sabemos todos, e há muito" que é aristotélica a noção de Igualdade Relativa,a demandar tratamento igual aos iguais e desigual 'aos desigUais, na proporção das respectivas desigualdades, Mas sabemos também, hoje, da indisfarçável insuficiência des- sa concepção, carente 'de "precisões maiores" h8 e destituída de "critérios. operacionais eguros" 69. E sabemos mais: que é a Celso Antônío - e àquele que á chamamos de seu pequeno grande /ivm'o - que devemos o esforç primeiro, entre nós, de aprofunda111ento , da investigação, nesse c mpo, identificando as condições de con- cretizaç.ão do princípio, ediante o exame: do fator de discrimina- I ção; da:correlação lógic entre esse fator e o tratamento jurídico estabelecido. Ávila prefe e aludir, aqui, adequ<tdamente, à compa- tibilidade 'com afinalida e71 - e da consonância entre essa corre - lação e o~ valores constitucionais 72. Já o Princípio da Capacidade Contributiva, hoje, expressa- mente en~nciado no diploma constitucional vigente (art 145, § 1~) pode~ia continuarimplícito, entre nós, tal como o estava no sistenla constitucionai imediatamente anterior, assim como e111 outras plagas - corria o ratifica a doutrina lusitana 73 e a d<,)utrina alemã 74, além, 66 67 68 69 70 71 72 73 74 Significação do princípi ~ .. " p. 30. A isonomia tributária ... , lcit., p. 12-13, Celso Antônio Bandeira de Mello, O conteúdo juridico da principIO da Igual - dade, p. 15 . HUll1berfo Ávila, Teoria da igualdade ... , cit, p, 29, Prindpios constitucionais e Estado de Direito, Revista dE' Dlrezto Tribután o, n. 54, p. 98. Teori, l da Igualdade: .. , cit., p, 62 -73 e 191, O C()// tCl4do ... , cit., p. 27-28 . José C<lsaJta Nabais, O dever fundamental de pagar il11postos, p, 688. César García Novoa, El principio de segun'dad juridica en ma leria tnbutar/a, p. 10~). 177 também, da jurisprudência germânica,j- sem prejuízo-da sua efeti- ' vidade, uma vez que inegável corolário do Princípio da Igualda- de em matéria tributária . Não existerrt aqui disceptaçõl~ s na dou- trina nacion<1l e internacional: ele. sempre esteve J'il;rlplícito f\as dobras do primadu da igualdade"76; ainda hoje, " hospt>da -se nas dobras do princípio da igualdade"77; constitui "wna exprcss50 espe- cífica do princípio da igualdade"78; "uma derivação do princípio maior . da igualdade" 79; "decorre do princípio da igUaldade "Ho; "I'epresenta Ull, desdobramento do princípio da igUaldadeF/81; "a concretização, no campo impositivo, do princípio da igualdade"82. Me~mo a forte corrente douh'inária que defende a existência de outros plindpios, como o da Equivalência e <) do Benefíci083, a concorrer com O dá Capacidade .' Contributiva, na realização da Igualdade Tributária, reconttixe-Ihe não só él condição de um subprincípio deste84, mas sobretudo Q condição de "subprincípio principal que especifica, em uma ampla gama de situ- ações, o princípio da igualdade tributária"85. Trata-se, pois, a Capaci- dade Contributiva, do "critério de comparação que inspira, em subs- tância, o princípio da igualdade"86; "o critériO fundamentâl de diferen- ciação no âmbito tributário", condição que lhe é "amplamente reco - 75 O princípio da isonomia tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas, p. 160 -161 . . 76 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito trilJutário, p. 402: 77 Roque Antonio Carrazza, Curso de direito .. " cit., p. 87. 78 Casalta Nabais, () dever fundamental ... , cit., p. 444. 79 Regina H. Costa, Princípio da capacidade contributlva, p. 37-42 e 107. 80 Fernando Aurélio Zilveti, Princípios de direito tributário e a capacidade can - Inb(illva, p. 386. 81 José Maurício Cl1nti, Princípios tributários da capacidadecorltriblltiva e da progressividade, p. 29-33 e 97. 82 Roque Antonio Carrazza, Imposto sobre a Renda (perfil constitUcional e temas especificos), p. 3011. 83 Andrei P. Velloso, O principio da isonomia tributária ... , cit., p. 164 e 331. 84 Regina H. Costa, Princípio ... , cit., p. 41, 42 e 107. 85 Marciano Sca bra de Godoi, justiça, igualdade e direi to tribu tário, p. 211- 215, 256-259, e especificamente p. 215 e 257 - grifamos. 86 Mizabel Derzi, Notas ... , cit., p. 546. 178 nhecida c enfatizadat! 87; 1/ o mais elevado critério comparativo ... de isonomia de encargos tributá~iosI/88; I/critério definido pela Consti - tuição co mo o mais apropriado a constituir a 'medida gerall/'89; 1/ 0 principal e m ais adequado 'critério de comparação'1/ 90; consistindo esse o seu "aspecto ... que tem maior significado e alcance l/91. A despeito de reconhecida, internacionalmente, a "sua ine- rente indeterminabilidade l/ 92, há que sublinhar, com Tipke, de um lado, que o seu conteúdo " é 'indeterminadb, mas não inde- terminável'/!93; e com Diego Marín-Barnuevo Fabo, de outro, que "la dificuJtad para delimitar el alcance del principio" não implica I/la negación de su eficacia jurídica l/ 94 . Há excessos dos dois lados da po- lêmica conceptual qüe envolve esse princípio. De uma parte, o exage- ro clássico de Luigi Einaudi, antigo professor das Universidades de Turim e Mil5.o, "para quien la capacidad contributiva no es más que ... un par de pala bras que se escapan de entre los dedos y que escurren incomprensiblementet!95. De outra, alguma demasia recente daqueles que asseveram "ter alcançado na atualidade sólido conteúdot!96. Mas, . nenhum descomedimento na observação já cinquentenária de Emilio I Giardinui o jurista italiano: "não é difícil mostrar qualquer hipótese de imposição em evideI\te con traste com o princípioJ/97. 87 Andrei PVelloso, O princfpio da isonomia tributária ... , cit., p. 160. 88 Kla us Tipke e Joachim Lang, Direito tributârio, v. L p. 200. 89 Ma rdano Godoi, justiça ... , cit., p. 258. 90 Douglas Yamashita, Eficácia do princípioda capacidade contributiva no Brasil, in K. Típke e D. Yamashita, justiça fiscal e princfpio da capacidade con tribu tiva, p. 56. ' 91 Ca~;alta Nabais, O dever fundamentaL, cit., p. 469. 92 Ibidem, p. 456 e 68'8. 93 Fundamentos da justiça fiscal, in K. Tipke e D. Yamashita, justiça fiscal ... , cit., p. 301-32. 94 La protección dei mínimo existencial en el ámbito dei I.R.P.F, p. 21, nota n. 23. 95 Apild Jorge Bravo Cucci, Fundamentos de' derecho tributario, p. 121. I 96 Alexandre Barros Castro, Sujeição passiva no imposto sobre a Renda, p. 160. 97 Le /lasi teorichc dei principio della capacità contributiva, p. 428. No original ital ia 110: "non e difficile prospettare quaJche ipotesi di imposizione in evidente contrasto c<;>l principio". 179 . .1 ,--... " r-, r .. " (---. 1'.. " r,o "" "" .r--, '" '"") ---., ~. ~. ~, É desnecessário acompanhar t~da a evolução : histórico- -conceptual desse princípio para chegar a uma noção razoável, senão pouco mais de uma década, de 1961, com Giardi na - "pos- sibilidade econômica de pagar o tributo"98 - até 1973, com Fran- cesco Moschetti, O professor da Universidade de Pádua - /I aquela força econômica '" idônea para concorrer com os gastos públicoS"99, Não se trata, pois, da simples disposição de riqueza, que indicaria mera capacidade econômica, mas do dispor de uma riqueza su- ficiente 'para a submissão ao tributo, excedente, pois, da riqueza bastante para apenas atender ao mínÍlno necessário para lllTlêl vida digna, satisfazendo, assim, mais do que tão só as necessidades vitais básicas do cidadão (Constituição, art. 72, IV), condição essu que, então, sim, apontaria para uma genuína capacidade de contribuir para a sobrevivência do Estado; ideia diversa, ainda, da de capacidade fi- nanceira, esta voltada para a noção de liquidez, Da primeIl:a distinção, as críticas doutrinárias ao nosso legislador constitucional, que optou pela locução "capacidade econômica" (art 145f § 12), sem, contudo, merecê-las, uma vez que pensamos assistir razão a José Maurício Conti, no Eientido de que a expressão inteira - "capacidade econômi- ca do contribuinte" - afasta as equivocidades, desde que indica, niti- damente, aquele cuja riqueza disponível é qualificada" tornando- o apto à sujeição passiva de uma obrigação tributária, na condição de "contribuinte", Eis que não se trata, assim, de singela capacidade econômica, mas de autêntica capacidade "contributiva"lOo, É clássica a distin'ção entre a Capacidade Contributiva abso- luta ou objetiva e a relativa ou subjetiva101 , No primeiro caso, cabe ao legislador selecionar, para a hipótese de incidência das normas tributárias, fatos que sejam reveladores de capatidade contributiva 98 Ibidem, p, 434, No original italiano: ",,, possibilità economica di pagare il tributo ",11, 99 Il principio della capacità contributiva, p, 238, No original italiano: "Capa- cità contributiva .. , quella forza economica , .. idonea a concorrere aUe spese pubbliche", 100 Prindpios tributários .. " cit., p, 36-37, 101 Entre tantos outros: Regina H. Costa, Princ{pio .. " cit., p, 27-3'1; Andrei P. Velloso, O prindpio da isonomia tributária .. " cit" p, 171-172, 180 - ou, n<1 cl~lebre expressão de Alfredo Augusto Ilecker, "fatos-sign o presuntivos de capacidade contributiva", ou, L'm outras palavlas, fatos que constituam si ais que permitam estabelecer a preslInçi'io da existência dessa capa idade 102 - , aspecto que desempenha a fun- ção de pn~ssuposto ou ndamento jurídico do imposto. No segun- do caso, cabe estabeIece a contribuição à medida das possibilidades econômicEls de determi ado sujeito passivo, aclequando o qua1'ltllnl l do tribúto ao porte eco ômico do fato ocorrido e adequando-o às circunstâncias pessoais o cidadão; aspecto qUE' cumpre a funçã.o de critério qc graduação do tributo e de fixação dos SeuS lilnites. A primeira espécie de capacidade contributiva, é óltinente à hipótese das nonT\as de incidência tributárias, especificamente 2l. sua ntateriJ- lidade; é1 segunda, adstrita à consequência ou ao mandamento dcs- sa~ nOnnas 103 , Divetsamente daquelas correntes doutrinárias que optam por apenas uma das formas de capacidade contributiva, iden - tificando tlma unilateral consagração constitu,cional, parece-nos rnólis próprio e, <1certado admitir-lhe "una doble función", como sustenta Alvaro Rodríguez Bei:eijo, catedrático da Universidade Autônoma de Madrpo4; oü aludir às ~nções de fundamento e de graduação do tributo como dois mom~ntos sequenciais da capacidade contributi- va, como' prefere Giardina105 , Procedentes, nessa linha, os funda- mentos constitucionais da capacidade contributiva identificados por Regina Helena Costa: o art. 145, § 12, para a capacidade contributiva 102 Teoria geral do direito tributário, p. 458, 460 et sego 103 M.-trç;ll Justen Filho, Capacidade contributiva, il1 ]ves Gandra d,l Silva Martins (coord,), Capacidade contributiva, p, 362-363; Amirei P. Velloso, O prindpio da isonomia tributária". , cit., p. 171-172. I 104 Apud.Diego .Marín-Barnuevo Fabo, La proteccióll .. " cit., p. 21. 105 "São, portanto, dois os'momentos' da capacidade cuntribu tiva . Ao primeIro, pode 'He denominar de momento da capacidade l'ontributiva 'absoluta' .. Com ,I expressão capacidade contributiva 'relativ,1 ' indicamos (l segundo mom ento da imposição.,.". No original italiano: "Sono quindi due 1'11\0- menU' della capacità contributiva. Il primo si puo denominare momento della capacirà contributiva 'assoluta ' ... Con l'espressione capacità contnbu- tiva'rdativa'indichiamo i1 secondo momento delJ'imposizlone. "(Le h.:1sl teoricne"., cit., p. 53-56), 181 relativa, ~ os artigos relativos à distribuição das com pctências impostos -153, 155 e 156 - , para a capacidade contribu tiva absoluta106. Tão elevada é a relevância da Cp.pacidade Contributiva para sistema tributário que, mesmo reconhecendo certo,grnu de veraci- dade na assertiva de Nicholas Kaldor, antigo econom ista da Univer sidade de Cambridge, de que a demanda da sua melhor medida " con,o é1 caça de um meteoro"107; é imprescindível regis trar, com e Lang, que, não obstante o grau de dificuldade, inexiste qualqu alternativa a esse princípio, a não ser a da "indigê ncia de princípios fundan,entais I/ 10o; donde a sensatez e a atualidade da sua condição de "energia que dá vida e sen tido ao Direito Tributário" 109, do caráter de "trascendência dogmática" e da, sua identidade como "la verd adera es trell a p olar d ei tributarista" l1o. É a essa estrela -guia tributária qu~ se vinculá~ Princípio da Pesso al id ade ou da Personalização lll, e num elo t~oíntiino l12 que chega quase a se confundir com ele, como acentuaGisele Lemke113. C0111 efeito, a Pessoalidade, tomando ~m consideraçao as condições e as caracte:fsticas pessoais do contri uir:te, cons~it~i uma t~cnica . de graduaçao da CapacIdade Contr butlva, na llçao de Mlsabel · Derzi'l", acompanh ada por Mary Elbe Queiroz115; es tabelecendo a 106 Praticabilidade"" cit., p, 116. 107 108 109 no n1 112 113 114 115 Apud Helena Taveira Torres, Direito constitucional tributário e segurança jur(dica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tribu- tário, p, 604, ' Direito tributário, cit" p, 202, José Marcos Domingues de Oliveira, Direito tributário - cripacidade contri- butiva: conteúdo e eficácia dO princípio p,181, Matías Cortés Domíngues, Ordenamien o tributaria espanol, p. 81, Marçal ]usten Filho, Capacidade contri 1.\)iva, cit."p. 379 . : Carlos AIaújo Leonetti, O Impos to sobre kenda como instrumento de justi- ça social no Brasil, p, 56, ' Gisele Lemke, Imposto de Renda - os con eitos de renda e de disponibilidade econômica e jurídica, p, 33, Notas de revisãoe atualização, in Aliomf r Baleeiro, Direito tributário bra- sllclro, p, 299, lmpo:'/Q sobre a Rl'nda e Proventos de Qualquer Natureza, p. 34, 182 I . proporcionalidade do tributo com a capacidade contributiva sub- jetiva ou rela tiva116, para o quê, sublinha H elena Taveira Torres, /I a pessoalidade é fundamental "117. Fundamentalidade que se faz sentir, de modo notório e manifesto, segUndo ampla doutrina, no Imposto de Renda1l8. 7.5. Igualdade x praticabilidade É de 1983, quase três décadas atrás, a afirmação de Hans- - -Wolfgang Arndt, professor alemão da Universidade de Mannheim: "Praticabilidade e justiça fiscal são princípios incompatíveis'rJ19. E é de 1998, pouco mais de uma década atrás, a assertiva de Casalta . Nabuis, professor lusitano da Universidade de Coimbra: li". a justiça fiscal e u praticabilidade não são incompatíveis ... 'rJ20. Assimilada a Justiça Tributária à Igualdade Tributária, a sua projeção constitucio- nal, resta a afligir-nos a questão angustiosa e inquietante: com qual dos dois juristas se encontra a razão? O Princípio da Praticabilidade promove atenuações na Isonomia e na Capacidade Contributiva, assevera Regina Helena Costa121; sen- do, por isso, identificado, por Misabel Derzi, como JI .. . contraprincípio da igualdade ... "122; estabelecendo aquela tensão a que se referem Klaus Tipke, Joachim Lang123 e Pedro Manuel Herrera Molina124; que, 116 117 118 119 120 121 122 123 124 Marciano Godoi, Uus tiça .. . , cit., p. 201 . Direito constitucional tributário"., cit., p, 594, Entre outros: Ma,ria de Fátima Ribeiro, Considerações sobre o Imposto de Renda na Constituição de 1988, p. 112; Ricardo Mariz de Oliveira, Funda- mentos do Imposto de Renda, p. 258; Humberto Ávila, Conceito de renda e compensação de prejufzos fiscais, p, 24-25 , Apud Mis~bel Derzi, Direito tributário, direito penal e tipo, p. 355 - grifamos, O Dever Fundamenta!..., cit., p. 621 - grifamos. Praticabilidade"" cit., p, 124. Notas .. " cit., p. 549, Direito tributário, v, 1, p, 233 , Capacidad económica y sistema fiscal: análisis deI ordenamiento espanol a la luz dei derecho alemán, p, 160, 183 ~. ~, ---o ---. ..., ~ "" "". ~ " "', entre os conflitos internos ao Direito Tributário, é "o mais cornple- X012S; o de "maiores e mais profundas implicações"126; poryue, como explica Regina H. Costa, a praticabilidade "provoca imeilso impacto" na isonomia127; constituindo, assim, uma em relação à outra, 11 a mais robusta barreira"128; "0 mais forte óbice" . "129. Nas palavras de Misabel Derzi, sua primeira teórica, entre n ós, "Praticabilidade é o nome que se dá a todos os meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de tornar simples e viável a execução das leis"130, Ou, na terminologia de Regina Helena Costa, hoje sua mais extensa teorizadora nacional: ""' praticabilidade '" conjunto de téc- nicas que visaf0 a viabilizar a adequada execução do ordenamento jurídico"131, No que tang~ à li teratura jurídica pertinente, a partir da metade do século passado, lamenta-se, na Alemanha, como repor- ta Derzi, que tal princípio ainda não fora objeto de estudos sistemá-' ticos132; enquanto, no Brasil, é recente a denúncia de Regina Helena Costa, de que essa lite~atura "é praticamente inexistente", pois "não há no país '" trabalho monográfico específico dedicado ao tema" - a não ser, hoje, o seu próprio - e reconhecendo ser " da lavra de Mi - 125 Andrei P Velloso, O princípio da isonomia tributária ... , cit.,p. 33'l, 126 Casalta Nabais, O dever fundamental .. " cit., p. 620. 127 Praticabilidade ... , cit., p, 391. 128 Paulo Roberto Coimbra Silva, A substituição tributária progre,;:;iva nos im- postos plurifásicos e não-cumulativos, p. 95. 129 Regina H. Costa, Praticabilidade ... , cito, p. 122 e 391; Carlt,\s R Cunha, O Simples Nacional, a norma tributária e o princípio fedemtivo: \imites da pra- ticabilidade tributária, p. 208. Este último autor cita, ainda, a compartilha- rem essa opinião, Cristiano Carvalho, José Luis férez de. Ayala, Suzana Navarrine e Rubén Asorey - idem, nota n. 848. 130 Direito tributário ... , cit., p. 138-139 - grifamos, A referência, aqui, é 21 mais recente edição, de 2007; mas a obra data, originalmenté, de 19H8. 131 Praticabilidade ... , cit., p. 53 e 388. Na trilha dessas duas autoras, segue a nossa doutrina, em relação ao tema: Leonardo Sperb de Paola, Presunções e ficções no direito tributário, p. 168; Fernando A. ZilvetL Prindpi(ls ... , cit. , p. 315; Carlos R. Cunha, O Simples ... , cit., p. 182, 132 Notas ... , cit., p. 554. 184 sabel Derzi quase toda a apreciação produzida a respeito do assunto"133. De fato, reconhece-se à jurista mineir<\ a condição de precursora, que abriu os primeiros caminhos doutrinários nacionais de aproximação desse p rincípio 134 . Azada e oportuna, pois, a concla- mação di; Carlos Renato Cunha, para que se aprofunde o trato do tema, enhe nós 13S • No que concerne aos seus fundamenlos constitucionais, embora .i:ipresente-a como um "imperativo constitucional implícito", Misabel Derzi identifica-a como um corolário cio Princípio da Lega- lidade (àrts . 5Q, II, e 150, 1)136; sustentáculo ao qUcll Regina Helena C<;,sta, apropriadamente, acrescenta o Princípio dr Eficiência da Administl~ação Pública, adicionado ao caput do art. 37 pela EC n. 19/98137 •. Ad~mais de "Praticabilidade", a doutrina utiliza outras palavras - excluir'ido as inexis tentes no nosso léxico 138 - , tais con"\o praticida- de, prélginatismo, facticidade , tipificação ou estandardização139 Sempre Jjara referir-se às generalizações e padronizações que, aten tando para as condições normais e regubres, e abandonando as circunstâncias particulares, atípicas ou anormais, conclueni pela média dó~; casos ou pelos tipos mais frequentes; em busca, invada- 133 Pmtit."bilidade ... , cit., p. 22. 134 Leontlrdo S. de Paola, Presunções ... , cit., p. Hi7; AlcssJndro i\lendes Car- doso,. A responsabilidade do substituto tributário e os limites à préltiClda- de, RI~vista Tributária e de Finanças Públicas, n. 68, p. 156; Carlos R CUllha O Sill,lples ... , cit., p. 179. 135 Ibidem, p. 216. . 136 Dir'ciI·(I tributário ... , cit., p. 1;39; A praticidade, a substitui(;ão tributárii\ e o direi.tó fundamental à justiça individual, in Octavio Cilmpos Fischer, Tn - bUIOS ('.direitos fundamentais, p. 276. 137 Praticabilidade ... , cit., p. 225. Na mesma direção, Carlos R. Cunha, O S/ln - pies ... , cit., p. 183. ' 138 Exemplificativamente: "factibilidade" ou "tip icização" - Academii\ Bra- sileira. de Letras, Vocabulário ortográfiCO da I(ngua portl1g~{e5C1, p 361 e 796. ,139 IlustrÇltivamente, Regina' H. Costa, Praticabilidade ... , cit., p. 53; e Casi\lta Nabab, O dever fundamental .. . , cit., p. 622. 185 velnlente, de uma "nonnalidad e média", como ledonam Tipke Lang14U e Casalta14 ] Seus instrumentos seriam, na síntese de Re Helena Costa, as abstrações 'generalizantes - tais cqmo presun ficções, indícios, normas de simplificação etc. - , a analogia, as t cas de privatização da gestão tributária e os meios alternativos solução de conflitos tributários 142 . Muito embora essa inclinação generalista e padronizante, afastar os detalhes, as especificidades 1 as minúcias decada caso, em prol da tipificação, acabe, muitas vezes, por abrandar, .e mesmo, às vezes, por banir a realização da Igualdade e a identificação da reaJ concreta Capacidi1de Contributiva; há que cpnsiderar queo r lismo inverso assume o risco de tornar a lei inexequível. Ness sentido, a advertência de Casalta: " .. : uma tributação preocupada. com a busca maximalista da justiça fiscal, assenteassini numa capa- cidade contributiva efectiva dos contribuinte5; a ap,urnr em termo personalizados ...pode precisamente conduzir ao resültndo oposto, por deficiências inultrapassáveis na sua aplicação e execução" (sic)143 Eis que a Praticabilidade também ope a a favor da IguáJdade, uma vez que a impraticabilidade legal, se dúvida, ofende e danifica a mesma Igualdade l44 . Medite-se, em . dição, sobre a c(:mclusão de Tipke; reconendo à ponderação de aul Kirchhof, professor. de Heidelberg: "Si 'el Derecho justo es n Derecho sencillo' (P. Kir- chho.f), entonces ('I Oerecho tributari es ya injustq por el hecho de resultar innecesélriamente complic dO"145. Ora, a Praticabilida- de atuél e~atamente nó interesse de m direito mais simples, e, nesse sentido, mais jus to, fazendo por reduzir as p3tentl'~ comple- xidades da lesrislaçiio tributária. Cogita-se, aqui, é evidel1h~, de ur:na 140 DilElto trilndáno, v. I, p. 234. 14l O deverljundamel/tll/. .. , cit., p. 623 . 142 Praticabilidade .. . , cit., p. 158-210. Semelhantemente, Carlos l':. Cunha, O Simples ... , cit., p. 1.88 -1 89. . 143 O dever fundame/lta!. .. , cit., p. 620. 144 K. Tipke e J Lang, Direito tributário, v. r, p. 233; Fernando A : Zilveti, Prin - dpios ... , cit ., p. 389. 145 Mora/tributaria dei Estado y de los contribuyentes, p. 119. 186 . "justiça viáveL exequível", em detrimento de uma "justiça tributária inatingível, etérea, autêntico devaneio"1oI6. Daí as prementes exi- gências da Praticabilidade, a que alude Misabel Derzi147• Há, no entanto, a todas as luzes, limi tes a ess as técnicas tipi- ficantes e padronizadoras. E conquanto Regina Helena Costa apon- te a sua identificação como "um dos maiores desafios nó trato deste tema", a autora não se furta de enfrentá-lo, diagnosticando como princípios que restringem o recurso à praticabilidade: o da' Realida- de ou Verdade Material, o da Legalidade Tributária e o da Capaci- . dade Contributiva14S • Interessam-nos, para o presente estudo, os limites impostos pelo Princíp io d a Capacidade Contributiva. Sendo, este princípio, uma derivação da Igualdade, com toda a 'for- te carga dE' preeminência principiológica in\plicada nessa ascendên- cia normativa, dúvida alguma existe quanto à sua prevalência sobre a Praticabilidade, um princípio meramente técnico, como destaca Tipke, com fiime esteio e sustentáculo na mais categor"izada doutri- na nólcional pertinente149 • Nos ternlos dessa investigação, faça-se o registro de que as generóllizações e padronizações estabelecidas pelo legislador não poderão constituir presunções absolutas (juris et de jure), inadmissí- veis e insuportáveis, mas apenas presunções relativas (juris tantum), únicas aCl~jtáveis, porque daquelas que admitem prova em contrário, "aSSeh'l.lracla a ampla defesa"150 e " ... com liberdade de meios e formas "151 146 r~L'f.;ir\i1 I-l,.Costa, Praticabilidade ... , cit., p. 406. 147 Direito tri/lutário ... , cit., p. 380. 148 /'mtim /Jilidnde .. . , cit., p. 211, 216, 397 e 211-220. 149 Princípio de igualdade e ideia de sistema no direito tributário, in Brandão MilChildo (coord.), Direito tributário: Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosél Nogueira, p. 523. Da nossa doutrinil, para ilustrar: Misabel Derzi, Direito tributário ... , cit., p. 362; e A praticidade ... , cit., p. 275; e Regina H. Costil, [-'raticabílidade ... , cit., p. 406-407. . 150 Regina H. Costa, Praticabilidade ... , cit., p. 218. 151 H. T. Torres, Direito tributário e direito privado: autonomia privada, simu/a- çiio, e/usao tributária, p. 406. Cf. também M. DERzI, Direito tributáno .. , cil., p. ,'\62; e A praticidade ... , cit., p. 275; G. Lemke, Imposto de Renda ... , cil., p. 44; P. R. Coimbra. Silva, A substituição.", cit., p. 96 e 123; F. A. Zilveti, 187 ) "'\. ~, ~., c· "- .' ~ -... " Isso porque, perante os casos concretos muito diversos daquele que o legislador presumiu, diante de situações práticas que se dis tanciem do tipo assumido, em face de conjunturas reais que constituam cla- ros desvios do padrão, é imperioso arredar a generalização em proveito da especificidade, é forçoso afastar a fbstração em prol da concretitude, é imperativo abandonar a presunção em:favor da rea- lidade152 . A validade do recurso do legislador às presunções genera- lizantes fica, pois, condicionada à presença de providências acau te - ladoras de consideração do real e específico. Trata -se do que Casal - ta Nabais chama de "mecanism os equitativos", ou seja, m edidas que funcionem como corretivos da tipificação, repelindo os "resul- tados manifestamente iníquosl/ 153; e assegurando " ao contribuinte a compatibilização do que lhe é exigido às suas r eais forç as econômicas"154. Em suma, se é possível diagnosticar a presença do Princípio da Praticabilidade em nosso ordenameftto, é inevitável a sua convivência com o mandamento superior da Igualdade. Ficamos, por- tanto, com a compatibilidade de Casalta, em desfavor da incompatibi- lidade de Amdt. Contudo, esse convívio exige a consciência de que a Praticabilidade cede passo e espaço à Iguald ade, numa atitude mais do que reverente e respeitosa, efetivamente dócil e submissa. 7. 6. Igualdade e Imposto de Renda É oportuno um breve passeio pela doutrina, para sublin har a vigorosa adequação desse imposto aos princípios da Pessoalidade e da Capacidade Contributiva, e, por con sequên cia, ao P rincípio da Igualdade. Quanto à Pessoalidade, constitui ten dência pronunciada dos estudiosos afirmar, como observa Luís Cesar Souza de Q ueiroz, que Prindpios"., cit., p. 320; A. Barros Castro, Sujeição passiva"., cit., p. 193; Luís Cesar Souza de Queiroz, Imposto sobre a Renda: requisitos para uma tributação constitucional, p. 84. 152 Luís C. S. Queiroz, idem; G . Lemke, Imposto de Re11da"., dt., p. 44. 153 O dever fulldamen taI..., cit., p. 625 . 154 Paulo Roberto Coimbra Silva, A substituição"., cit., p. 123. 188 esse "é oirnposto pessoal por excelência l/ 155; ou, como prefere Maria de Fátima l<Jbeiro, I/umimposto personalíssimo 11 156; desde que, COlltO esclarece Hugo de Brito Machado, I/é o tributo que, tecnicamente, por natureza, m elh ormente se presta para o atendimento do princí- pio da pessoalidade l/ 157 Não lhe basta a obediência à capacidade contril;>ut iva absoluta, como ensina Roque Antonio CarrazzéI, Inas lia lei que trata do IR deve trazer em seu bojo elementos suficientes para que'; sé I/atente para as condições econômicas de cada contri- buinte, individualmente considerado", de 1110dO que "seja possível 'personal,izar' o tributo"156; no que tem o apoio da doutrina interna- cional: ".Direito Tributário da Renda ". está todo erigido sobre é1 capacidade contributiva do sujeito passivo individual"159 No que diz respeito ao Princípio qa Capacidad e Contrib u - tiva, ele I/ adquire especial densidade". no respeitante ao imposto pessoa) sobre o rendimento"16o; por "ser a renda a melhor forma de exprE!$são indicativa da capacidade contributiva" llil; "l a Illan i- fes taciÓn : que mejor se adecuaba a una tributación conforme aI princípio de capacidad económica"162. Daí a tese de Casal ta, de que, nesse imposto, dá-se uma concretização de primeiro grau desse princípioH3; à proporção que encontra, na renda pessoaL uma "medida 'fun damental de capacidad de pago"164, "a medida mais 155 Imposto sobre a Renda ... , cit, p. 76, nota n. 23. 156 Considerações.", cit., p. 108. 157 O sistema tributário na Constituição de 1988, in Temas de dm:ito trilmtlÍno lI, p. 15-16. 158 Imposto sobre a Renda .. . , cit., p. 109. i59 K. Ti"ipke e J. Lang, Direito tributário, v. 1, p. 199. 160 Casalta Nobais, O dever fundamental ... , cit., 'p. 512 e 689. 161 Fernando Zilveti, Princípios ... , cit., p. 295. Assim também Humberto Eus- táquio César Mota Filho, Introdução ao princípio cio capacidade contnulltwa p. 113. 162 .En'\iJümo Cencerrado Millán,fi mínzmo exento el/ el sistema tnb~ltan() t'~pali o:, p.157. 163 O dever fundamental ... , cit., p. 481. 164 Emilio Albi Ibanez, Impuesto sobre la Renta y er/uidlld: el caso espan ol p.115. 189 perfeita da capacidade contributiva I DNIDUAL"165); razão pela ·t . quaL como conclui, "alude-se à capaci ade Contributiva a propósi L ": do imposto de renda, muito mais do ue acerca de qualquer outro. tributo" 166 Enfim, em relação ·ao Princípio da Igualdade, aqui assimilado ao de Justiça, pode-se falar de certo consenso doutrinário, no senti- do de que" el inlpuesto sobre la renta es el más adecuado para .al- canzar los postulados de equidad" 167; IPelo motivo .apontado, há muito, por Richard Goode, respeitado economista no~te - americano e especialista em Imposto de Renda do FMI: "A CRENÇA de que o Imposto de Renda individual' é o mais justo de todos os tributos nasce da convicção de que ele é o que melhor se harmoniza com a capacidade contributiva"168. Por isso ele é alçado, por b:1uitos, inclu- sive por Emilio Albi Ibanez, catedrático da Universidé3.de Complu- tense de Madrid, à condição de "la pieza más importante de un sistema impositivo moderno si el tema se enfoca desde el punto de vis ta de la Equidad "ló9; desde que, como destaca Dfego Marín- . -Barnuevo Fabo, catedrático da Universidade Carlos IIr i:!e Madri, "la justicia de todo el sistema dependa en buena medida de la justicia de este impuesto"171J; e isso simplesmente porque, como sustenta José Luiz Bulhões Pedreira, na linha da referida crença, ele "é con- siderado o mais justo dos tributos"17] . 165 Henl)' Tilbel)', O novo Imposto de Renda do Brasil: comentéÍrio à Lei n. 7.713/88, ajustado aos novos métodos de atualização monettíl-ia, p. 15. 166 Capacidade contributiva, cit., p. 376. ' 1 167 Concepción Pérez de Ayala, La unidad familiar en ellmpuesfo sobre I~ Ren- til, p. 23; com o quê 'parece estar de acordo Emilio Albi Iba.I''lez, Impuesto ~obr(' 111 Rellta y eqllidad ... , cit., p. 81. 168 Tl1e Individual Inrume Tax, p. 11. No original inglês: "THEBELlEF that the individual inconll' tax is the fairest of all taxes arises from .dc' cOl1viction that ir accords be!'1 with ability to pL1y". 169 Impuesto so/Jr(' la 1~I'nta .li equidad ... , ciL, p. 18. 170 La protecciÓIl dei mil/imo ... , ciL, p. 24: Mínimo personal y fall/ilifÀ;i', in Germán Orón Moraral (courd.), Los nuevos impuestos sobre la rentll dellls personas f(sicas y sobre la rel/lll di' 110 residentes, p. 305. 171 Imposto sobre a Rel/dll - pessoas juridicas, v. l, p. 9. 190 Tal adequação desse imposto a esses princípios superiores ganha destaque, notoriamente, no âmbito do Imposto de Renda das Pessoas Físicas - IRPF. Admite -o a doutrina nacional, que, aqui, exenlplificamos com Fernando Zilveti: "O imposto de renda ·permite a nítida aplicação do princípio da capacidade contributiva ... Considera-se o imposto que m<;l.is sobreleva o princípio, em especial · no imposto sobre a pessoa física "172 . E reconhece-o a doutrina inter- nacional, que, aqui, ilustramos com Marín -Barnuevo: " ... el IRPF es probablemente el ir~puesto que está Uamado a reflejar en mayor .... medida, el respeto a los principios constitucionales de justicia tribu- taria y particularmente aI de capacidad económica ... "173 Nosso sistema constitucional consagra, com robustez e energia, a confonnidade do Imposto de Renda, inclusive do IRPF, com esses elevados cânones; prescrevendo explicitamente a sua · Pessoalidade (art. 145, § 12), submetendo-o declaradamente à Ca- pacidade Contributiva absoluta ou objetiva (art. 153, III), sujeitando- -o terminantemente à Capacidade Contributiva relativa ou subjetiva (art. 145, § 12), e decretando, assim, de forma categórica, a sua níti- · da e integral subordinação à Igualdade Tributária (art. ISO, rI). Sua feição constihlcional, portanto, é, indubitavelmente, a de um tribu - · to do bem, dn igualdfde e da justiça: o modelo constitucional e ,cidadão de um verdadeiro IRPF-Dr. Jekyll ! 7,7. O Processo de deformação do IRPF constitucional e cidadão Acabamos de chamar assim ao Imposto de Renda das Pessoas Físicas brasileiro porque, em termos estritamente constitucionais, ele se apresenta como um tributo solícito e obediente à pessoalida- de, à capacidade contributiva e à igualdade; fiel, pois, a uI1!a irre- preensível cidadania constitucional. E esse caráter encontra expli- citação no conlentário propício de Pedro M. Herrera Molina: "Sólo las personas físicas son plenos titulares deI derecho a contribuir con 172 Pl'incfpios .. " cit., p. 270. . 173 LI/ prolecciÔl1 dei mínimo ... , cit., p. 24; Mínimo personal..., cit. , p. 305. 19 1 " ~, "". '\ -, ., : arreglo a la capacidad económica en su doble vertiente objetiva (tributación de la riqueza neta) y subjetiva (relevancia de las circuns- tancias personales e familiares)//174. Historical'Dente, o IRPF nacional sempre cuidou da dimensão objetiva da capacidade contributiva, elegendo como sua base de cálculo a renda líquida; e sempre atentou para a dimensão subjetiva dessa capacidade, tomando em conside- ração as especificidades pessoais e familiares dos seus contribuintes. Contudo, esse advérbio de tempo - "sempre" - carece de relati viza- ção, uma vez que, há mais de duas décadas, o nosso IRPJ' sofreu mais do que um tremor, quase um terremoto em seu arcabouço infraconstitucional, que deflagrou um processo de lamentável desfiguração desse tributo . A Lei n. 7.713, de 22-12-1988, embora trazendo uma ernenta aparentemente singela e despretensiosa - "Altera a legíslaçiio do imposto de renda .. . // - promoveu, em verdade, uma revol ução pro- funda e global no Imposto de Renda das Pessoas Físicas, reestruturando-o quase por completo, uma vez que buli\l com alguns dos seus mais primordiais alicerces e abalou alguns dos seus mais precípuos fundamentos. I Com razão, Maria de Fátima Ribeiro menciona-a como "uma alteração, absolutamente radical" 17s; que, de fato, foi, pois, além de achatar brutalmente ~ sua progressividade, revogou todas as isen- ções, exclusões e reduções (art . 32, § 52), relacionando exp ressa- mente aquelas que seguiram existindo (art . 62); e revogou mais: as deduções cedulares - despesas necessárias à percepção dos rendimentos - e os abatimentos da renda bruta (art . 32, § 62) - , despesas pessoaís ou familiares, mantendo apenas a deduçüo de pensões judiciais (art. 13), de despesas médicas (art . 14, I) - m as só naquilb que excedesse "a cinco por cento d o rendimento bruto do contribuinte" - e de dependentes (art . 14, II) - mas tão só "até o limite de cinco dependentes". 174 Capacidad económica ... , cit., p. 113. 175 Considerações ... , cit., p. 46. 192 o )egisladbr nacionf l teria acompanhado, com essas providên - cias, "a:.tcndêncià mun ial de redução do número de alíquotas e I alargantento da base trib tável, eliminando abatimentos e deduções ", com pal'tí.cular a tenção à experiência norte-anll'ricana 176 Confirma- -o Hemy' Tilbe ry, revelando, especificamente, que " ... 0 legislad or brasileini S'eguiu o modelo da reforma tributária REAGANO .. . ", cujo es p.íi·i to foi O de "menores alíquo tas su bre l1'laior base de cálculo"1T1. Ora, é verdade que o recurso ao Direito Corln pa rado, na função at inente à Política Legislativa, desempenha, na lição de Pa - 010 Biscan.;tti D i Ruffia, antigo catedrático da Uni versidade de Milã o, "un pap~ll'imilaral realizado po r la experimentiKión de laboratorio en las ciencías exactas", ensejando o que se costumél designar po r "plágio fel ii ", desde que apropri<ldamente adaptado e am oldado à nossa wal idade jurídica, kspecialmente à const itucionajl7R. N ão é o caso, por Cl?rtO, de um traAsplante cujo objeto, d l~ saj ustado e desam - bientad o --porque em aberto desê\cordo com as exigên cias consti tu- cionais de p.essoalidade, de capacidade contributiva e de igua lda - de - , peril'laneCe estrangeiro e exótico. Seu desti no, em sã consciê n - cia jurídicil, será, fatalmente,o da r~j e i ç ão, pois se tra ta, com obvi e - dade, de um plágio 'sumamente infeliz! É compreensível que as deduções detalhadas de diferen tes gastos pes~oais e familiares, com todas as suas 11,inúcias e porme- nores, torne complexa tanto a legislação quanto a admi n is tração do tributo, dificultan do a sua arrecadação, como admite Misabel De rzi, e fazendo crescer a tentação sedutora da praticabilid ade e da sim - plificação17". Mas há que acautelar-se, pois' o impulso simplificad or ·traz a rebpque, inevitavelmente, o risco da despersonalizaçã o, que, ness(~ caso, obtempera Tilbery, " talvez véli longel demai s " ' ~1) . Assim também p ensamos, embora preferind o o câmbio do advé rbio 176 Ibidem, p. 58-59. 177 O 110VrJ Imposto de Renda ... , cit., p. ] 8; Imposto de Relida Pessoa Fts ica - 1991 comentário à Lei n. 8. 134/90, ajustado ao Plano Color II, p. 36 . 178 Introd~cción aI derecho constitucional comparado, p. 15. 179 Notas.:., cit., p. 580. 180 O novo ImpostQ de Renda ... , cit. , p. 15. 193 de dúvida pel o de modo: certamente ! É o que proc1àma a do em unísso~o: "A Lei n . 7.713/88 ... comprometeu o' cará te r p e ... o respeito à 'capacidade contributiva'1/181; sacrificou "uma características mais il11portan tes do imposto de renda, que era, trora, o alto grau de pe rsonalização l/ 182; " tornou ' impessoal' p rática o tradicional e corre to sistema do imposto de renda, ensejava a ' individ ualização da renda"'183; " ficou praticamente nlinad o o caráter pessoal do im posto d e renda"184; " transfo o trib u to n um impos to 'impessoal "185; "a legislação em ques 'realicizou ' o imposto de renda, isto é, d eu a esse tri buto I ipica te pessoal característica 'de impos to real", e "a pretexto d(' sim a legislação du tribu to cometeu in iq uidad es" (SiC)186. E con ve ' com Leonetti , li a simplificação da sistemática do impostn não justi ficar o desrespl:ito a princípios cons titucion~is, nestc' caso, os isonom ia, da capacidade contribu tiva e da pessoalidade " 187. A desdonsideração das circunstâncias p.essoais c fam i.liares resulta da violenta reshição às deduções, reduzindQ quase ~ Sllp a pessoalidade do imposto, in v es te com volúpia contra . o as subjetivo ou relati vo da capacidade contributiva; mas, de banda, afronta, simultaneamente e com veemência,' o seu' aspec obje tivo ou ab soluto, haja vista os seus(eflexos na base d e cálculo. Desde Portugal, Casalta N abais cpgita, para esse imposto, Princípio do Rendimento Líquido, que impõe sejam descontadas despesas necessárias à conquista do rendimento, behl como do Pri;lcípio do Rendinlento Disponível, que exige sejam' subtraídas as despesas pessoais E.' familiares; fazendo, ainda, alusão ao Princ 181 C. A. Leone tti, O Imposto sobre a Renda, cit. , p. 190. 182 H. Til be ry, O novo Imposto de Renda ... , ·cit., p. 59. 183 ]. M. D. de Olive ira, Imposto de Renda e capacidade cOIf.tributiva (Leis . 7.713/88 e 8.134190), Revista de Direito T.l ibutáriO n. 57, p. 69. 184 H. B. Machado, Curso de direito tributári ~ . 279 . 185 R. A. Carrazza, Curso de direito ... , cit., p . 21, nota n . 80. 186 ]. M. D. de Ol iveira, Direito Tributário ... ,' it. , p. 85, e Impos to de Renda ... , cit., p. 67. 187 O Imposto sobre a Renda .. , cit., p. 201. 194 . Rendim(~J1to Líquido Subjetivo, da doutrina alemã188. Não é di- por aqui, onde se reivindi ca 1/ o direito de abater, da base de do tr ibuto, não só as despesas n ecessárias là obtenção da uezn novn', çom o as que lhe garantem a subsistência e a de seus pendent( ~s econôm icosl/ 189; sob pena de converter esse tributo imposto sObre a receita 190, ou sobre a receita bruta191, ou sobre rend inlento bru toJ!12, ou sobre a renda bruta, o que, aliás, já teria o, graças ao cálculo pelos "ingressos menos algumas poucas esos lim itacias" w3. E nesse ponto, é antigo e convincente o ma- tério de Alfredo Augusto Becker: 1/ ... esta base de cálculo desvirtua natureza jurídica do imposto de renda l/ 194 . Digno denota, porém, é o momento histórico em que foi eflagrado esse processo de deplorável deformação do IRPF titucional : jus tamente em fins de 1988, quando o vigente Tex- Maior tinha acabado de vir à luz19s . Ora, o texto anterior não revia explicitamente a pessoalidade nem a aplicaçãq da capacidade tributiva para o tributo, conquanto o fizesse implicitamente, n o seu contex\:o . Mas esse imposto sempre fora extremamente pessoal e, pois, intensamente subordinado à capacidade contributiva, tanto bjetiva quanto subjetivamen te. Promulgada em outubro de 1988, nova Lei Magna consagrou terminantemente, 'com todo o rigor da literalidade, aqueles mandam entos . Foi precisamente ó instante olhido pelo legislador infraconstitucional desse imposto para, de O dever fundamental..., cit., p. 690 e 522. R. A. Carrazza, Imposto sobre a Renda .. . , cit., p . 73 . Da mesma forma, Mary Elbe Q ueiroz, Imposto sobre a Renda ... , cit., p. 145. M. Derz.i, Direito tributário .. . , cit. , p. 361. R. A. Carrazza, Imposto sobre a Renda .. . , cit., p. 65; e Curso de direito .. . , cit., p. 121. ]. M. D. de Oliveira, Direito tributário .. . , cit., p. 85, e Imposto de Renda ... , cit., p. 68. M. E. Queiroz, Imposto sobre a Renda ... , cit., p. 365. Teoria geral .. . , cit.. p. 363. Atenta ao seu tempo e circunstância, Misabel Derzi (Notas ... , cit., p. 539) não dl?ixou de nos alertar para o paradoxo da época em que se deram as modificações . 195 " "" ~ " '. ..... " .\ "- " forma irônica e zombeteira, inaugurar tão pa'radoxal e infuusto pro- cesso, "despersonalizando" o IRPF-Dr. Jekyll- em ambos os sentidos - para transformá-lo no IRPF-Sr. Hyde, e cavando-lhes un, abismo de entremeio, interp0ndo um mar entre um e outro, intrometendo um oceano entre eles. E tudo numa conduta de claro 1110tejo, numa postura de límpido escárnio, numa atitude de nítid o sarcasmo ! 7. 8. O IRPF ínf(aconstítucíona/: um tributo d isforme, ta/vez monstruoso ' A Lei n. 7.713/88, que encetou os primeiros e infelizes passos dessa marcha funesta, sofreu, depois, muitas alterações, inclusive algumas atenuações, por numerosos diplomas legais, a começ<lr pela Lei n. 8.134, de 27-12-1990, e a prosseguir por muitas outras, mas constituiu o ponto de partida do lastimável processo de desfigmação do nosso IRPF, que redundou no tributo da atuulidade, cujo peJ;fil pouco tem a ver com o distante modelo constittlcionnl. O tributo da Lei Maior, um imposto assinalado pela pessoalidacle e pela igualdade, um IRPF-D r. J ekyll, cedeu vez, como veremos, a O tri- buto infracons titucionat a um imposto marcado peln impessoali- dade e pela desigualdade, um IRPF-S r. H y d e. Comecemos pela consideração do seu m ín imo existencial, que demanda, antes, breve explicação, e que bem se pode iniciar pela m áxima medieval primum vivere, de in de tributum solvere - na qual, como esclarece Giardina, o "primeiro viver" significa que o direito ao mínimo vital representa uma exigência que se antepõe ao inte- resse do Estado na obtenção do tributo, por issO só "depois pagar tributos"196 . Constitucionalmente fundamentado na "dignidade da pessoa humana" (art. 1~, III), n o objetivo de "erradicar a pobreza e ... reduzir as desigualdades .. . " (art. 3Q, III), e na capacidade contri - butiva (art. 145, § 1 ~), da qual constitui o limite inferior, tra ta -se da clara alusão aos r.ecursos suficientes para uma vida minimamente 196 Le basi teoriche ... , cit. , p . 448. N o original italiano: " ... d()ve 'pritn llm l'ivere'
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