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Nathalia Masson Poder Constituinte

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CAPÍTUL0 2 
PODER CONSTITUINTE 
ORIGINÁRIO 
SUMÁRIO • l. Introdução; 2. Natureza do poder constituinte; 3. Titularidade; 4. Exercício (ou 
formas de expressão do poder constituinte; 5. Espécies; 6. Características do poder consti­
tuinte originário; 7. Direitos adquiridos e o poder constituinte originário; 8. O poder consti­
tuinte supranacional; 9. Poder constituinte e a tese do patriotismo constitucional; 10. Poderes 
constituídos; 10.1. Introdução; 10.2. Espécies; 10.2.1. Poder constituído decorrente (ou poder 
derivado decorrente); 10.2.2. Poder constituído reformador (elaboração das emendas cons­
titucionais); 10.3. Outros mecanismos de modificação da Constituição da República de 1988; 
10.3.1. A revisão constitucional; 10.3.2. A mutação constitucional; 11. Quadro sinótico; 12. 
Questões; 12.1. Questões objetivas; 12.2. Questões discursivas; Gabarito questões objetivas; 
Gabarito questões discursivas 
1 . INTRODUÇÃO 
O poder consricuince é a energia (ou força) política que se funda em si mesma, a ex­
pressão sublime da voncade de um povo em estabelecer e disciplinar as bases organizacio­
nais da comunidade política. Autoridade suprema do ordenamenco jurídico, exatamence 
por ser ancerior a qualquer normatização jurídica, o poder é o responsável pela elaboração 
da Constituição, esta norma jurídica superior que inicia a ordem jurídica e lhe confere 
fundamenco de validade. 
Por ser um poder que constitui todos os demais e não é por nenhum instituído, é inci­
culado "constituince", termo que revela toda sua potência criadora e faz jus à sua atribuição: 
a criação de um novo Estado (sob o aspecto jurídico), a partir da apresencação de um novo 
documenco consticucional. 
Enquanco poder correlato à própria existência do Estado - já que em todos os atos 
sociais de fundação e estrucuração de uma comunidade, até os mais arcaicos, tivemos sua 
manifestação -, pode-se afirmar que o poder sempre existiu. Desde as primordiais organi­
zações políticas ele esteve presence; o que nem sempre existiu, todavia, foi sua teorização. 
Nos dizeres de André Ramos Tavares, "sabemos que a realidade do poder consticuince 
precedeu historicamence essa sua elaboração técnica".1 
A delimitação de uma teoria acerca do poder consticuinte originário teve por mérito 
transpor a fundação do Estado do inconscience político e social para o conscience jurídi­
co2, conferindo-lhe evidência racional que afastava qualquer argumentação metafísica na 
legitimação das ordens normativas. 
1. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. l! ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 30. 
2. PINTO, Luzia Cabral. Os Limites do Poder Constituinte e o Legitimidade Material da Constituição. Coimbra: Coim­
bra, 1994, p. 11, apud TAVARES, André Ramos. Cursa de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, 
99 
NAfHALIA \iASSON 
Precursor dos escudos sobre referido poder foi o abade Emmanuel Joseph Sieyes , au­
tor de um panfleto divulgado às vésperas da Revolução Francesa intitulado "Qu"est-ce que 
le Tiers État?3", um dos escopins deflagradores da Revolução. 
Nesta obra, que o tornou célebre, o abade Sieyes apresentou as reivindicações do 
Terceiro Estado contestando as benesses dos nobres e do alto clero. Composto pelos não 
incegrances dessas duas classes privilegiadas (nobreza e alto clero) o que, portanto, incluía 
a burguesia, o Terceiro Estado era o responsável pelas atividades de produção que culmi­
navam na formação da riqueza do país; todavia, nada obstante, era completamente alijado 
do processo político. Sem privilégios e sem participação nas decisões, o Terceiro Estado 
(a rigor, a burguesia) passa a reivindicar seu papel na conformação política do país, rendo 
como seu principal defensor o abade francês4• 
Em seu manifesto Sieyés identificou que a formação da sociedade política passava por 
crês fases. Num primeiro momento, haveria somente a reunião dos indivíduos; na sequên­
cia, esces começariam a se organizar e debater, ainda que forma rudimentar, as melhores 
fórmulas para satisfazerem suas necessidades básicas comuns. Mas como os componentes 
desse grupo vão se comando muitos e se espalhando por territórios cada vez mais amplos, 
tornar-se-ia inviável a manifestação direta de cada integrante sobre rodos os assuntos. É 
nesse contexto que passaria a ser necessária a delegação das decisões a alguns poucos indi­
víduos que, representantes legítimos dos demais, decidiriam por todos5• Ao apresentar seu 
conceito de represemação política, Sieyés rompe com o ideal rousseauniano de parricipa­
ção popular direta para se chegar à vontade geral. 
Precisamente no momento em que esta terceira fase de uma sociedade é alcançada, o 
autor preconiza ser essencial a organização desse corpo de indivíduos por uma Constitui­
ção. Esta, segundo o abade francês, deveria ser criada pelo poder conscicuince, cicularizado 
pela nação, entidade que sintetizaria a unidade política do povo, e que, em sua percepção, 
existiria antes de tudo e seria a origem de cudo. A nação, enquanto titular do poder origi­
nário, seria soberana "para ordenar o seu próprio desci no e o da sua sociedade, expressan­
do-se por meio da Conscicuição".6 
p. 30-31. 
3. Numa tradução livre, "O Que é o Terceiro Estodo?". Vale informar que existe uma versão em português, intitula­
da "A Constituinte Burguesa", de 1986 e organizada por Aurélio Wandres Bastos. 
4. Provavelmente por motivos pessoais, afinal Sieyés, à época cônego de Chartres, não ascendia na carreira ecle­
siástica além de certo limite, muito provavelmente porque não tinha ascendência nobre. Nesse sentido nos 
informa BARROSO, Luís Roberto. (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. li ed. São Paulo: Saraiva, 
2009, p. 96). 
S. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 61 ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 243. 
6. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti­
tucional. S! ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 273. 
100 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Segundo Sieyés, portanto, a Consrituição seria produro dos rrabalhos do poder cons­
rituince originário e estruturaria os poderes (constituídos) do Estado, se diferenciando 
destes por sua superioridade e capacidade criadora. 
Posras as noções hisróricas que inicialmence delimitaram o poder constituinte e ins­
piraram os atributos que ainda hoje, depois de mais de duzentos anos, lhe são agregados, 
registraremos, nos itens seguintes, ourras questões úteis à compreensão do tema. 
2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE 
De natureza variável conforme a concepção que se use para explicar e encender o Di­
reito, pode-se considerá-lo um poder de faro, detenror de natureza essencialmente política, 
ou um poder de direito, possuidor de natureza jurídica. 
A primeira escola que disputa a natureza do poder é a jusnaturalista , em cuja mol­
dura filosófica Sieyés formulou a reoria geral sobre o poder. Esta o considera um poder 
de direito, haja visra admitir a existência de um direito natural (proveniente da nawreza 
humana e dos ideais de Justiça), prévio ao direico positivo. Nesses termos, mesmo que o 
poder originário anteceda a formação do Estado, cem uma base normativa que lhe confere 
fundamencação jurídica e o afirma enquanto um poder de direito, que é o direito natural. 
Assim, o poder constituinte é ancerior ao Estado e exisre exatamente para organizá-lo, 
por meio da Consrituição; como, no enranco, a noção de direito já existe an res mesmo de 
o Esrado surgir, o poder "criador" já pode ser lido nesses termos, como um poder jurídico. 
Partidário dessa tese no Brasil é Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem 
O Direito não se resume ao Direito positivo. Há um Direico natural. anrerior ao Direi­
to do Estado e superior a esre. Desce Direico !\'acurai decorre a liberdade de o homem 
estabelecer as inscicuições por que h,í de ser
governado. Descarte, o poder que organiza 
o Esrado, esrabclccendo a Conscicuição, é um poder de Direiro. 
Em concraposição, remos a linha de pensamento juspositivista , cuja filosofia central 
baseia-se na regra de que não há como pensar o direiro ances de se aferir a exisrência de um 
Estado. Desce modo, se o poder constituinte funda o Estado, que é quem cria o direito, 
impossível é identificarmos alguma base normativa para a fundamentação do poder, haja 
vista ele ser anterior ao próprio direito. Por isso, é rido por um poder de faro, merajurídico, 
que se funda em si mesmo, não integrando o mundo jurídico nem possuindo natureza 
jurídica. É um poder polícico (para alguns, extrajurídico), produto das forças sociais que 
o criam. 
Uma rerceira verrente o vê como possuidor de uma natureza híbrida, simulranea­
mente dotado de feições políticas e jurídicas. Na ruptura seria um poder de faro, já na 
7. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 27• ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 
23. 
101 
NATHALIA MASSON 
elaboração do novo documento constitucional assumiria o viés jurídico ao revogar o orde­
namento anterior e constituir um novo8. 
Nada obstante as posições doutrinárias em sentido contrário9, a positivista é a concep­
ção que nos parece mais adequada para explicar a natureza do poder constituinte. 
ESCOLA 
JUSNATURALISTA 
PODER 
DE DIREITO 
ESCOLA 
JUSPOSITIVISTA 
. 
. 
,,.,. .................... �J ....................... . 
i É a concepção que nos parece : 
: mais adequada para explicar a : 
: natureza do poder constituinte : 
� : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
3. TITULARIDADE 
PODER 
DE FATO 
O poder constituinte é 
possuidor de natureza jurídica. 
Anterior ao Estado, existe 
exatamente para organizá-lo, por 
meio da Constitui ão 
É um poder político (para alguns, 
extrajurídico), produto das forças 
sociais que o criam 
Titular do poder constituinte é aquele que detém o poder, estando apto a elaborar os 
contornos normativos de um Estado, definindo o conteúdo e a estrutura organizacional 
da ordem jurídica. 
Ourante vários séculos na Idade Média a titularidade pertenceu aos soberanos, com­
preendidos como verdadeiras reencarnações de entidades divinas, que conformavam sozi­
nhos todo o aparato estatal, livres de quaisquer limitações. 
Nas vésperas da Revolução Francesa, quando o abade Emmanuel Sieyés publicou o 
panfleto intitulado "O que é o terceiro estado?" a formulação clássica da titularidade do 
poder constituinte como pertencente à n�áo emergiu. 
Segundo preceituou o autor, o Terceiro Estado englobava os que não integravam nem 
a nobreza, tampouco o alto clero, incluindo no conceito, portanto, a burguesia. Esta últi­
ma, cm que pese ser o vetor de produção de riqueza do país, não opinava nem decidia os 
rumos da condução política do Estado. 
Foi neste cenário que Sieyés estruturou a teorização do poder originário, dando voz ao 
Terceiro Estado, que reivindicava alguma participação na vida política do país. 
8. Em conformidade com a apresentação do tema feita por FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito 
Constitucional. 41 ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 130. 
9. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. Gi ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 244. 
102 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Nesse sentido, o autor rompe com a legitimação dinástica do poder10, típica das mo­
narquias absolutistas e, associando o conceito de "nação" ao de Terceiro Estado, afirma ser 
aquela o legítimo titular do poder constituinte, apta a criar uma Constituição que organize 
o Estado de acordo com a vontade nacional. 
Uma leitura mais rnoderna11, todavia, substitui o conceito de "nação" - de matriz 
fortemente sociológica - pelo de povo - substancialmente jurídico -, na titularidade do 
poder constituinte. 
Poder constituinte passa a significar, pois, poder do povo, o que enseja uma nova dis­
cussão, agora referente à delimitação do termo "povo". 
Cercamente o vocábulo não se reduz ao corpo eleitoral, que vota e participa do sufrá­
gio. Abarca, em verdade, rodo o povo enquanto uma grandeza pluralísrica (na expressão de 
Peter Haberle), que abrange roda uma pluralidade de forças culturais, sociais e políticas, 
como os partidos políricos, as associações, as igrejas, as entidades e as organizações sociais, 
e algumas personalidades, decisivamente inAuenciadoras da conformação das opiniões, 
das vontades, das correntes e das sensibilidades políricas nos momentos pré-constituintes e 
nos próprios procedimentos constituintes. Canorilho12 explica melhor: 
se quiser encontrar um sujeiro para csre poder reremos de o localizar naquele complexo 
de forças políricas plurais - daí a plurisubjerividade do poder consriruinre - capazes de 
definir, propor e defender ideias, padrões de condura e modelos organizarivos, suscerí­
veis de servir de base à consrrução jurídico-formal. 
4. EXERCÍCIO (OU FORMAS DE EXPRESSÃO DO PODER CONSTI­
TUINTE) 
Delimitada a titularidade, importante definir como se dá o exercício do poder, afinal 
nem sempre haverá coincidência entre o titular e o exercente, o que acarretará o exercício do 
poder não pelo povo (seu titular), mas sim por um corpo diverso, que o representa ou não. 
Fala-se, primeiramente, em procedimento constituinte direto, quando o projero 
elaborado pela Assembleia só obtém validade jurídica por meio da aprovação direta do 
povo, que se manifesta através de um plebisciro ou de um referendo13• 
Nas democracias representativas, o poder será exercido por um agente que atua em 
nome do povo, representando-o indiretamente, sendo provável que esta aceitação seja dada 
10. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti­
tucionol. St ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 273. 
11. ARENDT, Hannah. A condição Humono. 10! ed. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 
2007. 
12. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6f ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 98. 
13. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti­
tucional. 5! ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 278. 
103 
NATHALIA \iASSON 
de maneira prévia (como ocorre numa Assembleia Constituinte). Neste caso a participação 
do povo esgota-se na eleição de representantes para a formação da Assembleia. 
É plausível, ainda, imaginarmos circunstância em que haja usurpação do poder consti­
tuinte, situação na qual ter-se-á uma Constituição outorgada. A esta será reconhecido valor 
normativo, de conformação da ordem jurídica, apesar de ser considerada inadequada no as­
pecto político, haja vista cer sido constituída sem qualquer resquício de participação popular. 
Em resumo, quanto ao exercício do poder, remos: 
(i) exercício democrático indireto: neste caso o povo escolhe os seus representantes, 
que se comam responsáveis pela elaboração de um novo documento constitucional, que re­
novará o ordenamento jurídico. O poder constituinte atuará por meio de uma Assembleia 
Nacional Constituinte, ou uma Convenção Constituinte, sendo esta a forma que tipifica o 
exercício democrático desde as origens do constitucionalismo, conforme nos certificam os 
exemplos da Convenção de Filadélfia de 1787 e a Assembleia Nacional Francesa de 178914• 
No direito pátrio podemos citar como exemplos os documentos constitucionais de 1891, 
1934, 1946 e 1988. 
{ii) exercício autocrático: o poder se manifesta por meio da outorga, de modo que 
a Constituição seja estabelecida por um indivíduo ou um grupo que alcança o poder sem 
qualquer resquício de participação popular, constituindo o que se denomina poder cons­
tituinte usurpado. Como exemplos de Constituições oucorga<las no Brasil, temos as de 
1824, 1937 e a de 1967 (bem
como a EC nº 1 de 1969). 
A ausência de identidade entre o titular e o agente que exerce o poder traz como im­
portante consequência o reconhecimento de que o poder constituinte é permanente, pois 
ele não se esgota quando da elaboração da Constituição, permanecendo apto a se manifes­
tar a qualquer momento. Seu trabalho se finaliza, já que o ordenamento jurídico é inaugu­
rado, instaurado. Mas o poder não desaparece, permanece com o seu titular, o povo, em 
estado de latência, de hibernação, aguardando um novo "momento constituinte" para que 
ele possa ser ativado a fim de elaborar um novo documento constitucional, substituindo o 
ordenamento vigente por uma nova ordem jurídica. 
Por outro lado, o agente que exerce o poder constituinte se esgota, sendo indiscutível 
que a Assembleia ou Convenção Constituinte se dissolve, desaparecendo, sendo que o 
mesmo se passa com o agente usurpador. 
Por último, em desfecho ao item, vale noticiar a (hoje enfraquecida) polêmica doutri­
nária acerca de ser a Carta Constitucional de 1988 obra do poder originário ou de um 
poder de reforma. 
14. VICENTE, Paulo, MARCELO, Alexandrino. Resumo de Direito Constitucional Descomplicado. 31 ed. São Paulo: 
Método, 2010, p. 27. 
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PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
A dúvida que alimentou a discussão deriva da circunstância de referida Constituição 
ser o resultado dos trabalhos de uma Assembleia Constituinte convocada por uma emenda 
à Carta constitucional anterior (de 1967/1969), a Emenda Constitucional nº 26/1985. 
De fato a constituinte foi acionada por emenda, o que não descaracteriza o seu tra­
balho como produto do poder constituinte originário, afinal, esse poder não se expressa 
apenas após grandiosas crises sociais. Como já disse Eros Grau, "É admirável que a Cons­
tituição nasça de um parco sem dor"15, demonstrando ser possível que o poder constituinte 
se apresente mesmo em situações de relativa calmaria institucional e ausência de tumultos 
expressivos, sendo somente necessário que haja o sólido e inconteste desejo de alterar sig­
nificativamente a estrutura constitucional do Estado nos seus aspectos mais elementares16• 
A experiência da Espanha em 1975, que após a morte de Franco superou o Estado autori­
cário para fundar uma democracia constitucional, é reconhecida como um paradigma de 
transição política pacífica17• 
Ademais, acrescente-se que a Emenda Constitucional nº 26/1985, ao determinar, no 
seu are. 1°, que "os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, 
unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1° de 
fevereiro de 1987", se valeu de dois termos que deixaram inequívoca a atuação do poder 
originário: " livre" e "soberana". Gilmar Mendes18, com precisão, informa: "O conceito 
jurídico de soberania aponta para situação de pleno desembaraço de limitações jurídicas, o 
que remete à noção de "ação ilimicada", cípica do poder conscituince originário. A Assem­
bleia livre é a que escá desatrelada de toda ordem precedente". 
Como último argumento lembremos das eleições realizadas antes da instauração da 
Assembleia Consticuince, com o fito de formará-la, pois os cidadãos participantes do corpo 
eleitoral foram informados, com transparência e nicidez, que escavam elegendo represen­
tantes que também reriam por tarefa elaborar a nova Constituição19• 
Em conclusão, parece-nos não restar dúvidas de que a elaboração da Constituição 
da República de 1988 foi fruto da intervenção do poder originário. 
5. ESPÉCIES 
Até aqui o leitor já se adaptou à ideia de que o poder constituinte originário é um po­
der político (ou de fato), que antecede o direito e estrutura-se nas condições sócio-políticas 
15. GRAU, Eros Roberto. A Constituinte e a Constituição que teremos. São Paulo: RT, 1985, p. 35. 
16. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti­
tucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 276-277. 
17. BARROSO, Luís Roberto. A reforma política: uma proposta de sistema de Governo, eleitoral e partidária para a 
Brasil, p. 101. Fonte: <www.institutoideias.org.br/pt/projeto/integra_projeto_ideias.pdf>. Acesso: 08.11.2012. 
18. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direita Consti­
tucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277. 
19. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Consti­
tucional. 5! ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 277. 
105 
t\ATHALIA MAS50N 
válidas no momento de sua acuaçáo, sendo responsável pela elaboração da primeira Cons­
tituição de um novo Estado ou elaboração de uma nova Constituição daquele mesmo 
Estado, recriando-o sob o aspecto jurídico. 
São muitas e variadas, todavia, as nomenclaturas que a doutrina apresenta para identi­
ficar os diferences momentos e as distintas vertentes de manifestação do poder, o que torna 
essencial uma organização classificacória como a apresentada a seguir: 
(i) quanto ao momento de manifestação, o poder pode ser inciculado: 
fundacional; também denominado "histórico", é aquele que produz a primei­
ra Constituição de um Estado (nos dizeres de Hans Kelsen, a " 1 ª Constituição 
Histórica"). Acuou em nosso país quando da outorga da Carta Constitucional de 
1 824; 
pós-fundacional, é aquele que parte de uma ruptura institucional da ordem vi­
gente para elaborar a nova Constituição que sucederá uma anterior, revogando 
integralmente a precedente. Acua, pois, na confecção de rodas as Constituições 
subsequentes à primeira, de maneira revolucionária ou a partir de uma tran­
sição constitucional. No Brasil, apresentou-se nos documentos posteriores a 
Carta de 1 824 - nas Constituições de 1 89 1 , 1 934, 1 937, 1 946, 1967/1 969 e 
1 988. 
Vale registrar que o poder constituinte originário na sua verrence pós-fundacional 
pode se manifestar de forma revolucionária (num golpe de Estado, quando o poder 
constituinte é usurpado por um governante; ou numa insurreição, quando feita por um 
grupo externo e dissociado dos poderes instituídos) ou numa transição pacífica (na qual 
a ordem anterior subsiste enquanto a nova Conscicuição está sendo elaborada). 
(ii) quanto às dimensões, o poder originário pode ser considerado: 
material: anterior ao formal, é o poder que delimita os valores que serão prestigia­
dos pela Constituição e a ideia de direito que vai vigorar no novo ordenamento. 
Nesse sentido, traduz-se como o conjunto de forças político-sociais, geradoras da 
mudança institucional, que explicitam a ideia de direito e produzem o conteúdo 
de uma nova Conscicu ição20; 
formal: aquele que exprime e formaliza a criação em si, escrucurando a ideia de 
direito que foi pensada e construída pelo poder consticuinre material. Revela-se 
na entidade (no grupo conscicuince) que formalizará em normas jurídicas a ideia/ 
concepção de direito consentida em dado momento h istórico. Nos dizeres de 
20. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucionol: teoria do estodo e do Constituição, direito internacional 
positivo. 151 ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Dei Rey, 2009, p. 265. 
106 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Jorge Miranda2 1 , o poder constituinte na dimensáo mareriaJ é obviamente ance­
rior ao formal em dois aspeccos, um lógico, outro histórico: 
O poder conscicuinre marerial precede o poder consricuinre formal. Precede-o logica­
mente, porque a ideia de Direito precede a regra de Direito, o valor comanda a norma, 
a opção política fundamenral, a forma que elege para agir sobre os factos ( . . . ) . E prece­
de-o hisroricamenre, porque ( . . . ) há sempre dois rempos no processo consriruinre, o do 
triunfo de cerra ideia de Direito ou do nascimenro de cerro regime e o da formalização 
dessa ideia ou desse regime. 
Esquemacicamence: 
ESP�CIES DE PODER 
CONSTITUINTE
ORIGINÁRIO 
QUANTO AO MOMENTO 
DE MANIFESTAÇÃO QUANTO ÀS DIMENSÕES 
FUNDACIONAL PÓS-FUNDACIONAL �-�-M_A_TT
E-R l_A_L�-� �-�-F_o_RTM
M_A_L�--� 
• • 
Produz a primeira 
Constituição 
histórica de um 
Estado 
Parte de uma 
ruptura institucional 
da ordem vigente 
para elaborar a 
nova Constituição 
que sucederá uma 
ariterior, revogando 
integralmente a 
precedente 
Delimita os 
valores que serão 
prestigiados pela 
Constituição e a 
ideia de direito que 
vai vigorar no novo 
ordenamento 
Exprime e formaliza 
a criação em si, 
estruturando a ideia 
de direito que foi 
pensada e construída 
pelo poder 
constituinte material 
6. CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Definida está a prevalência no direito pátrio da vercence positivista no que concerne 
à natureza do poder conscicuince, considerado um poder de fato, que se funda em si mes­
mo, sem se basear em regra alguma do direito anterior, detentor, porcanco, de natureza 
essencialmente política. 
Nesse contexto, seráo apresentadas as quatro características essenciais do poder, tradi­
cionais na ótica positivista, quais sejam: 
(i) Inicial : porque o produto de seu trabalho, a Constituiçáo, é a base do ordenamenco 
jurídico, é o documento que inaugura juridicamence um novo Estado e ocasiona a ruptura 
cocal com a ordem ancerior. 
21. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 31 ed., Tomo l i . Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 74-76. 
107 
NATHALIA \IASSON 
Segundo Canotilho, sobre o poder constituinte, "não existe, antes dele, nem de facto 
nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vomade do 
soberano (instância jurídica-política dotada de autoridade suprema)".22 
Vê-se, pois, que o poder é o ponto a partir do qual o Direito começa. Exatamente por 
isso, ele não pode integrar à ordem jurídica que ele mesmo inicia, tampouco ser regido por 
ela. Como o poder constituinte também não se conecta a ordem jurídica anterior, por ele 
rompida, a conclusão é a de que ele não pertence a ordem jurídica alguma, por isso não 
pode ser objeto de nenhuma delas2-�. Essas proposições nos levam à próxima característica, 
que reconhece o poder como ilimitado. 
{ii) Ilimitado: haja vista não se submeter ao regramento posto pelo direito precedente, 
sendo possuidor de ampla l iberdade de conformação da nova ordem jurídica. Isso quer 
dizer as normas jurídicas anteriormente estabelecidas não são capazes de l imitar a sua 
atividade, restringindo juridicamente sua atuação. Ele simplesmente pode decidir o que 
quiser e como quiser, o que nos encaminha para a parricularidade seguinte do poder: ser 
incondicionado. 
{iii) Incondicionado: vez que não se submete a qualquer regra ou procedimento for­
mal pré-fixado pelo ordenamento jurídico que o antecede. Nesse sentido, no curso de seus 
trabalhos, o poder constituinte atua livremente, sem respeito às condições previamente 
estipuladas. 
(iv) Autônomo: para alguns doutrinadores2-l essa característica é só uma maneira di­
ferente de expressar o fato de o poder ser ilimitado. Entendemo-la como a capacidade de 
definir o conteúdo que será implantado na nova Constituição, bem como sua estruturação 
e os termos de seu estabelecimento. De acordo com Canotilho, o poder é autônomo, pois, 
"a ele e só a ele compete decidir se, como e quando, deve "dar-se" uma Constituição à 
Nação".25 
Ainda há outra característica do poder constituinte útil à complementação do rol 
apresentado. Sua não inclusão na formatação tradicional (como quinta característica essen­
cial na ótica positivista) decorre da circunstância de ela encontrar mais expressão e substra­
to teórico na doutrina jusnaturalista. Nada que nos impeça, todavia, de listá-la como mais 
uma particularidade do poder, mesmo que adocemos a perspectiva positivista. 
Diz-se ser o poder permanente, pois ele não se esgota quando da conclusão da Cons­
tituição. Ele permanece, em situação de latência, podendo ser ativado quando um novo 
22. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucionol. 61 ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 94. 
23. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constl­
tucionol. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 274. 
24. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Cons­
titucionol. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 274; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucionol. 26t ed. São 
Paulo: Atlas, 2010, p. 28. 
25. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucionol. 6t ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 94. 
108 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
"momento constituinte", de necessária ruptura com a ordem estabelecida, se apresentar. O 
poder, portanto, não desaparece quando finaliza seus trabalhos e institui um novo Estado 
jurídico, segue em estado de "hibernação" pois permanece com o povo. 
Para finalizar o escudo das características que definem o poder, é válido traçar algumas 
observações que nos indicam dever ser a ausência de limites tratada com certas reservas. 
De início, cumpre salientar que os jusnacuralistas reconhecem que o poder consti­
tuinte está limitado pelo direito natural, que o antecede e a ele se sobrepõe26• 
Mesmo que os positivistas desconsiderem a informação acima apresentada (já que não 
admirem a existência de direitos naturais, anteriores ao Estado), eles partilham o ideal de 
que a ausência de li mices não deve ser lida como absoluta, haja vista referir-se, cão somente, 
às imposições da ordem jurídica pré-existente. Seria, pois, um poder ilimitado no sentido 
de estar desvinculado e não subordinado ao regramento jurídico-positivo anterior. 
Nesse contexto, torna-se indiscutível a existência de alguns limites como, por 
exemplo, os geográficos/territoriais, já que o poder cria normas para vigerem na circuns­
crição territorial do Estado, isto é, que se vinculam a uma base territorial específica. 
Ourro exemplo de limitação ao poder constituinte: as circunstâncias sociais e po­
líticas que lhe dão causa. Isso porque se o poder constituinte é a expressão da vontade 
política soberana do povo, não pode ser entendido sem a observância dos valores éticos, 
religiosos e culturais partilhados pelo povo e motivadores de suas ações. É por isso que a 
doutrinar afirma que qualquer pessoa ou grupo que se coloque na condição de represen­
tante do poder e abandone cais valores, não receberá aprovação da população. Desce modo, 
eventual rompimento com a ordem constitucional com o fico de instaurar outra que não 
obtém a adesão dos cidadãos, não terá sido operacionalizado pelo poder constituinte, mas 
sim por alguém (ou um grupo) que age como um rebelde criminoso28• 
Alguns aucores29 nos recordam da possibilidade de limitação proveniente do "efeito 
cliquet" ou "efeito catraca". Segundo este, após uma Constituição cer efetivado a proteção 
a cercos direitos a partir de um indiscutível consenso, uma nova Constituição não poderia 
retroceder, suprimindo ou reduzindo o âmbico de incidência dos mesmos. Descarte, o con­
junto de direitos e garantias fundamentais já constitucionalmente firmados não poderia 
26. Nesse sentido, Sieyes, no quinto capítulo de Que é o Terceiro Estada?, afirmando que a nação e, por conse­
quência, o poder constituinte "existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a 
própria lei. Antes dela e acima dela só existe o direito natural" (A Constituição burguesa: qu "est-ce que le Tiers 
Etot. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986, p. 117, grifo nosso, opud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio 
Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 
273). 
27. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Consti­
tucional. 41 ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 233. 
28. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Consti­
tucional. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 233. 
29. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 61 ed. São Paulo: Método, 2012, p. 54. 
109 
NATHALIA MASSON 
ser desrespeitado, nem mesmo por intermédio da atuação do poder constituinte, numa 
autêntica vedação ao retrocesso. 
Para J.]. Gomes Canotilho, o poder constituinte originário obedece a "padrões e mo­
delos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica 
geral da comunidade"30, devendo observar os princípios do direito internacional (como 
a defesa da paz, a autodeterminação dos povos, a prevalência dos direitos humanos) e de 
justiça. 
Ainda sobre a existência de limites ao poder constituinte, vale apresentar a categoriza­
ção que Jorge Miranda31 faz dos mesmos. Na percepção do autor português existem três 
ordens possíveis de limites: 
(i) os transcendentes : são os que advêm dos imperativos do di reiro natural e dos va­
lores éticos superiores que originam uma "consciência jurídico-coletiva" que li mica o poder 
constituinte material, impedindo-o de suprimir ou reduzir direitos fundamentais direta­
mente conexos com a noção de dignidade da pessoa humana e já solidificados na ordem 
jurídica a partir de largo e indiscutível consenso social. Como exemplo, no direito pátrio 
reríamos a vedação à imposição regular da pena de morre (para casos que extrapolassem a 
hipótese de guerra formalmente declarada, constantes do acuai are. 5°, XLVII, "a", CF/88) 
numa Conscicuição futura; 
(ii) os imanentes: referentes à soberania e a forma de Estado, proveem da noção de 
que o poder constituinte formal, enquanto um poder situado, que se manifesta em cercas 
circunstâncias, está limitado pela sua origem e finalidade, pelo reconhecimento de que 
ele é só "mais um momento da marcha história".-u. É, por exemplo, o que impede que um 
Estado Federal, que assim quer se manter, passe a condição de Estado Unitário; 
(iii) heterônomos: os limites heterônomos de direito internacional são os decorren­
tes da conjugação do Estado com outros ordenamentos jurídicos, referindo-se às regras, 
obrigações e princípios provenientes do direiro internacional que impõem limites à confor­
mação escacai. Podem, ainda, resultar em limites hecerônomos de direito interno, quando 
um Estado é politicamente desenhado como possuidor de uma ordem central de poder 
e alguns domínios parcelares (como sucede com os Estados federados), o que resulta em 
obrigações entre a União e os Estados-membros. 
Em desfecho, um último comentário: segundo Genaro Carrió33, esse costume de de­
finir o poder constituinte como autoridade suprema, autônomo, absoluto, incondicionado, 
ilimitado, coincide com os predicados que os manuais religiosos ofertam para a ideia de 
30. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6! ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 97. 
31. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3! ed., Tomo li . Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 107. 
32. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3! ed., Tomo li . Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 108. 
33. CARRIÓ, Genaro R. Sobre los Límites dei Leguaje Normativo. Buenos Aires: Astrea, 1973, p. 36, apud TAVARES, 
André Ramos. Curso de Direita Constitucional. li ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 31 
1 10 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Deus! Quer nos lembrar o aucor que o poder constituinte é mesmo uma potência, dotada 
de amplíssima capacidade de conformação da ordem jurídica, todavia, por não ser uma 
entidade divina e metafísica, nem tudo a ele é possível. 
CONSTITUINTE 
ORIGINÃRIO 
G { O produto de seu trabalho, a Constituição, é a base do ordenamento jurídico, é o documento que inaugura juridicamente um novo Estado e ocasiona a ruptura total com a ordem anterior 
{ As normas jurídicas anteriormente estabeleci­
das não são capazes de limitar a sua atividade, 
restringindo juridicamente sua atuação 
8 { Capacidade de definir o conteúdo que será im­
plantado na nova Constituição, bem como sua 
estruturação e os termos de seu estabelecimento {Não se esgota quando da conclusão da Consti­
tuição. Ele permanece, em situação de latência, 
podendo ser ativado quando um novo "momen­
to constituinte", de necessária ruptura com a or­
dem estabelecida, se apresentar 
7. DIREITOS ADQUIRIDOS E O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
O texto constitucional garante expressamente (are. 5°, XX.XVI, CF/88) a estabilidade 
das relações jurídicas ao amparar o "direico adquirido", o "ato jurídico perfeito" e a "coisa 
julgada". 
O "direito adquirido" é definido pelo are. 6°, § 2° da LINDB da seguinte maneira: 
"consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa 
exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha cêrmo pré-fixo, ou condição pré-es­
tabelecida inalterável, a arbítrio de outrem" (sic). Essa construção legal não se afigura como 
muito adequada na medida em que parece aproximar em demasia o conceito de "direito 
1 1 1 
NATHALIA MASSON 
adquirido" ao de "direico subjetivo", praticamente os equivalendoH. Em verdade, as locu­
ções se diferenciam na medida em que o direico subjetivo só permanece enquanto tal até 
que uma das duas situações ocorram: 
(i) ou o direito é realizado e passa a categoria de "direito consumado"; 
(ii) ou não é realizado (por indivíduo que já faz jus ao seu exercício) e, em virtude de 
normatização ulterior com ele incomparível, passa a categoria de "direito adquirido".35 
O direito coma-se adquirido, portanto, quando uma alteração na ordem jurídica tor­
na inviável um direico ainda não desfrutado pelo indivíduo, mas já passível de fruição 
desde antes da modificação. 
Questão interessante é saber se esta tipologia de direitos pode ser validamente invoca­
da diante de manifestação do poder constituinte originário. Em outras palavras, questio­
na-se a possibilidade de preservação de uma situação jurídica que envolva prerrogativa ad­
quirida na ordem jurídica anterior, não exercida e incompatível com a nova ordem jurídica. 
Para ilustrar, imaginemos situação na qual determinada pessoa tenha cumprido todos 
os requisicos determinados constitucionalmente para realizar determinado direito, toda­
via, antes mesmo de exercê-lo, uma nova Constituição, que o rechaça, entra em vigor. 
Conforme já noticiado neste capítulo, o poder originário é inicial, fornecendo as bases 
jurídicas que inauguram o ordenamento; é também ili mirado sob o aspecto jurídico, não 
se subordinando às determinações normativas traçadas pelo ordenamento precedente. As­
sim, somente é direito o que a nova ordem disser que é, aquilo que por ela for aceito como 
cal. De acordo com Gilmar, "o que é repudiado pelo novo sistema constitucional não há 
de receber status próprio de um direito, mesmo que na vigência da Constituição anterior 
o detivesse".36 
Nesse contexto, outra não pode ser a conclusão senão a de que inexiste alegação de 
"direitos adquiridos" perante a nova Constituição, perante o trabalho do poder origi­
nário. 
Ressalte-se, por último, que se o direito que foi adquirido segundo o regramento jurí­
dico anterior não contrariar a nova Constituição ele poderá ser normalmente exercido, pois 
o documento constitucional o reconhece e aceita, dada sua compatibilidade. 
34. BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Sinopses para Concursos: v. 1 7 - Direito 
Constitucional- Tomo li. li ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 100. 
3S. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucionol positivo. 331 ed. atual. São Paulo. Malheiros, 2010, p. 434. 
36. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Consti­
tucional. 41 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 284-285.
1 12 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
8. O PODER CONSTITUINTE SUPRANACIONAL 
O fenômeno da globalização é perceptível não só nas trocas econômicas, mas tam­
bém na comunhão dos valores constitucionais que, difundidos num cenário internacional, 
rompem as tradicionais fronteiras dos Estados Nacionais e criam um novo panorama para 
os conceitos de soberania e cidadania. 
� a partir dos ideais de cidadania universal, pluralismo, integração e soberania remo­
delada, que surge o (ainda incipiente) conceito de poder constituinte supranacional, des­
tinado a equacionar uma Constituição supranacional legítima, com aptidão para vincular 
toda a comunidade de Estados sujeita à sua ação normatizadora. 
Nas palavras de Rodrigues, o poder constituinte supranacional, 
"faz as vezes do poder consticuinte porque cria uma ordem jurídica de cunho consti­
tucional, na medida em que reorganiza a estrutura de cada um dos Estados que adere 
ao direito comunitário de viés supranacional por excelência, com capacidade inclusive, 
para submeter as diversas consticuições nacionais ao seu poder supremo. Da mesma 
forma [ ... ] é supranacional, porque se distingue do ordenamento positivo interno assim 
como do direito intcrnacional".r 
Em suma, enquanto o poder constituinte na visão tradicional se coloca a serviço 
de um povo vinculado a um Estado específico, o poder constituinte supranacional cem 
pretensão mais ambiciosa: tenciona elaborar uma Constituição supranacional, à qual 
os Estados Nacionais (e suas ordens jurídicas específicas) estariam sujeitos, extraindo sua 
legitimidade dos próprios Estados integrantes do direito comunitário e de seus cidadãos. 
9. PODER CONSTITUINTE E A TESE DO PATRIOTISMO CONSTITU­
CIONAL 
Uma releicura das tradicionais concepções do poder constituinte, à luz da teoria dis­
cursiva de Jünger Habermas , pode ofertar significativa contribuição para uma mudança 
de perspectiva sobre o tema, especialmente, no que concerne à titularidade do poder. 
Isso porque é a visão de Habermas acerca do patriotismo constitucional (conceito 
cunhado originalmente por Dolf Sternberger, jurista e cientista político alemão) que vai 
nos autorizar a questionar até quando os fundamentos da identidade cívica de uma deter­
minada coletividade permanecerão vinculados ao nacionalismo. Ou seja, essa identidade 
ficará eternamente dependente de símbolos nacionais, como, por exemplo, a língua, a 
cultura, o hino e a bandeira nacionais, ou os indivíduos serão, algum dia, capazes de se 
reconhecer no outro pelo simples fato de serem todos indivíduos, isco é, humanos?38 
37. RODRIGUES, Maurício Andreiuolo. Poder Constituinte supronacional: esse novo personagem. Porto Alegre: SER­
GIO FABRIS, 2000, p. 96. 
38. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Poder constituinte e patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Editora PUC 
Minas, 2006, p. 73-74. 
1 13 
NATHALIA MASSON 
Segundo preceitua o autor39, desde a antiguidade até a modernidade, sempre foi ne­
cessário buscar mecanismos que possibil itassem a convivência entre os homens. Em comu­
nidades arcaicas, a divisão do trabalho como única forma de sobreviver em um ambiente 
inóspito; na polis grega, a homogeneidade de seus valores, tais como o bem, a verdade, o 
justo; nas monarquias absolutistas, o vínculo pessoal de caráter transcendental e divinató­
rio entre os súditos e o rei; e nos Estados Nacionais, o nacionalismo implícito no conceito 
de Estado-nação4º. 
Estas fórmulas se sucederam temporalmente na busca do estabelecimento de vínculos 
e solidariedade entre estranhos e, atualmente, questiona-se: qual seria o fio condutor da 
união e altruísmo entre os indivíduos em sociedades pós-modernas? 
Habermas aposta no patriotismo constitucional como ideal capaz de unir todos 
os cidadãos, independentemente de suas nacionalidades, antecedentes culturais ou 
heranças étnicas, imprimindo nos indivíduos uma lealdade constitucional que, não po­
dendo ser imposta juridicamente, deve estar internalizada nas motivações e convicções 
de cada um dos cidadãos - o que só é possível quando cada um deles entende o Estado 
Constitucional enquanto uma realização de sua própria história. 
É nesse contexto que, na percepção do filósofo, a identidade política dos cidadãos 
(enquanto componentes de uma comunidade transnacional) tende para um processo de 
identificação com valores universalistas, de forma a construirmos uma cidadania democrá­
tica que não se deverá fundar numa identidade nacional, mas antes numa cultura política 
comum, que irá representar apenas um dos aspectos de uma integração social global ba­
seada em valores, normas e mútuo acordo. 
Nas palavras do autor: 
A identidade da nação de cidadãos não reside em caracrerísricas érnico-culrurais comuns, 
porém na prárica de pessoas que exerciram arivamente seus direiros democráricos de parri­
cipação e de comunicação. Aqui, a componente republicana da cidadania desliga-se com­
pletamenre da perrença a uma comunidade pré-polírica, integrada arravés da descendência 
da linguagem comum e de rradições comuns. Visro por este ângulo, o entrelaçamento 
inicial entre consciência nacional e modo de senrir e pensar republicano teve apenas uma 
função catalisadora.41 
Conforme preleciona a doutrina42, para Habermas, a ideia de povo deve ser dissociada 
de sua noção comunicarista, o que leva o autor 
39. HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria político. Tradução: George Sperber. São Paulo: Edi­
ções Loyola, 2002, p. 239. 
40. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Poder constituinte e patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Editora PUC 
Minas, 2006, p. 28. 
41. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a /oticidade e a validade. Vol. li. Tradução: Flávio Beno Siebenei­
chler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 283. 
42. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Poder constituinte e patriotismo constitucional. Belo Horizonte: Editora PUC 
Minas, 2006, p. 27. 
1 14 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
a preconizar algo de novo, concebendo uma forma original de composição da aucono­
mia pública e privada que extravasa os limices geográficos dos Escados nacionais. Sua 
proposca impõe a concepção de pacriocismo conscirucional, incorporando, com isso, 
noções ligadas ao pluralismo, à colerância e ao direico à diferença. Descarcc, um con­
senso sobre democracia, Governo limicado, Escado de Oireico e respeico sobre a melhor 
incerprecaçáo, sobre o alcance e aplicação dos direiros fundamenrais consciruir-se-ia na 
aposca habermasiana para um novo ethos social de carácer universal. 
Em conclusão, redesenhado sob a ótica de uma cidadania universal e participativa, o 
conceito de "povo" não mais encontrará legitimidade em um nacionalismo excludente e 
discriminatório contra o "outro" (estrangeiro). A rcleitura da cidadania, a partir das noções 
de patriotismo constitucional e, por consequência, desvinculada do conceito de nacional, 
é ainda incipiente e, por isso, permanecerá em construção e em busca de aprimoramento. 
10. PODERES CONSTITUÍDOS 
10.1 . Introdução 
Causa surpresa a circunstância de ter se tornado tradicional e majoritária a denomi­
nação dos "poderes constituídos", criados pelo poder constituinte originário, de "poderes 
' • H constttu1ntes . 
A falta técnica nos parece nítida: se são poderes que foram instituídos pelo poder 
originário, a rigor não podem ser constituintes, pois não são "criadores" e sim "criaturas"! 
Afrontaria, pois, à própria natureza e essência una do poder constituinte, sua divisão em 
originário (de 1° grau) e derivado (de 2° grau), categorias que contrariam seu conceiroH. 
Nesse mesmo sentido é a opinião de Canotilho, para quem "verdadeiramente, o poder 
de revisão só em sentido impróprio se poderá considerar constituinte".44 Celso Ribeiro 
Basros·15 noticia que "alguns aurores, como Carl Schmitt e Luis Recasens Siches, susten­
tam
ponto de vista de que somente o originário é poder constituinte, pois somente ele tem 
caráter inicial e ilimitado, ao passo que o poder reformador retira sua força própria da 
Constituição, estando limitado pelo direito". 
Por sua vez, Carlos Ayres Britro46 preceitua não existir um 
poder conscicuince derivado, pela consideração elemencar de que, se é um poder deri­
vado, é porque não é consciruince. Se o poder é exercicado por órgãos do Escado, ainda 
que para o fim de reformar a Consciruição, é porque sua oncologia é igualmence estatal. 
E sendo escacai, o máximo que lhe cabe é recocar o Escado, nesse ou naquele aspecco, 
mas não criar um Escado uro quilômetro. E sem esse poder de plasmar ex novo e ab ovo 
o Escado (que é o correlato poder de desmoncar, desconsciruir por inceiro o Escado pre­
exiscence), encão de poder constiruinte já não se trata. 
43. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 6• ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 95. 
44. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6• ed. Coimbra: Almedina, 1993, p. 95. 
45. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19! ed., atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 30. 
46. BRITO, Carlos Ayres. Teoria da Constituição. l! ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 96. 
1 1 5 
NATHALIA MASSON 
Em conclusão, embora seja expressão consagrada pela doutrina e pela prática consti­
cucional, a inciculaçáo dos poderes derivados do poder originário de "poderes consticuin­
tes" é enganosa, tecnicamente problemática e cria uma contradição de termos ao formular 
que um mesmo poder seria simultaneamente "constituinte e consticuído'47• 
Vencida a questão terminológica, passemos a análise da nacureza e características dos 
poderes constituídos. 
Inseridos na Constituição, os poderes constituídos são "poderes de direito" (pos­
suem natureza jurídica) por ela disciplinados. Conhecem, portanto, limitações e con­
dicionamentos e subordinando-se de modo irrestrito ao regramento imposto pelo poder 
originário no texto constitucional. 
A eles coscumam ser associadas as seguintes características: 
derivado (ou de 2° grau): pois derivam do poder originário, ou seja, são poderes 
de direito que encontram seu fundamento na Constituição, dela recirando sua 
existência e sua validade; 
condicionado: haja vista suas atribuições estarem diretamente vinculadas ao que 
determina previamente a Consticuiçáo; e, por fim, 
subordinado (ou limitado): suas ações são pautadas pelas limitações (expressas e 
implícitas) inseridas na Constituição e, por consequência, como nos parece lógi­
co, se sujeitam aos diferences mecanismos de controle de constitucionalidade - o 
que, no direito brasileiro, é uma possibilidade real, pois o STF já admitiu e julgou 
diversas ações diretas de inconstitucionalidade contra emendas consticucionais48• 
10.2. Espécies 
Os poderes constituídos são normalmente agrupados sob a terminologia "poder de­
rivado", que seria um poder criado pelo originário com a função de exercer cercas compe­
tências consticucionais. 
Em outras palavras, existe um poder originário, este sim constituinte, que cria a nova 
ordem jurídica. Com a dupla finalidade de (i) manter sua obra (a Consticuição) adaptada 
47. A contradição é notada, inclusive, no STF, conforme reflexão feita pelo ex-Ministro Sepúlveda Pertence, por ocasião 
de seu voto na ADI 830-DF, relatada pelo Ministro Moreira Alves: "Deva ou não ser chamado de poder constituinte, 
o certo é que o poder de reforma constitucional é um poder constituído. Daí, as variações nominais -constituinte 
instituído, constituinte derivado e assim por diante - a que a doutrina tem apelado, para fugir da aparente contra­
dição dos adjetivos da fórmula "poder constituinte constituído". Porque constituído, esse poder de reforma não só 
é limitável, mas efetivamente limitado, em todas as Constituições, ao menos por força da sua disciplina processual, 
seja ela específica ou não das emendas constitucionais, conforme se trate de Constituições rígidas ou flexíveis". 
48. Nos valemos da compilação que BARROSO, Luis Roberto (A reforma política: uma proposta de sistema de Go­
verna, eleitoral e partidória para a Brasil, p. 147. Fonte: <www.institutoideias.org.br/pt/projeto/integra_pro­
jeto_ideias.pdf>. Acesso: 08.11.2012) apresenta. Segundo ele, o STF já conheceu diversas ações diretas contra 
emendas constitucionais, dentre as quais citamos as de número 2/1992, 3/1993, 10/1996, 12/1996, lS/1996, 
16/1997, 19/1998, 20/1998, 21/1999, 27/2000,29/2000, 30/2000, 37/2002, 41/2003, 45/2004, 52/2006. 
1 16 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
aos novos ambientes políticos/jurídicos que a dinâmica social cria, evitando que a reali­
dade a derrote, e (ii) permitir a criação das coletividades estaduais, este poder originário 
institui o poder derivado, a ele vinculado, com atribuições previamente delimitadas. 
As atribuições do poder derivado serão exercidas por poderes que foram constituídos 
pelo originário, daí porque, na subdivisão do poder, surgem as seguintes nomenclaturas: 
(2.1) poder constituído decorrente (ou poder derivado decorrente)49; e 
(2.2) poder constituído reformador (poder derivado reformador)50. 
Na sequência do irem faz-se outras anotações acerca das tarefas e características do 
poder derivado, perpassando as questões que envolvem a natureza e os limites de seu exer­
cício. Antes, porém, vejamos como as subdivisões da matéria podem ser estruturadas: 
{ Tem a função de alterar formalmente a Constituição da 
República, exercendo a importante tarefa de ajustar e 
atualizar o texto constitucional aos novos ambientes 
formatados pela dinâmica social 
{ É a capacidade conferida pelo poder originário aos Estados­
Membros, enquanto entidades integrantes da federação, 
para elaborarem suas próprias constituições 
10.2.1. Poder constituído decorrente (ou poder derivado decorrente} 
(A) Primeiras informações 
Quando o poder constituinte originário atua e uma nova Constituição é apresentada, 
uma nova ordem jurídica - com distintos preceitos e princípios - emerge. Para assegurar 
harmonia e coerência sistêmica à nova estrutura normativa, imprescindível será que rodos 
os demais documentos estejam afinados com a Carta Maior, em razão da superioridade 
inconceste que os valores nela inscritos possuem. 
É daí que surge a necessidade de, numa federação - forma de Estado caracterizada 
pela descentralização do poder político em diferentes entidades políticas, rodas dotadas de 
autonomia-, novos documentos constitucionais estaduais serem feitos, a fim de se adequa­
rem ao novo ordenamento. 
49. Lembremos que a doutrina majoritária prefere a locução "poder constituinte decorrente". 
50. Lembremos que a doutrina majoritária prefere a locução "poder constituinte reformador". 
1 17 
NATHAL IA MASSON 
Poder constituído (ou derivado) decorrente é, portanto, a capacidade conferida pelo 
poder originário aos Estados-membros , enquanco encidades incegrances da Federação, 
para elaborarem suas próprias Constituis:óes (art. 25, CF/88). 
Nora-se que é no exercício do poder decorrente que os Estados cumprirão sua ca­
pacidade de auto-organização, fruto da autonomia política a eles conferida pelo sistema 
constitucional federado. 
Para viabilizar essa tarefa, o poder originário fez constar no ADCT (are. 1 1) a pos­
sibil idade de as Assembleias Legislativas eleitas em 1986, investidas no poder decorrente, 
elaborarem, no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição da República, 
as Constituição estaduais. 
Revele-se, por último, que quando o poder decorrente cria a Constituição do Estado 
ele é denominado "poder decorrente instituidor" e quando realiza as alterações em seu 
texto, procedendo aos ajustes necessários à compatibilização com a realidade, é intitulado 
"poder decorrente reformador". 
{B) Características 
Nada obstante o poder
decorrente também elaborar um documento que será nomea­
do "Constituição", seguimos convictos de que qualificá-lo como "poder constituinte" é 
uma inadequação. Só quem "constitui" é o poder originário, de modo que "parece impró­
prio conservar-se o mesmo nome para realidades tão díspares".51 
Em sendo, pois, um poder derivado, criado pelo poder constituinte originário, é: 
um poder de direito , institucionalizado pela Constituição, possuidor, pois, de 
natureza jurídica; 
um poder limitado (ou subordinado), 
condicionado, e 
secundário ou de 2° grau. 
(C) Limites impostos pela Constituição ao poder decorrente 
A existência das características acima mencionadas nos licenciam a apresentar as re­
gras que limitam à atuação do poder decorrente, restringindo sua capacidade de confor­
mação da Consricuição estadual. 
No escudo desses limites, deve-se, inicialmente, firmar que os Estados-membros têm 
autonomia para se auto-organizarem por suas Constituições, mas que estas últimas devem 
obediência à Constituição da República. Não serão as Constituições estaduais meras có­
pias da federal, todavia deverão observar cercos padrões fixados nesta última, em respeito a 
um princípio norteador da federação conhecido como princípio da simetria. 
51. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 191 ed., atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 31. 
1 18 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Nesse sentido, como limite à atividade do poder decorrente são impostas a ele as 
normas de observância obrigatória (também denominadas normas de reprodução compul­
sória), normalmente organizadas a partir de três grupos, a saber: 
(i) os princípios constitucionais sensíveis: consagrados no are. 34, VII, CF/88, re­
presentam os fundamentos que organizam constitucionalmente a federação brasileira. Seu 
descumprimento por parte dos Estados-membros acarreta a propositura de uma ação dire­
ta de inconstitucionalidade interventiva que, se for julgada procedente pelo STF, ensejará 
a decretação de intervenção federal pelo Presidente da República (art. 36, III, CF/88). 
Referem-se: 
à forma republicana, 
ao sistema representativo e ao regime democrático, 
aos direitos da pessoa humana, 
a autonomia municipal, 
a prestação de contas da administração pública, direta e indirera e 
aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, com­
preendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do 
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; 
(ii) os princípios constitucionais extensíveis: preveem as normas centrais de orga­
nização da federação, válidas para a União e extensíveis às demais entidades federativas 
(Estados, Distrito Federal e Municípios). Tais normas podem ser expressas ou implicita­
mente extensíveis. 
Como exemplo do primeiro grupo tem-se as regras atinentes ao sistema eleitoral, 
inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e 
incorporação às Forças Armadas, que devem ser aplicadas aos Deputados Estaduais em 
simetria com o que a Constituição Federal preceituou para os Congressistas, de acordo 
com o art. 27, § 1°, CF/88. 
Para exemplificar o segundo grupo, de princípios implicitamente extensíveis, pode-se 
citar algumas normas da Constituição e a jurisprudência correlata: 
a regra concernente à licença para ausentar-se do país (art. 83 e ADI 3.647-MA, 
Rei. Min. Joaquim Barbosa, noticiada no Informativo 480, STF); 
a disciplina relativa à competência e organização do Tribunal de Contas (ADI 
9 1 6-MT, Rei. Min. Joaquim Barbosa, noticiada no Informativo 534, STF); 
os requisitos para a criação das Comissões Parlamentares de Inquérito (are. 58, § 
3° e ADI 3.61 9-SP, Rei. Min. Eros Grau, no Informativo 434, STF); 
os princípios basilares do processo legislativo federal (os arts. 59 e seguintes e ADI 
3.555-MA, 3.644-RJ, ADI 486-DF, dentre muitas outras ações diretas); 
1 19 
NATHALIA MASSON 
a regra de acesso de advogados e representantes do MP nos Tribunais pelo quinto 
constitucional (are. 94 e ADI 4 . 1 50-SP, Rei. Min. Marco Aurélio, noticiada no 
Informativo 523, STF) . 
Outras palavras, em reforço à definição, são de BULOS, para quem os princ1p1os 
extensíveis "são aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-se, 
por exemplo, com a forma de investidura em cargos eletivos (are. 77), o processo legislativo 
(am. 59 e s.), os orçamentos (am. 165 e s.), os preceitos ligados à Adminisrração Pública 
(arts. 37 e s.) etc".52 
(ii) os princípios constitucionais estabelecidos: previstos de maneira esparsa pelo 
texto constitucional, são as 
"normas que limiram a auronomia esradual, em obediência à regra segundo a qual aos 
Estados-membros se reservam os poderes que não lhe sejam vedados. Por isso, a idenci­
flcaçáo das normas relacionadas a esse ripo de princípios exige pesquisa do Texco Cons­
ricucional. Exemplos: as regras de reparciçáo de competências, as normas do sistema cri­
butário, a organização dos Poderes, as garancias individuais, os direicos políticos erc. "'l 
(D) O poder decon·ente e a polêmica envolvendo a criação da Lei Orgânica do 
Distrito Federal e das Leis Orgânicas dos Municípios 
É da nossa tradição adotar a federação enquanto forma de Estado: desde a nossa 
primeira Constituição republicana (de 1891), a organização do poder em virtude de um 
território é realizada segundo o modelo federado. 
Como a federação pressupõe a descentralização no exercício do poder político, tere­
mos variadas entidades políticas, todas dotadas de autonomia. No Brasil reconhecemos 
a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios como entes federados, 
estes últimos incluídos pela Constituição de 1988. 
Por serem autônomas, estas entidades federadas possuem autogoverno, isto é, a ca­
pacidade de editarem seus próprios diplomas organizatórios. E é aqui que surge a diver­
gência doutrinária que nos interessa: o poder decorrente atua somente na elaboração das 
Constituições estaduais ou é igualmente responsável pela elaboração dos documentos de 
organização do Distrito Federal e dos Municípios? 
A resposta ainda divide a doutrina. De um lado temos a corrente minoritária, partidá­
ria da tese de que o poder decorrente atua também nos Municípios e no DF. O argumento 
central é o seguinte: apesar de a Constituição ter se valido da locução "lei orgânica", os do­
cumentos principais desses dois entes são efetivas "Constituições em sentido material"�4, já 
52. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 386. 
53. BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Sinopses poro Concursos: v. 16 - Direito 
Constitucional - Tomo 1. 21 ed. rev., amp. e atualizada. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 116. 
54. TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 17• ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 105; NOVELINO, 
Marcelo. Direito Constitucional. 61 ed. São Paulo: Método, 2012, p. 57. 
1 20 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
que formaram e estruturam roda a organização deles. Nessa perspectiva, se os estatutos que 
os disciplinam possuem natureza constitucional, o poder que os apresenta é o decorrente. 
Em contraposição, cem-se a corrente que perfilhamos, segundo a qual o poder decor­
rente também é perceptível no Distrito Federal, mas não nos Municípios. A argumen­
cação que sustenta nossa opinião pode ser construída a partir das seguintes ponderações: 
o Distrito Federal possui, por força do are. 32, § 1 °, CF/88, as mesmas com­
petências legislativas reservadas aos Estados-membros, dentre as quais se situa a 
atribuição estadual de elaborar sua própria Constituição; 
a Lei Orgânica do Distrito Federal, assim como ocorre com as Constituições 
estaduais, é um documento que só está submetido à Constituição da República 
(subordinação direta); 
na Reclamação
3.436, STF, o relator Min. Celso de Mello, firmou o entendimen­
to de que a Lei Orgânica do Distrito Federal seria parâmetro para o controle de 
constitucionalidade concentrado das leis e demais aros normativos distritais. Nos 
seus dizeres: "Em uma palavra: a Lei Orgânica equivale, em força, autoridade e 
eficácia jurídicas, a um verdadeiro estatuto constitucional, essencialmente equi­
parável às Constituições promulgadas pelos Estados-membros" ; 
em reforço ao julgado acima mencionado, temos o arr. 30 da Lei nº 9.868/1 999 
que prevê expressamente que a Lei Orgânica do Distrito Federal é parâmetro para 
o controle de constitucionalidade concentrado das leis e dos demais aros norma­
tivos distritais; 
quanto aos Municípios, diga-se que estes são formatados por documentos condi­
cionados simultaneamente à Constituição estadual e à Constituição Federal, isco 
é, se sujeitam à uma dupla subordinação; 
a implicação essencial da subordinação a esses "dois graus de imposição consti­
cucional"55 romaria um eventual poder decorrente municipal em um poder de 
terceiro grau, vez que decorreria do poder decorrente estadual, que por sua vez 
já é um poder de segundo grau! Em conclusão, o poder decorrente deve extrair 
sua legitimidade diretamente do cexco da Constituição, o que não ocorreria se 
vislumbrássemos um poder decorrente municipal, sujeico a duas ordens de nor­
macização constitucional; 
nesse sentido, eventual conflito entre leis municipais e a Lei Orgânica do Muni­
cípio serão solvidos a partir de um controle de legalidade e não de constitucio­
nalidade (já que o documento organizacório municipal não pode ser considerado 
uma verdadeira "Constituição") . 
55. A expressão é de ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de Direito Constitucional. p. 13-14, apud LENZA, Pedro. 
Direito Constitucional esquematizado. 161 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 194. 
121 
NATHALIA MASSON 
Em síntese, o poder constituído decorrente elabora as Constituições estaduais e a Lei 
Orgânica do Distrito Federal, não sendo, todavia, conferido aos Municípios. 
10.2.2. Poder constituído reformador (elaboração das emendas constitucionais) 
(A) Introdução 
Já se sabe que o poder constituído derivado reformador (ou, simplesmente, poder 
reformador) tem a função de alterar formalmente a Constituição da República, exercendo 
a importante tarefa de ajustar e atualizar o texto constitucional aos novos ambientes for­
matados pela dinâmica social. 
Isso ocorre porque as Constituições não podem ser imutáveis, precisam se adaptar 
às mudanças sociais e à evolução histórica, sob pena de o texto perder a sintonia com a 
realidade que pretende normatizar, tornando-se um conjunto de recomendações desprovi­
do de sentido. Vez ou outra, pois, o documento constitucional passará por modificações, 
consistentes em pequenos ajustes que pretendem rejuvenescer o texto e melhor adequá-lo 
ao momento histórico. 
Por outro lado, registre-se que tão indesejável quanto a Constituição imutável é o 
texto constitucional volúvel, frágil diante de atentados ao seu projeto ou de casuísmos 
políticos. Afinal, se construída com alta suscetibil idade e maleabilidade, a Constituição 
também não cumprirá seu papel, pois não será capaz de amparar efetivamente os valores, 
os direitos e as garantias essenciais nela consagrados56. 
É nesse estado, pois, de permanente tensão entre a "estabilidade e a adaptabilidade", 
entre a "permanência e a mudança"57, que se situa a problemática envolvendo a tarefa de 
reformar a Constituição. 
Na tentativa de equacionar esses (por vezes contraditórios) valores, tem-se adotado, 
como tradição no direito pátrio, a rigidez do documento constitucional. 
A rigidez pressupõe a possibilidade de modificação da Constituição, o que desvia defi­
nitivamente a incidência da imutabilidade do texto. Todavia, ao consentir com a alteração, 
o faz exigindo um procedimento para a feitura das emendas constitucionais substancial­
mente distinto daquele estabelecido para a criação da legislação infraconstitucional, pois, 
comparado com este último, mostra-se bem mais solene, complexo e sofisticado. 
Neste capítulo estudaremos as providências que devem ser obedecidas para que as 
mudanças no texto constitucional possam ser engendradas e efetivadas, dando conta dos 
limites impostos pelo poder constituinte originário ao poder constituído reformador. 
56. BARROSO, Luís Roberto. A reforma política: uma proposta de sistema de Governo, eleitoral e partidório para a 
Brasil, p. 140. Fonte: <www.institutoideias.org.br/pt/projeto/integra_projeto_ideias.pdf>. Acesso: 08.11.2012. 
57. As expressões são de BARROSO (A reforma política: uma proposta de sistema de Governo, eleitoral e partidório 
para o Brasil, p. 140-141. Fonte: <www.institutoideias.org.br/pt/projeto/integra_projeto_ideias.pdf>. Acesso: 
08.11.2012. 
122 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
Avaliaremos, pois, as Hmitaçóes implícitas ao poder reformador, bem como limi­
tações expressas, estas últimas divididas em formais, materiais e circunstanciais, con­
forme veremos nos itens a seguir. As temporais não foram previstas no atual documento 
constitucional; todavia, como fazem parte da nossa história constitucional, também serão 
avaliadas. 
Numa visão panorâmica, as limitações que serão examinadas nos próximos itens são 
as seguintes: 
LIMITAÇÕES AO PODER DE REFORMA 
e IMPLICITAS ) 
(B) Limitaçóes expressas 
� 
C
-·-7�-
) • TE,l\4f'ÓR�S . '* 
c
.--M-AT
_E_R-IA
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l
_S _..,) 
CIRCUNSTANCIAIS 
FORMAIS ) 
O poder constituinte originário fez constar expressamente na Constituição algumas 
regras às quais o poder reformador deve obediência irrestrita quando se dedica a tarefa de 
elaborar as emendas constitucionais, realizando as adaptações necessárias à conciliação do 
texto constitucional com a realidade fática. 
Esse regramento, que pode ser organizado sob o título " l imitações ao poder de refor­
mar à Constituição", deve ser estritamente acatado, sob pena de o produto do trabalho do 
poder reformador ser viciado pela inconstitucionalidade, tornando imprestáveis as modi­
ficações feiras. 
Estudaremos, nos tópicos a seguir, as mais variadas restrições que podem obstar os 
afazeres da reforma, sejam elas de cunho (B.l) temporal, (B.2) material, (B.3) circunstan­
cial ou (B.4) formal. 
(B.l) Limitações temporais 
Inexistentes no texto constitucional de 1988, consistem em limites construídos 
no intuito de impedir alterações na Constituição durante cercos espaçamentos temporais, 
a fim de que seu regramento se consolide, se assente, para posteriormente as mudanças 
serem engendradas. É l imitação que normalmente se traduz numa cláusula proibitiva de 
alteração do texto durante um específico período de tempo58• 
58. Como exemplo, temos a Constituição da República Portuguesa, que em seu art. 284 preceitua: "l. A Assembleia 
da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão 
123 
NATHALIA MASSON 
Fixando a intangibilidade temporária de seu texto, a Constituição do Império, de 
1824, só autorizou a reforma de seu texto após passados 4 anos do início da sua vigência59, 
sendo este o único documento constitucional pátrio que estabeleceu essa espécie de limi­
tação. 
Em que pese nossa convicção de que a atual Constituição da República não possui 
em seu texto limitações temporais, sobrevive, ainda hoje, cerra divergência doutrinária a 
esse respeito, relativamente à classificação da limitação inserida no art. 60, § 5°, CF/88 . 
Para alguns autores60, seria referido parágrafo uma limitação de tempo. Todavia, é cerco 
que a doutrina majoricária61 reconhece esse limite como de natureza procedimental, por 
duas razões centrais: 
(1) o dispositivo não impede a apresentação de emendas em geral durante cerro pe­
ríodo, mas tão somente
obsta que a matéria discutida numa proposta de emenda consti­
tucional rejeitada (ou havida por prejudicada) numa sessão legislativa seja objeto de nova 
proposta na mesma sessão legislativa. O cexco conscicucional não fica, portanto, intangível/ 
imodificável durante um determinado período, pois outras propostas de emendas podem 
ser validamente apresentadas e apreciadas! 
(2) o obstáculo que se cria com o § 5° é formal, procedimental, haja vista a matéria 
da PEC rejeitada/prejudicada só poder ser rediscutida numa nova PEC quando houver 
mudança de sessão legislativa, pouco importando qual o lapso temporal que decorreu da 
rejeição à reapreciação! Vê-se, nitidamente, que a possibilidade de reapreciação depende só 
do respeito a uma regra formal - mudança de sessão legislativa - e não temporal, já que não 
se leva em consideração o tempo transcorrido da rejeição até a nova apreciação. Não im­
porta que entre a rejeição e a reapreciação renham se passado dois meses (rejeição em 10 de 
dezembro e reapreciação em 10 de fevereiro) ou onze meses (rejeição em 10 de março e rea­
preciação em 10 de fevereiro), o que interessa é que estejamos numa nova sessão legislativa. 
Não foi sem surpresa, portanto, que acompanhamos a ementa da decisão do RE nº 
587.008, relatado pelo Ministro Antonio Dias Toffoli, na qual ele afirma que "o poder 
constituinte derivado não é ilimitado, visco que se submete ao processo consignado no are. 
60, § 2° e § 3°, da CF, bem assim aos limites materiais, circunstanciais e temporais, dos 
ordinária. 2. A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento poderes de revisão 
extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções." (Fonte: <www.parla­
mento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx> Acesso: 26.10.2012). 
59. Art. 174, CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL/1824: "Se passados quatro 
annos, depois de jurada 
a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a
 proposição por es­
cripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte d
elles." (sic). 
60. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 150. 
61. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Cons­
titucional. 51 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 295; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 26l ed. São 
Paulo: Atlas, 2010; LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: 
124 
Saraiva, 2012, p. 579; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 33l ed. atual. São Paulo. 
Malheiros, 2010, p. 66. 
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 
§§ 1°, 4° e 5° do aludido artigo". Parece-nos um equívoco apresentar o § 5° enquanto 
um limite de ordem temporal , principalmente rendo em vista a larga jurisprudência da 
Corre, que caminha em sentido inverso, e a doutrina majoritária. 
Discute-se, além disso, se a natureza do limite imposto ao poder de revisão no art. 
3° do ADCT seria temporal, em virtude de este formalizar a impraticabilidade da revisão 
ames de completados cinco anos da promulgação da Constituição Federal. 
Sabemos que existem autores que emendem de maneira oposta62, todavia, pensamos 
que neste caso se está freme a uma condicionante temporal de alteração . Isso porque a 
revisão somente pôde ser feira após cinco anos contados da promulgação da Constituição, 
havendo então um lapso temporal definido a ser superado para que a revisão pudesse ser 
eferivada. 
A circunstância de a reforma seguir sendo possível durante a fase em que se aguarda­
va vencer o prazo que impedia a realização da revisão - quatro emendas constitucionais, 
inclusive, foram apresentadas no período63 -, não desqualifica o limite imposto ao poder 
de revisão (e não ao poder de reforma!) corno temporal. Parece-nos ser sim um l imite de 
tempo pois só com a (inexorável) passagem deste é que a revisão se tornou factível! 
Em conclusão, nos cinco primeiros anos após a promulgação da Constituição o tex­
to constitucional não estava intocável, insuscetível de modificações formais feiras pelo 
procedimento de reforma. Nada obstante, a revisão não era admitida, em razão do limite 
temporal que a acompanhava. 
(B.2) Limitações materiais 
(B.2.1) Introdução 
Conforme previsão explícita da Constituição Federal, não poderá ser objeto de de­
liberação a proposta de emenda constitucional rendente a abolir a forma federativa de 
Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos 
e as garantias individuais. 
Essas matérias, elencadas no art. 60, § 4° da CF/88 e intituladas "cláusulas pétreas" , 
estão fora do alcance do poder constituído derivado reformador, formando um núcleo 
intangível da Constituição Federal, imunizado contra possíveis alterações que reduzam o 
seu núcleo essencial ou debilitem o duradouro projeto que ela tencionou construir. 
A justificativa da imposição desses limites materiais ao poder de reforma encontra-se 
na necessidade de preservar a identidade básica do projeto constitucional, assegurando a 
62. LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 16� ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 582. 
63. EC n2 1 - 31 de Março de 1992; EC nº 2 - 25 de Agosto de 1992; EC nº 3 - 17 de Março de 1993; EC n2 4 - 14 de 
Setembro de 1993. 
125 
NATHAL IA MASSON 
manutenção da essência da Constituição e do núcleo de decisões políticas e valores funda­
mentais que legitimaram sua criação. 
(B.2.2) As cláusulas pétreas e a questão da hierarquia entre normas constitucio-
na is 
Ainda que a superior proteção de alguns assuntos considerados cláusulas pérreas con­
fira a eles um status político diferenciado e sobreleve a carga valorativa que possuem, não 
há que se falar em qualquer hierarquia normativa e jurídica entre eles e o restante dos 
dispositivos da Constituição. 
É claro que as normas que estão protegidas como cláusulas pérreas não podem ser 
revogadas ou restringidas pelo poder de reforma, ao passo que as demais normas constitu­
cionais, que não estão amparadas de forma idêntica, podem. Mas isso não torna o primeiro 
grupo de normas hierarquicamente superior ao segundo. Só torna o primeiro grupo de 
normas imune a algo que atinge o segundo: as reformas constitucionais. 
Hierarquia é coisa distinta. Hierarquia designa que uma norma extrai seu fundamen­
to de validade de outra, que lhe é superior, sendo considerada inválida caso desrespeite essa 
norma superior marriz6·1• Não há hierarquia entre normas constitucionais originárias, 
porque são rodas constitucionais, elaboradas pelo poder constituinte originário e possui­
doras de idêntico status normativo. Não por outra razão o princípio da unidade impede 
que reconheçamos conAicos reais e efetivos entre elas. 
Em conclusão, remos o voto do ex-Ministro Moreira Alves, relator da ADI 815-DF: 
as cláusulas pécreas não podem ser invocadas para a suscentaçáo da tese da inconstitu­
cionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais su­
periores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte 
derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Conscicuince 
originário, e não como abarcando normas cuja observância se imponha ao próprio Po­
der Constituince originário com relação às oucras que não sejam consideradas como 
cláusulas pécreas e, porranco, possam ser emendadas. 
(B.2.3) O alcance da locução "tendente a abolir" 
Pacificou-se na doutrina que a locução "rendente a abolir" constante do art. 60, § 4°, 
CF/88, só ampara o núcleo essencial do rema que o constituinte quis proteger, não garan­
tindo sua absoluta intangibilidade. Reformulações linguísticas das cláusulas,

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