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BIBLIOTECA PÓLEN Para quemnão quer confundir rigor com rigidez, é fértil considerarquea filosofianão é somenteumaexclusividadedessecompetentee tituladotécnico chamadofilósofo.Nemsempreelaseapresentouempúblicorevestidadetrajes acadêmicos,cultivadaem viveirosprotetorescontra o perigo da reflexão: a própria crítica da razão, de Kant, com todo o seu aparatotecnológico, visava,declaradamente,libertar os objetosda metafísica do "monopóliodas Escolas". o filosofar, desdea Antiguidade,temacontecidona forma defragmentos, poemas, diálogos, cartas, ensaios, confissões, meditações,paródias, peripatéticospasseios, acompanhadosde infindável comentário,sempre recomeçado,e atéos modelosmais clássicosde sistema(Espinosacomsua ética,Hegelcomsualógica,Fichtecomsuadoutrina-da-ciência)sãoatingidos nessepróprio estatutosistemáticopeloparadoxoconstitutivoqueosfaz viver. Essa vitalidadedafilosofia,emsuasmúltiplasformas, é denominadorcomum dos livros desta coleção, que não se pretendedisciplinarmentefilosófica, mas,justamente,portadoradessesgrãos de antidogmatismoqueimpedemo pensamentodeenclausurar-se:umconviteà liberdadeeàalegriada reflexão. RubensRodriguesTorresFilho Gérard Lebrun SOBREKANT Organização Rubens RodriguesTorresFilho Tradução JoséOscar de Almeida Marques Maria Regina AvelarCoelho da Rocha RubensRodrigues TorresFilho ILUMJtt'uRAS BibliotecaPólen Dirigidapor RubensRodrigucsTorresFilho e Márcio Suzuki Títulosoriginais Humcct.l'ast.ucedeKant,De I'crreurà I'aliénat.ion,Le rôledeI'cspacedansIaformat.ion deIapcnséedeKant.,L'appro/ündisSClllcnt.dc IaDissertationde 1770dansIaCritique deIa RaisonPure,L'aporétiqucdeIachoscCllsoil,La troisiellleCritiqueouIathéologie retrouvéc,La raisonpratiqucdansIa Critiquedu.fugemem Copyright~)/993 GérardLcbrun Copyright©destaedição Edit.oraIluminurasLIda. Projetográficodacoleçàoe capa Fê sobreVénusbleue(1957),pigmcnt.opuroe rcsinasint.éticasobrepoliést.er[54,2x 25,5 em],Yves Klein (coleçãoparticular). !'reparaçàodetextoe revisào Celia Cavalheiro Revisão AlexandreJ. Silva (Est.elivro segueasnovasregrasdoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa.) CIP-BRAStL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ L498s Lebrun,Gérard, 1930-1999 SobreKant/ GérardLebrun ; organizaçãoRubensRodriguesTorresFilho; traduçãoJosé OscarAlmeidaMarques,Maria ReginaAvelarCoelhodaRocha, RubensRodriguesTorresFilho. - (3.reimpr.].- São Paulo: Iluminuras,2010.- (BibliotecaPólen) ISBN 85-85219-52-1 I. Kant, Immanuel,1724-1804.I. TorresFilho, RubcusRodrigues,1942- 11.Título. m.Série. SUMÁRIO Humee aastúciadeKant,7 Doerroàalienação,13 opapeldoespaçonaelaboraçãodopensamentokantiano,23 oaprofundamentodaDissertaçãode /770 na CríticadaRazãoPura,37 A aporéticadacoisaemsi,53 A terceiracríticaouateologiareencontrada,73 A RazãoPráticanaCríticadoJUlZO, 99 08-3994. 12.09.08 16.09.08 CDD: 193 CDU: 1(43) 008736 , \ 2010 EDITORA ILUMINURAS LTDA. RuaInácioPereiradaRocha,389- 05432-01I - SãoPaulo- SP - Brasil Te!'/ Fax: 55113031-6161 iluminuras@i1uminuras.com.br www.iluminuras.com.br HUME E A ASTÚCIA DE KANT1 Eraumavez,emKbnigsberg,umprofessordemetafísicaque falavaaseusalunosdaAlma,doMundoe deDeus.Leu umdia umcéticoescocês,DavidHume,"o maisengenhosodetodosos céticos"- eessaleiturao levoucomohojesediz,acolocar-seem questão,aquestionar-see interrogar-sea si próprio.Perguntou- se se eramesmoumaciênciao queensinava.Perguntou-sese algumaínfimaproposiçãogeralqueproferiaemsuasaulasera verdadeiramentenecessária,se enunciavaalgo cuja falsidade fosse impossível."Toda mudançanecessitade uma causa", por exemplo.É realmentenecessáriaestaproposição?Sim - responder-se-á- eu não sei,desdesempre,queumabola de hilharqueseachaemmovimentodeveterrecebidoumimpulso? () problema- replicavaHume- é quenãoé essaa questão: o que lhe perguntoé se a simplesnoçãode "movimentoda bola"envolvejá ade"impulso"e se,pormeroraciocínio,antes de qualquerexperiência,vocêpoderiadescobrirestacontida naquela.E considereda mesmamaneiraqualquerconexão: "solidez" e "peso", "calor" e "chama"... Incansavelmente, Humenospergunta:- Diga-mea razãoprecisaporquevocê pensacomoinseparáveisde direitoessesconteúdosdistintose desligados.Essaconexãodedireito- acrescenta- euo desafio <lencontrá-Ia:vocêsópoderá,vencidopelocansaço,invocarasua experiênciapassadae adetodososhomens.Mas umarepetição dl~experiênciajá garantiualgumaveza necessidadeabsolutade <llgumarelação?É aexperiênciaquetornanecessárioumteorema degeometria?Ora,quandosetratadefatoseeventos,vocênunca ohteráo equivalentedessacertezageométrica... I () I!s(adodeS. Paulo. Suplemento"Cultura", 12/12/197 7 SeKantfoi "despertado"porHumedoseu"sonodogmático", é que nãoachounada a responderao desafiolançadonesses termos.Hume- disseele - provou"de maneirairrefutável" queé inconcebívelqueaexistênciadeumacoisaB devaresultar necessariamenteda existênciade uma coisa A. Teve, pois, "todaa razão"emconcluirquea ideiadehaverumarelaçãode causalidadeentreessascoisas(forado nossoespíritoque,por hábito,forjaestarelação)é "umamentirae umailusão". Na vidacotidiana.aliás,istoé de escassaconsequência:os homenslogoseresignarãoa saberquea merarazãonuncalhes permitirialigar "calor" e "chama".Mas Kant eraprofessorde metafísica.E queserá,desdeentão,do metafísico,daqueleque fala de noçõesdasquaisnãotemosexperiênciasensívele que, por isso,nãopodesequerfundarnaobservaçãoasrelaçõesque estabeleceentreessasnoções?Quedireitoteráa pretenderque "Deusé a causado mundo"(ou: a "infraestrutura"a causada "superestrutura")?Nenhum,éclaro.É oqueconcluíaHume,com perfeitacoerênciaE éporissoquealeituradeHumenãoproduziu emKant o efeitodeum despertador,maso deumacampainha de alarme.Hume, incontestavelmente,haviadestruído"o que atéaquise chamoumetafísica";mashaviaele extirpado,com isso,todapossibilidadedemetafísica?É verdadequeapósHume nossoslivrosdeteologianãosãomaisquecastelosdecartas.Será possível,entretanto,que os conteúdossuprassensíveis,como "Deus","a liberdade",sejamnoçõesabsolutamentedesprovidas desentido?Nãodeveserassim... E, contudo,oqueresponderaHume?Searazão,sozinha,não mepermitesequerampliaro conceitoquetenhodeumobjetoda experiência,o queserá,afortiori, dosobjetosqueestãoalémda experiência?Se o conhecimentodo sensívelnãopode,quando muito,meconduziramaisdoqueafrágeisconstatações,quenada têmdenecessário("todavezqueum corpopermaneceexposto ao sol, aquece-se"),como produzir enunciadosnecessários referindo-seaosuprassensível?Quemnãopodeo mínimo,nãoé capazdomáximo...A questãoestá.pois,decidida:nãohá,para nós,suprassensível. Ainda queestaconclusãoescandalize,nãobastaescondero rosto.É precisorespondera Hume.MostrarqueHumepecou, 8 por precipitação,ao proclamara total impotênciada razão.E, paracomeçar,é precisoretomara suaanálisedo conhecimento do sensível. Sejao juízo seguinte:"o sol é, por sualuz, causado calor deumcorpo."Semdúvida,seeunãosoubesse,porexperiência (porouvir dizer,parao cegode nascença),queháum sol e há corpos,nuncapronunciariaestejuízo. Mas significaisto que a ligaçãoque ele enunciaseja apenasimpostapelo hábito? Poderiaeu emitiressejuízo se fosseapenasum ser educado pelas minhasexperiênciase não um animal racional? Em outraspalavras,nãoé a razãoque me obrigaa instauraraqui umaconexãoinseparável?.. Se conseguisseprovarisso,então apossibilidade,pelomenos,da metafísicaestariaa salvo,pois euteriamostradoque,foradamatemática,aindacabeumsaber de origemracional... Mas Kant,ao queparece,é justamenteo últimoquepossaministraressaprova,pois acabade conceder quasetudoa Hume- reconhecendocomestequedo conceito de umacoisaA nuncasetirará,pelamerarazão,o conceitode umacoisaB. Depoisdisso,comomostrar,semincoerência,que a causalidadeé umaprescriçãosurgidada razãoe antecipadora daexperiência? É horade avisaro leitorque,atéaqui, narreiessahistória guiando-mepelorelatodeKant:odespertarangustiado,adúvidainsuportável...Ora, pode-seduvidarde que todo estedrama intelectualtenhajamaisocorridoda maneiracontadapor Kant, essemestredo suspense.Atravésdele,admiremosantesa mais insidiosa(e a mais deslumbrante)das retiradasestratégicas que se possaefetuarnessaarteda guerraideológicachamada "'ilosofia":Kant fingecederemtudo,porqueseráo únicomeio denãocederemnada. (~verdadequeacausalidadenãoéuma"condiçãoinscritanas \'(lisas":salvopor intervençãode um Deus exmachina,como ';nia possívelqueum conceitonascidoda nossarazão ("B é I) c()nsequenteconstantedeA") fosseresidirnascoisas,istoé, l'11!scresque,pordefinição,existemfora denossarazão?Toda ;1 ('rítica da RazãoPura é escritaparaconvencer-nosde que, qll,lIldo conhecemosou formulamosum conhecimento,nada dl'svcndamosde"Seremsi", nãodeciframosumtextoqueteria 9 sidogravado"nascoisas",comopretendiamosmetafísicosdesde Platão.Penetrarpornossarazãonascoisas...Pretensãofanfarrã, queHumeteveoimensoméritoderefutar.Masacreditouquetodo conhecimentoracionaldeobjetossetornava,comisso,ilusório - o queeraatribuirdemasiadahonraà metafísicanascidade Platão.Em suma,Hume só teriatodaa razãoseo platonismo não tivessesido um contode fadas.Se pudéssemosacederao Ser - ao Ser semfragor,luminoso,tal comoDeuso domina peloolhar- é verdadequenadapoderíamosadivinhardasleis queregemesseestranhoreino.Sobessaluz demasiadointensa, ficaríamoscegos- enadaconheceríamosanãosertateando,por experiência.O quenoscontouHume,aseupesar,éo verdadeiro passeioforadaCaverna- eéporissoque,nojuízo deKant,este demolidordavelhametafísicapermaneceligadopassionalmente aela,comoo algozà suavítima. Mas larguemosPlatão.- E, ao invésde nosevadirmosdo sensível,afundemoscom Kant no sensíveltal como é, quer dizer, tal como é preciso que seja. "Pobres filhos da Terra" quesomos,nuncafrequentaremosas coisas- é verdade.Mas essaé umaboanova,pois taiscoisas,afinal,comoHumetão bem viu, nuncaofereceriamrelaçãonecessáriaà inspeçãode nosso espírito.Ora, tudo se passade maneirainteiramente diversacomosobjetosquesurgemdoespaçoedotempo- com estesconteúdosfeitosparaserempercebidos,imitados,medidos por homens.Sãomeras"sombras",banidasparaforadacriação divina,estácerto;masésomentenesseclaro-escuro,desdenhado pelos metafísicos,que estamos,por princípio, em pays de connaissance.Sim: porprincípio.Paraqueum conteúdoesteja relacionadocomigoemposiçãode objeto(sejaelequalfor: os arranha-céusquevejodaminhajanela,estejornalquevocêlê), deveestarjá submetidoa certasregrasuniversais- semo que nãoserianadaparavocênemparamim.Águaquefervessesem euacendero fogoseriasonhoenão,um"objeto",poisumevento só se diz "objetivo"se a mudançaqueexpõeremete,segundo umaregradeterminável,aumeventoantecedente. Concedidoisso, dá paraver o que se ganhaao passarda coisa-em-sido metafísicoaoobjetode experiência,cujo rosto, por assimdizer,já seachadesenhadopelasleis imprescritíveis 10 quedeterminamo quedevesera experiênciasensível?Ganha- -se o direitode dizer que há pelo menosum país - o dos homens- onde a causalidaderesultaser precisamenteuma relaçãoessencialentreosobjetos,poisque,semela,nãohaveria "objetos".É por issoqueHumeeraapenasumcontrametafísico, e nãoumcríticoda metafísica.Desafiava-nosa encontrarentre os coisasumaconexãonecessária(quesó poderiaserteológica ou mágica).Tinharazão-- mascoma ressalvadequea relação decausalidadeseencontranumlugardistintodaqueleondeele justamentecontastavaa suaausência.Comotodanoçãoracional leórica,elasóé manifestanaorigemdo sensível,enquantoeste //ão é um caos.Como todanoçãoracionalteórica,ela é essa antidesordeminauguralpela qual os conteúdossensíveissão articuladosdeumavezpor todas,sobo nomede "objetos",de modoa nuncamaisnosdesconcertarem. "Se alguém,dizia Hume,pudesseabstrairtudoo que sabe ou viu, seriacompletamenteincapaz,consultandoapenassuas própriasideias,dedeterminarqueespéciedeespetáculoouniverso deveser... "Não, respondeKant.Um conceitoracionalcomoa causalidade,pelomenosnocasodosobjetosdaexperiência,não (:umapalavravazia,e,nessaregiãopelomenos,oentendimento, longede ser cópia autenticadade minhasexperiências,é o "II/l'lteuren scene"da experiência.E, como o entendimento humanoé,pois,o delegadodeumpoderde legislaçãoreferente aos"objetos"(a palavraeruditaé transcendental),é permitido ('sperarquea razãopura, isto é, desligadado sensívele, por conseguinte,incapazde nos fazer conhecero que quer que sej;l,possuapelo menos,tambémela,umaindependênciae um poder.Estádesbravadoo caminho,a cujo termose dissiparão "asdiliculdadesquepareciamopor-seaoteísmo".É pelomenos IlI'llllilido esperarque a palavra"Deus" venhaa guardarum ""1111110.Comoqueríamosdemonstrar. /'()is (: isto mesmoqueestáemjogo, só isto estáemjogo 11l"';seajustedecontas:Kantdefendea ciênciaenquantoprática lI/I 'io//i1j apenaspara ressalvaros direitosda razão em geral e Iloladamenteo direitode pensar,se não de conhecero o'lIll1aSS('nsÍvel.- Esse"em-jogo"foi amenamentedissimulado .I l'nal:()('Sdccscolares,aoselhesensinarqueapossibilidadedas 11 ciênciasdanatureza,diabolicamenteminadaemEdimburgo,fora salvain extremisem K6nigsberg,poucosanosdepois.Tocante lendauniversitáriaque só temum defeito:crerna palavrade KantquandodeploraqueHumetenhasidocapazdeseresignar à falênciadaciênciaMuito penaríamosàcatadeumúnicotexto emqueHumeconfessassereduzira"ficções"as'leisdanatureza e pulverizaras ciências.Este newtonianoconvictonadatinha de um DoutorFantásticoda episteme.Sua verdadeiraaudácia - vertiginosa,é verdade- foi libertaro saberdo sistemade segurançaideológicachamado"razãouniversal".Foi pensarque umaproposição,parasercient~fica,nãoprecisainscrever-senum lagosquejá tivesseorganizadoo Serou o "fenômeno".E, este desafioradical,Kantnãoo enfrentou... A partirdaí,comodizerqueelesalvouaciênciacontraHume? O queKantsalvoupor umtempo,deslocandoaudazmente- e genialmente- o platonismo,foi a razãouniversal,essafigura derradeiradeDeus,a maissorrateira- queos procedimentos científicos,narealidade,podemperfeitamentedispensar.O que exorcizoufoi a imagemdeumaciênciaadulta,quefuncionasse semgarantianem"fundamento"e,nemporisso,seportassemal. AssiméqueKant,"retardadordoateísmo",foi canonizadocomo salvadorda"ciência",e Hume,esseespíritolivre,permaneceu, paraumatradiçãocondescendente,como"o maisengenhosode todososcéticos".Históriaedificante,daquala liçãoatiraréque é precisoacabarcomo mitoda"Ciência"parasetercertezada eliminaçãodomitode"Deus",equenãoháateísmoconsequente semdestruiçãode todasas fórmulasde "saberuniversal".Eu dissemesmo:todas. 12 DO ERRO À ALIENAÇÃO' Na Reflexão 3.707, intitulada:"Certeza e incertezado conhecimentoem geral", Kant escreve:~ Ainda que as coisassejamem si mesmascertamenteo que são, tem-seo direitode falarde uma incertezao~jetiva,na medidaem que nosso conhecimento,na sua condiçãode limitado,encontra forçosamente,nascoisasqueconhece,relaçõesqueé incapazde determinar."Seo diâmetroaparentedeumaestrelaéconhecido, massuadistânciaé desconhecida,a verdadeiragrandezadessa estrelapermaneceincerta- aindaquedessaincertezapor si só nãopossanascernenhumerro".E prossegue:os limitesdenosso conhecimentodãocontadenossaignorância,masabsolutamente 11<10bastamparatornar inteligívela possibilidadedo erro. É illlpossível,ao contrário,emitirjulgamentoserrôneosenquanto S('estácientedenãoestaremcondiçõesdejulgar.- Kantlimita- ,"l~a retomaraquiumtemaclássico:ali ondetenhoconsciência deminhaignorância,nãoháerropossível.DesdeoTeeteto,estava l'iammenteindicadaalinhadivisóriaentresabere ignorância:"É illlpossívelqueaquelequesabealgonãoo saibaequeaqueleque II.Ú)o sabeo saiba."(I 88b) Disto,Platãoconcluíaa impossibilidadedo erro.A opinião LiI"a, seexistisse,consistiriaemtomaras coisasquese sabem IItlI coisasque se ignoram- ou, ainda,em confundirduas (lIiS;IS qneseconhecem... Fórmulasvaziasdesentido,umavez qlll' foi lraçadaa fronteiraentreSabereNão-saber,entrecerteza (' 11I('('rleza.E todaa estratégiade Sócrates,na continuaçãododl;ilogo,consisteemmostrarquenãohánenhumaexplicaçãodo ('ITOqnenãonosfaça,nofinaldascontas,recairnessaaporia,- 111-'10 illl'dilo. 13 nenhumasutilezaquepermitaescamoteara oposiçãoabsoluta entre"saber"e "nãosaber".É bemprematuroojúbilo deTeeteto quandoSócratesdistingueo fatodepossuir(tochechtethai)e o fatodeter(toéchein)aciência.À primeiravista,asoluçãoparece elegante:osconteúdosdosaberseriamentãocomopássarosque euterianomeuviveiro;aoquererapanhá-los,poderiaacontecer- mepegarum"li" emlugardeum"12" - comoumpombodo matoemlugardeumapomba(199a-b).Na realidade,acrescenta Sócratesdepronto,essasoluçãonãonosfaz avançarumpasso: osconteúdosdeconhecimentonãosãocomopombasquepassam depressademaise sobreosquaiseufechariaamãoaoacaso.Se apanhoum pombodo matoem lugarde umapomba,isso é a provadequeambossãopássaros;seconfundoumconceitocom outro,issoprovaquenãoconheçonemumnemo outro... No entanto,essa distinçãoentre ter e possuir permitirá atribuiraoerroum estatuto,umavezqueele foi transformado numadistinçãoentreconstatare julgar. Essa é a soluçãodo Sofista(262-263).Se se consenteem não restringiro lagos à constataçãode um "fato atômico",a umanominaçãobrutade o queé - e simfazê-Iosurgirquando(e somentequando)eu atribuoa um sujeitoo queeleé, entãoo errovoltaa tornar-se compreensível.Inencontrávelenquantoeraprocuradono nível dosmerosconteúdos-- quenãopodemseraquiloquenãosão, representaraquiloquenãorepresentam,- o erroadquireum sentidononíveldaarticulaçãodosconteúdos:o erronãopodia serumapercepçãoaberrante;seráagoraumjulgamentoinfeliz. Se nãopossotomarTeetetopor Teodoro,quandoos conheçoa ambos,possojulgar,emcompensação,que"Teetetovoa", isto é, atribuir-lheumpredicadoquenãolhecompete.Com o lagos predicativo,abre-seumespaçonoqualosabsurdosnãosãomais ontologicamenteimpensáveiseondeasdistorçõesdesentidonão sãomaisalucinações:como benefíciodo jogo entreconteúdo representativoejulgamento,pode-sedizer,semserlouco,aquilo quenãoseverifica. É essadiferençaqueDescartesinvocanaQuartaMeditação. Em si mesmasformadascomo conteúdosrepresentativos,as ideiasnadatêmdefalso;apenastêmmaisoumenosderealidade objetiva.de pesode ser.O logro começaquandoafirmoalém 14 daquilo que me permite a realidadeobjetivadessasideias inocentes:"E é nestemauusodo livrearbítrioqueseencontra a privaçãoqueconstituia formadoerro."2A desproporçãoentre :1infinidadedo livre arbítrioe a limitaçãodo entendimento,eis a fontedo erroe a explicaçãodo paradoxoquefaz com que, l'mboraignorando,possamossem mentirafalar a linguagem daquelequesabe.Ou, maisexatamente,o erroprovémde uma certadisplicênciadessavontadesoberana.Em relaçãoao saber c aonão-saber,elaé ind(j'erente.De umatal "indiferença",cabe unicamentea mimfazerbomusoe abster-me"deformularmeu juízo sobreumacoisa,quandonão a concebocom suficientc darezaou distinção."Mas tambémbasta-meum momentode dcsatençãoparaformularumjuízo temerário,pois, por força da "indiferença",a vontadepodefazer-secaprichosa:ali onde nenhumarazão"mepersuadedeumacoisamaisdoquedeoutra (...) se seguequesouinteiramenteindiferentequantoa negá-Ia ou assegurá-Ia,ou mesmoaindaa abster-mededaralgumjuízo aesterespeito"(§ 11). Tocamosaqui a razão"positiva"do erro? Não. Descartes l'Xplica sim o mecanismo,mas empenha-seem normalizar i,-;soquepoderiapassarpor umfenômenopatológicoempleno coraçãodo saber."Não tenhomotivode melastimar"seDeus 111l'dotou de um entendimentofinito: "Não tenho também IllOIÍvode melastimardo fatode mehaverdadoumavontade IlIais amplaqueo entendimento(...) enfim,nãodevotambém 1;lIl1entar-medequeDeusconcorracomigoparaformaros atos dl'ssavontade,istoé,osjuízosnosquaiseumeengano..." (§ 13). N;io há nenhumculpado,pois, na origemdessamalversação; 1Il'IIIJumade minhasfaculdadesé responsávelpelo erro, mas ~,()IIIl'nteo usoquedelasfaço- o "Juízo" no sentidokantiano. 1';II('l-equeDescartesnosdeixaentrever- comaindiferençada \l}lIlade- umarazão,quepoderiaserpositiva,parao erro,mas ',()lIll'ntepara,logoemseguida,minimizá-Iaatéseuanulamento. I' l' porisso,finalmente,que,seultrapassoo limitealémdoqual ',L' tornaimprudenteafirmar,só possoculparpor isso minha Ilropriadistração... 1("111"I kSl''Irll's. Meditaçijes,trad.Jacó Ginsburge BentoPradoJr., "Os Pensadores", (.lll'llla IIIl'dil'lção.~ 13, 15 Certas passagensde Kant retomamessasafirmaçõesde Descartes:"emcertosentidobemsepodefazerdoentendimento o autordoserros,ou seja,( ) porfaltadaatençãodevidaaessa influênciadasensibilidade( ) A natureza,porcerto,nosnegou muitosconhecimentos,elanosdeixa,a respeitodetantascoisas, emumainevitávelignorância;maso erroelanãocausa.A este nosinduznossoprópriopendor(Hang)ajulgaredecidir,mesmo ali onde,porcausadenossalimitação,nãoestamoscapacitados a julgar e decidir,'"Restasaber,porém,se essadistraçãonão é tornadapossívelpor um enceguecimentomaisprofundo.É surpreendentenotarqueoerro,entreosclássicos,jamaisvaialém daquiloqueKant denomina"errode absurdo"(Ungereimtheit) ou "erro inepto"(abgeschmackte):"Um erroondea aparência estámanifestaatémesmoparao entendimentocomum(sensus communis)denomina-seumainépciaou absurdo.(...) Um erro ineptopode-setambémchamarumerroaoqualnada,nemsequer a aparência,servecomodesculpa."4Nietzschenotaráissoe não pouparáde seussarcasmosessadesvalorizaçãosistemáticado erro: o conceitodo erro exprimiria,de direito,o que pode acontecer de pior ao pensamento,isto é, o estadode um pensamentoseparado da verdade.Tambémaqui, Nietzscheaceitao problematal como é expressodedireito.Mas,justamente,ocaráterpoucosériodosexemplos correntementeinvocadospelosfilósofosparailustraroerro(dizer"bom dia, Teeteto"quandose encontraTeodoro,dizer 3 +2 =6) mostra suficientementequeesseconceitodeerroé somentea extrapolaçãode situaçõesde fato artificiais,puerisou grotescas.Quemdiz: 3 +2 =6, senãoacriançanaescola?Quemdiz "bomdia,Teeteto",senãoo míope ouo distraído?5 Por queescolhertaisexemplos?Talvez,justamente,porque são suficientementeinsignificantespara não nos despertaro desejodeinvestigarsenãohaveriaumarazãopositiva- aquela queKantreclamanaReflexão3.707,nossopontodepartida."Do fatodequenãoconheçocertascoisasnãosesegueaindaqueeu , lmmanuelKant,Logik,einllandbuchzu Vorlesungen("Lógica deJasche"),Nocolavius, Kiinigsberg,1800;AkademieAusgabe,v. IX; Introdução,VIII; A 78,79; IX, 54. 4 Logik, A82; IX, 56-57. 5 GilIes Deleuze.Nietzscheet ia Philosophie.Paris: PUF, 1970,p. 120. 16 p(),~~acmitirumfalsojuízo." De ondevem,então,o erro?Qual (' ;1polênciaqueo engendra?Serátãocerto,nofinaldascontas, lIl'"clenasceapenaspor inadvertência? ()uc a opiniãofalsasejaoutracoisa,diferenteda ignorância, IIllio mundoadmite,desdeo TeetetodePlatão.Masqueelaesteja ('lIraizadaemumpoderpositivo,eisaí, também,algoquetodos 1('íll1amemdissimular.Seriaadmitirqueo homemestáseparado tI;1 verdadeporumadistânciadedireito:prefere-selançaro erro liacontade lapsose quiproquós,futilizar"psicologicamentc"o Ill'gativo,e assimdesviar-sedele,Na QuartaMeditação,escreve (1IIcroult,o objetivoda investigação"é explicaro erro como privação,porumacombinaçãodefatorespsicológicostalquesua 1IIIpcrfeiçãopositiva,indiscutívelnaalmahumana,nãoenvolva Ill'lIhumado pontode vistametafísico."('Querdizer:desdejá a "psicologia"estavaencarregadade fornecerálibis (teológicos, ailldanãosociais)e de dissimularas contradiçõesconceituais. I": pelamesmarazãoquenãosequerreconhecerumapotência ()lIlológicanaorigemdoerroequeseescolhemsempreoscasos Illaisbenignosparailustraro erro.É precisoqueafalsaopinião, IIIIJavezreconhecida.nadamaissejasenãoumdesviomínimo,um ('xlraviosemconsequências,talquelhebasteumgolpedebastão pararegressaraojuízo verdadeiro;é precisoquea falsaopinião Idlllaismefaçaperdertotalmentedevistaaesferanaqualminha :ilinnaçãoseráseguramenteadequadaà ideia. Releia-seo finaldaQuartaMeditação:nãopodehaveroutras ('alisasdo erro,alémdasqueacabodeexpor,garanteDescartes. '" 'ois,todasasvezesqueretenhominhavontadenoslimitesde Illl'lI conhecimento,detalmodoqueelanãoformulejuízoalgum ~,I'II;IOa respeitodas coisasque lhe são clarae distintamente Il'prcsentadaspelo entendimento,nãopodeocorrerqueeu me <'I/gol/e ..."7 Oerro,talcomoacabadeserdescrito,foi,pois,talhado ",()I! mcdidaparaquepermaneçaintacto(exigênciasuprema)esse ',I,11) dc certeza.A possibilidadedo errofoi determinadade tal 111I)doqueapossibilidadedeumconhecimentoindubitavelmente I','n/odeiroesteja salvaguardada,Por que indubitavelmente vndadciro?"Não podeocorrerqueeumeengane;porquetoda ~LlIli:ll (iucroulc Descartesselonl'Ordre desRaisons,v. I, p. 311. " I l>, N,is sublinhamos. 17 concepçãoclaraedistintaésemdúvidaalgoderealedepositivo, eportantonãopodetersuaorigemnonada.,,"xAs ideiasclarase distintastendo,assim,necessariamenteDeusporautore fiador, é óbvio que os julgamentosque se regulamunicamentepor elassão,deofício, "verdadeiros".Qualé,nessefinaldefrase,a exigênciaessencial?O latimdeDescarteso mostramelhorquea traduçãofrancesa,queo dilui: ...guiaomnisclaraetdistinctaperceptioproculduhioestaliquid... Háumaregiãoondenãopossoconhecersemconheceraliquid, istoé, "algo"e "algoqueé", Em suma,Descartes,aoconceder direitode cidadaniaao erro,nadamais faz senãorestringiro campoqueo TeetelodePlatãodesdobravaemsuauniversalidade. Curiosamente,comefeito,a linguagemqueDescartesfalapara justificar sua concepçãodo erro é a mesmaque,no Teeteto, anunciaaimpossibilidadedoerro,o nascimentodolet-motivque liquidarátodasastentativasdedarumsentidoàfalsaopinião. - Aquelequejulga algonãojulga algodeuno? - Necessariamcnte. - Mas quemjulga algodeunonãojulga algoqueé? -Concedo. - Aquele,pois, quejulga o quenãoénãojulga nada... Ora, não julgarnadaépurae simplesmentenãojulgarY Na QuartaMeditação,Descartescontinuaa reconhecera validadedesseprincípio- "Julgar algoé julgar algode ente" - maslimitaessavalidadeaocampodasideiasdistintas,detal modoqueo erro,fora dessecampo,toma-seconcebível:basta queeu meabandoneaoscaprichosde minhavontadeparaque meujulgamentodeixede confiarunicamentenasideiasclaras e distintas.Graçasa essaconcessão- permitidapela"análise 8 Ibidem. ')PIatão,Teeteto,[89a.Eis aquio textogrego,como destaquedojogo depalavras: - Ho dededoxázonouchHÉN géTI doxázei? -Anánche. - Ho d'hénti doxázonouchÓN TI? -Symchorõ. - Ho árame ón doxázonOUDEN dóxázei... Allà menhó Ge mcdendoxázontó parápanoudedoxázei. 18 I,,;i,'olúgica"- O erropode,pois,serreconhecido,eaconclusão do 'Ii'cleto podeseredulcoradasemqueo princípiodela seja :lil,dado.O racionalismoevitaa "escolhaembaraçosa"na qual ,')iinalesacabavaacuandoTeeteto:"Ounãoháfalsaopinião,oué possívelnãosabero quesesabe.Qualdosdoisvocêescolhe?- Vi ,cêpropõeumaescolhaembaraçosa,Sócrates.- E noentantoo ,1I)'Umentoperiganãonospermitirconservarosdois..." (196c-d). I(,t!asasteoriasclássicasdo erro- foraa de Espinosa- são kitas paraforneceraTeetetoarespostaque,naqueledia,elenão ,'lIcontrou.Pararecusaro dilemade Sócratese tero direitode di/,l~r:o erroexiste,aindaquesejaimpossívelconhecere não ,'ollhecer,ao mesmotempoa mesmacoisaDão-nos,assim,os i it,isaomesmotempo:acompreensãodoerroeagarantiadeque 11:1umsaberdoser,Dá-secontadeumfato - queseriaabsurdo 1)'1I0rar- conservandoembora,à custade umalimitação,um I'/"illclpioqueseriaperigosoabandonar. Por que,exatamente,perigoso?Por quecontinuara admitir ,'OlllOum dogmaqueo juízo "verdadeiro"diz respeitoàquilo queée quenãosejulga (propriamentefalando)daquiloquese i)'lIora?Perguntaristo é perguntar,soboutraforma,por queo ,'ITOnãopassadeumpseudojulgamento,nascidodenossainércia " d•.llossapreguiça,e porquenãotemcabimentoinvestigarsua I,I/;ÍO"positiva". "latãoindicamuitoclaramenteporqueesseprincípionãodeve s,'r postoemquestão:seo recusássemos,a queconsequências ,',stranhasnão seríamosconduzidos?"Isso de que temos o :,:liler,ignorá-Io,não por ignorância,maspelo próprio saber qlle se temdele (meagnomosyne,allà te heautouepistéme) ( ..) como não seriao cúmuloda desrazão(ou polle alogia) ,',',S:lalmaque,uma vez nascidaparaa ciência,não conhece Il.ld<le ignoratudo?" (I 99d), O pensamentoclássicoem sua 1III;II1imidadedá razãoa estaslinhas de Platão- e a teoria i li) ,'ITO,desdeo Sofista,tempor tarefaevitartaisparadoxos: ,nlo, é possívelenganar-se,massempre"por inadvertência", 11l'11Iporqueignoro, nemporqueconheço(com o auxílio da 111li ikrença da vontade,de nossadistraçãoe algunsavatares p';j('olúgicos),Assim o erro,fenômenoperiférico,nãopõeem , ,IIIS<l<Il~struturado Saber. 19 Mas estasoluçãoé mesmosatisfatória?E não teria sido preferívelficar com a posição do Teeteto?"Uma vez que, sobretodasas coisasque sabemosou que não sabemos,em nenhumtermodestaalternativaaparececomopossíveljulgar falsamente."(188c)É issoquesugerea Reflexão3.707.Como julgar falsamenteenquantose ignora?É precisosemprevoltar a esseponto."É impossívelqueseerrenisto,enquantoseestá conscientede quenãoseestáaptoa julgar."Se seadmiteque todojuízo é determinaçãodo seremsi, quetodosos conteúdos sãointegralmentepartilháveisentreo Sabereo Não-saber,então não há erro possível:o Sócratesdo Teetetoe Espinosatêm razão.E Espinosa,ainda,estavabemfundamentadopararejeitar desdenhosamentea psicologiacartesianada vontade:não se trapaceiacomaontologia. Em contrapartida,seo erroexiste- e eleexiste,- entãoé umaontologianovaqueéprecisoestabelecer,nãoparadarconta deleposteriormente,masparafazer-lhejustiça.Mesmoque,com isso, se devamaceitaras consequênciasestranhasacarretadas por essarecusa:"Isso mesmode quetemoso saber,ignorá-Io, nãopor ignorância,maspeloprópriosaberquesetemdele..." Essahipótese,Platãoadavaporfantástica.Ora,elabempoderia designaro verdadeirolugardo erroe suanaturezaprofundaO erro,comovimos,eradificilmentepensávelenquantose devia inseri-Ioemum Saberjá asseguradode seudireito- e só era possívelinseri-Ioali introduzindouminsignificantegaguejarno discursoquedizoSer.MastudomudariaseesseSaber-testemunha constituíssejustamentea ignorânciaemplenocoraçãodosaber ("ignorarpelo próprio saberque se tem"),quePlatãojulgava inimaginável,sea Ciênciadequeos clássicosfaziama medida denossasdistraçõesfosseesseNão-saberquesedáaaparência domaiselevadosaber. EssaslinhasdePlatãolocalizamcombastanteexatidão- à reveliado autor- o conhecimentoenceguecidopelapretensão quetemdeatingir"averdadeiraessência"(cf.186c).Dequeserve, então,travestiro erroemumacrispaçãopsicológica?Ele nãoé o efeitode umatemeridadeirrefletida,masdeumaignorância inconsciente:nãoconsisteem afastar-semomentaneamentedo saberdoSer,masempôr,semexame,queháumsaberdo Sere 20 I fi I!',; sl~mprepossívelvoltaraoverdadeiro"comparandonossos , IIl1ill'cimentoscomo objeto."10 Assim Kant inverteo problema.A Ciência.pretensamente tI Illi/, do erro-distração,toma-seo melhorexemplodo erro- ,llIs{/o. A falsidadenão é maisumafalta com relaçãoa uma \ndade sempresegura(desdequeeu presteatenção),masum tI,'sl"lIidoquantoà fragilidadedo saber.Doravante,o falso não tinI" maisserbuscadonasAparênciasfacilmentecorrigíveisda Vidaquotidiana,masnaAparênciabemmaisenraizadaqueleva ,I Illetafísicoa decidirsemmesmoperguntar-sequaissãoseus 1llllIos."O erro é possívelunicamentepor uma inconsciência 1lllIwissenheit)da indeterminação(objetiva)do conhecimento" " ,"porissoqueeleémelhordetectadopelagravidadedofilósofo '1111"pelaleviandadedo sensocomum. Tentemosmediro alcancedessainversão: 10)Atéentão,sesehaviareduzidoo erroaosseuscasosmais Iwllignos,eraparasalvaguardaro dogmadavalidadeontológiea lIi/lllml dojuízo, istoé, aquiloqueKantdenominaa Aparência (dl'l"/.,'ehein)e em queele vê o princípiosupremode todosos nros, desdeo mundoqueeu proclamofinito ou infinitoatéo h;lstiioqueme aparecequebradodentroda águaOs clássicos ',I I ,"scolhiamexemplos"psicologizáveis"de errosporquenão '>IIS;lvamounãopodiamelucidaresseprincípio. .~O) Compreende-seentãoque o pensamentoclássico,na 1,'lIialivadeaclimataro Falso,só podiaproduzircompromissos ',,'111rigor: pretendiadar um conteúdoao erro em nomeda ;\p;m3nciaque esteescondia.Por isso evitavao dilema do 1;'l'fl'fo,que é possívelformulardestemodo:ou o erro não t'\ isle,ou a Razãoé falseadapelaAparência(ignorae sabeao IIH'SIIlOtempo).Os clássicos,estes,tentaramexplicarpor que li hOlllempodementirde boa fé (o erroexiste)semquehaja 111"1,' limapotênciaqueo levea mentira si mesmo(aAparência , lIll.slilllCionalé inimaginável). \") I~o homemde ciência que, como tal, está melhor I'Il",snvadodo erro,umavez quedeveforçosamentelevarem , t tlllaa "incertezaobjetiva".Já Aristótelesobservavaque não 11.1 :,olislllano raciocíniomatemáticoenquantoestepermanece ,,, 1,,,,"1 I ,\lI',ik. À-X3. 21 conformeaseusprincípios.A erísticacomeçaquandoodiscurso, pondoemjogo os "princípioscomuns",produz"a aparênciade aplicar-seàcoisaemquestão".I! 4°) Qual é o estatutodo "erro" em Kant? Essa questãoé ingênuasepor "erro"seentendeo conceitopsicológicoforjado peloracionalismoparadarcontadapossibilidadedeseriludido. Depoisde Kant, a filosofianãotemmaisnecessidadede uma explicaçãopsicológicadomecanismodeerro,masdeumacrítica dasofísticanaturalemtodosos seusníveis:"Paraevitarerros,é precisoprocurardescobrire explicara fontedeles,a aparência. Isso foi o quepouquíssimosfilósofosfizeram.Eles procuraram somenterefutaros erros,semindicara aparênciada qualeles seoriginam."12Há urnafalsidadeno coraçãodo conhecimento, quenãoéacidental,assimcomohá,nohomem,umaduplicidade inconsciente.A máfé, a falsaconsciência,a tolicesubstituirão assim,na antropologiado séculoXIX, as confusõesingênuas entreo 11e 12,o pombodo matoe a pombaDepoisde Kant, o errodeixade serumainabilidadeparatornar-seum destino. Sabe-seo partidoqueNietzscheirá tirardessametamorfose. TraduçãodeRuhensRodriguesTorresFilho II Aristáteles,RefutaçôesSc!flstieas,171b-c. 12 Kant,L0l!ik, IX, 56. 22 () PAPEL DO ESPAÇO NA ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO KANTIANO' () quepodeo filósofodizerdesériosobreo EspaçoeoTempo, 'i11l'de nãovátomardeempréstimoaomatemático,aofísico,ao ,",Ida ou aopsicólogo?Nãoserágrandecoisa,é evidente.Não- ]',',pccialistapor profissão,o filósofo,se for honesto,padecede 11'1'muitoqueaprendercomos especialistase poucascoisasa di/cr-Ihes,queelesjá nãosaibam. Serápreciso,pois,tersaudadedo tempoemqueos filósofos 1'1';1111aomesmotempocientistas?Seriaingenuidade.Sehojeos (1l"lltistasnãotêmmaisnecessidadenenhumadosfilósofosnem, '.'lhrdudo,desefazerfilósofos,énamedidaemqueseusmétodos •...1;10em ordem,seusconceitossãouniversalmenteadmitidos " a,~querelascientíficasrareiam.Que apareçamcontradições l'll.~l~da teoriados conjuntos,em matemática,no começodo ',(Tulo),quenasçamcontrovérsias(problemadahereditariedade (I" adquirido,em biologia),e bemdepressao cientistavoltaa IOlllar-sefilósofo,Outroindíciodomesmofatonósencontramos 110favordequegozamasciênciashumanasjuntoaosfilósofos d,'hojeemdia:nãoseráporqueestasestãonomesmoestadode 11;i1huciamentoedeinsegurançaemqueseencontravamocálculo lIi1illilcsimalno séculoXVII e a mecânicano séculoXVIII? A Iilo~;oliaé a polêmicadas ciênciasquandoestasestãopouco "Iallmadaso bastanteparadarlugarapolêmicas:inseparávelda IUV('lltul!edasciências,afasta-sedelasquandoatingema idade .lilulla,c pode-sedizer,penso,queo interessefilosóficooferecido 1101'Ulllaciênciamedecombastanteexatidãoseuinacabamento ]01110l'iGncia.Essarelaçãoambíguaentreciênciae filosofiaé 111'\lc'lIwtlilo. 23 coisabemdiferentede umaseparaçãoestanque,bemdiferente dessadissociaçãoentreosdoissaberescomaqualestamosagora acostumados. Pensoqueéprecisoreagircontraessecostume-- e,seescolhi umassuntoaparentementetécnico:"O papeldanoçãodeEspaço naelaboraçãodopensamentodeKant",nãofoi comaintençãode darumaauladeHistóriadaFilosofia,masparamostrar,a partir dedoisexemplosprecisos,tiradosdedois momentosdiferentes do pensamentodeKant,queumadoutrinafilosóficadignadesse nomenãoseconstróijamaisnoníveldaespeculaçãotãosomente, Os conceitoskantianos,porexemplo,sãosempreo resultadode umaconfrontaçãoentreas noçõescientíficasdo seutempoe a interpretaçãoque se podedar-lhes;conceitos"estratégicos", destinadosasuperarascontradiçõesdaatualidadeenãoaedificar umsistemafilosóficoamais. O exemplodeKanté interessanteporoutroaspectoainda,na medidaemquesepodefazerremontara Kantessadissociação, de queacabamosde falar,entrefilosofiae ciências.Imputando o dogmatismoda filosofiaclássicaa umaimitaçãodo método matemático,imitaçãoque consideraruinosapara a filosofia; opondofilosofiae matemáticacomodois modosinconciliáveis dosaberracional,Kantanuncia,comtodacerteza,entrefilosofia eciênciadanatureza,entreRazãoeEntendimento,odivórcioque Regelviráconsagrar.E noentanto,sea filosofiatranscendental não tempor objetoprimeirofundara verdadeda física e da matemática,massimpermitira constituiçãodeumametafísica comociênciadignadessenome,nãoé menosverdadequeelaé tambémumajustificaçãoda verdadedasmatemáticase de sua aplicabilidadeà natureza;e quea doutrinakantianado espaço, porexemplo,longedeseruma"opinião"filosóficaentreoutras, estánaintersecçãodeproblemaslevantadospelaciênciado seu tempo.SeseparássemosKantdessepanodefundocientífico,não somenteestaríamostraindoaverdadehistórica,mastambémnos expondoavernafilosofiatranscendentalummonumentogenial, masgratuitoeparadoxalGostaríamosdetentarmostrarquenão é assim,buscando,portrásdaletradealgunstextosclássicosde Kant,aspolêmicasdasquaiselesadquiremsuasignificaçãodas motivaçõesquenelesseentrecruzam. 24 * * * ()s historiadoresda filosofiafalamde um período"cético" ti" K:lI1tque,de 1762a 1770,precederiao adventoda filosofia ,"lica, da qual a Dissertaçãode 1770seriaanunciadora.Na I,'alidade,é bastanteartificiallançara obrade 1770na conta ti" lal ou tal "período",poisnelapode-severtantoo esboçodo ,111icismoquantooápicedoperíododito"cético".Deresto,oque ',I' ('lIlendepor"ceticismo"?Ceticismoa respeitodametafísica? ,')1111:masemquesentido,exatamente? Melhor seriafalar,quantoa esseperíodo,de um embaraço ti" Kantperantea metafísica,embaraçodoqualnãochegamosa "',l'iarecertodasasrazões.Osmetafísicos,comoLeibniz,legislam " "tlecidem"noabsolutoapropósitodoinfinito,docontínuo,das ',lIilslâncias- massemoferecer-nosgarantianenhumadesuas ,lilII11ações,Mais queisso: Kant, queé em primeirolugarum I I<'lIlistanewtoniano,nãoreconhece,nomundocujaeconomiaa 1II\'Ial'ísicanosdescreve,o sistemadepontosmateriaisgovernado I)('1:1lei da atração,queé o mundode Newton,É desteponto ')lI<'sc devepartir:há um momentoem queKant, apóshaver 1I'lllatloemsuamocidadeconciliarconfusamenteduasimagens ti"1IIIIIIdo(adeLeibniz,adeNewton),ousareconhecerquetoda I< 111:11ivadeconciliaçãoé vãe superficialequesetratamenosde , I IIH'i1iarquedecompreenderporqueaconciliaçãoéimpossível. I'IS:IÍo núcleodo"ceticismo"kantiano:"Nãomeatenhoanada, ,':.l"I'evceleem 1767aHerdeI',e,comumaprofundaindiferença 1'''1minhas próprias opiniões e pelas de outrem, inverto I1 "qll(~lItementetodasas minhasconstruçõese considero-asde t"dllSos lados,buscandoaquelaquemepermitiráteresperança ti" :llillgiraverdade,"A conciliaçãoentreo mundometafísicode I ,'i1l1lizc asexigênciasdasciênciasexatasé impossível. 11111único exemplo,SegundoLeibniz, o espaço,que nos ,11'.IIl'('('comoumaextensãodivisívelemensurável,emrealidade " IIIl'l'alllcnteuma ordem intelectual,conjuntodas relações 11I'.lllllltlaspor Deus entreas mônadas."O espaçonãoé nada ',,'111:\'scoisas,senãoapossibilidadedepô-Ias."Kantcomenta,na I', 11('1ll/ri/o de1770:"O espaçodesapareceriainteiramente,pois, '111.i1It1osesuprimemas coisas,e só seriapensávelnosatuais." 25 Ora, seassimé, o espaçoeuclidianoé um conceitooriundoda experiênciaperceptivae os axiomasgeométricosnão passam deconstruçõesindutivas,de modoqueé precisodizer:"Jamais descobrimosatéagoraum espaçoencerradopor duasretas",e não:"Duas retasnãopodemencerrarum espaço."Se Leibniz temrazão,a geometriaeuclidiananãoé umaciênciauniversale necessária,masumaespéciedefísicaintuitiva.SeLeibniztemrazão, asnoçõesgeométricasnãosãoextraídasdaverdadeiranatureza doespaço,masforjadasarbitrariamente- opiniãocontraaqual Kantseinsurgiadesde1763.E, em 1768,no opúsculoPrimeiro Fundamentoda Diferençadas Regiõesno Espaço, pretendia forneceraosgeômetrasum"fundamentoconvincenteparapoder afirmarcomaevidênciaquelhesé costumeiraa realidadedeseu espaçoabsoluto."Linguagemqueeraainda"pré-crítica",já que Kantadmitiaumespaçoabsoluto"independentedaexistênciade todamatéria".Mas o importantenãoestáaí: Kant,paradefender o espaçoabsolutode Newtone dos geômetras,vai doravante empreenderumacríticaradicaldas tesesleibnizianassobreo espaço.A publicação,em1765,dosNouveauxEssaisdeLeibniz sófezengajá-loaindamaisnessavia. Para Leibniz, a extensão,quer dizer, o espaçocontínuo dos geômetras,é um "fenômeno"(no sentidopejorativode "aparência")."Todaa continuidadeé umacoisa ideal" - e o espaçoquantitativoe mensurávelnãopassadeumaimaginação bemfundada (uma vez que a distânciaespacialtraduzuma relaçãoqualitativadeordementreassubstâncias),mas,enfime sobretudo,umaimaginação.Por queLeibniz sustentaessatese? Talé a questãoqueKant vaicolocar-se.E é porcolocar-seessa questão,portentardesentranharo pressupostoquetornasofística atesedeLeibniz,queKantcriticaLeibniz,noverdadeirosentido dapalavracriticar.É essareflexãocríticaquemuitosmanuais estãotraindoquandonosdizem:"Leibnizpensavaque...Depois Kantpensouque..." - comoseKanttivessecontentadocomopor à opiniãoleibnizianaumaopiniãokantiana:a doutrinakantiana do espaçonascequandoKant seperguntapor queLeibniz não poderiaterrazãoe nãoporqueKant teriadecididoqueLeibniz estavaerrado.- Por que, então,a continuidadedo espaço geométricoé, segundoLeibniz,algodeirreal? 26 Porquea própriaideia de contínuoé contraditória.Como determinarocontínuo?Porumnúmerofinito?Seriaabsurdo,pois chamamoscontinuidadea propriedadedasgrandezasdenãoter nenhumapartequesejaamenorpossível.Porumnúmeroinfinito? Destavez,éapróprianoçãoqueéabsurda,comoLeibnizprovou diversasvezes:nãohá númeroinfinitoexistenteematocomoo totalacabadodetodasasunidades,comoo últimotermodasérie naturaldos números.Assim, nãosendoexprimívelo contínuo nemporumnúmerofinitonemporumnúmeroinfinito,bemsevê quesetratameramentedeumanoçãobastardaecontraditória.A ideiadecontínuodesmoronae,comela,avalidadedageometria euclidianacomosaberuniversale necessário. Entretanto,consideremoscom atençãoo segundotermodo dilema:o infinitoatualé umanoçãoabsurda.- Certamente,diz Kant, Mas nãoseriaporqueo entendemoscomoum maximum numérico,"umaquantidadetal queé impossíveloutramaior", o queé efetivamenteabsurdoe contradiza próprianoçãode quantidade?Paradizê-lodeoutromodo:sesedecidedeantemão queo infinitoatualéumamultitudedeunidadesmedidaporum númeroinfinito(entendidoelemesmocomoo maiordetodosos números),nãoé surpresaquesepossaconcluirpeloabsurdode tal conceito.- O mesmonãosedá,porém,se seentendepor infinitoatualumconjuntonãomensurável,umaquantidade"que, quandoreportadaa umaunidadede medida,é maiorquetodo número."Ouentão:"aquilocujarelaçãoàunidadeéinexprimível por um número."Com esta nova definição,o infinito atual continuairrepresentável- masépelomenosconcebível. Os leibnizianos, assimilando de imediato "infinito" e "multitudemaximum",cometemum sofisma.Mas por que o cometem?Porquese recusama dar um sentidoa umanoção como a de totalidadeinfinita - querdizer,porque,de fato, julgam inconcebível,no absoluto,aquilo que é tão somente não-representávelna intuição,contraditóriode direito aquilo queé tãosomenteimpossívelde fato.Com relaçãoàs leis do conhecimentointuitivo,umanoçãotal comoa de "totalidade infinita" é contraditória Mas devemos concluir dessa contradição,paranósevidente,queháumacontradiçãológica, noabsoluto? 27 É certoque tudo o que implica uma contradiçãológica é impossível;maséfalsosustentarquetudoaquiloquenosparece impossívelimplica forçosamentecontradição.É falso decidir automaticamentequeumanoçãoé absurdapor nãopodermos construí-Ianemrepresentá-Ianaintuição."Tudoo queé incom- preensívelnãodeixade ser",já dizia Pascal.Assim, em lugar de rejeitar simplesmentecomo contraditórioo conceitode "totalidadeinfinita",diremostãosomente,commaiorprudência, quenóshomensnãopodemosrepresentar-nosumamultitudea nãosercomoumaquantidadee que,emvistadisso,quandonos falamdeumTodoinfinito,nóstraduzimosnaturalmentepor"uma quantidademaximal"- edenunciamosnissoumabsurdo.Maso absurdoestánatraduçãoimprudentee inconscientequefazemos dessanoção:não estána noçãomesma.O absurdoestáem acreditarquenãopodehavermultitudequenãosejaquantitativa, obtidapelaadiçãosucessivadeunidadeaunidade... Detenhamo-nosnestacrítica,feitaporKantnaDissertaçãode 1770, à críticaleibnizianado infinitoatual.Ela requeralgumas observações. 1°)Kant nos diz, em suma:nãodevemosjamaispensara priori que aquilo que parececontraditórioa nossosolhos é contraditórioem si; nãodevemosconfundiro impossívelpara nós com o contraditório.Para melhorprovar a contradição, arriscamo-nosentãoa escorregarparasofismas.E é bemissoo queocorreaqui.A noçãonospareceabsurdaemsi porquenósa interpretamosespontaneamentecomoumanoção- quantitativa, semperguntar-nossetemoso direitode pressuporum infinito atualquantitativo.Ora, se o númeroe a quantidadesão tão somenteregrasde nossoconhecimentointuitivo,o metafísico não temo direitode estabelecerumacomummedidaentreo infinito- objetoforadenossoalcance- e osobjetosdenosso conhecimentointuitivo,quantitativoefinito.Nãotemodireitode escrever,comoescreviaLeibniz,que"a aritméticaeageometria deDeusé a mesmaquea doshomens,excetoquea deDeusé infinitamentemaisextensa"(LeibnizaoLandgrave,setembrode 1690). 2°) Desde 1770,esse temada incomensurabilidadeentre o finitoe o infinitotorna-seo tema,por excelência,destruidor 28 Ii f' ~it ~ da metafísicacIássica.Se Leibniz tivesserazão,dissemos,o contínuogeométriconãopassariade umailusãoe a geometria deumsaberempírico.Mas,paraqueLeibniztivesserazão,seria precisoquetivéssemoso direitode raciocinarsobreo infinito emtermosquantitativos,querdizer,emtermosdeconhecimento humano.Seserecusaesteúltimopressuposto- eéesseosentido da tesesobrea incomensurabilidadeentrefinito e inflnito- entãoLeibnizestáerrado:pode-seconceber,senãorepresentar, umTodoinfinito;acontinuidadenãoé umanoçãoinsustentável e a geometriaeucI idianareadquireseu sentidode verdade,a despeitodametafísica. (Observemosaquique,ao explicitara funçãodessateseda incomensurabilidade,suscitadapelanoçãodeespaçoeuclidiano, nãopretendemosdarcontadaorigemdessaideianopensamento de Kant Issoé outraquestão- quenosremeteriaaosescritos geográficose cosmológicos,emparticularà Teoriado Céu de 1755,ensaiodeaplicaçãodosprincípiosmecânicosdeNewton à cosmologia.Ali Kantjá insistena ideiadequeseriairrisório pretendermedira infinidadedo mundo:"Não nosaproximamos maisda infinidadedapotênciacriadorade Deusseencerramos o espaçoem umaesferadescritacomo raio da Via Lácteaou sequeremoslimitá-Iono interiordeumglobodeumapolegada de diâmetro.Tudo aquilo que é finito, tudo aquilo que tem limitese umarelaçãodeterminadaà unidadeestáigualmente distanciadodoinfinito..."É bomnotarqueaideiasegundoaqual nãopodemos"decidir"sobreo infinito,longede ser,no século XVIII, uma ideia retrógradae obscurantista,é umamáquina de guerracontraa metafísica,queacompanhao nascimentoda cosmologiacomociênciaequepodeserreencontradaemBuffon e nosenciclopedistas.) 3°) Kant nãonos diz melancolicamentena Dissertaçãode 1770quenósestamoscondenadosaummododeconhecimento intuitivo.Diz-nos, sobretudo,quepode haveroutromodo de conhecimento,quenãoa intuição,outramaneirade encararo infinito,quenãoaquantitativa- masqueessapossibilidadenos é recusadano nível da intuição.Não temos,pois, o direitode parecercompreendero inflnitoemtermosquesósãoválidospara a esferade nossoconhecimentohumano.É o adventoda ideia, 29 retomadacommaisclarezanaobracrítica.de quea metafísica eraumfalsoSaberabsoluto.Sepretendiaevadir-sedasfronteiras denossoconhecimento,erapordesconhecerquetodoequalquerconhecimentohumano,a começarpelaprópriametafísica,está essencialmentelimitadoà esferado finito.Só quea metafísica o ignoratão bemque interpretatodosos nossosconceitos(o infinito,porexemplo)comosepudéssemos"decidir"sobresuas propriedadestãosomentepelasforçasde nossarazão.A crítica kantiana,pelocontrário,nosdirá:nãosejamvítimasdo caráter essencialmenteintuitivodoconhecimentohumano;guardem-sede afastarcomocontraditórioemsiaquiloqueIhespareceimpensável noníveldaintuição.Nessesentido,é tãofalsofazerdeKantum "partidáriodaintuição"quantodeMarx um"economista"oude Freudum"pansexualista":eledescobree,muitasvezes,denuncia aintuiçãonocoraçãodenossoconhecimento(descobre-amesmo quandoadenunciacomofontedeilusões),assimcomoosoutros descobremo econômicoe a sexualidadeno coraçãode nossa condição,paradesmascararsuasciladas.- Falso, igualmente, oporKantao"racionalismo",já queumracionalismocomoo de Leibniz é paraeleo conhecimentohumanoquandoseempolga a pontodeesquecersuaamarraintuitivae deacreditarquepode decidirnoabsolutoquantoà verdadee à falsidadedosconceitos - enquanto,defato,"decide"sempreemrelaçãoa seusistema dereferência. 40)A recusado axioma"tudoo queé impossível(paranós, narealidade)é contraditório"significaquenãodevemosjulgar a verdadede umanoçãopelapossibilidadeou impossibilidade de construí-Iana intuição- quenãodevemosafastara noção de "Todo infinito"só porque,para nós,umasériecomoa dos númerosnaturaisnãopodejamaisseracabada.Kantrecusabem menoso racionalismoque o intuicionismo,doutrinasegundo a qualnãosepodeconferirvalidadeao objetode um conceito a nãoserquandosepodeconstruí-Iopor um númerofinitode operações.E nisto,aliás,ele se encontracom Pascal:"Não há geômetraquenãocreiaoespaçodivisívelaoinfinito.Nãosepode sê-IosemesseprincípiomaisqueserhomemsemalmaE, não obstante,nãohánenhumdelesquecompreenda(entenda-se:que possaefetuar)umadivisãoinfinita...Nãoépornossacapacidade 30 de conceberessascoisasquedevemosjulgar de suaverdade." ()por-seao racionalismoclássico,cortaro saberhumanodo Absoluto,nãoé ser irracionalista.É, pelo contrário,preservar o fundamentodaciência- nocaso,emPascalcomoemKant, da Geometria.Para melhorafirmara verdadeda Geometria c do contínuogeométrico,ambosrecusamsubmetera ciência à jurisdiçãoda metafísicae mostramqueo metafísicosó tem, sobreo cientista,umúnicoprivilégio:o dafaltadeescrúpulos. * * * De queos conceitoskantianostenhampor objetofundara verdadedosconceitosdaciênciamodernaeliberarogeômetraou o físicodetodocomplexodeinferioridadeperanteo metafísico, dissopodemosencontraroutraprovaem um momentoulterior do pensamentode Kant a elaboraçãoda noçãodefenômeno. Esta é às vezesapresentadacomo uma noçãoobscurantista, expostasoba formapérfidaqueé a seguinte:"Não podemos conhecersenãofenômenosejamaisatingirascoisasemsi."Não digo queestafrase,tal e qual,sejafalsa;no entanto,deforma completamenteo pensamentokantiano.Paracompreenderisso, é precisopartir,destavez,dareflexãosobrea físicamatemática _ maisparticularmente,deumtextodosPrimeirosPrincípios Metafisicosda Ciênciada Natureza:CapítulolI, Observação2 aoTeorema4. A matemáticapressupõeadivisibilidadeinfinitaoucontinui- dadedo espaço.Como a matemáticapodeaplicar-seà matéria contidanoespaço,épreciso,pois,queessamatéria,tambémela, sejainfinitamentedivisívelempartesdasquaiscadauma,por suavez,é matériaOra,o metafísiconosobjetará;"Se a matéria é infinitamentedivisível,entãoelasecompõedeumaquantidade infinitadepartes,atualmentedadas;recaímosassimno absurdo do infinitoatual;é portantoimpossívelquea matéria,e também o espaçoquea contém,sejamdivisíveisao infinito."Mas não podemosaceitarestaconclusãodometafísico.Por duasrazões: I ") "negarque o espaçoseja divisível ao infinito é uma vã tentativa,pois raciocinaçõessutis nada podemcontra a matemática"; 31 2()) aindaqueseadmitisseacontinuidadedoespaçogeométrico semadmitiradamatéria.aconsequênciaseriaigualmentegrave: apossibilidadedeumafísicamatemáticaseriaininteligível. Vocêsestãovendo,pois,queaindaaquisetratadesalvaguardar os fundamentosde uma ciência contra os argumentosdo metafísico.Diremosentãoqueamatériasecompõeefetivamente de umaquantidadeinfinitade partesatualmentedadas?Não: acabamosde verqueessasnoçõesde quantidadeinfinitaatual e de númeroinfinitosão absurdas.E não se tratade assumir os paradoxosquea metafísicadenunciana ciência,mas,pelo contrário,demostrarquesãofalsosparadoxos.- A únicasaída consiste,portanto,em reexaminara proposiçãodo metafísico: "Seamatériaé infinitamentedivisível,entãoeladevecompor-se deumaquantidadeinfinitadepartesatualmentedada."O aparente rigordessaproposiçãoestáaoabrigodetodaprova? Formulemos a questão mais polemicamente:sob que condiçõesessaproposiçãoé falsa?Sob quecondiçõespode-se sustentara divibilidadeinfinitada matéria(indispensávelpara a física) semconceber,absurda-mente,a matériacomouma quantidadeinfinitaatual(o queequivaleriaà expressão"círculo quadrado")?Sob quecondiçõesteriaeu o direitode dizer:"A matériaé infinitamentedivisível,masnãosecompõerealmente deumaquantidadeinfinitadepartes"? Aqui, mais uma vez, Kant fará entrarem jogo a lei da incomensurabilidadeentreas noçõespuramenteintuitivase as noçõespuramenteintelectuais.Dizíamosagorahápouco:éfalso aplicaraumconceitopuramenteintelectual- o Todoinfinito- a lei daintuição.Podemosdizeragoraemsentidoinverso(eesta expressão"emsentidoinverso"mereceriaumlongocomentário, poisresumeo deslizamentoqueseproduziuentreaDissertação de 1770e a obra crítica a partir de 1781):é injustificado raciocinarsobrea matériaquepreencheo espaçocomosobre umasubstânciametafísica.- Poistudoo quevemoséquenossa divisãodamatériapodeir tãolongequantoa levemose queela nãotemtermoúltimo;masisso nãonos autoriza.de nenhum modo,afinal,aafirmarqueamatériaéumatotalidaderealmente infinita,que se compõerealmentede um númeroinfinito de partes:"É verdadequeadivisãoseestendeaoinfinito,masnunca 32 estádadacomoinfinita;porquea divisãoseestendeao infinito, nelaseseguequeaquiloqueé divisívelcontenhaumainfinidade departesemsi e foradenossarepresentação..." Paradizê-Iodeoutromodo:aproposiçãodometafísicosótem rigorporqueelepressupõe(semdizê-Io)queoespaçoeamatéria sãocoisasjá dadas,um conjuntode partesjá enumeradaspor Deus.Seafísicamatemáticaépossível(esabemosquesim),seo metafísicoestáerrado,éessepressupostoquedeveserrecusado, poisénelequeseinfiltrao sofisma.Ora,recusaressepressuposto consisteemsustentarquea matériasensívelnãoestádadaantes queeuaconheça,queelanãocontémpartesantesqueeuadivida Numapalavra,queelaéfenômeno.E nãocoisaousubstânciaOra, afirmaçõesqueseriamabsurdasnoníveldassubstânciasdeixam, justamente,desê-Io,noníveldasnão-substfmcias.Taléo sentido dadoutrinadafenomenalidadedoespaçoedamatéria:ummeio defundaradivisibilidadeinfinitaevitandoo paradoxodoinfinito atual,subtraindoaometafísicoumajurisdiçãousurpadasobrea física matemática.O Físico, comoo Geômetraagorahápouco, sabecomcertezaquea matériaé infinitamentedivisível;Kant poderiaterdito parafraseandoPascal:"Não sepodeser físico semesseprincípiomaisqueserhomemsemalma". O papeldo filósofonãoconsiste,pois, em provarao físico queeletemrazão,masemcolocaraoabrigodetodososataques possíveisdametafísicadogmática"umteoremadoravantefísico". "Dissosesegue,diráaCríticadaRazãoPura,queosfenômenos em geralnãosãonadafora de nossasrepresentações."E Kant acrescenta:aquelesque não tivessemsido convencidospela exposiçãomesmadessadoutrinado fenômenoo serão,talvez, por essaprovaindireta.De nossaparte,pensamosque"a prova indireta"nosinstruimelhorsobrea origeme a funçãodanoção defenômenoe nosfaz compreenderqueo "idealismo"kantiano é bemmenosumateoriado conhecimentoqueumaestratégia antimetafísica. * * * Tomeideliberadamenteessesdois momentosdiferentesdo pensamentokantianoporqueelesmostramcomodoisconceitos, 33 puramentefilosóficosemaparência(o corteentrea intuiçãoe o pensamentoeo caráterfenomenaldamatéria)sãoduassoluções (obtidaspor ummecanismoanálogo)paradois problemasque se colocavama Kant 1") comosalvaguardara continuidadedo espaçogeométricoe, com isso,a geometriacomociência?- 2°)comosalvaguardaradivisibilidadeinfinitadamatériae,com isso,a físicamatemáticacomociência? A soluçãodessesdois problemasimplicava,em dois níveis diferentesa ruína da metafísicaclássica,que Kant denomina "dogmática".Era precisoescolherentre,de umlado,adoutrina leibnizianado mundosubstanciale, de outro, as concepções do espaçoe da matériaimpostospela geometriae a física É essaescolhaque tempor nome"idealismotranscendental"e que,fazendosoçobrarno misticismoe no contode fadastodo o passadofilosóficode PlatãoatéLeibniz, inauguraa filosofia moderna. É curioso, para um leitor de Kant, ver o quantoesse movimentodepensamentoexemplar,essaatençãominuciosaaos requisitoseàscondiçõesdepossibilidadedaciênciadeEuclides e de Newtonforamquasesempreignoradose deformados-- comoo denunciadorda metafísicafoi por suavezdenunciado, superficialmente,como"metafísicoidealista".Deve-seimputar essefenômenoaodesconhecimentodostextos?Não.É maisgrave. Deve-severnissoa revanchedametafísicacontraa ciênciae a filosofiaatentaàssuasexigências.Regelcomeçouporescarnecer o "escrúpulocrítico"deKant - masRegel foi tambémaquele quedemonstravadiaIeticamentequenãopodemexistirmaisde seteplanetas,no mesmoanoem que se descobriaum oitavo. ComRegelrecomeçaapretensãometafísicaderegerasciências ou de fazerconcorrênciaa elas;assim,comparandoa precisão kantianacomo romantismohegeliano,nãohácomoimpedir-se deexperimentaraquiloqueVuilIeminchamadesentimento"de umamargosaberdedecadência".Kantabriaumaoutravia,mais modestaemaisdifícil: refletirsobreosconceitos- como,aqui, odeespaço- parapô-Iosemacordocomaverdadedasciências deseutempo. Um últimoreparo.Ao expormuitoparcialmentea função quedesempenhouo espaçonaelaboraçãoda filosofiade Kant, 34 IIÚO pretendisustentarquesepodeaindahojeserkantiano(por (~xemplo,apósas geometriasnão-euclidianas).Acredito,pelo contrário,que a melhor homenagemque possamosprestar aos pensadoresclássicos é lê-Ios e compreendê-Ios, com- preendendoao mesmotempopor que, hoje, não podemos maissernemaristotélicosnemcartesianosnemkantianosnem marxistascomoteríamossido na épocaem queessesautores viviam. Quis dizer, mais simplesmente,pautando-mepelo exemplodeKant,que,desdeKant,a verdadeirafilosofiazomba dametafísica,Nãoqueeuentendapor"(llosof1a"umpositivismo sumário:massim a crítica,constantementeretomada,de toda metafísica(incluindo,aliás,o positivismo),o questionamento dos dogmas e das falsas evidênciasem nome dos quais preferimossuspeitardos resultadoscientíficose nãode nossos preconceitos.Kanttinharazãoaoprotestarcontraaquelesqueo chamavamsumariamentede"idealista";nãosomenteporqueessa denominaçãoimplicaum contrassenso("O idealismoconsiste emsustentarquenãoháoutrosseresalémdosserespensantes... Pode-sechamarminhadoutrinade idealista?É justamenteo contrário.");massobretudoporqueessecontrassensoérevelador de umaincompreensãoaindamaisprofundade suasintenções, queeleresume,nosProlegômenos,doseguintemodo:"proteger o geômetra(e o físico) contratodasas chicanasde umarasa metafísica,no quediz respeitoà realidadeobjetivaindiscutível de suasproposições,por maisestranhasqueessasproposições possamparecera umatal metafísica,porqueela nãoremonta atéasfontesdosprópriosconceitos."Pode-seperguntarsehoje nãoestamosvendoressurgiresseconflitoentrea metafísicae as ciências,nãomaisapropósitodoespaçoedamatéria- mas,por exemplo,apropósitodautilizaçãodasmatemáticasnasciências humanas,queos filósofosdesprezamem nomeda "liberdade do homem".Ora, o grandeméritode Kant é mostrar-nosque háumamaneiraquenãoé nemcientificistanempositivistade defenderascertezasdaciênciacontraasobjeçõesdasideologias e de ajustarao nívelda razãoas noçõescientíficasnovas,"por maisestranhasquepossampareceràmetafísica". TraduçãodeRubensRodriguesTorresFilho 35 oAPROFUNDAMENTO DA DISSERTAÇÃO DE 1770 NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA' Em que medidaa Dissertaçãode 1770abre caminhoà Crítica? Em que proporçãodeve-sesituá-Iaaindasobrea vertente "pré-crítica"? O certoé queestadivisãodá origema muitasdificuldades. Apesarde onzeanossepararemas duasobras,a maioriados intérpretesconcordaemconhecerqueaDissertação,emalguns pontos,vaimaisalémdoquesimplesmenteanunciaraCrítica:os elementosdasduasprimeirasAntinomiasjá seachamexpostos aí, a doutrinado caráteridealdo tempoe do espaçojá é algo adquirido...Éverdadeque,em1770,aindanãosetratadacondição de possibilidadede um conhecimento"a priori" (a expressão "a priori" nãoé sequerpronunciada),masa impressãogeralde queserequermuitopoucoparaqueo autordaDissertaçãose torneaqueleda Critica, nãoé menor.Mas, o quesignificaeste muitopouco?Antesdetudo,refere-seaoestágiodos"númenos" ou "inteligibilia"que,em 1770,Kant aindase obstinaa tratar comoobjetosdosabereaosquaisdáumlugarpositivodooutro ladoda grandelinha divisóriatraçada,doravante,por cimado "conhecimentosensível".Se fosseisto, Kant teriaempregado, portanto,onzeanosparadecidirque"noumenorumsciencianon datur",e queo únicoconhecimentointelectualválidoé aquele queseexercenoslimitesdaintuiçãosensível,sobreo terrenoda possibilidadedaexperiênciaOnzeanosparaabjurarametafísica I EstudossobreKant- Cadernosda UnE, Brasília, 1980. 37 especial.Onzeanosparaatravessaresterubicão:seria,contudo, pordemaislongo.Poracaso,serácertoqueKantnuncaatravessou o Rubicãono pontoondeumatradiçãopositivistaou idealista marcousuapassagem?Gostariadetentarmostrar,confrontando algunstextos,queKantfoi conduzido,daDissertaçãoà Critica, a modificar,semdúvida,a relaçãodo sensívele do inteligível; estaevolução,porém,nãoé aqueladeum metafísicorenegado, comosepoderiacrer,queseconverteria,camufladamente,emum positivismoqualqueravantla lettre;estarupturacomo espírito ainda "metafísico" (no sentido tradicional)da Dissertação consistemaisemumaprofundamentodoqueemurnaruptura. Em 1770,comosesabe,Kantproclama,comalarde,contra Leibniz e Wolff, a originalidadee autonomiado conhecimento intuitivo.Mas porque,precisamenteele,convidao metafísicoa levar,cuidadosamente,emconta,adiferença"totogenere"entre osprincípiosdomundosensíveleosdomundointeligível?É que o desconhecimentodestadistinçãofoi, peloquesepodecrer,a fonteprincipaldosdesviosdametafísica.Por nãosetervistona "sensitivacognitio"senãoumsaberaindadesordenadoeconfuso dascoisas,o qualseriareservadoao"inteIlectus"manifestarem todapureza,os metafísicosnãosederamaotrabalhodeindagar queinfluênciadisfarçadapoderiaexercersobreseusjuízoso fato depertenceremaomundosensível. Vítimas desteintelectualismoingênuo,nãoperceberamque muitasvezesequasesemprefalavamcomofilhosdaterra,quando, então,eles própriosjulgavamestarpousadossobrea "ratio" divina.Semperceber,tomam"os limitesquecircunscrevemo espíritohumanoporaquelesquelimitama essênciamesmadas coisas"2,detalmodoquemuitasproposiçõesmetafísicassão,o maisdasvezes,juizosprecipitados.Crê-sedecidirsobreo ser, mascomoconsiderao espaçoeo tempo"comocondiçõesdadas emsi e primitivas"3,estadecisãoétomadaemfunçãodenossos hábitosintuitivos.Acha-seimpossívelo contínuoou o infinito atual "porque a representaçãodestesé impossívelsegundo as regrasdo conhecimentointuitivo"e que "irrepresentável 2 Diss. & I. Ak - Ausg. 11,399/tr.Mouy. p. 23. J Ibid. & 2. lI, 391/tr.p. 27. 38 c impossível significam usualmentea mesma coisa"4.A f)issertação,em compensação,não se cansade nos recordar queum conceitoquenãoé realizávelintuitivamentenãoé,por issomesmo,contraditórioemsi e podeconservarumsentidode ordemintelectual. Esta convicçãoestáexpressa,o melhorqueé possível,na crítica que Kant dirige aos detratoresdo infinito atual (quer dizer, aos futurospartidáriosda Teseda Ia Antinomia).Que sustentameles,estesneoaristotélicos?Que nãohá quantidade senãofinita (omnismultitudoactualisest dabilis numero)5.É inegável,respondeKant,paranós,todaquantidadeé produzida por interação,sucessivamente,detalmodoqueumaquantidadeatualé necessariamenteumaquantidadequepodeserpercorrida emumtempofinitoenãosaberíamoscompreenderdistintamente uma"multitudo"quefosse,aomesmotempo,atuale infinita.Ao invés,porém,deconcluirqueo infinitoatualnãoé representável sobaformadeumtodoobtidoemsérie,osfinistastranspõempara as coisasemgeral umaimpossibilidadequenãoé, entretanto, relativasenãoà lei denossasensibilidade- e decretam,assim, queo infinitoatualé impossívelemabsoluto.Tal é o sofisma típico quecometemossob a "sugestãodo sensível":negamos toda validadea um conceitosemconsiderarquenão fizemos senãojulgá-lo à basede sua traduçãosensível.Recusamoso infinito atualporque,comoobservavaEspinosa,traduzimo-Io, espontaneamente,comouma"multitudomáxima"quedeveria medir"omaiordetodososnúmeros"(noçãoseguramenteabsurda) e nemsequernosocorrea conjecturade queumentendimento dotadodeintuiçãointelectuale nãosensível,talvezfossecapaz de"compreenderdistintamente,deumsó golpe,umamultitudo semaaplicaçãosucessivademedida"6. Infinitoe totalidadesãopensados,portanto,comonoçõesem si inconciliáveis... É emnomedestepostuladoaventureiroque J Ibid. & I. lI, 388/tr.p. 21. 5 "Como todaquantidadee qualquersérienãoé conhecidadistintamente,a nãoserpor coordenaçãosucessiva,o conceitointelectualde quantidadee de multidãosurge somentecom a ajudadesteconceitodetempoe nuncachegaà completezaa nãoser quea síntesepossaseracabadaemtempofinito",(& 28 11,415)c1'.& I, nota11,388. ó Ibid., & I. 11,388. 39 li: "a maiorparte"dosmetafÍsicosproclamaa finitudedomundono espaçoenotempo,porqueafinitude,emconsequência,permanecerá a únicarepresentaçãorazoáveldo mundocomototalidade.Ora, diz Kant,estaconclusãorevela,novamente,umaignorânciatotal dadiferençaentreo sensívele o inteligível.De ondesurge,com efeito,estaprescriçãoquenoslevaa estabelecero mundocomo totalidade.Certamente,nãodoconhecimentosensível.No sensível nãofazemossenãoacrescentarindefinidamenteunidadeàunidade - e asúnicas"totalidades"quepodemosconstituirsãoobtidas arbitrariamentepelainterrupçãodestaprogressão.Nãoé,pois,a práticado sensívelqueimpõeestanoçãode totalidadecompleta (oÂov) quefascinaAristóteles:no sensível,nãofazemossenãoa aprendizagemdo lXTIELPOV, no sentidoaristotélico,aquiloforado qualhásempreindefinidamentealgumacoisa...7• A noçãode completudenãopodeser,portanto,senãoum ideal puramenteracional,um "rationisquoddamproblema". Os metafísicos,porém, pouco cuidadososem consignaras noçõesàs suasorigens,nãohesitame é, pois, no senslveLque colocamo universocomofinito,quantoàmassae àsuahistória. No sensível:querdizer,lá ondeexatamentenãotêmo direito. Se se comportassem,verdadeiramente,como metafÍsicos,no sentidoliteraldotermo,atribuiriamafinitudesomenteaomundo compostodesubstânciassimples,istoé,aum"mundointelectual" completamentediferentedo mundo sensível.Somenteneste domínioéqueasuarepresentaçãodomundofinitoseriaválida... O ecodestateseencontrar-se-áemtodosostextosulterioresonde KantentendedefenderLeibnizcontraseusdiscípulosedesculpá- 10 (a custode muitaginástica)do pecadodo "dogmatismo". "Como acreditarqueum matemáticotãograndetenhaquerido formaros corposde mônadase o espaçode partessimples? Ele nãopensavano mundodoscorpos,masem seusubstrato, paranós incompreensível,o mundointeligívelqueestáapenas na ideia da razão..."8. A leiturade Leibniz, seguramente,não 7 Sobre a impossibilidadede fazer aparecero conceitodo todo "segundoas leis do conhecimentointuitivo",cI. & I, II 338. B Eberhard.VIII, 248/tr.Kempt.p. 105.- É bastantepicantever que Fichte apoia-se nestahermenêuticacavalheiraquando aplica a Kant o mcsmo procedimentode 40 f I t valeriaumahorade esforço,senãotivessetidoem menteesta distinçãofundamentalentreosdoismundos- ouantes,entreo mundointelectuale o universofísico9•Por faltadestadistinção, osmetafÍsicoscomportaram-sesemprecomofísicosabusivos. À primeiravista,poderiaparecerque estacondenaçãoda metafÍsica"tal como reinou até aqui" prefiguraa Dialética Transcendental.Confrontando,porém,os textosde 1770que acaboderesumir,demaisperto,coma DialéticaTranscendental eespecialmentecoma IaAntinomia,experimentam-sealgumas surpresas. Em primeirolugar, em 1781,Kant nãodenunciamaisuma inconsequênciaqueos metafísicosteriamcometidopor terem permanecido,semperceber,sob a fascinaçãodo sensível.Na raiz dasAntinomias,maisdoqueumairreflexão,háumailusão inevitávelinscritananaturezadoespíritohumano. Em segundolugar,estailusãonãoeradevida(comoo erro observadona Dissertação)a umadistorçãodespercebidaque a sensibilidadeimporia às "leis do entendimentopuro". É sintomático,por exemplo,queKant,ao comentara Teseda Ia Antinomia,tomecuidadoemfazerobservarqueestanãocontém, de modoalgum,o sofismaquedenunciavaa Dissertação:os querejeitamo infinitomatemáticonãosefatigammuito... eles chamamamultitudeinfinitadenúmeroinfinito,noçãoquedizem serabsurda,oqueémuitoclaro,mascombate-seaísomentecom assombrasdoespírito...10.A teseda1aAntinomiaevitaproceder tão cavalheirescamente.Ela sustentaque por faltade admitir um começoou um limitedo mundo,deve-seintroduzira ideia contraditóriade um todoquenãopodeseracabadosenãopor umasíntesesucessiva.Observaçãopertinente,seo finitistanão secresse,porconsequência.autorizadoadizermaisdoquesabe, interpretação:quandonãosepodechegaraumaexplicaçãocoercntesegundoa letra, torna-seobrigadoa explicarcontimneo espírito... O próprio Kant dá umexemplo notavelmenteconvincentedainterpretaçãoconformeo espíritoemumainterpretação deLeibniz cujastesestodasseapoiamsobrea seguintepremissa:"pode-secrerque Leibniz tenhaqueridodizer istoou aquilo?"(//0 lnt. a La DoutrinedeIa Science,tr. philomenkoz.p. 285.jin). ')Sobrcestadisjunçãodo mundoe universo,ef.& 28.11,416/tr.p. 81. 11) Diss. & I,nota,11,338. 41 I Ili I 1I1 \111. I., li i 1'1 I 1I III I I 111: istoé,exatamentequeo mundotemumcomeçoeumlimite.Em todocaso,observemosque,sea teseé falsa.nãoé emrazãoda sugestão"estética"queviciavao argumentofinitistatalcomoo expunhaaDissertação. Em terceirolugar, Kant abandona- pelo menosno nível dasAntinomiasmatemáticas- a soluçãodecompromissoque propunhaem 1770:o finitistateriarazãocomrespeitoaomundo inteligível,o infinitistano universosensívelI I. Kant observaaté queos partidáriosdaTesenãotêm,absolutamente,o direitode subtrair-seaosabsurdosdecorrentesdanoçãodeumtempovazio queseriaanterioraomundoedeumespaçovazioqueo conteria, pretenderestar falando de um "principium" incondicionado do mundoe não de um começoreferenteà existênciaou de um limitedadopelaexperiência.Este subterfúgio(exatamente aquelequeIhesofereciaaDissertação)nãoadiantarianada- e ospartidáriosdaAntíteseobjetam,comrazão,queacosmologia serefereaoconjuntodosfenômenosenãoa"nãoseiquemundo inteligÍvel"12.Em síntese,não se tratamais de convidaros finitistasa limitarsuasargumentaçõesaomundomonadológico. Parececlaro,portanto,quesejaagoraumaoutrasub-repção e atéumasub-repçãodesentidoinversoquetornaa cosmologia falaciosa. Não é maisa influênciadisfarçadada sensibilidadequenos levaadeformarasnoçõesinteligíveis:é,aocontrário,aexigência intelectualque nos desorienta.Doravanteo maior pecadodo entendimentohumanoécrerquesuasasserçõestêmsentidopara os fenômenos,quando,na realidade,nãotêm(ou melhor,não teriam)anãoserparaas"coisasemgeral".Referia-me,hápouco, aostextosemqueKant tentadesculparLeibniz, afirmandoque 11 Kant,é verdade,nãoafirmaa infinidadedo "universo",masatribuisomenteà"sugestão do sensível"a afirmação(ilegítima)de suainfinidade.Mesmo na Teoriado céuas consideraçõessobrea infinidadeda forçacriadorade Deus não sãodesprovidasde ambiguidade:é umaquestão"que tem aindanecessidadcde explicação",diz ele então,sabcrcomoa infinidadede Deusserelacionaàsinfinidadesquedelederivam (I, 310).ComoobservaWernerGent(Ph. desRaumesundderZeit) (11,p. 14),parece queKant sustentaantesa ilimitação(Grenzenlosigkeit)do universofenomenal,que seriacomoo reflexodaessênciadivina. 12 KRV AK. Ausg.B-461/tr.TP. p. 343. "estegrandehomem"nãopodia,na Monadologia,certamente falar do mundosensível.Há, porém,outra série de textos, provavelmentemais sinceros,onde Kant repreendeLeibniz, vivamente,pornãotervistoqueo conhecimentosensívelé "um mododeconhecimentoradicalmentediversode todoconceito" - e,porestarazão,terdecididosobreascoisasemgeralà vista de seusimplesconceito,comose suastesesconservassemseu valoremrelaçãoaosfenômenos.Ora,esteé, naverdade,o pior desviodosmetafísicos:trataros objetossensíveiscomocoisas. "Emborapudéssemosdizer, sinteticamente,algumacoisa das coisasem si peloentendimentopuro(o queé impossível),isto nãosepoderiaaplicardenenhummodoaosfenômenos,quenão representamcoisasem si ("Auf Erscheinungen,Welchenicht Dingeansichselbstvorstellen")ll. Ora. é estaconfusão,"natural"ao espírito humano,que vai produziras Antinomias.Começamospor obedecera uma prescrição"lógica",em si inatacável:"Quandoo condicionado é dado,a sérieinteiradascondiçõesé dadatambém"14.Como estainjunçãonãocomportanenhumareferênciaaotempo,nada nos impede,seguramente,depensaro conjuntodascondições como sendodado.A desgraçaé que continuamosa aplicar, imperturbavelmente,esta prescriçãoquando se trata deste "conjunto"muitoespecíficoqueé (ou queseria)o detodosos objetosdos sentidos,"sempreocupar-nosse a estipulaçãodo incondicionado,no fenômeno,conservaum sentido"... Esta análise,que Kant coloca no limiar das Antinomias,mostra por si só queo "dogmatismo"sobreo qual a crítica lançaa responsabilidadenãoémais,emabsoluto,aopiniãopreconcebida sobreo queaDissertaçãochamavaaatençãoininterruptamente. Dogmatiza-se,em 1770,porquecrê-se falar das coisas em absoluto,ao passoque nossodiscursosó tem sentidosob o horizontedo sensível.Em 1781,é acrençasuperficial,segundo aqualpodemosfalaràvontadedascoisasemgeral,quenosleva a decidir,sempensar,sobreo sensível.Em 1770,o metafÍsico eradescrito,sobretudo,comoumsujeitoestético,semo saber, 13 Ibid. B - 334/tr.p. 241. 14 [bid.B - 437/tr.p. 329. queem consequênciadisso,tinhasemprediscorrido,a tortoe a direito,sobreos objetosinteligíveis.Em 1781,o metafísico tomou-seumlógicoimpenitentequedesconheceaespecificidade ontológicadosfenômenos. Operou-seum deslizamento,portanto,do qual não é fácil se aperceber.À primeira vista, seguramente,a explicação poderiaparecerfácil. Poder-se-ia,simplesmente,dizer que durante9 anos de preparaçãoda Crítica, Kant perdeutoda ilusãocom respeitoao "mundoencantado"dos metafísicose quereconheceu,enfim,claramente,quenão há conhecimento racional(a priori) senãodos fenômenos... Esta resposta,sem dúvida, não é falsa. Fornece-nosela, contudo,a dimensão da mudançaque se efetuou? Trata-sede que Kant tenha abandonadoo conhecimentodo suprassensível?Não nos esqueçamosqueasideiascosmológicasnãosãotranscendentes, isto é, nãose referemaosnúmenos,massomenteao conjunto dos fenômenosl5•A pretensãoda razão,na ocorrência,nãoé, portanto,de maneiraalguma,forjarum objetoalémdo mundo sensível,massimplesmente"estimulara sínteseatéa um grau quesuperetodaexperiênciapossível"'6.Kant, em 1781,pôde, portanto,apagardo mapado sabero mundosubstancialfrito (queaDissertaçãoabrigavaaindanointeligível).Nestadecisão, porém,não poderiaexplicara Antinomiacosmológica,queé devidaa umailusãorelativaao mundosensível... Com certeza, a situaçãoseriamaissimplesse Kant tivesseabolidoo mundo monadológico,colocando,aomesmotempo,o universosensível comoinfinito,Schopenhauerteriaqueridoqueassimfosse.Eles nosassegura,atémesmo,queissoé,justamente,o "impensado" de Kant. Segundoele,é unicamentea tesefinitistaque"põea hipóteseerrôneadeumtodocósmicoexistindoemsi" - e ela, e unicamenteela,é falaciosa.Kant estavacegoou demáfé ao serlevadoa distinguirsuaprópriaposiçãodaqueladaAntítese: 15 "Ainda que (as ideias) não ultrapassamo objeto,quer dizer, o fenômenoquantoà espécie,mas que se relacionemsimplesmentecom o mundo sensível(não com os númenos),elas impulsionam,contudo,a sínteseaté um grau que superatoda experiênciapossível,desortequesepodechamá-Iastodasmuitoexatamente,a meu ver,conceitosdemundo(Weltbegriffe)"(B-44/tr.p. 334). 16 B-44/tr.p. 334. 44 ~i fl[t ti ){! na realidade,quandoresolveuasAntínomiasmatemáticasnão fez senão "confirmaras Antíteses,determinandomelhor a • - 17exposlçao... Ora, como paraprevenirestaleitura,Kant pede-nospara notarquea refutaçãocríticadafinitudedo mundoé "conduzida de maneirabemdiferentedaprovadogmáticadaantítese",que "apresentavao mundosensívelcomoumacoisadadaemsi, em sua totalidade"ls... e, em consequência,conduziaa colocara infinidaderealdomundo(oquenãodesagradaaSchopenhaeur). Se Kantmantémdistâncianoquerespeitaà Antítesenãoé nem paraagradar,nempor leviandade,maspor umarazãoquejulga fundamental:quandoa Antíteseafirmaque há regressãoin infinitumnasériedosestadosdomundo,eleconcluidagrandeza do mundoàquelada regressão,comose aquelafossealguma coisade independentedesta.Em vezdelimitar-sea afirmarque a regressãonãoencontralimitesquenãopossasuperar,ela lhe dá apercorrerumagrandezasemlimites.Istoequivalea dizer quesupõesero mundosensívelumacoisadadaquea regressão iria repetirou decalcar.Ou ainda;quea Antítese,tantoquanto a Tese,cedeà ilusão "quenascedo fato de quese aplicoua ideiada totalidadeabsoluta,quenãotemvalorsenãoenquanto condiçãodascoisasemsi,aosfenômenos;estesexistemsomente na representação,quando formam uma série, na regressão sucessiva- nãopoderiamexistirdeoutramaneira(sonstaber garwichtexistieren)"19.Eis porqueos adversárioschegama um acordo,pelomenos,sobreestaestranhaexpressão:"O conjunto dosfenômenos"...De que"conjunto"setrataria,umavezquese decidereger-sesópelasíntesesucessiva?E paraqueseinterrogar sobreum "ser" que não seriadadoantesde nossaoperação? Nestascondições,importapoucoquea Antíteseseabstenhade qualquerreferênciasub-reptíciaa"nãoseiquemundointeligível". O importanteé quefala, tambémela,do fenômeno,supondo-o desligadodoconhecimentoquedeleadquiro.O importanteéque elavisao fenômenosobo mododoemsi. 17 Schopenhauer.Mundocomovontade.p. 627(tr.PUF). I~13- 549/tr.p. 388. I') 13- 534/tr.p. 381. 45 A estaaltura,compreende-semelhorquenãobasta,demaneira alguma,paradizer-sekantiano,confinaroconhecimentoracional nos limitesda objetividadesensível.É preciso,antesde mais nada,estipularqualéa realidadequeatribuoaestes"sensibilia" - e isto,tantomais,quea linguagem,infalivelmente,nosinduz emerro. Quandodigo:"encontram-senoespaçoestrelasquesãocem vezesmaisdistantesqueasvejo"20,subentendo,naturalmente,que estesobjetosprecedemaprogressãoempíricaquemeconduzirá atéeles.Estabeleço-os,naturalmente,comocoisase Ihesconfiro umarealidadetranscendental... É inevitávelquetododiscurso sobreo sensível,fiquetão"dogmático"comoaMonadologiade Leibniz.Porqueplatonizarnãoé apenasarrogar-seo direitode evocarumoutromundo.Não seescapaa Platãotãofacilmente - e permanece-seplatônicosempreque se desconhece(por faltadeumainvestigaçãotranscendental)quehádoispontosde vistapossíveissobreaquiloquesedesignade "objeto":umdo emsi e outrodofenômeno21•É estedesconhecimentoquenos levaaaplicarnossosconceitosàs"coisasemgeraleemsi",quer dizer,a fazerdelesum usotranscendental(e, subsidiariamente, transcendente).Na origemdo desvio"dogmático"há,antesde tudo,estaincapacidadede consideraras coisassobestesdois pontosdevista- estainsensibilidadeàdiferençadecontextura entre fenômenose coisas. Seria melhor, talvez, aqui, dizer simplesmentecoisasdoquecoisasemsi,tantoanoçãotradicional decoisaemsi (tal,porexemplo,comoFichteacriticará)parece estarligadaa umadeterminaçãopositiva:aquiloqueno objeto é a maisdo queo fenômeno- ou ainda:aquiloquesedeve 20 B -- 524/tr.p. 375. 21 " •••csteexamenãoéfactívelsenãocom conccitosc princípiosqueadmitimosapriori, contantoqueosencaredemaneiraquccstcsmcsmosobjetospossamserconsiderados de umaparte como objetosdos scntidosc do cntcll(!imentoparaa experiência,de outrapartecomoobjetosqucsósãopcosadosraraarazãoisoladaequeseesforçam
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