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1 Evolução dos Paradigmas de Produção Industrial e sua Implantação no Brasil Caetano Glavam Ulharuzo Especialista em Projetos da ABDI Mestre em Administração Engenheiro Mecânico Economista Dezembro de 2015 1.0 Os Primórdios da Indústria Manufatureira Capitalista A Revolução industrial teve impacto profundo na história política, econômica e social recente da humanidade. Iniciada na Inglaterra no século XVIII com a migração de mão-de-obra rural para as cidades e a introdução da máquina a vapor, expandiu-se para o mundo no século seguinte. Cidades entraram em processo de consolidação, bem como novas relações sociais foram criadas possibilitando a acumulação e reprodução do capital. De um modo geral, o trabalho anterior à revolução industrial era artesanal, conduzido por mestres que controlavam todas as etapas do processo produtivo até a comercialização dos seus produtos trabalhando em suas próprias residências. Eram muitas vezes controlados por corporações de ofício que de certa forma retardavam o progresso tecnológico devido às suas especificações técnicas e exigências. Em alguns casos o artesão trabalhava com um ajudante não assalariado que podia também utilizar as ferramentas para trabalhos próprios. Com a perda dos seus meios de produção e consequente trabalho como empregados de capitalistas estes trabalhadores passaram a operar meios de produção dos capitalistas, perdendo o controle e os rendimentos do negócio. Por outro lado, a divisão do trabalho nas fábricas possibilitou também a utilização de mão-de-obra pouco qualificada como a de mulheres e crianças recentemente expulsas da atividade agrícola no campo. Podemos dizer que nesta etapa do capitalismo houve um processo de acumulação primitiva de capital no sentido marxista, onde a exploração do trabalho chegou aos seus níveis mais altos para num período temporal subsequente arrefecer. As primeiras indústrias com máquinas a vapor fabricavam tecidos utilizando água acumulada em minas de ferro, havendo um aumento brutal da produtividade em relação aos teares manuais artesanais. Este aumento de produtividade possibilitou a criação de um mercado consumidor e o acesso a bens de consumo a parcelas da população que anteriormente viviam no campo e agora se tornaram assalariadas. No século XIX, com o advento da energia elétrica, dos combustíveis fósseis, do motor à explosão, dos produtos químicos e do aço, considera-se como segunda revolução industrial o período entre 1860 e 1900. A possibilidade de locomoção em períodos mais curtos de tempo, bem como a transmissão de energia elétrica a longas distâncias facilitou o aumento da flexibilidade industrial e a invenção de novos bens de capital baseados no motor elétrico, diversificando a indústria. Esta segunda revolução pode ser caracterizada pelo desenvolvimento da maquinaria automática e ao aumento da intervenção científica nas unidades produtivas. A consolidação da indústria dos países europeus, dos EUA e posteriormente do Japão acabou por dividir o mundo entre países fornecedores de matérias-primas e produtores de bens industrializados, destacando-se a América Latina como produtora de alimentos e minerais, a despeito da consolidação da independência dos latino americanos. A partir de 1880 inicia a produção de automóveis na Alemanha e na Inglaterra. Nesta época é que surge um modo de produção que hoje intitulamos de indústria “artesanal” ou 1.0. Não havia revendedores de automóveis, sendo que os carros eram encomendados e construídos de acordo com as especificações do cliente. A força de trabalho era composta por artesãos habilidosos que montavam manualmente um número restrito de automóveis. Muitos deles trabalhavam como 2 empreiteiros independentes dentro das unidades produtivas dos patrões ou mesmo como fornecedores de componentes para os montadores. Um fato interessante é que mesmo que a produção de veículos aumentasse, o seu custo unitário permanecia inalterado. Isso pode ser explicado pelo fato de não haver um sistema metrológico consolidado e da dificuldade de usinar aço de dureza mais elevado pelas máquinas-ferramentas existentes na época. Assim, as peças tinham que ser ajustadas para posteriormente serem encaixadas umas nas outras de forma única, utilizando inclusive tratamentos térmicos. Este processo de ajustes sucessivos redundava em veículos com dimensões diferentes um do outro, ou seja, cada veículo era único, sendo o fabricante incapaz de fabricar veículos idênticos. Segundo Womack (1992), a produção artesanal do capitalismo da segunda revolução industrial pode ser caracterizada da seguinte forma: - um contingente de trabalhadores altamente qualificados nas áreas de projeto, operação de máquinas, ajustes e acabamentos; - empresas descentralizadas, ainda que estabelecidas numa mesma cidade, sendo que a maioria das peças e grande parte dos projetos dos carros advinham de pequenas oficinas. A governança do sistema era a do empresário montador que mantinha contato direto com todos os envolvidos no processo: clientes, empregados e fornecedores; - a utilização de máquinas-ferramentas para realizar operações de usinagem, corte e perfuração de metais e de madeira; - um produção pequena de no máximo mil automóveis por ano, sendo que no máximo cinquenta de um mesmo projeto. Em 1905, decorridos vinte anos da produção do primeiro automóvel comercialmente viável pela empresa P&L inglesa, já existiam centenas de empresas na Europa e América do Norte produzindo automóveis em pequena escala utilizando as mesmas técnicas produtivas artesanais (WOMACK- 1992). 1.1 Primórdios da indústria no Brasil O Brasil faz parte de um grupo de países de industrialização tardia. Entre 1500 e 1808, apenas uma pequena indústria manufatureira floresceu no país, principalmente a de fiação, produção de calçados e de vasilhames. Este fato pode ser explicado pelo fato de que o país nesta época ainda não possuía indústria de base para tal desenvolvimento, tendo que importar praticamente todos os bens de capital para esta indústria. Some-se a este fato a falta de mercado consumidor, dado que a mão-de-obra era predominantemente escrava, havendo pouca massa de trabalhadores assalariados capazes de adquirir bens industrializados. Deste modo, o consumo se concentrava nas classes abastadas que eram supridas por produtos europeus. A despeito disso, na segunda metade do século XVIII algumas indústrias começaram a florescer no país, tais como a do ferro e a têxtil. Isso não agradou a Portugal devido à concorrência ao comércio da corte e poderiam tornar a colônia independente financeiramente, adquirindo a possibilidade da independência política. Assim, em 5 de janeiro de 1785, Portugal assinou um alvará extinguindo todas as manufaturas têxteis do Brasil, exceto a dos panos grossos para uso dos escravos e trabalhadores. Por este fato, este período da industrialização brasileira é chamado de “Proibição” (AZEVEDO-2010). O alvará só foi extinto em 1808 com a chegada ao Brasil da família real portuguesa. Dom João VI abriu os portos ao comércio exterior e fixou taxa de 24% para produtos importados, exceto para os portugueses que foram taxados em 16%. Em 1810, o Brasil teve que ceder às pressões inglesas que o ameaçou com uma invasão, assinando um contrato comercial onde foi fixada em 15% a taxa de importação para as mercadorias inglesas por um período de 15 anos. Neste período, o desenvolvimento industrial brasileiro foi ínfimo devido à forte concorrência dos produtos ingleses que "invadiram" o mercado consumidor brasileiro (AZEVEDO- 2010). 3 Em 1828, com o Brasil já independente, foi tentada novamente uma estratégia protecionista, cobrando-se uma taxa de 16% sobre os produtos estrangeiros, mas agora para todos os países, sem exceção. Porém essa taxa era ainda insuficientepara promover algum desenvolvimento industrial no País. Em 1844 o então Ministro da Fazenda Manuel Alves Branco decretou a Lei Alves Branco que ampliava as taxas de importação para 30% sobre produtos sem similar nacional e 60% sobre aqueles com similar nacional. Assim, algumas atividades industriais do país foram protegidas. Em 1846 a indústria têxtil obteve incentivos fiscais e, no ano seguinte, as matérias-primas necessárias à indústria do país receberam isenção das taxas alfandegárias. Mas nem esses incentivos foram suficientes para alavancar o desenvolvimento industrial (AZEVEDO-2010). Neste período, também houve tentativas de operação de fábricas utilizando trabalho escravo, mas não obtiveram sucesso. Isso pode ser explicado pelo fato de que o escravo estava mais afeto a trabalhos mais grosseiros na agricultura, não se prestando a atividades que envolvessem maior destreza manual e conhecimento técnico especializado. Além disso os barões do café ainda não estavam disposto a investir na indústria. Em 1850, com a assinatura da lei que proibia o tráfico de escravos, os capitais utilizados para esta prática ficaram disponíveis para serem aplicados na indústria. Além disso, o florescimento da produção de café trouxe para o Brasil um contingente de migrantes, principalmente italianos, que trouxeram técnicas de produção industrial além de constituir um mercado consumidor que era inexistente anteriormente. A indústria têxtil brasileira foi a mais favorecida neste processo, tanto pelo crescimento da cultura nacional do algodão como pela Guerra de Secessão dos EUA entre 1861 e 1865, que praticamente paralisou as exportações deste país no período. Note-se que a indústria têxtil, motor da revolução industrial na Inglaterra em 1760, chegou ao Brasil com pelo menos cem anos de atraso. Na década de 1880 a quantidade de estabelecimentos industriais no Brasil passou de 200, em 1881, para 600, em 1889 (AZEVEDO- 2010). Seria o começo de um processo de substituição de importações que se estendeu por um século. Contudo, mesmo tendo crescido significativamente a sua indústria até o final do século XIX, verificamos que o que foi desenvolvido neste período estava ligado basicamente a fabricação de bens de consumo essenciais de menor complexidade industrial, antes importados, como calçados, tecidos, louças, etc. Tal indústria, não possui as características do paradigma 1.0, como mencionado anteriormente no padrão europeu. Por este fato podemos dizer que não houve no Brasil o paradigma industrial 1.0. 2.0 Paradigma de Produção em Massa ou Indústria 2.0 O modelo de produção em massa, ao contrário do paradigma europeu anterior, surgiu nos EUA no início do século XX com a ascensão do Fordismo e do Taylorismo. Os primeiros trabalhos de construção de plataformas de montagem começaram em 1903 na FORD, onde um carro inteiro era montado geralmente por um só operário. Até 1908 o ciclo de trabalho na Ford era longo, ou seja, um trabalhador levava cerca de 9 horas para repetir o mesmo trabalho novamente. Os montadores tinham que obter as peças e ajustá-las para que se adaptassem em cada carro, ainda do mesmo modo que na produção 1.0. O primeiro passo de Henry Ford em direção à produção em massa foi o de levar até as estações de trabalho as peças necessárias à montagem do veículos, permitindo que os montadores são saíssem de suas estações de trabalho. Já em 1908, ele conseguiu um feito inédito: a intercambiabilidade. Ela consistia em possibilitar a fabricação de peças com tolerâncias dimensionais rígidas, proporcionando o acoplamento de conjuntos sem a necessidade de adaptação. Ao contrário do que muitos acreditam, não foi a linha de montagem que viabilizou a produção em massa de produtos padronizados, mas sim a intercambiabilidade. Com a intercambiabilidade, Ford decidiu que um trabalhador faria apenas uma tarefa movimentando-se de veículo em veículo na linha de montagem fazendo com que o ciclo de trabalho por operário caísse de nove horas para 2,3 minutos em 1913. Esta redução acarretou 4 um aumento imenso da produtividade, dado que a familiaridade com uma só tarefa permitia ao trabalhador executá-la mais rapidamente. (WOMACK-1992). Somente em 1913 a linha de montagem foi implantada na FORD, porém, os seus avanços foram menores do que os obtidos até 1908. Ford se deu conta que o deslocamento dos operários de uma plataforma de montagem à outra causava diversos problemas, além de demandar tempo. Com a introdução da linha de montagem esse problema foi resolvido, o carro agora era movimentado em direção ao trabalhador estacionário. Essa inovação diminuiu o ciclo de trabalho em pelo menos 50% devido á economicidade no tempo de deslocamento dos trabalhadores, como também na possibilidade de aumento do ritmo de trabalho propiciado pela linha móvel, já que os tempos de trabalho eram alocados antes da esteira e agora passaram a ser impostos, ou seja, agora o operário tinha que trabalhar no ritmo da esteira. Rapidamente estas inovações foram copiadas pelos concorrentes que perceberam a grande descoberta da FORD. Foi gasto muito pouco com a introdução da esteira em relação ao o aumento significativo da produção e redução substancial do estoque de peças que ficavam aguardando a montagem. A medida que os carros iam sendo produzidos o esforço humano ia se reduzindo e os custos despencavam. Para se ter uma ideia, quando o modelo “T” foi lançado em 1908, já custava menos do que seus concorrentes, sendo que em 1920 ele atingiu uma produção anual de 2 milhões de veículos, com um preço de venda reduzido a um terço do preço inicial. A simplicidade dos veículos aliada à sua operacionalidade fizeram com que a FORD alcançasse a liderança na indústria automobilística mundial acabando com as indústrias artesanais que ainda sobreviviam. O paradigma da produção em massa estava consolidado, e quem não o adotasse dificilmente competiria no mercado. Este paradigma atingiu o seu auge em 1955 após a segunda guerra mundial e difundiu-se por quase todo o mundo. Em relação à divisão do trabalho, Ford procurou levá-la até as últimas consequências; com a introdução da linha de montagem um montador tinha uma tarefa tão simples que muitas vezes necessitava de apenas 5 minutos de treinamento para aprender o ofício. As tarefas de controlar, acompanhar e conceber o funcionamento da linha de produção ficava sob responsabilidade do engenheiro de produção, profissão recém-criada. Também estava sob a sua responsabilidade o abastecimento de peças aos montadores na linha, como a de projetar correias transportadoras para esta finalidade. A qualidade era inspecionada por um especialista, de forma que um trabalho mal feito só seria descoberto ao final da linha de montagem. A extrema divisão do trabalho fez com que o individualismo se tornasse uma característica marcante dentro da linha. Como cada um fazia o seu trabalho, sem se preocupar com o dos outros, era normal a sonegação de qualquer informação por parte dos trabalhadores. Algum processo novo que pudesse aumentar a produtividade não deveria ser descoberto por montadores, mas sim pelo supervisor ou engenheiro de produção que os transmitiam à gerência. Foram criadas diversas novas profissões, quase sempre pouco qualificadas, fazendo com que os trabalhadores se tornassem descartáveis com as peças de um carro. Mesmo nos cargos de nível superior a engenharia se subdividiu em engenharia de produto, de produção, industrial e de fabricação. Quanto à ascensão profissional, ela era quase inexistente para quem trabalhava no chão-de-fábrica; um operário qualificado, no máximo, poderia chegar a supervisor de produção, ficando o conflito capital versus trabalho limitado aos aumentos de salário. Contudo, nos cargos de nível superior havia uma carreira a ser percorrida pelos engenheiros, principalmente, que poderiamir de estagiários, até engenheiro sênior ou coordenador dos engenheiros pertencentes a escalões inferiores. Geralmente quando chegavam aos escalões mais elevados, iam trabalhar em outra empresas concorrentes, levando sua experiência profissional. Em 1915 a fábrica da Ford de Highland Park já se aproximava de uma completa integração vertical, produzindo os carros completos, desde as matérias-primas básicas para a sua fabricação. Ford acreditava na redução de custos caso fizesse tudo por conta própria. Para se ter uma ideia da verticalização da produção, até o minério de ferro era adquirido como matéria-prima para se tornar 5 peça de um carro. Entretanto, a razão mais importante consistia no fato de que ele precisava de peças com tolerâncias dimensionais mais justas e prazos de entrega muito rígidos, no que não acreditava que o mercado o pudesse suprir. Na fábricas da Ford as máquinas eram projetadas para executar uma só tarefa de cada vez, ao contrário das máquinas universais (torno, fresadora, plaina, etc.) que são capazes de executar diversos trabalhos diferentes. Assim, ao trabalhador bastava apertar um botão ou empurrar uma alavanca, colocando a peça no lugar desejado para executar uma operação. Como consequência, a necessidade de treinamento para os trabalhadores do chão-de-fábrica era ínfima, sendo eles intercambiáveis como as peças de um carro. As máquinas eram dispostas em linha de forma que uma operação precedia a outra. A fábrica parecia uma imensa máquina, cada vez mais aperfeiçoada, obtendo escalas cada vez maiores com a introdução de máquinas dedicadas que podiam usinar várias peças ao mesmo tempo. Contudo, apresentava uma inconveniência: a grande rigidez do sistema fazia com que tais máquinas não pudessem se adaptar a outras atividades a um custo suportável. A produção em massa se tornou uma obsessão para Ford, que tentou fabricar tudo, desde alimentos até aviões e tratores. Acreditava ele, que produzindo tudo de forma padronizada, poderia reduzir os custos a ponto de tornar “ricas as massas”. Os recursos para tais empreendimentos sempre foram próprios, nunca recorrendo a qualquer tipo de financiamento por bancos ou investidores externos. Estava ele determinado a manter o controle total e centralizado de sua empresa. Devido a problemas de faculdades mentais, Ford quase levou seu empreendimento à destruição na década de 30. Ele recusava a reconhecer seus problemas organizacionais; seu sistema funcionou bem dentro de uma fábrica, mas falhava na administração de um conjunto de fábricas. Um sistema de produção em massa mais sofisticado viria a ser implantado mais adiante com Alfred Sloan da General Motors, com divisões descentralizadas que funcionavam como centros de lucro na empresa. Além disso Sloan inovou em gestão fazendo com que o desempenho dos gerentes fosse medido pelos resultados numéricos alcançados, sem a necessidade deles entenderem todos os detalhes operacionais da produção, como a Ford requeria. Sloan parece ter resolvido o dilema entre padronização do produto para reduzir os custos de produção e a necessidade de diversificação exigida pelo mercado. Vários itens dos automóveis da GM foram padronizados e produzidos durante longo tempo, amortizando o capital investido. Havia diversos modelos de carros rodando com estes itens padronizados e, anualmente se procedia alterações na aparência externa dos veículos, até introduzir uma série de acessórios com a intenção de atrair o interesse do consumidor. É interessante notar que até hoje as empresas montadoras de automóveis possuem esta mesma estratégia, a despeito do aumento da velocidade de lançamento de modelos novos. O Fordismo, num nível menos global, designa uma forma de organização da produção, um paradigma tecnológico e uma forma de organização do trabalho baseada num estilo de gestão. Podemos, então, destacar os seguintes traços característicos do Fordismo: - Racionalização e profunda divisão do trabalho, tanto horizontal (parcelamento de atividades), quanto vertical (divisão entre concepção e execução), e sua especialização; - Especialização dos equipamentos mecanizados, dando rigidez à produção; - Produção em massa de mercadorias padronizadas com ganhos crescentes de escala; - Aumento da produtividade incorporado aos salários, que são sempre crescentes. Nos trabalhos da escola Francesa de Regulação, o Fordismo não é apenas um paradigma de produção, mas num nível abrangente ele aparece como um modo global de vida. Em síntese, o Fordismo pode ser visto como um processo de trabalho ligado a formas de gestão, de um lado e, de outro, a um conjunto de conceitos gerais que de certa forma norteiam um determinado período da história da civilização, servindo de base para explicar as sociedades em sua totalidade. Trata-se de um modo de desenvolvimento ou de acumulação de capital inserido num regime monopolista administrado, característica de países centrais durante o período pós-guerra. O eixo central que norteava este modo de desenvolvimento pode ser representado pelo que se chamou de “Círculo Virtuoso do Fordismo”. O que move a engrenagem é a relação de barganha 6 entre o capital e o trabalho: de um lado, os sindicatos reivindicando uma parcela maior dos ganhos de produtividade, associados aos métodos fordistas de produção, e, de outro, o reconhecimento do papel dos dirigentes e proprietários de empresas no que se refere à organização da produção e à tomada de decisões estratégicas. Figura 1 – Círculo Virtuoso do Fordismo Fonte: Boyer (1990) No enfoque da Teoria da regulação é importante ressaltar a interligação entre dois níveis de análise, que embora sejam diferentes, possuem total independência entre si. Deste modo, para o sucesso do paradigma Fordista foi necessário que houvesse uma compatibilidade entre o regime de acumulação vigente e seu modo de regulamentação, ou seja, as bases institucionais se adequaram ao novo padrão. Sem que isso ocorresse, este modo de desenvolvimento não teria sucesso histórico. Também, pelo fato do Fordismo ser o modo de desenvolvimento dominante nos países industrializados no período do pós-guerra, isto não deve ser entendido como algo homogêneo, dado que houve grandes diferenças entre estes países. Estas diferenças podem ser entendidas como especificidades sociais, culturais e jurídicas dessas nações. Do mesmo modo esta homogeneidade não aconteceu, nem mesmo dentro de um próprio país, dado que foi um paradigma dominante, porém não exclusivo. Também certas atividades econômicas, devido a suas especificidades, impediram que esta forma de organização industrial prevalecesse. As indústrias de processo contínuo (química, refinarias de petróleo, etc.) e a indústria da construção civil são exemplos de setores que não são passíveis de adotar procedimentos típicos das linhas de montagem do setor automobilístico. Da mesma forma, a maioria das atividades do setor terciário apresentaram limitações para a implantação desses métodos de “gerência científica”, embora isso tenha sido tentado. 7 2.1 O Paradigma de Produção em massa no Brasil O Fordismo começa a ser implantado no Brasil com a chamada fase de internacionalização da economia brasileira a partir de 1953, período caracterizado principalmente pela entrada de montadoras de veículos estrangeiras no país. Antes de 1953 as fábricas multinacionais instaladas no Brasil só montavam seus automóveis aqui, mas não produziam suas peças. A primeira montadora de veículos a ingressar no Brasil foi a FORD em 1919 e depois a GM em 1925, todas elas com a estratégia de apenas montar automóveis produzidos nos EUA. Era preciso desenvolver o parque automotivo brasileiro. O então presidente da República, Getúlio Vargas, proíbe a importação de veículos montados e criaobstáculos à importação de peças. As condições para o desenvolvimento de uma indústria com tal sofisticação se deram numa fase anterior marcada pela revolução de 1930. Nesta época foi inaugurada uma política industrializante com capital advindo da produção do café com a criação de indústrias de base e de energia, utilizando mão-de-obra rural migratória do campo. A Revolução de 1930 também vai permitir no meio industrial paulista a aplicação do taylorismo como forma de “racionalização do trabalho” e tem como expressão a criação do IDORT (Instituto de Organização Racional do Trabalho), em 1931, por iniciativa do empresariado paulista (MEDEIROS- 2009). Sob o ponto de vista regulatório, a legislação trabalhista de Vargas atendeu aos interesses do capital, condicionando os trabalhadores a um regime fabril disciplinado, mais adiante baseado na retirada do saber operário taylorista. Por outro lado, criou direitos trabalhistas como salário mínimo, férias, etc., satisfazendo as duas partes. Em 1941 é inaugurada a primeira siderúrgica nacional; em 1943 a Companhia Vale do Rio Doce, em 1945 a CHESF, e em 1953 a Petrobras, todas empresas estatais. Um fator que favoreceu este desenvolvimento, além das políticas públicas desenvolvimentistas de Vargas, foi a 2º guerra mundial, onde foi possível aprofundar o processo de substituição de importações, devido à crise nos países centrais com impossibilidade de importação de certos bens de capital. Anteriormente as indústrias na sua maioria eram apenas montadoras de produtos advindos do exterior, sendo filiais de empresas estrangeiras. No final da segunda guerra já havia indústrias nacionais do ramo metal mecânico capazes de fornecer autopeças para a indústria automobilística que iria se implantar posteriormente. O segundo governo Vargas, período entre 1951 e 1954, através de suas políticas desenvolvimentistas nacionalistas possibilitou ao governo Juscelino Kubitschek iniciar um plano de metas calcado principalmente no setores de energia e transporte, bem como na internacionalização da economia. Nesta época o país detinha um volume significativo de reservas em moeda estrangeira, consequência dos superávits comerciais obtidos no período da segunda guerra mundial. Em 1951 Vargas criou a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), organismo voltado à elaboração de uma Política Industrial vinculado ao Ministério da Fazenda. A missão da CDI era o estudo e a proposição de medidas econômicas, financeiras e administrativas para a consecução de uma Política Industrial. A Comissão contava com a participação de técnicos, militares e empresários de renome nacional. Este órgão era composto de diversas subcomissões, entre elas a CEIMA- Comissão Executiva da Indústria de Material Automobilístico, criada em 1954 para disciplinar a produção de automóveis de acordo com um plano de nacionalização progressiva. Esta comissão não chega a ir adiante devido à morte de Getúlio em agosto deste mesmo ano. Extinta em 1954, ela reaparece em 1956 no governo Juscelino Kubitschek com outro nome: Conselho do Desenvolvimento. O Conselho de Desenvolvimento foi criado com a ideia de ser um órgão controlador da economia subordinado à Presidência da República, integrado pelos ministros de Estado, os chefes dos gabinetes Civil e Militar e os presidentes do Banco do Brasil e do BNDES. No período Juscelino houve grande desenvolvimento do setor siderúrgico, químico, farmacêutico e automobilístico baseado principalmente no ingresso de empresas multinacionais no Brasil atraídas por incentivos cambiais, tarifários e fiscais oferecidos pelo governo. Com Juscelino, a política nacionalista de Vargas foi em parte deixada de lado, havendo incentivos cambiais para as empresas estrangeiras se instalarem no Brasil o que acelerou o processo de internacionalização da economia brasileira. A facilidade de emissão de licenças sobre a importação 8 de equipamentos para a indústria também incentivou os estrangeiros a importar equipamentos para ampliação e abertura de novas empresas, resultando na instalação de grandes complexos industriais. Em 1953 a Volkswagen ingressa no Brasil, com 80% de capital de origem alemã e, neste mesmo ano a Mercedes Bens inicia a construção de sua fábrica de caminhões em São Paulo. A estratégia principal da VW na época era a de importar fuscas. No entanto, ela foi surpreendida por uma decisão governamental em 1953 que limitava a concessão de licenças para a importação. Esta medida garantiu a instalação da montadora definitivamente no país, como também incentivou consolidação indústria nacional de autopeças. Posteriormente ingressaram outras montadoras no Brasil, sendo que em 1990 se destacaram como as maiores a FORD, a GM, a VW e a Fiat, esta última vindo a se instalar somente em 1976. Juscelino, empossado em 1956, cria um “Plano de Metas” que pretendia transformar o país numa nação industrializada num curto espaço de tempo com auxílio do capital estrangeiro; seu lema era “50 anos em cinco”. Entre 1956 e 1961 há um surto de industrialização no Brasil baseado nos sistemas de produção taylorista-fordista na indústria de bens de consumo duráveis, em especial a automobilística do ABC paulista (Medeiros-2009). Contudo, o Fordismo no Brasil não se desenvolve do mesmo modo dos países centrais. Em primeiro lugar os projetos e a engenharia do produtos produzidos em sua maioria permanecem exteriores ao país. Em segundo lugar os componentes de maior valor agregado e maior complexidade técnica são produzidos nos países centrais. Finalmente, os ganhos de produtividade acabam não sendo incorporados aos salários dos trabalhadores, fazendo com que o seu acesso aos bens de consumo duráveis seja parcial. Deste modo, no Brasil podemos considerar que não houve o círculo virtuoso do Fordismo como nos países centrais. Este Fordismo foi chamado por Alan Lipietz de “Fordismo Periférico”. Também no Brasil os princípios da “administração científica” dos países centrais foram combinadas com padrões tradicionais de produção adquirindo uma característica própria mitigada, descaracterizada em sua essência, entretanto sem deixar de contribuir para uma modernização periférica (LIPIETZ-1988). Acrescentaria às considerações de Lipietz a questão da qualidade dos bens de consumo duráveis produzidos aqui pelas empresas de capital estrangeiro, que no período foi inferior aos similares produzidos nos países centrais. Este fato se deve, entre outros, a dois fatores principais: por ser o Brasil um mercado muito fechado às importações, e por não haver normatizações de produto rígidas, o capital oligopolizado internacional pode produzir aqui bens já superados tecnologicamente nos países centrais com qualidade inferior às produzidas nas matrizes. Em segundo lugar, foi lucrativo para o capital estrangeiro trazer para cá plataformas de montagem e produção já obsoletas nas matrizes, proporcionando um alongamento na amortização deste capital. Por consequência produziu-se bens de consumo durável aqui que foram exportados para África, América Latina e Oriente Médio, contudo não competitivos nos mercados da Europa, Japão e EUA, tanto por estarem defasados tecnologicamente, como por não possuírem os padrões de qualidade exigidos por estes países. É de consenso na literatura que esta modernização periférica brasileira atingiu o seu ápice após o golpe de 1964 quando foram calados os movimentos sindicais e se iniciou um processo de arrocho salarial. A partir desta época tivemos como resultado no país aplicação de um modelo Fordista descaracterizado, no qual não se criou um Estado de bem-estar social como nos países centrais, dado que não se regularam os salários conforme os ganhos de produtividade industrial (MEDEIROS- 2009). É interessante observar que o Fordismo nos países centrais começa a entrar em crise no final dos anos 60, masno Brasil, foi entre 1968 e 1973 que foram alcançados os maiores índices de crescimento econômico baseados principalmente na industrialização periférica, o que se denominou de “milagre econômico”, retardo que pode estar relacionado também à nossa industrialização tardia, além de outros fatores. Este modelo de desenvolvimento viria a entrar em crise no Brasil somente no final da década de 70. 9 3.0 Produção Enxuta e Sistemas Flexíveis de Manufatura ou Indústria 3.0 3.1 Produção Enxuta No final dos anos 60 inicia-se um processo de modificação do perfil da concorrência capitalista mundial. Alguns elementos podem ser identificados como sintomas da crise do Fordismo central, tais como a tendência decrescente da taxa de lucro das empresas devido à superprodução, a intensificação das lutas sociais, a desvalorização do dólar e a crise do Welfare State. As capacidades instaladas dos fabricantes vinculados a setores de produção voltados ao consumo de massa e de produtos intermediários passam a ser maiores que a demanda global, forçando a uma redução nos lotes de fabricação, bem como a necessidade de flexibilização da produção para se adaptar às novas condições do mercado. A experiência que teve maior sucesso neste sentido foi a japonesa, iniciada nas instalações da Toyota. Por ser um país pequeno com um mercado de dimensões reduzidas, procurou um modo de produção que, ao invés de depender do crescimento das demandas pelos produtos a fim de reduzir os custos (solução externa), está baseado num sistema onde a capacidade de organização e de resolução de problemas internos à empresa são a chave para a diminuição de custos unitários (solução interna). Taiichi Ohno, um estudante que não concluiu a universidade de engenharia, foi o mentor do sistema japonês. Ohno pretendia combinar a estratégia da General Motors pós Sloan de diversificar os modelos de automóveis utilizando o sistema de fluxo do Fordismo, porém sem estoques no processo. Tinha também a intenção de retomar o saber operário destruído pelo Taylorismo, recuperando a tradição do trabalho artesanal. Ele resumiu como sendo o cerne de sua iniciativa esta questão: "O que fazer para aumentar a produtividade, quando as quantidades não aumentam?" (Ohno apud Coriat-1992). A solução encontrada foi a de "colocar a fábrica sob tensão" pelo método just-in-time: a redução dos estoques fez com que ficasse fácil identificar os pontos passíveis de melhora da produtividade. Priorizou-se ao invés das economias de escala, as economias de escopo (diluição de custos fixos através da diversificação do mix de produtos), obtendo-se altos níveis de qualidade e produtividade. Com a introdução de dispositivos mecânicos, padronização das ferramentas e métodos de otimização de substituição foi possível reduzir o tempo de troca de ferramentas (set-up) de 2 a 3 horas nos anos 50, para 15 minutos em 1962, e, no final da década de 60, a 3 minutos na fábrica da Toyota. Isto redundou numa alteração da lógica do fenômeno das economias de escala em nível do produto, uma vez que optou-se por sequenciar a produção em ABC ABC ABC, ao invés de AAA BBB CCC, como seria desejável no modo tradicional de produzir. O mais interessante é que neste novo esquema, Ohno conseguiu maior produtividade na produção de automóveis do que nas fábricas "focalizadas" (fábricas destinadas a produzir um único modelo ou poucos modelos) da Europa e dos EUA. Ao contrário do que muitos pensam, nunca houve ênfase em tecnologias sofisticadas. Diferentemente de outras empresas japonesas que iniciaram o processo de robotização ainda na década de 60, a Toyota só introduziu estes equipamentos quando eles se tornaram fáceis e rápidos de programar, se inserindo no sistema de produção flexível. As modificações na forma de gestão foram lentamente introduzidas, em primeiro lugar nas seções de usinagem e montagem, e logo após, nas seções de prensas, forjaria e fundição. As inovações sempre contaram com o apoio da alta administração e com a colaboração dos trabalhadores, embora sem o apoio dos sindicatos. O sistema de produção enxuta é baseado em três princípios que o alicerçam: o just-in-time, o muda e o kaisen que se apoiam e se reforçam mutuamente, tendo o kanban como ferramenta de informação. Pode ser considerado ao mesmo tempo simples e complexo. Todos os detalhes são importantes no que se refere à sua essência, como também uma profunda mudança de valores e atitudes, cultura e técnicas produtivas. O just-in-time é o alicerce do sistema; sua função é de sincronizar a produção em fluxo sem a utilização de estoques. Pode ser entendido como a produção das quantidades necessárias no tempo certo, nos locais certos e na qualidade certa. A linha de montagem é pensada do final para o começo, 10 possibilitando o balanceamento do sistema. O operário vai até o processo anterior pegar apenas o material e as peças necessários, evitando que o problemas sejam ocultados; caso eles existam, acabam vindo à tona imediatamente, devendo ser sanados, sob pena de paralisar o processo. Dessa forma, obriga-se o operário a fazer certo da primeira vez, reduzindo o tempo total de produção e o espaço físico necessário, aumentando a flexibilidade, resultando daí a exigência de 100% de qualidade no processo. De uma forma mais ampla, este sistema pode ser pensado como constituinte de uma estratégia de competição industrial, objetivando dar uma resposta rápida às flutuações do mercado, permitindo uma maior circulação do capital, decorrente da diminuição de estoques em circulação e de produtos acabados. O kanban é um sistema de informações que possibilita o just-in-time, acionando e controlando a produção através de um simples cartão a quantidade a ser produzida de cada tipo de peça. No mesmo tempo em que ele dá instruções de trabalho, controla visualmente o volume produzido, prevenindo contra o excesso de produção, indicando os problemas. Na verdade, consiste numa forma de conectar uma seção à outra. Nada deve ser produzido ou retirado sem o kanban. Não havendo ordem de fabricação através de uma ficha que contém uma enorme quantidade de informações atualizadas, confiáveis e importantes, os trabalhadores cruzam os braços. Caso ocorra algum problema na linha, ela para, tornando o problema visível imediatamente, obrigando-se a sua solução. “Uma linha que não para nunca ou é perfeita, ou tem grandes problemas”, afirmou Ohno. O muda objetiva eliminar totalmente os desperdícios, tanto de materiais, quanto de movimentos, peças defeituosas, transportes desnecessários, esperas, produção além do necessário, etc. O objetivo é o de se eliminar todas as atividades que não agregam valor diretamente ao produto. Produzir além do necessário é um dos piores desperdícios, na medida em que cria estoques supérfluos, custos financeiros, espaço físico desnecessário, pessoal para o controle, burocracia, etc. O trabalho é analisado de modo a ser simplificado ao máximo, eliminando todos os movimentos desnecessários. Essa simplificação é fundamental, a fim de proporcionar uma sincronização, facilitando a rotação dos trabalhadores nas diferentes tarefas, com o intuito de conectar melhor o sistema como um todo, sugerindo-se melhorias possíveis. Com a evolução técnica dos equipamentos, o trabalho do operador não mais ficou relegado ao controle de apenas uma máquina, os dispositivos automáticos de controle já tinha capacidade de executar esta atividade. Agora ele podia monitorar diversas máquinas, evitando o desperdício de ficar assistindo a apenas uma funcionar. Caminhar não é sinônimo de trabalhar, na medida em que não agrega valor ao produto. O kaisen é melhoramento contínuo da produtividade e da qualidade; sempre é possível melhorar, por melhor que seja a situação. Esse princípio deve ser universalizado e presente no dia a dia de cada pessoa, embora em algunsprogramas especiais, como nos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), algumas pessoas tenham a responsabilidade pelo desenvolvimento destas melhorias. A administração deve ser receptiva a sugestões e mudanças, favorecendo sua implantação. Quanto à sua flexibilidade, este sistema é capaz de se adaptar rapidamente às flutuações do mercado. Essa flexibilidade está assentada em quatro fatores que são: espaço, tecnologia, mão-de- obra polivalente, produção e organização. Flexibilidade, neste sentido, pode ser entendida como capacidade de adaptação rápida às oscilações do mercado, capacidade de retroação e de se adaptar a novas circunstâncias quando for necessário. O que dá valor à opção flexibilidade são as incertezas de um ambiente, o que a torna estratégica. No que se refere à utilização do espaço e tecnologia, Ohno preferia evitar equipamentos rígidos e especializados em favor daqueles que possuíssem universalidade. O layout tradicional é substituído pelo celular, com o agrupamento de máquinas a partir de uma sequência de produção, otimizando o transporte de materiais. A comunicação entre os trabalhadores é estimulada por este sistema, sendo melhor aproveitado o espaço disponível. Quanto à mão-de-obra, ela deve ser qualificada e polivalente. Pelo fato de o emprego ser vitalício, um trabalhador que ingressar na empresa aos 20 anos de idade, só sairá aos 65 anos, já que a aposentadoria no Japão é somente por idade. A empresa se deu conta do compromisso histórico de manter um operário durante mais de quarenta anos dentro dela, podendo ser considerado como um 11 custo fixo. Era portanto necessário não somente utilizar a força física do trabalhador, mas seus conhecimento e experiências. A grande vantagem do emprego vitalício reside no fato de obter-se maior colaboração das pessoas, que tendem a se sentir mais à vontade para dar sugestões e aprimorar seus conhecimentos, já que não estão ameaçadas de demissão. Como um operário poderia sugerir um novo método de trabalho que redundaria na exclusão de sua própria atividade? Com o aumento da produtividade do trabalho, a mão-de-obra foi se tornando dispensável nos setores da produção, sendo realocada para os setores administrativos, como vendas por exemplo. Através de treinamento, forma-se um vendedor altamente qualificado, que além de conhecer modernas estratégias de marketing, possui conhecimentos técnicos aprofundados do produto comercializado. A ascensão profissional é lenta, quase sempre baseada no tempo de serviço e numa minuciosa avaliação do desempenho e da conduta individual. O recrutamento dá mais ênfase à capacidade de relacionamento pessoal do candidato do que em conhecimentos técnicos, já que o trabalho é sempre realizado em equipe. O treinamento é extensivo a todos e é feito no local de trabalho, porque é lá que efetivamente se aprende. Um dos grandes méritos da produção enxuta é de se demonstrar que é possível produzir em massa com lotes pequenos e diferenciados, obtendo-se altos níveis de produtividade e qualidade. Prioriza- se ao invés das economias de escala, as economias de escopo. Embora tenha tantas qualidades, este modelo é extremamente frágil, dependendo da colaboração dos trabalhadores, porque qualquer erro, pode causar grandes repercussões em todo o sistema produtivo. As máquinas e equipamentos não podem falhar, sendo necessária uma excepcional manutenção preventiva. A flexibilidade de volume não é a mesma do mix de produtos fabricados; o sistema é muito sensível às flutuações no o volume de produtos produzidos. Tais flutuações são muito difíceis de assimilar, dado que a mão-de-obra representa um custo fixo. Por este motivo, a Toyota e seus fornecedores trabalham arduamente no sentido de manter o heijunka (uniformidade da produção), fazendo com que o volume produzido seja o mais constante possível. Uma das estratégias utilizadas é a de manter um sistema agressivo de vendas, com vantagem nos preços e na qualidade em relação à concorrência. No que se refere à cadeia de fornecedores da Toyota, ela se apresenta de forma piramidal, havendo uma tendência à compra de dispositivos completos por parte da montadora. A base dessa pirâmide é constituída por centenas de pequenas empresas, havendo relação de apoio técnico, cooperação e confiança. As relações com os distribuidores seguem esses mesmo princípios, tendendo sempre à horizontalização. Deste modo conseguiu-se integrar toda a cadeia de valor num sistema funcional e ágil. 3.2 Sistemas Flexíveis de Manufatura A primeira célula de manufatura surgiu na Universidade de Trondheim na Noruega no início da década de 70. Seu objetivo era o de criar mini fábricas nas regiões rurais do país, evitando que o êxodo rural aumentasse. O governo, por razões sociais e políticas, não queria que a pequena população dispersa do país se concentrasse nos grandes centros, contratando os serviços da universidade para evitar este deslocamento populacional. As operações de manufatura são decompostas em células, cada uma delas podendo ser considerada uma fábrica. Uma célula é responsável pela fabricação de um grupo específico de peças, sendo determinada pelos princípios da tecnologia de grupo. A conexão entre as células se dá através de uma rede de materiais e de transporte de componentes. Segundo Borenstein (1990), para que a indústria norueguesa se tornasse competitiva no mercado mundial era preciso que as células tivessem elevada produtividade para compensar os altos salários do país. A solução encontrada foi a de prover cada mini fábrica com a mais alta tecnologia disponível. Deste modo, cada célula fazia parte de um grupo, que podia ser composto de até cinco máquinas de comando numérico dispostas em círculo, com um robô no centro. O robô tinha a função de realizar o transporte dos materiais e a preparação das máquinas para as operações necessárias. A 12 coordenação e execução das diversas operações é realizada por um computador celular, que poderá ou não estar conectado a um computador central. A vantagem desse conjunto, é que ele pode funcionar 24 horas por dia, ficando os trabalhadores com a incumbência de realizar somente as seguintes atividades: escalonamento, manutenção, tratamento térmico dos componentes necessários, montagem dos materiais nos sistemas de transporte, etc. (Borenstein-1990). Pelo fato de não ser dependente diretamente do trabalho vivo, a otimização da produção em uma célula de manufatura não pode ser feita como num centro de trabalho convencional. Uma das estratégias utilizadas é a de equalizar o tempo de utilização de cada máquina a fim de tornar o tempo do ciclo de produção da célula igual ao tempo de utilização da máquina, acrescido aos tempo de set- up, somado ao tempo de carregamento e descarregamento dos componentes materiais. Um grande sistema composto por várias células de manufatura, controladas por um computador central, pode ser considerado como um conceito básico de um Sistema Flexível de Manufatura (SMF). Esta designação se deve a alta flexibilidade promovida por este sistema, em termos de tempo e custo baixos, para a manufatura de um novo produto. Em Borenstein (1990), temos as principais características de um Sistema Flexível de Manufatura, composto dos seguintes princípios: - Fabricação: baseada em células de manufatura totalmente automatizadas, compostas de até 2 máquinas multifuncionais, capazes de executar várias operações de usinagem, possuindo manipuladores capazes de trocar as ferramentas e ajustar os componentes para as operações de manufatura; - Circulação de materiais: sistemas de transferência, entre os quais se destacam-se trolleys automáticos, correias transportadoras e veículos guiados automaticamente (AGVs); - Integração da gestão com o chão-de-fábrica: a gestão é realizada de forma informatizada por um computador central, de talforma que quaisquer alterações no fluxo de produção são realizadas num breve espaço de tempo; - Flexibilidade: devido ao fato de que os equipamentos são programáveis, podendo armazenar em suas memórias diferentes operações, os mesmos são capazes de reconhecer em tempo útil, o programa adequado a cada peça distinta. É na produção de pequenas e médias séries que a flexibilidade dos meios de trabalho programáveis parecem ter as maiores vantagens, na medida em que os computadores adaptados às máquinas- ferramenta permitem uma produção contínua de peças diferentes, com paradas reduzidas e custos de programação muito baixos. 3.3 A indústria 3.0 no Brasil O início da década de 80 no Brasil marca um período de grandes transformações. Além do esgotamento de um período de crescimento econômico, verificamos o recrudescimento dos movimento sindicais, bem como o início de um processo de abertura política. O esgotamento do modelo de substituição de importações e a desregulamentação dos mercados internacionais contribuíram para uma reestruturação da economia brasileira, influenciada pela redução das tarifas de importação e eliminação de várias barreiras não-tarifárias (MEDEIROS- 2009). Segundo Medeiros (2009) estes fatores teriam grande importância na medida que atuaram no sentido de pressionar as empresas a utilizar formas menos autoritárias na gestão das relações de trabalho. Também nesta época inicia-se um processo de introdução da microeletrônica principalmente na indústria metal-mecânica com a substituição de equipamentos de base eletromecânica por máquinas-ferramenta com Comando Numérico Computadorizado (CNC). Esta substituição teve grande impacto no mercado de trabalho, pois algumas profissões como a de torneiro mecânico e fresador entraram em processo de declínio devido à incorporação do saber operário aos equipamentos com base microeletrônica. Agora um trabalhador menos qualificado podia operar diversas máquinas-ferramentas com CNCs ao mesmo tempo. Pelo lado da gestão das unidades 13 produtivas inicia-se a implantação dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) que se caracterizam por uma gestão um pouco mais democrática do que o modelo Fordista Periférico. Todavia, há um certo consenso na literatura de que as técnicas japonesas no Brasil tiveram a resistência dos gerentes de empresas em delegar decisões aos operários; os CCQs de certa forma foram deformados no Brasil tendo em vista que não se mudou o esquema das relações de poder dentro das empresa (MEDEIROS-2009). Também é difícil identificar um padrão de engajamento das empresas dentro deste novo paradigma, já que o posicionamento estratégico delas foi bastante diferenciado na introdução destas novas técnicas. Algumas empresas tentaram aplicar o modelo de um modo mais completo, esbarrando numa estrutura regulatória, cultural, institucional e logística muito diferente da japonesa. Como exemplos podemos citar o trabalho, que não é vitalício no Brasil como no Japão e a dificuldade de introduzir o just-in-time com fornecedores que ainda aplicavam técnicas tradicionais de produção, bem como as condições de infraestrutura que não permitiram um aprofundamento do modelo japonês. A estrutura tributária brasileira também não facilitou a horizontalização, com os impostos incidindo em cascata, embora ela tenha ocorrido principalmente como forma de diminuir custos e encargos sociais com mão-de-obra. Outras empresas continuaram com os sistema tradicional de produção, adotando apenas alguns princípios do modelo de produção enxuta, como a redução de estoques, diminuição dos desperdícios e defeitos, bem como a implantação de sistemas de melhoria contínua. Esta estratégia estava em consonância com um mercado transitando de uma estrutura fechada para uma abertura às importações que seria intensificada na década de 90. Alguns estudos concordam que o processo de implantação da produção enxuta no Brasil foi qualitativamente diferente do que foi feito no Japão e demais países desenvolvidos. Tal como o Fordismo periférico, o Toyotismo adquire formas específicas no Brasil. Contudo, os estudos enfatizam que não há uma ruptura com o Taylorismo e o Fordismo, mas uma convivência destes modelos com as novas formas flexíveis de produzir. O resultado, segundo Medeiros (2009), é que entramos em um processo de reestruturação produtiva que, enquanto nos países desenvolvidos a aplicação do modelo japonês visou os desafios da qualidade, segurança e produtividade, no Brasil o modelo foi aplicado visando a redução dos custos de produção. Outro fator que não pode deixar de ser citado é a pressão da concorrência internacional que forçou os empresários a adquirir novos posicionamentos estratégicos. A intensificação da abertura comercial da economia brasileira na década de 90 criou um cenário de crise para a indústria brasileira, especialmente no setor automotivo, que durante muito tempo se beneficiou de um mercado interno fechado à importações. A partir do governo Collor a indústria automobilística perdeu toda uma série de incentivos, criados no período da substituição de importações. O programa de Collor propunha ainda cortar investimentos, promover programas de demissões e reduzir salários. O cenário da economia brasileira sob o governo Collor foi caracterizado pela recessão, crescente desemprego industrial, criando as condições político-ideológicas para o desenvolvimento do Toyotismo (MEDEIROS- 2009). Segundo Gomes(2011) a partir de 1990 as empresas nacionais entram num novo patamar concentrando seus esforços nas estratégias organizacionais e inovações tecnológicas que objetivavam aumentar sua eficiências, bem como a adoção de novas formas de gestão de mão-de- obra, mais compatíveis com as necessidades de flexibilização do trabalho e com o envolvimento e colaboração dos trabalhadores, na busca da qualidade e a produtividade. Assim as empresas além das inovações tecnológicas, procuram implantar as normas ISO 9000, redução do tamanho das plantas, subcontratação e novas formas de organização do trabalho (redução dos cargos de níveis hierárquicos), trabalho em células no chão da fábrica, trabalhador mais polivalente, qualificado, participativo e criativo, maior treinamento dos empregados e CCQs, alteração na jornada de trabalho, trabalho terceirizado, subcontratados, temporário, enfim novas formas de gestão do trabalho, racionalizadoras e poupadoras de mão-de-obra, a fim de atender às novas exigências de competitividade, buscando com premência estratégias industriais que permitissem o aumento da produtividade e a melhoria da qualidade de seus produtos para, assim, competir com os produtos 14 importados e para garantir sua presença na nova configuração do mundo globalizado. Poderíamos dizer que nesta fase houve um salto qualitativo do Toyotismo no Brasil, não mais só voltado à uma estratégia de redução de custos como na fase anterior. 4.0 Sistemas Ciber-Físicos ou Indústria 4.0 Diferentemente de todos os paradigmas industriais anteriores que surgiram através de aprendizado em unidades produtivas da indústria automobilística, a ideia de um sistema ciber-físico fabril nasceu de pessoas não ligadas diretamente à atividade produtiva, mas sim à academia americana. Uma delas foi um CEO da empresa americana de automação industrial National Instruments, fundada em 1976, chamado James Truchard. Ele é o atual presidente da empresa, formado em física com doutorado em Engenharia Elétrica. Em 2006 ele pensou na representação de um processo de manufatura industrial completo de forma virtual rodando num software denominado sistema ciber- físico. Em 2012, o Ministro federal da Educação e Pesquisa da Alemanha formou um grupo de trabalho do projetar uma estratégia de recomendações compreensivas para implementar a indústria 4.0, termo criado pelo grupo. O projeto Industria 4.0é agora parte da estratégia de tecnológica do Governo Alemão, que está ativamente mantendo contato com parceiros do setor privado. Por definição, um sistema ciber-físico é composto por elementos computacionais colaborativos com o intuito de controlar entidades físicas. A geração anterior à dos sistemas ciber-físicos (CPS) é geralmente conhecida como sistemas embarcados. Sistemas embarcados tendem a focar mais nos elementos computacionais, enquanto que sistemas ciber-físicos enfatizam o papel das ligações entre os elementos computacionais e elementos físicos (WIKIPÉDIA-2015). Sob a ótica da manufatura o objetivo do CPS seria o de monitorar e controlar vários dispositivos, máquinas e equipamentos de um processo produtivo através da internet, permitindo a comunicação desses elementos físicos com o sistema computacional e vice-versa, ou seja, trata-se da integração de sistemas computacionais com redes e processos físicos. Os CPS traduzem a tendência de ter informações e serviços em todo lugar e em tempo real, que se torna cada vez mais possível graças à facilidade do acesso e implantação da rede de Internet nas indústrias permitindo várias oportunidades de pesquisa, inovação e desenvolvimento (NUNEZ-2015). Deste modo sensores inteligentes comunicam as máquinas como elas devem ser atuar. Teoricamente os processos deveriam governar a si mesmos num sistema modular descentralizado. Como se trata de um conceito construído, e ainda em construção por vários atores diferentes, não encontramos na literatura um consenso a respeito de todos os elementos que comporão o sistema de produção 4.0, contudo sabemos que o seu cerne são sistemas ciber-físicos. Entretanto, alguns componentes que deverão fazer parte da manufatura cibernética já são conhecidos: - Internet das coisas (IoT) – integração e conectividade entre objetos, equipamentos e pessoas utilizando sensores inteligentes e softwares, proporcionando um intercâmbio de dados o que facilitaria processos de manufatura mais customizados com a intervenção direta do consumidor, não só como parte passiva do sistema, mas como protagonista. Contudo, cada “coisa” necessita de uma identificação única, como os IPs, Neste caso houve a necessidade de migração para um novo protocolo denominado IPv6 para cadastrar os objetos e equipamentos com um protocolo único. Este protocolo foi criado em 2012; - Big Data – captação de dados e informações variadas trafegando em velocidade rápida que comportaria um universo inteligente de informações sobre produtos, processos e serviços estratégicas para a indústria. Some-se a isso a possibilidade de compartilhamento e acesso remoto destas informações em qualquer lugar do planeta através da nuvem de manufatura (Cloud Manufaturig - CMfg). A integração entre os conceitos CPS, IoT e CMfg seria em síntese a caracterização da ciber indústria ou 4.0, ou impulsionaria sua eficiência, eficácia e performance nos processos, apresentada no mapa conceitual abaixo: 15 Figura 2 – Taxionomia do Sistema Ciber-físico Fonte: Nunez (2015) A indústria 4.0 também resultará em novas formas de criação de valor e modelos de novos negócios que poderão fornecer às pequenas empresas uma oportunidade de desenvolver e fornecer novos tipos de produtos e serviços. A ciber-indústria também demandará uma organização das relações de trabalho mais flexíveis, sendo que numa perspectiva otimista permitirá que os trabalhadores combinem seu trabalho com a vida privada proporcionando um melhor equilíbrio trabalho-vida. A fim de implementar uma estratégia industrial 4.0, o governo alemão pretende implementar um CPS com as seguintes características: • Integração horizontal, através de redes de valor; • Integração digital end-to-end da engenharia em toda a cadeia de valor; • Integração vertical e fabricação em sistemas conectados em rede. Para o sucesso da indústria 4.0, o grupo de trabalho alemão que envolveu governo, empresas e academia, acredita que o país deve desenvolver 8 áreas-chave que deverão ser apoiadas por decisões políticas, quais sejam: 1 - Arquitetura de normalização: a indústria 4.0 envolverá a criação de redes e integração de várias empresas diferentes através cadeias de valor. Esta parceria colaborativa só será é possível com um único conjunto de normas comuns a ser desenvolvido. Uma arquitetura de referência será necessária para fornecer uma descrição técnica destas normas e facilitar a sua aplicação; 2 - Gestão de sistemas complexos: produtos finais e sistemas de produção estão se tornando mais e mais complexos. O planejamento adequado modelos explicativos podem fornecer uma base para 16 gerenciar esta complexidade crescente. Engenheiros, portanto, devem ser equipados com os métodos e ferramentas necessárias para desenvolva tais modelos; 3 - Uma infra-estrutura de banda larga eficiente para indústria: confiável, abrangente e de alta qualidade. As redes de comunicação são um requisito-chave para Industrie 4.0. A infraestrutura de Internet banda larga precisa ser expandida em uma enorme escala, tanto na Alemanha como entre a Alemanha e os países parceiros; 4- Proteção e Segurança: são ambos críticos para o sucesso dos sistemas de produção inteligentes. É importante garantir que a produção, as instalações e os próprios produtos não apresentem um perigo para pessoas ou para o ambiente. Ao mesmo tempo, as instalações produtivas, os produtos e em particular os dados e informações precisam ser protegidos contra mau uso ou acesso não autorizado. Isso exigirá, por exemplo, a implantação de sistemas de segurança integrados e arquiteturas com identificadores exclusivos; 5- Organização do trabalho: Em fábricas inteligentes, o papel dos empregados mudará significativamente. Cada vez mais o tempo real orientado ao controle dos processos transformará os métodos de trabalho e o meio ambiente. A implementação de um modelo sócio técnico na abordagem ao trabalho de organização oferecerá os trabalhadores a oportunidade de desfrutar de maior responsabilidade e melhorar o seu desenvolvimento pessoal. Para isto ser possível, será necessário implantar a concepção do trabalho participativa e medidas de aprendizagem e de modelos de projetos de referência; 6- Treinamento e desenvolvimento profissional contínuo: a indústria 4.0 transformará radicalmente o perfil dos trabalhadores, do trabalho e das competências. Assim, será necessário implementar a formação adequada e estratégias para organizar o trabalho de uma forma que promova a aprendizagem baseada em trabalho ciber-físico. A fim de alcançar este objetivo, projetos- modelo e " redes de boas práticas " devem ser promovidos, bem como técnicas de aprendizagem digital devem ser pesquisadas; 7- Ambiente regulatório: a legislação existente também terá de ser adaptada para se se adequar às inovações da indústria 4.0. O desafios incluem a proteção dos dados corporativos, questões de responsabilidade jurídica, tratamento de dados pessoais e restrições comerciais. Isso vai exigir não apenas da legislação, mas também de outros tipos de relações entre empresas, tais como uma extensa gama de modelos de contratos e acordos entre empresas ou mesmo de auto regulação, com iniciativas tais como auditorias; 8- Eficiência no uso dos recursos: a indústria 4.0 deverá fornecer ganhos de eficiência e produtividade dos recursos. Para isto será necessário calcular os trade-offs entre a recursos adicionais que deverão ser investidos em fábricas inteligentes e o potencial de economia gerada. O caminho em direção a Industria 4.0 será um processo evolutivo. Experiência e tecnologias atuais dominadas terão que ser adaptadas às necessidades específicas de fabricação, engenharia e inovação como soluções para novos mercados e locais a serem explorados. Se isso for feito com sucesso, permitirá a Alemanha aumentara sua competitividade global e preservar a sua indústria doméstica (FMER- 2013). Segundo FMER (2013) atualmente aproximadamente noventa por cento de todos os processos de fabricação industrial já são suportados pelas TIC. A evolução dos PCs em dispositivos inteligentes tem sido acompanhada por uma tendência cada vez maior da infraestrutura de serviços ser prestada através de redes inteligentes (computação em nuvem). Após a introdução do protocolo IPv6 2 em 2012, existem suficientes endereços disponíveis para habilitar uma rede universal de objetos inteligentes através da Internet. Isto significa que, pela primeira vez será possível para pessoas, informações, objetos e recursos criar a Internet das coisas e serviços. Em essência a indústria 4.0 envolverá a integração técnica de sistema ciber-físicos, a fabricação, logística e o uso da Internet das coisas e serviços em processos industriais. Isto terá implicações para a agregação de valor, criação, modelos de negócios, serviços de downstream e organização do trabalho (FMER, 2013). 17 4.1 A Indústria 4.0 no Brasil A questão da manufatura 4.0 ainda é muito incipiente no Brasil, estando ainda em fase de discussões institucionais e estudos. Em 2015 o MCTI criou um grupo de trabalho composto por MCTI, MDIC, SENAI, ABIT, CNPq, ABDI, BNDES, FINEP, CNI, SEBRAE, ABIMAQ, ANPEI, CERTI e MBC com o objetivo de criar uma estratégia nacional para a manufatura avançada. Para o sucesso deste trabalho foram considerados no primeiro encontro do grupo alguns elementos como os mais importantes, retirados do relatório executivo do MCTI (nov-2015): - Compreensão das políticas de países líderes no tema como EUA e Alemanha que têm estratégias manifestas de transformação da sua estrutura manufatureira; - Análise das políticas públicas de países que estão em processo de implantação da indústria 4.0; - O plano de ação para manufatura avançada no Brasil deve ter seu ponto de partida nos desafios que possam gerar os estímulos e escala para que se possa implantar um programa de manufatura avançada nos segmentos associados a estes; - Seria preciso ancorar o programa em determinados desafios tecnológicos que sejam relevantes para a solução dos problemas estruturais brasileiros; - Seria fundamental um mapeamento da base de empresas, ICT e demais organizações que podem contribuir para o avanço da manufatura brasileira; - Será necessário discutir aspectos regulatórios, infraestrutura (inclui tanto energia e telecomunicações, como padrões de transferência de dados e segurança), difusão tecnológica, competências (humanas e organizacionais), entre outros; - A estratégia de manufatura avançada poderia se pautar por três etapas de análise. A primeira diz respeito ao foco da estratégia: o país atuará isoladamente tentando construir soluções tecnológicas de manufatura avançada ou atuará em parceria e de forma integrada com o que houver de melhor nos distintos países, visando posicionar competitivamente as empresas brasileiras não só no mercado doméstico, mas também mundial? Esta etapa é importante, pois cada foco demanda ações diferentes e em setores distintos; - A segunda, a etapa de avaliação diz respeito ao modo de implantação da estratégia. Atuar de forma integrada com o mundo ou isoladamente implica ações e instrumentos de fomento diferentes. - A terceira etapa diz respeito ao modelo de intervenção pública. Uma abordagem seria a implantação de centros de demonstração e difusão de tecnologias e processos; - Seria importante ancorar o programa em determinados desafios tecnológicos que sejam relevantes para a solução de problemas estruturais brasileiros. O trabalho do Grupo deve se iniciar com a identificação de problemas específicos e projetos estruturantes que irão ancorar as políticas públicas para o desenvolvimento industrial da manufatura avançada no País; - Seria importante ainda discutir e estruturar o plano de trabalho para algumas questões transversais, tais como o padrão das comunicações entre máquinas; - Outras frentes transversais também seriam relevantes, como a formação de mão-de-obra, devendo acompanhar o arcabouço de atuação que será construído para que avancemos de forma a indicar as propostas aos órgãos responsáveis pelas políticas de formação e extensão de recursos humanos. - Por fim, seria importante compreender a relação e distinção que existe entre o tema “internet das coisas” e o da manufatura avançada. É importante mencionar que um tentativa anterior de fomentar a manufatura avançada no Brasil por parte do governo foi frustrada. Em 2014 foram criados diversos grupos de trabalho a fim de construir plataformas de conhecimento para diversos temas considerados estratégicos para a indústria, entre eles estava o de manufatura avançada. Para cada uma destas plataformas seria disponibilizada uma quantia expressiva de recursos públicos. No entanto, devido ao contingenciamento de recursos, nenhuma ação prevista foi efetivamente realizada. Em nossa opinião, tem sido mais efetiva no Brasil a formulação de políticas públicas do que propriamente a sua implementação. Tal fato se deve, entre outros, à falta de autonomia dos grupos de trabalho formados e das entidades governamentais para tomar decisões estratégicas, à escassez de recursos públicos disponíveis e ao pouco interesse dos setores industriais em implantá-las. 18 5. Considerações Finais Os paradigmas de produção industrial 1.0, 2.0 e 3.0 nasceram dentro de unidades produtivas da indústria automobilística, com exceção dos sistemas flexíveis de manufatura, que são de origem universitária. Uma das características de tais sistemas foi o aprendizado, sendo que as soluções encontradas para resolução de problemas e construção dos modelos em sua maioria foram “por tentativa e erro”. Diferentemente dos paradigmas anteriores, verificamos que a proposição de indústria 4.0 não nasce de experiências fabris automotivas, sendo muito mais intensiva em conhecimento prévio, do que propriamente em aprendizado, embora este último também seja relevante. Para que ela se efetive em sua plenitude será preciso a construção de uma base de sistemas superconectados à uma robusta rede onde as informações possam fluir em alta velocidade. Neste sentido, o industrial individualmente terá que se curvar à rede, e em nossa opinião poderá ser complicado construir uma estratégia de produção em rede nacional independente dos outros países. Se a estratégia de produção virtual for global, com cada ator desempenhando seu papel na cadeia de valor, provavelmente os detentores dos sistemas virtuais de produção é que serão os governantes da cadeia de valor, tal como acontece atualmente com os aplicativos de celular. Eles poderão “dar as cartas”, definindo quais equipamentos serão homologados para trabalhar pela rede de manufatura, ganhando royaltys por isto. Eles poderão auferir lucros sem nunca ter produzido um parafuso, pois agora o que mais importa é o acesso à informação qualificada. Assim as empresas não deverão trabalhar mais para si, mas para a rede global manufatureira. Tal como a internet, a manufatura poderá ser global. Há um consenso na literatura de que o Fordismo foi mal implementado no Brasil e o Toyotismo, embora tenha se saído melhor, foi colocado de forma dispersa e incompleta em alguns setores da indústria manufatureira submetidos à concorrência internacional, principalmente a partir do início da década de 90. Dado que não nos saímos bem nos paradigmas anteriores, como o país poderá se inserir neste novo modelo? Acreditamos resposta não é simples, contudo, verificando as 8 áreas- chave que o governo alemão considera como estratégicas para o desenvolvimento da indústria 4.0, o Brasil não se destaca em nenhuma delas, embora possua os elementos para desenvolver todas. Por outro lado, provavelmente haveráum interesse internacional de que o paradigma seja bem colocado em todos os países, sob pena não funcionar adequadamente sob a ótica global. Por este motivo os sistemas globais de manufatura e as tecnologias embarcadas, ou corporificadas nos equipamentos poderão ser adquiridas pelas empresas como commodities. Neste caso, supomos que todos poderão ter o mesmo sistema rodando, com poucas especificidades regionais, como uma plataforma Windows por exemplo. Contudo, o que vai importar é a posição dentro da cadeia de valor, ou seja, se seremos os proprietários das tecnologias da informação e de produção certificadas na cadeia global de manufatura, ou meros produtores de bens, ou, em último caso, apenas consumidores deste bens. 19 BIBLIOGRAFIA - ANTUNES, José Antônio et all (1989). Considerações Críticas Sobre a Evolução da Filosofias de Administração da Produção: do just-in-case ao just-in-time. RAE, jul/set. - AZEVEDO, Esterzilda Berenstein de (2010). Patrimônio Industrial no Brasil. USJT - arq.urb - número 3/ primeiro semestre de 2010. - BORENSTEIN, Denis (1990). 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