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Belinda Mandelbaum Sobre famlias estrutura histria e dinmica

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1 
 
SOBRE FAMÍLIAS: ESTRUTURA, HISTÓRIA E DINÂMICA 
 
Belinda Mandelbaum
1
 
 
 
A família é um campo de intersecção entre o real e o psíquico, uma tessitura que, 
em seu arranjo de parentesco e nos significados que atribui a cada um dos lugares que a 
compõem, sofre a determinação de uma história sócio-cultural na qual se estabelece e 
que a atravessa, ao mesmo tempo em que é constituída na interação afetiva entre os 
membros. Toda família constitui um microcosmo fincado nas intermediações entre a 
esfera social e individual, o público e o privado, o real e a representação, o biológico e o 
cultural. Daí a necessidade de examiná-la numa perspectiva multidimensional, para 
conhecer os seus diferentes arranjos e modos de funcionamento em diferentes tempos e 
lugares. 
Todos nós nascemos e estamos, de algum modo, inseridos numa família durante 
todo o percurso de nossas vidas. Todo ser humano constitui, nas palavras do 
antropólogo Lewis Morgan (1871/1981), “o centro de um grupo de parentesco e, 
portanto, é obrigado a compreender e usar o sistema [de parentesco] vigente”. Mas, 
quando falamos em família, a que nos referimos? Na sociedade ocidental 
contemporânea, o termo remete, de maneira geral, à família nuclear, composta por um 
par heterossexual casado, monogâmico, unido por laços sentimentais, por uma 
cooperação econômica contínua e por um interesse comum ligado ao cuidado da prole. 
E, de fato, esse arranjo familiar está fortemente implantado em nosso imaginário talvez 
em parte porque corresponde à forma predominante pela qual as famílias organizam-se 
em nossa sociedade. Mas há também em nosso imaginário a marca da ideologia 
burguesa, segundo a qual 
 
 a família não é entendida como uma relação social que assume formas, 
funções e sentidos diferentes tanto em decorrência das condições históricas 
quanto da situação de cada classe social na sociedade. Pelo contrário, 
tendemos a representar a família como sendo sempre a mesma e, portanto, 
 
1 Professora Associada do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da 
USP, onde coordena o Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade. Autora de 
Psicanálise da família (SP: Casa do Psicólogo, 2010, 2ª. edição). 
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como uma realidade natural (biológica), sagrada (desejada e abençoada por 
Deus), eterna (sempre existiu e sempre existirá), moral (a vida boa, pura, 
normal, respeitada) e pedagógica (nela se aprendem as regras da verdadeira 
convivência entre os homens, como o amor dos pais pelos filhos, o respeito e 
temor dos filhos pelos pais, o amor fraterno). [Mas aqui] estamos diante da 
idéia da família e não da realidade histórico-social da família. (Chaui, 
1980). 
 
Em nosso país, o trabalho da demógrafa Elza Berquó no texto Arranjos familiares 
no Brasil (1998) traça um perfil da estrutura populacional brasileira em seu processo de 
transformação ao longo de um período que vai de fins do século XIX até meados dos 
anos 90 do século passado, processo este que é resultado das mudanças nas formas e 
concepções de viver e sobreviver de nossa sociedade, dependentes das transformações 
econômicas, sociais e culturais que tiveram lugar no decorrer do tempo. Como resultado 
da ampla pesquisa que a autora realizou em censos demográficos que cobrem esse 
período, podemos ver que o caráter nuclear da família, isto é, o casal heterossexual com 
filhos, predominava em pouco mais de 50% dos arranjos domésticos no ano de 1995, 
último ano de consulta em seu trabalho. Já o censo de 2006 encontrou 49,6% de 
arranjos familiares do tipo nuclear
2
. 
No texto “A família”, capítulo de seu livro O olhar distanciado (1986) em que 
realiza uma síntese de achados etnológicos em diversas sociedades humanas, Lévi-
Strauss nos diz que, “ao percorrer o imenso repertório das sociedades humanas, sobre as 
quais possuímos informações desde Heródoto, tudo quanto se possa dizer, do ponto de 
vista que nos interessa, é que a família conjugal surge nelas com muita freqüência” (p. 
75). A partir de um imenso conjunto de dados sobre arranjos familiares em diferentes 
sociedades – parte dos quais podemos percorrer em sua obra Estruturas elementares do 
parentesco -, Lévi-Strauss (1949/2009) construiu os modelos estruturais que exprimem 
as leis que regulam estes arranjos em suas manifestações singulares. O acúmulo de 
dados propiciado pela pesquisa etnográfica acabou por mostrar que o gênero de família, 
nas sociedades contemporâneas, caracterizado pelo casamento monogâmico, pela 
residência independente dos jovens esposos, pelas relações afetivas entre pais e filhos 
etc., também existe nitidamente em sociedades que permaneceram num nível cultural 
que julgamos rudimentar. Tal é a freqüência da incidência desse arranjo, realizado de 
 
2 Informação obtida em www.ibge.gov.br (acesso em 30/11/2010). 
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formas variadas em diferentes sociedades, que Lèvi-Strauss pergunta-se: ‘se a 
universalidade da família [nuclear] não é o efeito de uma lei natural, como explicar que 
a encontremos por quase todo lado?’ Não se trata de uma lei natural, já que a simples 
existência de outros arranjos familiares, tais como o avunculato ou certas formas de 
poligamia, impede tal explicação. Trata-se, portanto, de um arranjo que compartilha 
com a natureza um caráter universal, mas que é fenômeno social, manifesto na 
diversidade de suas formas. Em busca da explicação para a prevalência deste arranjo, 
Lévi-Strauss começa por defini-lo, construindo um modelo reduzido de algumas de suas 
propriedades invariantes que serviria para descrever toda família nuclear, independente 
de sua localização espacial ou temporal. São essas propriedades: 
 
1. a família tem origem no casamento. 
2. ela inclui o marido, a mulher e os filhos nascidos de sua união, formando um 
núcleo em torno do qual outros parentes podem, eventualmente, se agregar. 
3. os membros da família estão unidos entre si por a) laços jurídicos; b) direitos e 
obrigações de natureza econômica, religiosa ou outra; c) uma rede precisa de 
direitos e proibições sexuais e um conjunto variável e diversificado de 
sentimentos, como o amor, o afeto, o respeito, o medo etc. 
 
A partir deste modelo, a família emerge como lugar de entrecruzamento de laços de 
natureza biológica, consangüínea – as relações entre pais e filhos e entre irmãos - e 
social – originado no casamento, vínculo de aliança regulado socialmente. Toda 
sociedade, segundo Lèvi-Strauss, impõe uma distinção entre o casamento, laço legal, 
socialmente aprovado, e as uniões temporárias ou permanentes resultantes da violência 
ou do consentimento. E, em seu conjunto, todas as sociedades atribuem um grande valor 
ao estado conjugal, sendo o celibato condenável para a maior parte delas. “É que, em 
sociedades nas quais reina a divisão do trabalho entre os sexos e em que só o estado 
conjugal permite ao homem gozar dos produtos do trabalho feminino, um solteiro é 
somente metade de um ser humano” (p. 79). A divisão do trabalho institui um estado de 
dependência recíproca entre os sexos. 
É interessante confrontar a leitura feita por Lévi-Strauss sobre a origem do 
casamento – que aqui o assenta em necessidades de ordem econômica, ligadas à divisão 
do trabalho entre os sexos – com aquela exposta por Freud em Totem e Tabu 
(1913/1999), segundo a qual é o reconhecimento por parte do homem de suas 
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necessidades sexuais e afetivascontínuas e, por parte das mulheres, de sua necessidade 
de proteção para poder manter junto a si a sua cria, que daria origem ao casamento e à 
família. Embora os dois autores partam de referenciais de análise distintos para explicar 
a origem da família – Lévi-Strauss numa perspectiva estruturalista e Freud aqui numa 
abordagem evolucionista –, eles tratam, a nosso ver, de ordens de necessidades 
interligadas, já que tanto as tarefas associadas às mulheres quanto aquelas 
desempenhadas pelos homens, nos dois modelos, atendem de forma conjunta e 
indissociável demandas básicas, materiais e afetivas. 
Sigamos um pouco mais o pensamento de Lévi-Strauss (1986), em sua explicitação 
das leis fundamentais que estruturam a família a partir de sua localização no todo social. 
Ele enfatiza o fato de que, ao unir-se um homem oriundo de uma família a uma mulher 
de outra, são famílias que se enlaçam, para constituir um novo agrupamento familiar. 
“São antes as famílias que produzem o casamento, principal meio socialmente aprovado 
de que dispõem para se aliarem umas às outras” (p. 80). Para Lévi-Strauss, o casamento 
não é, como nosso senso comum costuma conceber, um assunto privado, união de 
indivíduos. O casamento une famílias, que através dele trocam esposas. O casamento 
garante que os grupos familiares não se fechem sobre si, provendo apenas em seu 
interior as necessidades pessoais de seus membros, mas tenham que se abrir para outros 
grupos, para com eles garantir sua sobrevivência. Assim, é porque ela depende para a 
sua formação de uma sociedade constituída por outras famílias que a precedem e que 
reconhecem a existência de laços além dos de consangüinidade, que podemos dizer que 
a família não se constitui por uma união natural, biológica. Ela é instituição social, 
regula-se socialmente e cumpre função essencial para a manutenção e coesão da 
sociedade, integrando as unidades familiares parciais no interior da comunidade maior e 
evitando o fracionamento social que poderia advir de casamentos consangüíneos, feitos 
em grupos isolados. Diz Lévi-Strauss: 
 
em todas as sociedades humanas, a criação de uma nova família tem como 
condição absoluta a existência prévia de duas famílias, prontas a fornecer, 
uma um homem, outra uma mulher, de cujo casamento nascerá uma terceira 
família, e assim indefinidamente... Entre os humanos, uma família não 
poderia existir se primeiro não houvesse uma sociedade – pluralidade de 
famílias que reconhecem a existência de laços além dos de consangüinidade 
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– e o processo natural da filiação não pode seguir o seu curso senão 
integrado no processo social da aliança (p. 88). 
 
Assim, a troca entre famílias é a base fundamental e comum de todas as 
modalidades da instituição matrimonial. Esta troca é assegurada pela proibição do 
incesto, que se estende a todos os homens: a liberdade de casar com alguém de fora da 
própria família – a exogamia - está assegurada pela extensão a todos os homens de uma 
proibição semelhante a que afeta cada um deles em particular - a de casar-se com 
alguém de sua própria família, a mãe ou a irmã na maior parte das sociedades, mas que 
se estende a uniões entre pessoas com graus diversos de parentesco, como o casamento 
entre primos, tios e sobrinhas etc., na dependência de cada grupo social. Atrás da 
expressão superficialmente negativa da regra da exogamia – negativa porque proíbe o 
casamento nos graus interditos – há a garantia da troca. Lévi-Strauss diz que os homens 
trocam palavras e mulheres, tendo ambas a função fundamental de comunicação com o 
outro e a integração do grupo. Através da proibição do incesto, portanto, faz-se a 
passagem dos vínculos naturais para os vínculos de aliança, da natureza para a cultura, 
assegurando o domínio dos laços sociais sobre os biológicos. É o grupo social que 
conta, a sua perpetuação, não a família elementar. Esta deve ser transitória, tolerada 
socialmente porque provê as necessidades básicas de seus membros, porque somos um 
corpo e precisamos comer, agasalhar-nos, unir-nos sexualmente, vivermos em 
intimidade. A família é o reduto onde os seres humanos podem ver atendidas essas 
necessidades. Mas os vínculos de dependência que ali se constituem e perduram por um 
bom tempo na vida de cada um de nós devem contribuir para a sua própria dissolução, 
para que possamos nos independentizar da família de origem e vir a criar outra, numa 
sucessão infinita de famílias. “Em todos os casos”, diz Lévi-Strauss, “as palavras das 
Escrituras – ‘Deixarás o teu pai e a tua mãe’ – fornecem a regra de ouro ao estado da 
sociedade” (p. 97). 
Lévi-Strauss enfatiza a proibição do incesto como fenômeno social que não pode ser 
reduzido à biologia nem à afetividade que circula no interior da família. Os sentimentos 
contraditórios vividos na relação entre pais e filhos – o amálgama de amor e ódio, 
respeito, rivalidade, ciúmes e temor que encontramos na descrição de Freud do 
complexo de Édipo - só são incompatíveis, segundo Lévi-Strauss, pela função social 
que a família é levada a desempenhar, e que deve se sobrepor e conter os desejos e 
afetos pessoais. Mas, novamente aqui, as teorias de Lévi-Strauss e Freud quanto à 
6 
 
função da proibição do incesto não são incompatíveis. Enquanto o primeiro estabelece o 
valor desta proibição para a preservação e perpetuação dos grupos sociais, o segundo 
acentua o seu lugar central na constituição psíquica dos seres humanos. Para ambos, 
essa proibição é a regra fundamental que permite a passagem do âmbito da natureza 
para a cultura, nuclear no estabelecimento das regras do convívio social e da submissão 
a elas. 
Ao propor um modelo estrutural para compreender o sentido da formação dos 
grupos familiares e sua função primordial na perpetuação do todo social, Lévi-Strauss 
permite-nos aproximar famílias de diferentes lugares e momentos da história a partir de 
equivalências em seus arranjos e em suas regras de funcionamento. Outro vértice de 
estudos da família, realizado pela História, nos ensina sobre os processos de 
transformação que são continuamente impostos aos agrupamentos familiares a partir das 
mudanças sócio-político-econômicas, e nos alerta sobre a importância de levar em 
consideração estes fatores, com os quais cada família tem que se haver para sobreviver e 
cuidar de seus membros em espaços e tempos sociais determinados. As transformações 
econômicas, sociais e culturais sempre impactam a família, produzindo mudanças em 
seus arranjos, em suas dinâmicas e em suas relações com o mundo. 
Em meados do século XX, Adorno e Horkheimer, criadores e pesquisadores do 
Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt, Alemanha, em 1923, pensaram a 
especificidade dos processos que afetavam naquele momento a família ocidental a partir 
de uma teoria crítica da vida social que procurou integrar concepções materialista-
históricas a uma compreensão do homem advinda principalmente da teoria freudiana. 
No texto “Família”, que faz parte da coletânea Temas básicos da sociologia 
(1956/1973), eles mostram como as formulações de Freud sobre o nascimento, 
desenvolvimento e adoecimento da psique pressupõem uma determinada concepção de 
família como instituição socialmente definida, inserida num universo cultural que 
compreende regras e valores estabelecidos. Apesar das formulações de Freud terem um 
caráter universal - possivelmente por isto ele tenha escolhido nomes da mitologia grega 
para cunhar os seus achados, tais como Édipo, Eros, Tânatos, etc., a fim de vinculá-los a 
uma concepção que abrange a totalidade do cosmo -, estes estudiosos mostraramas 
relações entre o pensamento dele e as condições sociais específicas de sua produção, ou 
seja, a sociedade burguesa de fins do séc. XIX, cuja organização familiar predominante 
era monogâmica e patriarcal, sendo o pai, o pater familias, detentor da propriedade e 
autoridade máxima dentro da família. Adorno e Horkheimer foram dos primeiros 
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pensadores a tentar descrever em detalhes o modo como a família não apenas reproduz 
o estado de coisas da vida em sociedade mas, mais importante, o modo como a vida em 
família funciona como uma estrutura instauradora de uma subjetividade que opera em 
ressonância com essa vida em sociedade. Aquilo que Freud denomina de núcleo edípico 
e cuja dinâmica é estruturante de cada indivíduo, no olhar desses autores transforma-se 
em território para a constituição de atitudes que legitimam o estado de coisas da vida em 
sociedade e dinamizam cada um no sentido de mantê-la em funcionamento, pois é nesse 
território que, através da constituição da autoridade paterna, constitui-se também algo 
assim como uma forma de relação com as autoridades que regem a vida social, às quais 
cada um deve de algum modo se submeter, ou seja, as autoridades dos chefes do Estado, 
dos patrões, dos professores etc. O interessante no estudo desses autores é a detalhada 
observação de que a emergência de uma identificação com um líder na vida social tem 
a ver com o enfraquecimento da autoridade paterna, dada a desestabilização da família 
burguesa em determinadas circunstâncias históricas. O totalitarismo não seria algo 
apenas imposto de cima para baixo por um determinado esquema político, mas um 
fluxo silencioso, porém implacável, avançando sempre tanto das esferas macro-político-
econômicas quanto dos escaninhos mais íntimos da vida privada de cada um. Adorno e 
Horkheimer revêem toda a dinâmica do complexo de Édipo à luz desta nova 
configuração social, na qual o pai já não se apresenta diante do filho como a figura 
idealizada, amada e temida que Freud descreve quando tem em mente o pai da família 
burguesa plenamente estabelecida
3
. 
 Se Adorno e Horkheimer viram operar na família burguesa os mecanismos de 
reprodução de uma ordem social que a transcende, na medida em que a família é, na 
sociedade ocidental, o espaço socializador privilegiado para a interiorização, pela 
criança, de uma dinâmica de autoridade e submissão fundamental para a participação 
dos homens no sistema econômico, por outro lado, a família seria, nessa mesma 
sociedade, um último refúgio, um “refúgio num mundo sem coração”, parafraseando 
Christopher Lasch (1991), onde os homens poderiam recuperar vínculos mais humanos 
e a sua própria história. 
Ao mostrar a poderosa dinâmica dos afetos contraditórios que opera no interior 
da família, a Psicanálise abre para nós os cenários íntimos nos quais as contradições 
 
3 A família burguesa que, segundo Adorno e Horkheimer, serviu de modelo para as formulações de Freud, 
já passava por uma crise profunda no momento em que ele formulava as suas teorias. E a Psicanálise, ao 
penetrar os interstícios desta família, contribuiu, a nosso ver, para trazer à luz essa crise. 
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sociais mais amplas se ancoram para construir os seus enredos. Seu interesse é pelo 
significado inconsciente da experiência que os membros da família têm da e na vida em 
família. Deste ponto de vista, a família é um grupo de pessoas caracterizado pela 
natureza das interações entre os seus membros e pelos processos dinâmicos 
inconscientes que estão na base de seus laços manifestos. Na família, os membros se 
organizam no sentido de lidar com seus temores e ansiedades, protegendo-se, através da 
organização que criam e perpetuam, dos perigos de fragmentação e destruição advindos 
tanto de seu interior quanto de fora dela. Sabemos que a realidade externa gera um 
constante sentimento de ameaça aos indivíduos, seja em função de catástrofes causadas 
pelos homens ou pela natureza, seja em função das relações entre os homens, fontes 
maiores de ansiedade e dor. A realidade interna, por sua vez, nos ameaça continuamente 
a partir das demandas pulsionais e do conflito entre essas demandas e aquelas impostas 
e introjetadas em nossa vida em grupo. Seres ameaçados que somos, buscamos nas 
instituições sociais modos organizados coletivamente de nos protegermos. A família é, 
para cada um dos homens, a primeira das instituições sociais e é um traço característico 
dela a de nos constituirmos em grande parte do que somos, para o bem e para o mal, em 
seu interior. Na tessitura de vínculos que constituem a família de cada um, estabelecem-
se estruturas que dão suporte a experiências de proteção física e psíquica a cada um dos 
implicados. Mas também, as estruturas defensivas e formas de organização criadas pela 
família acabam, no mais das vezes, por também serem ameaçadoras, fragmentadoras e 
impossibilitadoras de um desenvolvimento psíquico mais livre de seus membros, 
quando não cruéis. A compreensão dos modos de funcionamento da família a partir de 
um olhar psicanalítico permite assim revelá-la como instituição social a um só tempo 
protetora e coercitiva para seus membros. 
 Em nosso entender, a tarefa básica da família é auxiliar os indivíduos que a 
compõem na travessia de uma situação de absoluta dependência para uma gradativa 
autonomia, travessia que deve possibilitar que cada um venha a constituir uma nova 
família, diferente, ainda que com laços profundos com suas famílias de origem. Frente 
às ansiedades suscitadas por esta tarefa em cada um dos familiares - já que nela estão 
implicadas experiências dolorosas de separação, exclusão e perda, com todo o 
amálgama de sentimentos penosos e contraditórios que são o cerne mesmo dessas 
experiências -, o grupo familiar tende a buscar modos de livrar-se da dor psíquica, 
através de arranjos psíquicos defensivos compartilhados por todos, ainda que 
inconscientemente. Estes arranjos tendem no mais das vezes a cristalizar-se, ser 
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unidirecionais, fixando pessoas em papéis e modos de ser parciais, freqüentemente 
coercivos e inibidores de um desenvolvimento mais amplo. Principalmente, arranjos 
assim comprometem a percepção mais livre dos neles implicados acerca das 
experiências que vivenciam no próprio grupo, restringindo o espaço para pensar com 
liberdade. 
Na estrutura de vínculos que constitui a família confluem todas estas ordens de 
determinação, que se imbricarão de formas singulares: a ordem social - relativa às leis 
estabelecidas pela sociedade na qual a família está inserida, e que incluem um conjunto 
determinado de regras, costumes, proibições, direitos e deveres para cada um dos 
sujeitos implicados - e a ordem das configurações intra e interpsíquicas, também com 
suas leis próprias, resultantes do encontro entre os sujeitos, cada um com seu mundo 
interno próprio, que traz para o vínculo, onde se experimentam as vicissitudes das 
fantasias e desejos de cada um no interjogo com o outro. As determinações sociais e 
psíquicas condicionam-se e limitam-se, mas também oferecem umas às outras 
contornos e possibilidades de expressão. 
 
REFERÊNCIAS 
 
ADORNO T. & HORKHEIMER, M. (orgs.) (1956) Família. In: Temas básicos da 
sociologia. São Paulo: Cultrix, Edusp, 1973. 
BERQUÓ, E. Arranjos familiares no Brasil: uma visão demográfica. In: Schwartz, L. 
M. (org.) História da vida privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhia as Letras, 
1998, 1ª. Edição, pp. 411-436. 
CHAUI, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1ª. ed., 1980. 
FREUD, S. (1913) Totem e tabu. Edição standard das obraspsicológicas completas de 
S Freud. Tradução de O. C. Muniz. Rio de Janeiro: Imago, 1999. 
LASCH, C. Refúgio num mundo sem coração. A família: santuário ou instituição 
sitiada? Tradução de Ítalo Tronca e Lucia Szmrecsanyi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1991. 
LÉVI-STRAUSS, C. A família. In: O olhar distanciado. Lisboa: Edições 70, 1986. 
_______________ (1949) Estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes, 
2009. 
MORGAN, L. (1871) A família antiga. In: Canevacci, M. (org) A dialética da família. 
São Paulo: Brasiliense, 1981. 
10 
 
SÓFOCLES. Édipo-rei. Em Teatro grego: Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. 
São Paulo: Editora Cultrix, 1987. Seleção, introdução, notas e tradução do grego por 
Jaime Bruna, 3ª. Edição. 
www.ibge.gov.br (acesso em 30/11/2010).

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