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Politica cultural com as periferias

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A periferia está na moda. Atrai a 
atenção e os interesses de atores 
públicos e privados, em busca 
de explorar o que parece ser 
um novo Eldorado, território ainda 
desconhecido e cujas riquezas 
não conseguiram mensurar. Mas a 
periferia que se quer desejo e objeto 
de consumo é uma representação, 
entre tantas outras possíveis. Essa 
periferia é vista e representada como 
espaço da carência – estrutural, 
mas também política e cultural – que 
precisa das iniciativas “de fora” para 
ser salva e ter seu valor produzido, 
(re)conhecido, comercializado. 
Todavia, nessas periferias estão se 
organizando, se encontrando e se 
(re)conhecendo muitos atores que 
recusam a etiqueta de “carentes”, 
e que afirmam seu direito de se 
autorrepresentarem através da 
cultura, da arte e da ação coletiva.
Os ensaios e artigos reunidos na 
coletânea “Política Cultural com as 
Periferias: práticas e indagações de 
uma problemática contemporânea”, 
resultado do trabalho realizado no 
Curso de Extensão Periferias em 
Cena do Instituto Federal do Rio de 
Janeiro, descortinam essas outras 
periferias. Aqui o foco não é a 
carência, mas as expressões de luta, 
resistência, criatividade e ousadia 
quem marcam esses territórios. Nas 
periferias apresentadas aqui, a cultura 
é um recurso abundante, mas a 
cidadania ainda é um bem escasso. 
O Estado atua nas suas “margens” de 
forma arbitrária, hierarquizada e ilegal, 
transformando a exceção em regra 
e definindo de fora para dentro que 
cultura é legítima, e portanto passível 
de ser produzida e consumida, e o 
que deve ser rejeitado, através da 
criminalização. É o caso do Funk, 
objeto de diversos trabalhos aqui 
presentes. 
Mas a criminalização aparece 
também na roupagem de iniciativa 
de “prevenção ao crime” que é 
imputada a muitos projetos culturais, 
quando realizados nos territórios 
periféricos. 
Contudo, é sobre a dimensão de 
potência e resistência da cultura 
da periferia que se debruçam os 
ensaios: sobre o poder de falar 
sobre e pela periferia, sobre a 
possibilidade de produzir rupturas 
e escapes à cultura (política) 
hegemônica, sobre a inversão dos 
fluxos de intercâmbio cultural e 
político (não “de fora para dentro”, 
mas de dentro para o mundo), sobre 
a afirmação de identidades não 
mais vistas como marginais, mas 
ainda como marginalizadas. Diversas 
iniciativas, como o Instituto Favelarte 
do Morro da Providência, a APAFUNK, 
o Teatro da Laje de Vila Cruzeiro, a 
Rede Enraizados, são apresentadas 
e analisadas sob a perspectiva de 
quem produz arte e cultura nesses 
territórios, que reivindica sua voz, sua 
ação e sua (auto)representação. 
Assim, mostram que mesmo a 
militarização, que hoje domina e 
submete as periferias, não conseguirá 
impedir que os pobres, pretos e 
jovens moradores dos subúrbios, 
favelas e loteamentos transformem 
a arte e a cultura em uma ação 
coletiva com significados políticos 
radicais. 
Lia de Mattos Rocha
é Professora do 
Departamento 
de Ciências 
Sociais da 
Universidade 
do Estado do 
Rio de Janeiro
Aline Dantas 
Marisa S. Mello 
Pâmella Passos 
 (Orgs.) 
 
 
 
 
 
 
Política Cultural com as 
Periferias: Práticas e 
Indagações de uma 
Problemática Contemporânea 
 
 
 
 
 
1ª Edição 
 
 
 
 
 
Assis - SP 
Gráfica Storbem 
2013 
 
 Este trabalho está licenciado por Creative Commons - Atribuição 
Uso não Comercial 
 
 
STORBEM GRÁFICA E EDITORA 
Editoração - Impressão 
 
CAIO AMORIM 
Capa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha catalográfica elaborada por Cristiane da Cunha Teixeira 
Bibliotecária e Documentalista – CRB7 5592 
________________________________________________________________ 
 
P289 Política cultural com as periferias: práticas e indagações de uma 
problemática contemporânea / Pâmella Passos, Aline 
Dantas, Marisa S. Mello [organizadoras]. – Rio de Janeiro: 
IFRJ, 2013. 
 
55 f.: il. color. ; 21 cm. 
 
1. Periferias – Aspectos sociais. 2. Periferias – Aspectos 
políticos. 3. Política cultural. I. Passos, Pâmella. II. Dantas, 
Aline. III. Mello, Marisa S. IV. Instituto Federal do Rio de 
Janeiro. V. Título. 
 
IFRJ/CMAR/CoBib CDU 304.4 
________________________________________________________________ 
ÍNDICE 
 
Agradecimentos..................................................................................................5 
 
Apresentação.......................................................................................................7 
Aline Dantas, Marisa S. Mello e Pâmella Passos 
 
Cultura e Periferias – uma política (im)possível?........................................11 
Kátia Aguiar e Pâmella Passos 
 
Consumo Favela................................................................................................21 
Adriana Facina 
 
 “É tudo nosso”: disputas culturais em torno da construção da 
legitimidade discursiva como capital social e espacial das periferias do 
Rio de Janeiro.....................................................................................................45 
Ana Lucia Enne e Mariana Gomes 
 
O Funk Carioca e a Lei - problemas e recomendações................................61 
Luiz Fernando Moncau e Guilherme Pimentel 
 
Entre a política cultural e a política de segurança pública – um relato 
sobre ações culturais no Morro da Providência em tempos de paz 
midiática.............................................................................................................79 
Bruno Coutinho de Souza Oliveira e João Guerreiro 
 
Teatro da Laje....................................................................................................99 
Antonio Verissimo dos Santos Junior 
 
Jovens negros e negras na literatura brasileira sobre a pobreza..............113 
Marisa S. Mello e Victor Hugo A. Pereira 
 
Jovens, desigualdades e NTICs em contextos de mobilização social......137 
Julia Paiva Zanetti e Patrícia Lânes Araújo 
 
Análises periféricas em cena: da produção cultural industrial à produção 
de afectos alegres............................................................................................153 
Alessandra Lacaz, Félix Berzins e Williana Louzada 
 
[ 5 ] 
AGRADECEMOS 
 
À Direção do Campus Rio de Janeiro do IFRJ, que, 
compreendendo a importância do projeto Periferias em Cena, viabilizou, 
com recursos próprios, esta publicação. 
Aos autores dos capítulos, colaboradores que aceitaram o desafio 
de produzir de maneira intensa e popular sobre temáticas culturais 
contemporâneas. 
Aos alunos da turma do Periferias em cena de 2011, que continuam 
fortalecendo o projeto, através de suas iniciativas pessoais e coletivas. 
A equipe da Biblioteca Profº. Eurico de Oliveira Assis, situada no 
Campus Rio de Janeiro do IFRJ, pelo intenso apoio nas questões 
organizativas e estímulo a produção literária na Unidade de Ensino. 
Aos Grupos de Pesquisa em Tecnologias Educação e Cultura 
(GPTEC) e Observatório da Indústria Cultural (Oicult) pela possibilidade 
de diálogo e produção conjunta. 
A Revista Vírus Planetário pelo apoio em mais esta iniciativa. 
 
 
 
 
[ 6 ] 
[ 7 ] 
APRESENTAÇÃO 
 
A presente publicação, intitulada Política Cultural com as Periferias: 
práticas e indagações de uma problemática contemporânea, abrange textos 
sobre a cultura com e nas periferias, tanto como modo de vida, sob o 
ponto de vista político, quanto a partir de expressões artísticas. O livro 
pretende abordar o assunto sob três aspectos: reflexão sobre a cultura da 
periferia: desde as políticas públicas, financiamento, novas tecnologias, 
até o contexto onde acontece a incorporação desta; as manifestações 
artísticas, comoo teatro, a literatura e a música; e uma análise do 
seminário de avaliação do curso 'Periferias em cena.' 
Trata-se do segundo livro no contexto do projeto de formação de 
agentes culturais populares. O primeiro foi o produto final do 4o curso de 
extensão para agentes culturais populares, intitulado ‘Periferias em cena’. 
A obra, retrato das periferias cariocas, foi escrita pelos próprios alunos e 
membros da equipe que realizou o curso. O livro buscou dar visibilidade 
e registrar a diversidade e a perspectiva cultural dos espaços que 
historicamente foram vistos como carentes de cultura. 
O curso de agentes culturais populares nasceu de uma 
perspectiva que reúne critica ao elitismo na arte, na cultura e ao 
mercado,parte de uma visão da cultura como trabalho criativo, e 
percepção de que é preciso construir políticas culturais democráticas e 
voltadas às demandas populares. O `Periferias em cena´ é um projeto de 
extensão que visa reconhecer os saberes de agentes culturais populares, 
capacitando-os e qualificando-os no desenvolvimento de atividades 
culturais. Seus objetivos principais são construir a emancipação de 
produtores culturais populares a partir da socialização de saberes acerca 
da captação de recursos culturais; a criação de uma rede colaborativa das 
periferias, contribuindo para um resgate e fortalecimento da cultura 
popular; e a democratização no oferecimento e acesso à bens culturais na 
cidade do Rio de Janeiro, atuando à favor de uma descentralização destes 
instrumentos na região central e sul da cidade. 
Kátia Aguiar e Pâmella Passos propõem uma reflexão acerca das 
possibilidades e desafios na construção de uma Política Cultural 
Periférica tendo como mote de análise o gênero edital. Partindo de 
experiências com formação dos setores populares as autoras articulam 
[ 8 ] 
macro e micropolítica em suas análises para pensar os reais processos de 
democratização e/ou capturas e aprisionamentos. Compreendendo uma 
relação intrínseca entre uma política cultural que se almeja periférica e 
especificidades da economia cultural as autoras situam suas discussões 
no contexto da indústria cultural contemporânea e das estratégias de 
dominação do capitalismo global. 
Adriana Facina, idealizadora do curso, e professora do Museu 
Nacional/UFRJ, reflete sobre a expansão de fronteiras de todo tipo de 
consumo nas favelas, e ressalta como neste território se recriam novas 
formas de sobrevivência dos pobres. A favela como negócio, desta 
maneira, concorre com as históricas representações estigmatizadoras 
deste como lugar de carência e da violência armada. Para analisar as 
diferentes práticas de consumo Adriana trabalha com três categorias: 
consumo como território, a partir dos tours de favelas para turistas; 
intervenções culturais de grande porte por empresas ou produtores 
culturais de fora da favela; e favela que consome, sobre os novos hábitos 
de consumo dos moradores. A autora destaca os limites da associação 
entre consumo e cidadania e, ao mesmo tempo, a capacidade do 
consumo inverter fluxos culturais, principalmente o que se volta para 
novas tecnologias informacionais. 
Ana Lucia Enne e Mariana Gomes trazem como chave de 
discussão as relações entre o espaço físico e o espaço social, percebendo 
ambos como espaços de luta, tendo a cultura um papel fundamental de 
produção de sentidos nesse contexto. Posicionando a lupa sobre a 
dimensão discursiva de tais embates, as autoras levantam reflexões sobre 
autoridade e legitimidade para enunciar. Discutindo a cidade e suas 
formas de ocupação, apresentam a disputa constitutiva da lógica de 
distribuição dos espaços, e resgatam uma série de experiências de 
coletivos culturais periféricos, como a APAFUNK, para embasar suas 
análises. 
Luiz Fernando Moncau e Guilherme Pimentel debateram a 
regulamentação cada vez maior de eventos na cidade do Rio de Janeiro, 
destacando as dificuldades enfrentadas pelas manifestações culturais 
populares, especialmente o funk. Os autores relacionam o tratamento 
conferido ao funk pelo poder público como o resultado de uma história 
de estigmatização e preconceito, não apenas com o estilo musical, mas 
com os pobres e sua cultura em geral. A legislação, nos últimos anos, 
especialmente a Resolução 013 tem dado poderes excessivos às 
[ 9 ] 
autoridades, configurando muitas vezes práticas de censura, exigências 
desproporcionais para pequenos eventos, excessiva burocracia, que 
acabam por incentivar a obtenção de vantagens ilícitas por parte dos 
agentes públicos e incentivar a informalidade. 
João Guerreiro e Bruno Coutinho apresentam uma análise das 
políticas culturais, a partir de oficinas de fotografia desenvolvidas no 
Morro da Providência (zona portuária do Rio de Janeiro) pelo Instituto 
Favelarte. Buscam evidenciar e compreender o papel dos sujeitos que 
atuam em organizações culturais e suas indagações frente à política de 
segurança pública estatal. Para os autores, a intenção do Estado com a 
nova política de segurança, por meio da criação da UPP, é a 
transformação da cultura simbólica de áreas ocupadas através de novas 
narrativas e discursos sobre os espaços dessas comunidades. 
O autor Antonio Verissimo Junior nos convida a refletir sobre a 
experiência de jovens atuantes no Grupo Teatro da Lage, numa 
perspectiva para além da expressão estética, mas como prática cultural 
que possibilitou aos sujeitos compartilhar experiências e atribuir sentido 
ao seu próprio cotidiano e ao mundo. Aponta para uma ressignificação 
da linguagem teatral ao estabelecer um diálogo entre o cotidiano e as 
práticas da favela Vila Cruzeiro/RJ e os clássicos da dramaturgia de 
Shakespeare e Jorge Amado, com a montagem de Tieta, o ônibus que Jorge 
Amado nunca imaginou; Montéquios, Capuletos e nós. Através do relato do 
espetáculo produzido pelo grupo A viagem da Vila Cruzeiro à Canaã de 
Ipanema numa página de Facebook, o autor apresenta como a prática teatral 
colocou em cena a criatividade, o protagonismo e o caráter autoral dos 
jovens da favela, em conjunto com a comunidade na qual vivem, na 
construção de suas identidades. 
Victor Hugo Pereira e Marisa S. Mello abordam a representação 
de jovens negros/as pobres como protagonistas na literatura brasileira e 
a articulação desses destinos com propostas de transformação social e 
com a realidade em que vivem estes/as jovens. A via que escolheram 
para refletir sobre o assunto foi discutir comparativamente o modo com 
que esses personagens surgiram na cena literária brasileira nos anos 
1930, em textos de Jorge Amado e José Lins do Rego, e como são 
apresentados na atualidade em obras de ficção, em autores como 
Sacolinha, Conceição Evaristo e Férrez. A literatura ora aparece como 
possibilidade de transformação de destinos individuais, eora como 
[ 10 ] 
guardiã e difusora do testemunho comunitário; um dos caminhos 
possíveis para contar a história de um povo. 
Patrícia Lânes Araújo e Julia Zanetti buscam discutir o uso das 
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) entre jovens 
em situação de pobreza, oriundos de favelas e bairros populares da 
região metropolitana do Rio de Janeiro, a partir dos resultados da 
pesquisa Jovens Pobres e o uso das NTICs na criação de novas esferas 
públicas democráticas, realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises 
Sociais e Econômicas (Ibase) em parceria com o Centro de Pesquisas para 
o Desenvolvimento (IDRC)/Canadá. As autoras enfatizam as 
apropriações e usos que os jovens fazem das NTICs para mobilização 
social, melhoria de qualidade de vida e garantia de direitos. 
Alessandra Lacaz, Félix Berzins e Williana Louzada partem de 
uma Análise Institucional do projeto realizada no primeiro seminário de 
avaliação do curso 'Periferias em Cena'. Tal momento marcado pelo 
reencontro entre alunos, professores e gestores proporcionou a percepçãodo que os autores denominam de afectos alegres, possibilitando uma 
transversalização do campo de análise que levassem em conta aspectos 
macro e micropolíticos. Articulando os níveis local, nacional e global os 
autores refletem sobre o conceito de cultura para a partir de dispositivos 
de análise mapear as interferências desta formação (Projeto Periferias em 
Cena) em todos os sujeitos envolvidos. 
Gostaríamos de convidá-los/as à leitura e reflexão suscitada pelos 
debates aqui apresentados. 
 
Pâmella Passos, Aline Dantas e Marisa S. Mello 
Organizadoras do livro. 
 
 
 
[ 11 ] 
CULTURA E PERIFERIAS – UMA POLÍTICA 
(IM)POSSÍVEL? 
 
Katia Aguiar1 
Pâmella Passos2 
 
O caminhar de uma análise inscreve seus passos, 
regulares ou ziguezagueantes, em cima de um terreno 
habitado há muito tempo. 
Michel de Certeau 
 
Para dizer a que viemos 
 
Um terreno habitado há muito tempo! 
Essa pode ser uma das múltiplas definições para as periferias. Por 
isso, embora não somente, queremos iniciar este ensaio, dizendo de um 
encontro entre nós, autoras: aquele que fez convergir nossas inquietações 
profissionais, como professoras/pesquisadoras, desde diferentes campos 
de saber – a história e a psicologia – e que nos animou a tecer parcerias. 
Ainda que, a partir de nossos lugares de pertencimento, afirmemos 
apostas teórico-metodológicas nomeadas como dissidentes ou marginais 
e que façamos incursões por terrenos ainda considerados menos nobres 
no trabalho acadêmico, não estamos livres dos impasses colhidos como 
efeitos das relações hierarquizantes, ainda hegemônicas, estabelecidas 
entre o lugar social que ocupamos e a sociedade. 
Sendo assim, importa considerar que investimos numa política de 
pesquisa que se faz no exercício crítico e transgressivo de 
desnaturalização tanto dos objetos, quanto das relações implicadas na 
investigação. Uma atitude ético-política que em lugar de invalidar ou 
driblar as diferenças e as divergências, comumente isoladas numa zona 
de conflito a ser evitada, as reconhece e as recolhe como matéria de 
 
1Professora e pesquisadora do Departamento Psicologia e do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense, Pós-Doutorado 
em Psicologia Social (UERJ), membro do Laboratório de Subjetividade e Política 
- LaSP / UFF. 
2 Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRJ- 
Campus Rio de Janeiro), Doutora em História pela Universidade Federal 
Fluminense (UFF), coordenadora do Periferias em Cena e pesquisadora do 
Observatório da Indústria Cultural (Oicult) e do Grupo de Pesquisas em 
Tecnologia, Educação e Cultura (GPTEC) 
[ 12 ] 
ser entendidos como situações analisadoras, indicando a coexistência de 
variadas intencionalidades, afetividades e racionalidades no campo de 
trabalho/investigação. 
Nossa experiência se inscreve no contexto urbano do Rio de 
Janeiro onde, muitas vezes, as favelas ganham o sentido de periferias. 
Um território habitado há muito tempo, mas que é recorrentemente 
apresentado como local de falta ou de carência cultural – termo que 
costuma operar uma síntese das fragilidades em saúde, educação, 
habitação e, a reboque, sugerir como inadequados os hábitos e atitudes 
de seus moradores. Notamos que essa concepção, permeia os discursos 
mais conservadores e, por vezes, aparece mais ou menos intensificada 
naqueles que se nomeiam como progressistas, vislumbrando na presença 
do Estado a “salvação” desses territórios. Tal entendimento parece 
carregar as marcas dos percursos colonizadores e civilizatórios, nos quais 
as manifestações populares foram sistematicamente desqualificadas e 
silenciadas. 
Na última década, porém, temos observado uma inflexão nos 
discursos oficiais que passaram a atribuir valor às culturas populares não 
só ampliando a concepção do conceito, mas forjando declarações, 
plataformas e políticas de apoio e fomento a iniciativas nesse campo. 
Cabe ressaltar que não percebemos tal mudança como um real 
reconhecimento e valorização de modos de vida singulares, 
aproximando nosso entendimento daquela como uma modulação das 
políticas de prevenção das violências e da promoção da segurança 
mundial implementadas, por exemplo, pela UNESCO desde o pós-
guerra. Não podemos deixar de considerar que as estratégias de controle 
e de ajuste em tempos neoliberais, têm investido energicamente no 
direcionamento (econômico e mercadológico) da educação e da cultura – 
estímulo ao empreendedorismo e ativação de uma racionalidade 
assentada no gerenciamento produtivista (Havey, 2008). 
Por tudo isso e entendendo que hoje os trabalhadores sociais se 
movem num campo minado, onde as práticas ganham sentidos cada vez 
mais paradoxais, é que propomos habitar a encruzilhada entre as 
práticas que veiculam de forma acrítica as políticas de governo, 
nomeadas públicas, e as práticas de oposição àquelas, as que recusam a 
participação. Entre esses dois mundos, entre integrados e apocalípticos 
(Eco, 2006) é que extraímos algumas considerações que tencionamos 
trazer aqui. Tais considerações, de caráter introdutório, estão referidas a 
[ 13 ] 
diferentes atividades de pesquisa e de extensão3 realizadas por cada uma 
de nós, nos últimos dez anos, período no qual a ansiada consolidação 
democrática ganhou novos tensionamentos gerados pelo contraditório 
fenômeno da globalização da economia, cujas estratégias de ajuste se 
assentam na proliferação dos dispositivos de segurança e na 
criminalização de entidades e pessoas que escapam aos modos de vida 
consentidos. 
O que aproxima os diferentes processos nos quais estivemos 
envolvidas é, em primeiro lugar, o fato de se apresentarem como 
experimentações, encontrando no caráter processual e na dimensão 
inventiva das práticas, elementos a privilegiar. Em segundo lugar, nos 
aproxima o fato de desenvolvermos aquelas ações culturais em 
territórios nomeados pelos discursos oficiais como “vulneráveis”. Tal 
categorização tem sido o mote para a alocação de recursos 
governamentais, não governamentais e empresariais, através de projetos 
e de programas, que objetivam desde o apoio a iniciativas, já em curso, 
envolvendo entidades e/ou pessoas que moram no local, até o 
financiamento para implementação de tecnologias inovadoras, de caráter 
multiplicador, já validadas em territórios afins. 
De todo modo, o que tem nos chamado a atenção nesse tempo, 
nos convocando a assumir um tom de prudência em nossos percursos, é 
o caráter paradoxal desses investimentos: se o dinheiro circula, numa 
atribuição de valor a territórios e pessoas historicamente excluídos de 
benefícios, não tarda para que os mesmos sejam transmutados em capital 
social, inscritos em novas estatísticas e devolvidos às engrenagens da 
gestão (econômica) dos riscos. Operação de controle, contenção, 
encarceramento ao ar livre. Mudanças para nada mudar... 
Assim, para além da reivindicação de direitos sociais e de 
políticas públicas que favoreçam os setores populares, importa 
colocarmos nossa atenção no modo de elaboração e de implementação 
dessas políticas. Num tempo em que “tudo é perigoso”, cabe usar desta 
assertiva para nos deslocar de pretensas zonas de conforto que só num 
estado de ignorância podem ser tranquilizadoras. 
 
3 Katia Aguiar – Pesquisa-Intervenção: Subjetividade, Cultura e a Economia dos 
Setores Populares e o Curso de Extensão Viabilidade Econômica e Gestão 
Democrática de Empreendimentos Associativos Populares – promovidos pela 
Universidade Católica de Salvador e Capina- assessoria e apoio a projetos de 
inspiração alternativa. 
Pâmella Passos - Pesquisa de tese de doutoramento: Lan house na favela: cultura 
e práticas sociais em Acari e no Santa Marta e ProjetoPeriferias em Cena. 
[ 14 ] 
Entendendo que a construção de uma política cultural para a 
periferia está diretamente implicada numa economia cultural e, portanto, 
inscrita nas forças em luta que disputam concepções e projetos de 
desenvolvimento, é que trazemos à cena um instrumento que ganhou 
centralidade nas relações entre Estado, Sociedade e o mundo empresarial 
na última década, a saber: o Edital. 
 
Edital – entre o dicionário e o cotidiano das práticas 
 
Assumindo os riscos de não explorar todas as possibilidades do 
que aqui insinuamos como problema, é que nos aproximamos do Edital 
como figura incorporada às conversas e discussões entre pesquisadores, 
trabalhadores sociais e moradores das periferias, como condição nas 
relações de trabalho, já que é caminho de acesso a recursos financeiros, 
materiais e humanos. Queremos considerar como hipótese de trabalho 
que tal incorporação, quando naturalizada, pode impedir a observação e 
a análise tanto das condições de seu uso, quanto de seus efeitos – 
operação que cola ao edital um significado, apagando os múltiplos 
sentidos que com ele se efetuam. 
Numa consulta ao dicionário, Edital se define como: ato oficial 
contendo aviso, citação, determinação etc., que a autoridade competente ordena 
seja publicada em imprensa oficial ou não; forma de divulgação oficial, para 
conhecimento das próprias pessoas nele mencionadas, bem como às demais 
interessadas no assunto. Além disso, dependendo de seu objetivo, o Edital 
ganha diferentes denominações, referindo variados tipos de atividade, de 
áreas administrativas ou de públicos – concurso público, licitação, 
fomento à pesquisa ou a projetos socias, por exemplo. 
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Edital) 
Em artigo sobre uma pesquisa realizada no campo de estudos da 
linguagem (Santos e Nascimento, 2011), encontramos discussões que 
classificam o Edital como gênero linguístico. Os autores do referido 
artigo, utilizaram para a sua pesquisa documental três tipos de Edital, 
captados na rede mundial de computadores – concurso para provimento 
de cargos públicos, abertura de licitação e seleção para bolsa de estudo – 
para com eles compor o seu corpus de análise. Tal investigação, 
referenciada nos estudos dos gêneros discursivos, concluiu pela 
necessidade de maior elaboração do gênero Edital. Segundo os autores, 
os manuais normativos de elaboração, comumente utilizados por aqueles 
que redigem os textos, não contemplam as especificidades, as 
[ 15 ] 
necessidades e a complexidade requeridas por cada tipo de Edital. Em 
suas palavras, 
 
“(...) a literatura em relação às orientações para 
construção desse gênero ainda é precária e carece de 
critérios linguístico-discursivos mais consistentes. Isso 
é necessário pela própria função social desse gênero: 
sabemos que as instituições privadas e públicas 
mantêm, em grande parte, sua relação com a sociedade 
através do edital. ”(p.142). 
 
Os autores destacam, ainda, que essas dificuldades e 
inadequações na redação do texto, com “aplicações indevidas de 
termos”, favorecem problemas de interpretação, gerando muitos 
recursos (processos) aos órgãos responsáveis. 
Com isso, consideramos que o Edital embora tenha uma função 
normativa, não tem alcançado o seu intento na medida que a língua não 
é utilizada de forma adequada, “de maneira a atingir seu interlocutor e 
indicando como deve agir.” (p.142) Encontramos ressonância a essa 
observação em diálogos estabelecidos com um morador de Acari, dono 
de uma lan house local, quando tendo sido eliminado de uma seleção 
pública de projetos, comentava sua descrença nesses processos: 
 
Então, essas pessoas, eles sabem, porque muitos 
criadores de ONG, em sua grande maioria são 
políticos, são pessoas formadas, né, em determinada 
área, ou direito ou economia, entendeu? Agora tu traz 
projeto, bota um projeto desse e um cidadão ali, que 
mal terminou o segundo grau. Então como é que ele 
vai montar um projeto desse sozinho?(Passos, 2013, 
p.171) 
 
Mas a fala desse morador amplia a discussão para além da boa 
escritura e do mal entendido, trazendo com sua perplexidade a 
confirmação de uma operação já antiga no controle dos setores 
populares. É que ainda que mal redigidos, como observam os 
pesquisadores, e que declaradamente sejam endereçados aos habitantes 
das periferias, as exigências para a participação e concorrência, expõem 
outros direcionamentos e favorecimentos políticos, fazendo do Edital 
uma artimanha. 
Tendo participado de diferentes processos normatizados por 
[ 16 ] 
 Editais seja na posição de solicitantes, de concorrentes ou de 
avaliadoras, afirmamos a pertinência de colocar em discussão tal 
instrumento. Muitas vezes ouvimos que esse era o caminho mais 
transparente e democrático de acesso aos recursos públicos, uma vez que 
coloca “em pé de igualdade todos aqueles que se interessam ou 
necessitam do fomento”. Ledo engano! As condições nas quais os Editais 
são publicizados – prazos, exigências e contrapartidas, além do caráter 
hermético dos textos - expõem por si só seus comprometimentos 
políticos, indicando que as benesses de tais iniciativas, na maioria das 
vezes, já têm nome e endereço certos. 
 
Eu queria ter certeza só, eu entrei também assim, mais 
pra ter certeza, entendeu?(...) Porque as coisas que eles 
colocam ali pro teu projeto são coisas absurdas, 
absurdas que pro pessoal de comunidade fica difícil. 
(...) eles põem tanta dificuldade, porque quem 
realmente sabe, né, como criar um projeto desses, são 
as ONGs, né, que são praticamente uma empresa, ali é 
uma empresa, pra meter a mão no dinheiro público, 
né? (Passos, 2013,p.170) 
 
Mais uma vez, a avaliação do morador de Acari está em sintonia 
com algumas análises sobre as práticas das organizações não 
governamentais (ONGs) nas últimas décadas. Numa pesquisa publicada 
sobre o tema, Coutinho (2011) estuda as relações estabelecidas entre as 
ONGs, o Estado e as políticas de ajuste do Banco Mundial (BM) para a 
América Latina – o que inclui programas de capacitação nas áreas de 
saúde, educação e cultura, dentre outras. Evidencia que mesmo entre as 
entidades mais ‘progressistas’ e ‘radicais’, é difícil manter a autonomia 
do sentido de suas ações, uma vez que as mesmas recebem 
financiamento de organizações internacionais e de governos dos países 
do norte, claramente comprometidos com as pautas do BM. Assim, para 
além dos limites de sua autonomia, as ONGs assumiram pouco a pouco 
funções de consultoria, preparando documentos, estratégias e políticas 
operacionais, tornando-se “capaz de atender às exigências da 
reestruturação produtiva, amenizando os efeitos do desemprego em 
massa” (Coutinho, 2011, p.14). 
Isso posto, ainda que o Edital apareça hoje como um mal 
necessário, dadas as relações estabelecidas entre o Estado e Sociedade, 
cabe observar que ele é indicativo da hegemonia de políticas de governo, 
se constituindo como dispositivo de controle e modulação das práticas 
[ 17 ] 
sociais. Desse modo, embora evocando seu significado de documento 
que “deve conter características de impessoalidade, do uso do padrão 
culto de linguagem, da clareza, da concisão, da formalidade” (Santos e 
Nascimento, 2011, p.134), sua operacionalização faz proliferar outros 
sentidos que merecem ser observados. 
Ao apontar a função social das ONGs como “colchão 
amortecedor”, “administradoras de consenso” (Coutinho, 2011, p.130) ou 
como “ventrílogos da escassez” (Oliveira, 2002, p.61), cabe alertar para o 
efeito de traição das intenções frequentemente declaradas pelos seus 
gestores, qual seja: a (real) democratização de recursos e o fortalecimento 
de iniciativas de caráter popular. 
 
Política Cultural Periférica e Economia Cultural 
 
Pelo exposto, cabe interrogar: como viabilizar uma atividade 
culturalna periferia? 
É bem verdade que a despeito dos patrocinadores e editais elas 
acontecem: rodas de samba, saraus, atividades esportivas, festas 
populares, festivais, são realizados ora com apoio de comerciantes locais, 
numa estratégia informal de patrocínio, ora na base de “interas”, as 
famosas “vaquinhas” colaborativas entre os moradores. Em nossas 
experiências encontramos muitos desses moradores que, a despeito de 
“ganharem o pão” com outras atividades, esperam sedentos a 
oportunidade de, quem sabe, sobreviver do que gostam de fazer e que 
denominam de cultura periférica. 
A necessidade imperiosa de ter acesso a informações pertinentes à 
elaboração de projetos, prestação de contas ou mesmo aos temas com 
maior chance de financiamento, coloca em cena o antigo lema “quem tem 
fome tem pressa”, proferido por Betinho. Mas, como diz a música: “a 
gente não quer só comida, agente quer comida, diversão e arte”... Como 
então habitar esse conflituoso território? De que maneira é possível 
perceber as capturas e manutenções de uma política cultural hegemônica 
regida por editais, dialogar com ela e diferir, produzindo rupturas e 
escapes? 
Longe de oferecer soluções mágicas, fazemos aqui três destaques 
que nos servem de orientadores na construção de dispositivos de análise 
(reflexão e debates) nos coletivos de trabalho, nas periferias. 
1º. Colocar em discussão as condições de produção e de 
realização das atividades, avaliando as implicações da busca por 
[ 18 ] 
financiamento externo, como a possível perda de autonomia, 
cumprimento de prazos, etc.; 
2º. Dessacralizar da militância, promovendo discussões sobre os 
prós e contras, os possíveis impasses, e o cenário político e econômico no 
qual proliferam os editais de financiamento. Considerar esse cenário 
mais amplo pode contribuir para pensar outras posições políticas fora do 
embate entre “militantes puro-sangue” (aqueles resistentes, que não 
participam de editais) e os “vendidos” (aqueles que querem concorrer, 
sobreviver de sua arte e/ou produção cultural); 
3º. Conhecer as exigências e avaliar a adequação entre o que se 
quer fazer e o recurso disponibilizado, desfazendo ilusões quanto à 
estabilidade de vínculo e de remuneração. É recorrente a submissão de 
projetos populares com objetivos e metas muito além do que os recursos 
previstos podem garantir, levando ao excesso de trabalho mal 
remunerado; 
4º. Fazer a gestão coletiva das atividades, desde a formulação do 
projeto até a aplicação dos recursos, inscrevendo o projeto no contexto 
das relações econômicas vigentes. O projeto serve assim, como uma 
experimentação que favorece a compreensão dos limites e das 
possibilidades da posição de cada um numa economia cultural. 
Entendemos que não é possível fazer uma discussão sobre 
política cultural sem considerar sua economia, o que implica atenção à 
indústria cultural, sua estrutura e funcionamento, em especial, o seu 
modelo de ação. Aqui, o chamado oligopólio de franja parece dominar a 
cena fazendo coexistir um centro oligopolístico (majors) e uma franja 
concorrencial (independentes), operando o domínio da distribuição, da 
busca especulativa de talentos e modismos (efeito moda) e dos direitos 
sobre as obras por longo período de tempo (efeito reserva). Tolila (2007) 
aponta que esse modelo “permite explicar vários fenômenos observáveis 
no setor das indústrias culturais (...). Coloca também, diretamente, a 
questão da criação artística em seus novos aspectos questionando os 
modos de intervenção das políticas públicas” – como e quando intervir. 
Importantes considerações para pensar a relação entre cultura e 
periferia e interrogar: uma política (im)possível? 
 
 Referências Bibliográficas 
 
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[ 19 ] 
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Comunicação, 2009. 
________________ e ROCHA, Marisa Lopes da. Micropolítica e o 
exercício da pesquisa-intervenção: referenciais e dispositivos em análise. 
In Revista Psicologia Ciência e Profissão do CFP, n. 4, ano 27, 2007. 
CERTEAU, Michael de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. 
COUTINHO, Joana Aparecida. ONGS e Políticas neoliberais no Brasil. 
Florianópolis: Editora UFSC, 2011. 
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as ONGs da democratização? In HADDAD, Sérgio (org.) ONGs e 
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ABONG, Peirópolis, 2002. 
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consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006. 
PASSOS, Pâmella S. Lan house na favela: cultura e práticas sociais em Acari e 
no Santa Marta. Tese (Doutorado em História) – Universidade 
Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 
Departamento de História, 2013. 
SANTOS, Sandra Maria de Carvalho e NASCIMENTO, Erivaldo Pereira 
do. O gênero edital e suas características linguístico-discursivas: para 
além dos manuais de redação. InRevista do Secretariado Executivo. Passo 
Fundo, p. 133-143, n. 7, 2011. 
TOLILA, Paul. Cultura e Economia: problemas, hipóteses, pistas. São Paulo: 
Iluminúrias: Itaú Cultural, 2007. 
 
 Música 
 
Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Marcelo Fromer .Comida 
 
 
[ 20 ] 
 
[ 21 ] 
CONSUMO FAVELA 
 
Adriana Facina4 
 
Somos desiguais 
e queremos ser 
sempre desiguais. 
E queremos ser 
bonzinhos benévolos 
comedidamente 
sociologicamente 
mui bem comportados. 
(Trecho do poema Favelário, de Carlos Drummond de Andrade) 
 
O geógrafo Mike Davis, no livro Planeta Favela, diz que os 
favelados são pelo menos um terço da população urbana global. O 
impacto desse dado faz com que as projeções urbanísticas para um 
futuro próximo devam levar em consideração que 
 
(...) as cidades do futuro, em vez de feitas de vidro e 
aço, como fora previsto por gerações anteriores de 
urbanistas, serão construídas em grande parte de tijolo 
aparente, palha, plástico reciclado, blocos de cimento e 
restos de madeira. Em vez de cidades de luz 
arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do 
século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, 
excrementos e deterioração. (DAVIS, 2006: 28-9) 
 
Essa precariedade, no entanto, não inviabiliza o “esplendor”, no 
dizer de Vera Malaguti citando Foucault, necessário ao capitalismo 
vídeo-financeiro, que tem nas favelas uma de suas fronteiras mais 
promissoras para expansão de um ordenamento espetacularizado que 
combina consumo com controle social. Nas palavras da socióloga: 
 
Para ele [Foucault] esplendor seria a beleza visível da 
ordem e o brilho de uma força que se manifesta e que 
se irradia. Manter a ordem num campo de forças 
naquele território usado, desigual, múltiplo, 
controlando as populações. (MALAGUTI, 2011: 4) 
 
4 Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em 
Antropologia Social/Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro 
(2002), com pós-doutorado pela mesma instituição (2008-2009). É professora do 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Museu Nacional/UFRJ. 
Tem experiência nas áreas de Antropologia e História, com ênfase em 
Antropologia Urbana e História Cultural. 
[ 22 ] 
A ordem necessária ao esplendor é garantida pelaforça das 
armas, mas também pelo consenso construído a partir de subjetividades 
organizadas em torno do consumo. Sem querer demonizar o consumo, 
que inclui práticas muito heterogêneas, é fato que as demandas e 
necessidades geradas por essas práticas na sociedade contemporânea 
captura boa parte da vida e dos esforços de sobrevivência dos 
indivíduos, sobretudo os mais pobres. Podemos afirmar que a favela é 
hoje o centro desse processo, palco de ocupações armadas e cenário de 
uma expansão de fronteiras de todo tipo de consumo, em meio ao 
celebratório discurso das classes emergentes, nova face do capitalismo à 
brasileira. Assim, parte do Planeta Favela de que fala Davis, é o 
Consumo Favela, território de práticas diversas de financeirização da 
vida, mas também de recriação das formas de sobrevivência dos pobres. 
Em uma breve pesquisa no site de buscas Google a palavra favela 
descortina um mundo ligado ao diversos tipos de práticas de consumo. É 
fato: a favela está na moda. Concorrendo com as históricas 
representações estigmatizadoras da favela como lugar de carência e de 
violência armada, surge a imagem da favela como negócio, uma marca 
poderosa capaz de atrair investimentos públicos e privados para todo 
tipo de atividade econômica. Turismo, grandes lojas de varejo, pousadas 
para receber gringos, eventos culturais de grande porte, shoppings, 
festas e até mesmo um videogame online são parte desse cardápio à 
disposição de quem deseja consumir a favela. Há ainda uma recente e 
intensa valorização imobiliária, fenômeno que atinge sobretudo as áreas 
que receberam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), e também uma 
presença frequente da favela como cenário ou tema de diversas 
produções da indústria cultural, sejam os chamados favela movies, sejam 
as novelas televisivas. Tornada consumo, a favela serve inclusive para 
vender coisas que não têm diretamente a ver com ela, sendo utilizada 
como sinal de modernidade criativa e “descolada”. É o caso de bares e 
estabelecimentos no Brasil e no exterior que ostentam o nome Favela, 
bem como de marcas como a Favela Hype. De acordo com o site da loja 
roupas, criada em 2001: 
 
A marca propõe um lifestyle repleto de referências 
urbanas e passa pelos mais variados universos. 
Cachaça Samba Club, Pobre Star, Soul do Rio e Toda 
Nudez Será Castigada são algumas das coleções 
criadas pela estilista.5 
 
5 Retirado do site http://www.favelahype.com.br em 24/10/2013. 
[ 23 ] 
 
Sem deixar de portar um estigma que confere a seus habitantes 
uma identidade deteriorada, nos termos de Erving Goffman (1988), que 
transparece no uso do termo “favelado” como categoria de acusação, 
favela se torna também um signo que remete a significados outros. Para 
analisar essas ressignificações associadas a diferentes práticas de 
consumo, pretendo dividir estas em três categorias: 1. Consumo do 
território. Como exemplo desta categoria, tratarei os tours de favelas 
para turistas, em sua maioria, estrangeiros; 2. Intervenções culturais. 
Aqui está a realização de eventos de grande porte (shows, festas etc) por 
empresas ou produtores culturais de fora da favela, muitas vezes parte 
de um “pacote cultural” que acompanha a implementação de algumas 
UPPs; 3. Favela que consome. Enquanto nas categorias anteriores o foco 
está nos “de fora” consumindo a favela, aqui o olhar se volta para novos 
hábitos de consumo dos moradores e as iniciativas que buscam lucrar 
com esses hábitos. 
 
O consumo do território 
 
Território é um conceito em voga atualmente, sobretudo nos 
jargões das políticas culturais. Nos debates das Ciências Humanas, 
território aparece como algo mais do que um espaço delimitado por 
fronteiras físicas, tais como aquelas do Estado-Nação. Pierre Bourdieu 
chama atenção para a dimensão de poder presente na definição de 
qualquer território e para o aspecto simbólico que nos permite pensar o 
território como prática e não apenas como um espaço físico. Junto deste, 
haveria um espaço social marcado por distinções e hierarquizações 
demarcadas por relações de poder. (BOURDIEU 1989 e 1998) 
Assim, quando definimos a favela como um território, não 
estamos nos referindo somente ao espaço físico das diferentes favelas, 
mas também às construções simbólicas que informam as representações 
sobre elas, bem como às práticas culturais e experiências compartilhadas 
por seus moradores, por sua vez implicadas em processos de formação 
de identidades. 
O turismo em favelas organizado por agências situadas fora delas 
 e voltado prioritariamente para turistas estrangeiros opera na 
ambiguidade das representações existentes sobre os territórios favelados. 
O exotismo com que o passeio é apresentado o uso de jeeps como 
veículos para a condução dos “gringos” fazem com que a associação com 
os safáris nas savanas africanas seja frequentemente acionada pelos 
[ 24 ] 
moradores de favela. Michel Silva, jovem morador da Rocinha, ativista e 
comunicador popular, expressa essa ideia nos seguintes termos: 
 
Acho legal quando saem para conversar, alguns até se 
mudam para cá, porque a vida é dura, mas é boa. Só 
não curto os que ficam presos dentro dos jipes. Parece 
um safári.(apud ABREU E SILVA, 2013: 99) 
 
A mesma crítica pode ser vista no cartaz abaixo, retirado do blog 
O Cotidiano (http://www.ocotidiano.com.br), do fotógrafo Franscisco 
Valdean, morador da favela da Maré: 
 
 
 
 O exotismo tanto remete à violência e ao perigo, quanto a um 
conhecimento profundo sobre que seria a sociedade brasileira, como 
[ 25 ] 
está, em inglês, no site da empresa Favela Tour: “Se você quer entender o 
Brasil, não vá embora do Rio sem fazer o Favela Tour.”6 
Já no site da empresa Jeep Tour, podemos ler: 
 
Numa comunidade é natural que todos estampem um 
soriso (sic) no rosto, mesmo com as dificuldades do 
cotidiano. No tour pelas favelas, é possível obter um 
choque cultural tendo uma aula prática de 
antropologia, conhecendo um lugar com uma 
diversidade enorme quando o assunto é a 
sobrevivência. Explore esta sensação, numa passagem 
fantástica entre realidades e contrastes de várias 
comunidades inseridas no cenário carioca.7 
 
Em 2008, quando realizava trabalho de campo na Rocinha para 
minha pesquisa de pós-doutorado sobre o funk, vi diversas vezes os jeeps 
camuflados repletos de turistas estrangeiros, alguns realmente vestindo 
roupas e chapéus utilizadas em safáris, passeando pelas ruas da favela. 
Pude ver também as expressões faciais e ouvir os comentários dos 
moradores, sempre indignados com a cena. No livro Gringo na laje, 
Bianca Freire-Medeiros apresenta uma pesquisa sobre o turismo na 
Rocinha na qual demonstra que, ao lado de uma aceitação dessa 
atividade, existem tensões entre moradores e turistas, ou entre 
moradores e as agências de turismo. Segundo a pesquisa, realizada em 
2009, os moradores vêm no turismo não tanto uma possibilidade de 
ganho econômico, mas sim uma atividade estratégica para a reversão do 
estigma que pesa sobre a favela. Mas, ao mesmo tempo, se incomodam 
com as câmeras, a exotização e a falta de interação entre eles e os turistas. 
(FREIRE-MEDEIROS, 2009) 
 Essa atividade cresceu em várias favelas após o estabelecimento 
das UPPs, que criaram uma imagem das favelas pacificadas como 
lugares seguros aos visitantes de fora, em oposição às favelas não 
pacificadas, ainda tidas como “no-go areas”, termo que Les Back utiliza 
para falar da criminalização de uma região do sul de Londres habitada 
majoritariamente por negros e pobres. (LES BACK, 1996) De acordo com 
matéria publicada em O Globo em 21 de janeiro de 2013, baseada em 
 
6http://www.favelatour.com.br/ing/whatis.htm, capturado em 24 de outubro 
de 2013.7 http://www.jeeptour.com.br/index.php/2013-02-18-15-26-11/favelas, 
capturado em 24 de outubro de 2013. 
[ 26 ] 
pesquisa realizada em 2011 pela FGV, mais da metade dos turistas que 
chegam ao Rio de Janeiro quer conhecer as favelas, o “Brasil Real”, nos 
termos de um turista canadense entrevistado pelo jornal. Ao mesmo 
tempo, a mesma pesquisa revela que os turistas pouco consomem nesses 
locais e que têm receio de comer nas favelas, pois vêm o lixo e esgoto nas 
ruas com “nojo”. De acordo com o jornal, 
 
O baixo consumo na favela contradiz com a percepção 
geral declarada por 82,1% dos turistas brasileiros 
entrevistados no aeroporto, de que esse tipo de 
atividade traria benefícios sociais à comunidade. Entre 
os estrangeiros, esse percentual foi de 73,2%. 
Percentual similar de estrangeiros — 73% — declarou 
que as operadoras de turismo lucram com a miséria, 
ante 65,8% dos brasileiros. 
O estudo ouviu 900 pessoas que deixavam o Rio, 
sendo metade brasileiros e metade estrangeiros; 400 
estrangeiros que faziam o passeio no Dona Marta; e 25 
moradores, trabalhadores e policiais do morro, que 
falaram na condição de anonimato. 
O levantamento tratou também de outra questão 
polêmica: o comportamento de quem visita a favela. 
Para 70,2% dos estrangeiros ouvidos no aeroporto, os 
turistas se comportam como num "zoológico de 
pobre". O percentual de brasileiros que pensam assim 
é menor: 46,1%.8 
 
Desse modo, podemos perceber que nem sempre o turismo se 
apresenta como oportunidade econômica para os moradores de favelas, 
gerando inclusive tensões entre turistas e moradores. Ainda de acordo 
com O Globo, 
 
O levantamento no Dona Marta constatou que a 
relação entre moradores e turistas tem focos de tensão. 
Uma delas diz respeito à privacidade da população 
local, que reclama de visitantes que saem tirando fotos 
de tudo e todos, sem pedir licença. Houve inclusive 
moradores que expressaram temor com o destino das 
imagens, sobretudo de crianças, temendo a presença 
 
8 http://oglobo.globo.com/rio/mais-da-metade-dos-turistas-quer-conhecer-
favelas-do-rio-7349831, consultado em 24/10/2013. 
[ 27 ] 
de pedófilos entre os turistas estrangeiros.9 
 
 Atualmente desenvolvo pesquisa sobre produção cultural e 
práticas de letramento no Complexo do Alemão e no trabalho de campo 
sempre ouço falas que se referem à transformação daquele território em 
ponto turístico da cidade. Em matéria publicada na internet, o Governo 
do Estado celebra o fenômeno: 
 
Rio de Janeiro (RJ) – Os olhares curiosos, os cliques de 
câmeras fotográficas e os idiomas estrangeiros falados 
no vai e vem do teleférico do Morro do Alemão 
revelam que o turismo chegou ao local. De acordo com 
a Supervia Trens Urbanos, responsável pela 
administração do equipamento, 14 mil pessoas 
transitam diariamente pelos vagões suspensos da 
comunidade pacificada. Desse total, o turismo 
responde por 35,7% durante os dias úteis e 64,3% aos 
fins de semana. O quantitativo é superior ao registrado 
pelos vagões do Pão de Açúcar, conhecido como um 
dos principais pontos turísticos do estado.10 
 
Até a ocupação militar de dezembro de 2010, essa era uma área 
sempre representada nos meios de comunicação como violenta, 
decadente economicamente, perigosa e sem atrativos portanto. A 
despeito disso, alguns coletivos, como o Instituto Raízes em Movimento 
e o Verdejar já se dedicavam a uma atividade de dar a conhecer o 
território para pessoas de fora, um certo tipo de “turismo de 
vivência”como define Alan Brum, sociólogo morador da favela e 
fundador do Raízes. 
No atual contexto após implementação de UPPs e a inauguração 
do teleférico que foi construído como parte do PAC (Programa de 
Aceleração ao Crescimento), diversos grupos de dentro e de fora da 
favela começaram a organizar visitas turísticas. Em decorrência disso, 
surgiram conflitos sobre os usos turísticos daquele território. Como no 
Santa Marta, moradores reclamam da falta de privacidade trazida pelos 
turistas, com o agravante que o teleférico permite que se olhe e fotografe 
cenas ocorridas dentro de suas casas e nas suas lajes, estes locais onde se 
festeja, pega sol, toma banho de mangueira etc. Atividades estas 
 
9 Idem. 
10 http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20130121.html 
, capturada em 28/10/2013. 
[ 28 ] 
consideradas do âmbito familiar privado. Essa visita turística que se faz 
pelo passeio no teleférico, com parada apenas em suas estações e 
imediações delas, é denominado por grupos de moradores que 
organizam visitas ao Complexo como sendo “turismo pelo alto”. Para 
eles, esse tipo de passeio não permite ao visitante conhecer de fato a 
favela e estabelece com seus moradores uma relação de exotização e 
exploração econômica considerada perversa. Em contraposição, esses 
grupos organizam visitas por becos e vielas, o chamado “turismo por 
baixo”, visto como mais verdadeiro e comprometido com a população da 
favela. Um exemplo é o Rolê Afetivo, organizado pelo coletivo Ocupa 
Alemão, formado por jovens moradores. Outro exemplo é o Fotoclube 
Alemão, criado pelo fotógrafo Bruno Itan, e que mistura moradores e 
visitantes em passeios por dentro das favelas do Complexo produzindo 
fotos e discutindo a criação de um novo olhar sobre o território. 
Pude comprovar a desvinculação do “turismo pelo alto” com a 
vida na favela um dia em que fui a um evento que acontecia na última 
das estações do teleférico, a de Palmeiras. Era um sábado de sol e havia 
muitos turistas no teleférico e na estação. De repente, caiu um temporal 
muito forte e o teleférico fechou. Um grupo de uns dez turistas ficou 
apavorado, perguntando aflito na bilheteria se o teleférico voltaria a 
funcionar. Diante da negativa do funcionário, ficaram muito assustados 
em ter de descer o morro em que fica a estação e pegar um transporte 
alternativo (Kombi, mototáxi etc) para chegar ao “asfalto”. Fui 
caminhando junto com eles, pois tinha de ir a outro evento na Praça do 
Conhecimento, na favela Nova Brasília. Ouvi seus comentários que 
misturavam tensão, medo, revolta e uma imensa vontade de sair 
correndo daquele lugar o mais rápido possível. 
 Essas tensões em torno do consumo do território explicitam uma 
cidade em disputa, material e simbolicamente falando. Quais são as 
apropriações e as representações da cidade que os diversos tipos de 
turismo em favelas pode criar? O turismo que segrega favela e asfalto ou 
o turismo que integra e afirma “favela é cidade”?Ao consumo do 
território favelado como perversidade, se contrapõe um tipo de interação 
entre iguais no qual saberes sobre o território são trocado por novas 
imagens produzidas sobre ele, na contramão da estigmatização 
dominante. 
Assim como o turismo, a produção cultural também é um campo 
a ser explorado pelos agentes da comoditização da favela, reproduzindo 
desigualdades de diversos tipos que instituem as relações de poder em 
nossa sociedade. 
[ 29 ] 
Intervenções culturais 
 
 Boa parte do que se entende como cultura carioca, ou mesmo 
brasileira, são criações produzidas ou relacionadas às populações e aos 
modos de vida existentes em favelas e periferias. É o caso do samba, 
música e dança identificados como típicos do Rio de Janeiro. É também o 
caso do funk que ganhou o adjetivo de carioca como afirmação de sua 
especificidade territorial. Assim, parece haver um consenso em torno da 
favela como locus de produção de arte e de cultura. 
 No entanto, olhando com mais cuidado, vemos que não é bem 
assim. Um discurso frequentemente pronunciado por ONGs, 
representantes do Estado e pela mídia corporativa apresenta as favelas 
como lugar de carências. E a carência cultural é uma delas. 
No caso das ONGsvoltadas para o desenvolvimento de projetos 
culturais ou artísticos em favelas, observamos com frequência a 
associação entre a “necessidade da arte” e a prevenção, ou mesmo 
“recuperação”, da criminalidade entre os jovens habitantes desses 
territórios. A Cultura, com C maiúsculo, seria uma maneira de ampliar 
seus horizontes e retirar o poder simbólico dos criminosos enquanto 
referência identitária da comunidade. Por vezes, esta intenção é tão 
explícita que aparece já no nome da coisa, como é o caso da instituição 
“Dançando para não dançar”, que utiliza a gíria “dançar”, sinônimo de ir 
preso ou ser assassinado, em contraposição ao “dançando”, significando 
aprender balé clássico e fazer parte do projeto que hoje conta com 
diversos patrocínios e apoios, inclusive da Petrobrás. No site da 
instituição (www.dancandoparanaodancar.org.br), encontramos a 
seguinte descrição: 
 
Em 1998, foi fundada a Associação Dançando para não 
Dançar, em 10 de novembro, com o objetivo de 
ampliar o raio de atuação do projeto e dedicar-se mais 
à integração social de menores que vivem em situação 
de risco nas favelas da cidade. 
Além das aulas de balé clássico, passaram a ser 
ministradas aulas de dança contemporânea e de 
prática e teoria musicais. Passou-se a oferecer, 
também, suporte social-educativo com aulas de reforço 
escolar e de informática; atendimento médico, 
dentário, psicológico; apoios de assistente social e de 
fonoaudióloga, inclusive para os familiares diretos. 
 
[ 30 ] 
A Cultura que salva vem de fora e, mais do que elemento artístico 
ou de valor estético, importa a sua capacidade de integrar os “menores”, 
termo tipicamente criminalizante para designar jovens e crianças pobres, 
à sociedade. Entendida como algo universal, essa Cultura desconsidera 
as culturas dos espaços populares, ou aos toma como particularidades 
hierarquicamente inferiores. Apresentada como universal e 
politicamente neutra, tal concepção se encaixa perfeitamente na função 
de controle social dessa camada da população, contendo rebeldias e 
potencialidades pouco afeitas à ordem que resultam da experiência 
cotidiana da pobreza e da opressão. Nas palavras de Terry Eagleton, 
 
Não é, na verdade, apenas a cultura que está aqui em 
questão, mas uma seleção particular de valores 
culturais. Ser civilizado ou culto é ser abençoado com 
sentimentos refinados, paixões temperadas, maneiras 
agradáveis e uma mentalidade aberta. É portar-se 
razoável e moderadamente, com uma sensibilidade 
inata para o interesse dos outros, exercitar a 
autodisciplina e estar preparado para sacrificar os 
próprios interesses egoístas pelo bem do todo. Por 
mais esplêndidas que algumas dessas prescrições 
possam ser, certamente não são politicamente 
inocentes. Ao contrário, o indivíduo culto parece-se 
suspeitosamente com um liberal de tendências 
conservadoras. É como se os noticiaristas da BBC 
[poderíamos dizer TV GLOBO] fossem o paradigma 
da humanidade em geral. Esse indivíduo civilizado 
certamente não se parece com um revolucionário 
político, ainda que a revolução também faça parte da 
civilização. A palavra “razoável” significa aqui algo 
como “aberto à persuasão” ou “disposto a 
concessões”, como se toda convicção apaixonada fosse 
ipso facto irracional. A cultura está do lado do 
sentimento em vez do da paixão, o que quer dizer do 
lado das classes médias de boas maneiras em vez do 
das massas iradas. Dada a importância do equilíbrio, é 
difícil ver por que alguém não seria solicitado a 
contrabalançar uma objeção ao racismo com o seu 
oposto. Ser inequivocamente contrário ao racismo 
pareceria ser distintamente não pluralista. Já que a 
moderação é sempre uma virtude, um leve desagrado 
em relação à prostituição infantil pareceria mais 
apropriado do que uma oposição veemente a ela. E já 
[ 31 ] 
que a ação pareceria implicar um conjunto de escolhas 
razoavelmente definitivas, essa versão da cultura é, 
inevitavelmente, mais contemplativa do que engagé. 
(EAGLETON, 2005: 32-3) 
 
Esse “leve desagrado” pode ser traduzido no discurso crítico da 
“realidade social” feito de forma vaga, com o objetivo de não desagradar 
e afastar possíveis parceiros que possam viabilizar economicamente os 
projetos. É importante ainda, na corrida por investidores, apresentar a 
favela como território da ausência de Cultura. E a relação que se faz entre 
esta ausência e problemas sociais, notadamente a violência armada 
ligada ao crime, a favela torna-se valiosa para estratégias de captação de 
recursos públicos e privados para projetos culturais variados. 
 A chegada das UPPs potencializa isso e abre caminho não 
somente para mega ONGs que trabalham como braço do Estado, 
notadamente o Afroreggae, mas também para que a própria polícia 
militar possa fazer esse “trabalho cultural”, militarizando ainda mais os 
territórios ocupados.A UPP se apresenta, sobretudo, na mídia 
corporativa, como oportunidade de levar “cultura” como complemento à 
pacificação armada. São inúmeras as notícias de soldados da PM 
oferecendo aulas de música ou de modalidades esportivas. No site oficial 
do governo de Estado do Rio de Janeiro uma notícia dessas merece 
destaque: 
 
UPP Babilônia/Chapéu Mangueira oferece aulas de 
violão 
Por Julia de Brito - Assessoria de Comunicação do 
Palácio 
O amor pela música e pela farda fizeram com que o 
soldado da PM Fausto Oliveira Cunha aceitasse o 
convite para dar aulas de violão, no projeto Vozes e 
Acordes, nas comunidades do morro da Babilônia e 
Chapéu Mangueira. A oportunidade oferecida pelo 
comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), 
capitão Felipe Magalhães, que serve às duas 
comunidades, é considerada pelo PM uma realização 
pessoal que está levando crianças e adultos a conhecer 
a linguagem universal da música. 
- Este trabalho começou no fim de novembro do ano 
passado. Começamos no Chapéu Mangueira, mas 
agora houve um pedido para o Babilônia. Por dia, dou 
cinco aulas, nas terças e nas quintas. Sempre fui 
[ 32 ] 
músico e sou recém-formado na polícia. O capitão me 
perguntou se eu sabia ensinar, se já tinha dado aula de 
violão. Já trabalhei profissionalmente com música. 
Tenho um irmão mais velho que é músico. Tenho 
percebido um grande interesse dos alunos e acho que é 
um diferencial ter um policial passando este 
conhecimento para eles – ressalta. 
No armário do quarto, o violão encostado não possuía 
serventia até que Maria Lúcia Teodoro Pereira, de 42 
anos, recebeu a notícia de que a UPP Babilônia/ 
Chapéu Mangueira estava oferecendo aulas gratuitas 
de violão. Agora, depois de aprender os primeiros 
acordes, o sonho acalentado há tempos está sendo 
realizado: 
- Só agora consegui realizar este sonho. Tinha o violão, 
mas não sabia nada. O professor Cunha deixa a gente 
muito à vontade, ele cobra, mas é paciente. No 
começo, foi difícil aprender violão. Comecei a me 
dedicar mais em casa. Gosto de MPB. Estou 
aprendendo músicas da Ana Carolina – conta. 
Instalada com o objetivo de garantir mais segurança 
aos moradores das comunidades e desmobilizar o 
mercado do tráfico nos morros, a UPP Babilônia/ 
Chapéu Mangueira está cumprindo com o seu papel 
pacifista ao estabelecer uma nova interação dos 
membros da corporação lotados nestas comunidades 
com seus moradores. 
Para a moradora do morro da Babilônia, de 45 anos, 
Arlete dos Santos, a tranquilidade dos moradores, 
depois da instalação da UPP, não é conversa de 
governo. 
- Acho que a interação está muito boa e jogou por terra 
muitos mitos. A UPP está mudando a visão do policial 
para a comunidade. Está havendo uma aproximação 
do policial com os moradores e esta interação é 
positiva. Quando o policial chegava à comunidade era 
de forma agressiva, acho que isto está mudando – diz. 
As aulas de violão tiveram início na comunidade 
Chapéu Mangueira, mas ogrande número de pedidos 
fez com que o curso abrisse vagas para alunos do 
morro da Babilônia esta semana. As aulas acontecem 
[ 33 ] 
nos turnos da manhã e da tarde, sempre às terças e 
quintas-feiras.11 
 
 O “diferencial” de que fala o soldado professor de música, o 
violão da moradora que estava “sem serventia” e passa a tocar “MPB”, 
símbolo de distinção social, a cultura que tem “papel pacifista” ao 
integrar policiais e moradores são significados atribuídos a cultura 
entendida como dispositivo de controle social, de transmissão de valores 
hegemônicos e deslegitimação de práticas culturais próprias daquele 
território. O baile funk, por exemplo, seguia proibido. Todas as 
atividades culturais envolvendo festejos que aconteciam antes da UPP 
devem agora ser submetidas à anuência do comandante policial local.Em 
2012, participei de uma roda de funk organizada pela APAFUNK 
(Associação dos Profissionais e Amigos do Funk) no morro Chapéu 
Mangueira e as lideranças comunitárias responsáveis tiveram de ficar 
quase todo o tempo do evento, que ocorreu no final de tarde de um 
sábado, “desenrolando” com policiais para que eles não interrompessem 
a festa. Sendo que a UPP já havia sido comunicada com antecedência, 
fato que, em si, já demonstra o Estado de Exceção implementado nessas 
favelas. O mesmo ocorreu na Rocinha durante o sarau da APAFUNK em 
conjunto com a paulista Cooperifa. Apesar do horário de matinê, de 
haver um ambiente familiar com a presença de muitas crianças, do som 
estar numa altura dentro da lei, das comunidades estarem a favor da sua 
realização, ainda assim tivemos de aguentar a presença de policiais 
fortemente armados e nos olhando de forma intimidadora. 
 O principal parceiro institucional da “cultura pacificada”, com 
apoio não somente dos governos municipal e estadual, mas também de 
empresários de setores variados, inclusive o poderoso setor financeiro, e, 
sobretudo da mídia corporativa, em particular as Organizações Globo, é 
o Afroreggae. Segundo seus estatutos, disponíveis em 
http://www.afroreggae.org/wp-content/uploads/2013/01/Estatuto-
GAS.pdf e em http://www.afroreggae.org/wp-
content/uploads/2013/01/Estatuto-GCAR.pdf, o Afroreggae é 
Associação Civil para Fins não Econômicos e é também Associação 
Grupo Cultural Afroreggae. Em ambos fica clara a definição da entidade 
como não possuindo fins lucrativos e em seus relatórios financeiros, bem 
 
11 http://www.intranet.rj.gov.br/exibe_pagina.asp?id=8954, capturado em 
30/10/2013. 
[ 34 ] 
como em declarações dadas por José Júnior, coordenador da mesmo, a 
receita em 2012 girou em torno de 22 milhões de reais. 
O Afroeggae ganhou destaque ao denunciar os horrores da 
Chacina de Vigário Geral, impetrada por policiaisem 1993, trabalhando 
com cultura, sobretudo música, como maneira de superar o trauma 
sofrido pela população daquela favela. Hoje em dia, o Afroeggae se 
especializou em buscar oferecer alternativas de vida a criminosos, 
sobretudo os comerciantes varejistas de drogas mais famosos, gerentes 
importantes ou mesmo dono de morros, estejam eles presos ou em 
liberdade. Seu coordenador ganhou destaque midiático ao buscar 
negociar com os bandidos do Complexo do Alemão a sua rendição ou 
não reação à ocupação militar daquele território ocorrida no final de 
2010. Episódio nebuloso que possui várias versões. Para a mídia 
corporativa, José Júnior foi um herói destemido. Já para muitos 
moradores sua atuação foi, para dizer o mínimo, questionável. As 
intenções do Afroreggae, por meio das quais os apoios governamentais e 
de empresas como Santander e Natura são obtidos, podem ser resumidas 
em seu manifesto12: 
 
MANIFESTO AFROREGGAE 
Mundo degradado. 
Caos crescente. 
O planeta, uma grande favela. 
O homem continua desumano. 
Tudo parece, sob medida, 
para dar errado. 
Mas, há utopia. 
Loucos insistentes 
acreditam na transformação. 
Somos Afroreggae. 
Trocar o fuzil pelo berimbau. 
Derrubartodas as fronteiras 
com explosões 
de vitalidade e alegria. 
Das ruínas 
fazer nascer à liberdade 
e o orgulho de ser o que se é. 
SomosAfroreggae. 
 
12http://www.afroreggae.org/manifesto, capturado em 30/10/2013. 
[ 35 ] 
Lutar pelo lado certo da vida errada. 
Por uma vida sem lado. 
Vida inteira de pessoas inteiras. 
Porque ninguém precisa ser o que não é. 
Somos Afroreggae. 
Lutar, mesmo só, 
porque ninguém está sozinho. 
Conexões humanas, conexões urbanas. 
Se tinha tudo para dar errado, 
porque está dando certo? 
Somos Afroreggae. 
Salve a arte que nos salva. 
No meio da guerra, 
tráfico da liberdade e 
da militância cultural. 
Mudar a vida das pessoas 
para mudar as nossas também. 
Salve a arte que nos salva. 
Somos Afroreggae. 
Porque nenhum motivo explica a guerra. 
 
O fuzil trocado pelo berimbau, a arte que salva, a ideia de que há 
uma guerra em curso. Como parte de um de seus projetos mais famosos, 
o Conexões Urbanas, o Afroreggae leva shows para favelas, com uma 
grande estrutura, com o discurso de levar a qualidade dos shows “da 
Zona Sul”, ou “da orla” para as favelas cariocas. Em setembro de 2007, 
por exemplo, com patrocínio da TIM, o projeto promoveu um show de 
Marisa Monte no Complexo do Alemão. O evento, muito noticiado na 
imprensa na ocasião, ocorreu poucos meses após a Chacina do Pan, 
quando no mínimo 19 pessoas foram mortas por forças militares do 
Estado em um só dia. A atuação como braço do Estado fica clara na 
notícia da Folha de S. Paulo: 
 
No local do show havia várias faixas anunciando a 
presença do governador do Rio, Sérgio Cabral, que 
acabou sendo representado pelo vice-governador Luiz 
Fernando Pezão. Essa segunda etapa do Conexões 
Urbanas está associada às obras do PAC (Programa de 
Aceleração do Crescimento). Pezão anunciou um 
investimento de R$ 480 milhões para obras no 
complexo.
 José Junior, coordenador do Afroreggae, 
[ 36 ] 
disse que "é a primeira vez que o movimento tem 
relação de intimidade com o governo estadual".
 Nos 
últimos três dias a Força Nacional de Segurança 
passou a fazer o policiamento inclusive à noite, no 
lugar da Polícia Militar, para reduzir a tensão e 
permitir o show.13 
 
Com eventos garantidos manu militari, como também o foi o 
recente Desafio pela Paz, corrida de rua promovida pela instituição, a 
“cultura que salva” é um ótimo negócio para o Afroreggae, conferindo 
legitimidade perante governos e elites (econômicas e culturais), 
oferecendo pouco pão e muito circo para os moradores de favelas. 
Perante a essas conexões estreitas com o Estado e ao apoio empresarial, 
tornam-se invisíveis as iniciativas culturais locais e as especificidades do 
território. Quanto custam esses shows? Quem escolhe os artistas que se 
apresentam? Quantos moradores participam efetivamente da produção 
desses eventos? Qual o papel dos artistas e agentes culturais das favelas 
nos quais eles ocorrem? Quais os impactos duradouros de iniciativas 
como essas nas localidades? Em julho de 2013, após o incêndio numa das 
sedes do Afroreggae no Complexo do Alemão, mais um misterioso fato 
envolvendo a instituição, a Prefeitura do Rio de Janeiro destinou 3,5 
milhões para a mega ONG como resposta aos supostos ataques do 
comércio varejista de drogas. São cifras imensas na opinião dos grupos 
culturais que atuam no Complexo e que são invisibilizados pelo 
gigantismo da ONG cultural oficial, muitas delas lutando por fatias de 
verbas públicas conferidas em minguados editais. 
A atuação que apaga os grupos culturais locais foi algo comum 
nas intervenções do PAC, ao qual o Conexões Urbanas estava ligado. Um 
caso emblemático é o dos grafites que foram pintados no interior das 
estações do teleférico do Complexodo Alemão, realizados pelo Studio 
Kobra, do famoso grafiteiro de São Paulo. O Alemão possui artistas do 
grafite reconhecidos, como David Amen, uma referência naquele 
território. David jamais foi contactado, como artista do local, para pintar 
os painéis, que tratam da história e da realidade das favelas do 
Complexo. Ao mesmo tempo em que erguia seu monumento mais 
imponente, o PAC destruía uma das maiores galerias de grafite a céu 
aberto do Brasil, que ornava os muros da Avenida Central, no Morro do 
Alemão, com pinturas de artistas locais e de várias partes do mundo. 
 
13 Ver, por exemplo, http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/ 
fq0110200737.htm, visitado em 30/10/2013. 
[ 37 ] 
Essas intervenções sinalizam que a cultura como negócio tende a 
ser concentrada nas mãos de poucas instituições, capazes de tornar a 
favela consumível, já que ordenada e pacificada para caber nos gostos e 
tranquilizar os medos dos que com ela mais lucram, material ou 
simbolicamente falando. 
Mas, além de objeto de consumo, a favela consome, produzindo 
contradições tortuosas como seus becos e vielas, com muitos caminhos e 
possibilidades de reinvenção de desejos e práticas. 
 
A favela que consome 
 
Formada como complexidade, a favela sempre foi lugar de 
heterogeneidades e desigualdades. Segundo Licia Valladares, é um 
equívoco considerar a favela como lugar de pobreza, já que as 
desigualdades de renda e de níveis de consumo estão presentes em 
várias delas (VALLADARES, 2008). No entanto, recentemente, as favelas 
têm sido tomadas como exemplo da emergência econômica das classes C, 
D e E repetidamente afirmada em discursos governamentais desde a “era 
Lula”. No dia 30 de outubro de 2013, uma matéria veiculada pelo Jornal 
Nacional apresentou pesquisa realizada pelo instituto Data Popular, 
especializado em consumo popular e dirigido por Renato Meirelles, que 
afirmava que a classe média já formava a maioria dos moradores de 
favelas no Brasil. Em tom celebratório, os dados foram apresentados pelo 
diretor do Data Popular como sinal de que as favelas são um bom 
negócio, lugar bom de se investir. Na reportagem, o programa associava 
essa prosperidade, no Rio de Janeiro, à “chegada” das UPPs. Esta 
“chegada” levou à formalização de negócios e ao pagamento de contas 
de luz e outros encargos, vistos como fenômenos positivos, a despeito da 
fala do presidente da Associação de Moradores do Santa Marta 
afirmando que a tal prosperidade não era acompanhada de serviços 
essenciais, como saneamento básico. 
É significativo que de modo quase que simultâneo à instalação de 
UPPs, as favelas recebam agências bancárias, lojas de grandes redes de 
comércio varejista, empresas de TV a cabo procurando vender o serviço 
que antes era conseguido de modo gratuito com o gatonet. Serviços 
básicos historicamente obtidos “na marra” também são comoditizados, 
como luz elétrica, água e internet. Em diversas entrevistas e debates, o 
Repper Fiel, artista-ativista morador do Santa Marta, afirma que o efeito 
disso foi uma gentrificação da favela e uma “expulsão branca” dos 
moradores mais pobres. É preciso se estudar ainda o impacto da chegada 
[ 38 ] 
dessas grandes redes comerciais no pequeno comércio local, que não 
possuem recursos para competir com esses novos concorrentes. 
A ascensão do consumo na favela é noticiada por uma 
reportagem da revista Isto É em 21 de junho de 2013, significativamente 
intitulada Favela S/A. O personagem principal é Celso Athayde, 
fundador da CUFA (Central Única das Favelas) e apresentado como 
exemplo de empresário bem sucedido, capaz de transformar em cifras 
milionárias o ainda pouco explorado “Eldorado” das favelas: 
 
Favela S/A 
Conheça Celso Athayde, o empresário carioca que, 
com a parceria de potências como P&G, TIM e o 
Grupo Doimo, da Itália, está montando uma ampla 
teia de negócios para atuar exclusivamente nas favelas 
brasileiras. Sua meta é investir R$ 1,5 bilhão até 2017 
Por Rosenildo Gomes FERREIRA 
Enquanto dirige seu utilitário-esportivo Freemont, na 
cor preta, pelas vielas da Cidade de Deus, bairro 
carente da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o 
empresário Celso Athayde, 50 anos, dono da Favela 
Holding (FHolding), acena para conhecidos. Em 
diversas ocasiões ele é parado por gente em busca de 
ajuda para “dar um gás” em empreendimentos de 
pequena monta, como a roda de pagode que acontece 
no fim da tarde de domingo na quadra da Central 
Única das Favelas (Cufa). Seu extenso currículo como 
agitador cultural e ativista social o transformou em 
uma referência nas comunidades cariocas – jargão 
politicamente correto usado para designar os mais de 
mil morros e favelas do Rio de Janeiro. 
 Atuando nos bastidores, Athayde se tornou amigo de 
artistas renomados, empresários e políticos daqui e do 
Exterior. Considerado um Ph.D. em matéria de baixa 
renda e um dos maiores conhecedores das favelas, o 
empreendedor carioca é requisitado pelo Banco 
Mundial para proferir palestras em toda a América 
Latina. Agora, ele quer transformar esses atributos em 
negócios. Para isso, Athayde e seus sócios pretendem 
investir R$ 1,5 bilhão, até 2017, em dez 
empreendimentos que cobrem desde áreas de 
entretenimento até logística, passando pela fabricação 
de móveis, venda de passagens aéreas e distribuição 
de peças de motocicleta. A maior parte dessa 
[ 39 ] 
dinheirama irá para a construção de shopping centers. 
 
Detalhe: todos esses negócios, que serão replicados em 
outros Estados, terão a favela como base. “Resolvi me 
tornar empreendedor porque percebi que ninguém vai 
querer promover os talentos das comunidades”, diz 
Athayde. “Além disso, percebi que não se faz 
revolução para valer sem a ajuda do capital.” A 
ambição de Athayde, um ex-morador de rua, está 
calcada em pesquisas que mostram as favelas 
brasileiras como uma espécie de Eldorado, ainda 
pouquíssimo explorado. São 12 milhões de moradores 
que gastam nada menos que R$ 56 bilhões na compra 
de bens e na contratação de serviços a cada ano, de 
acordo com estudo das consultorias Data Popular e 
Data Favela. Esse montante é superior ao Produto 
Interno Bruto (PIB) de países como a Bolívia ou o 
Paraguai. 
 
Mais: o poder de consumo médio dessa fatia da 
população triplicou nos últimos dez anos. Por conta 
disso, 3,2 milhões de moradores de favelas passaram a 
ser classificados como integrantes da classe média. A 
aposta de Athayde é simples: cobrir a lacuna deixada 
pelas grandes empresas. Hoje, é possível contar nos 
dedos das mãos as ações destinadas a dominar uma 
fatia desse apetitoso bolo. As poucas iniciativas se 
resumem em tentar convencer esse consumidor a 
adquirir produtos específicos ou serviços que, muitas 
vezes, só estão disponíveis nos bairros mais 
sofisticados das metrópoles. Por essas razões, Athayde 
já costurou uma série de parcerias no asfalto, com 
empresas dispostas a subir o morro. 14 
 
Sócio de Renato Meirelles no Data Favela, projeto do Data 
Popular, o maior produtor de dados sobre consumo em favelas, Celso 
Athayde divulga dados que favorecem empreendedores com seu perfil, 
cuja legitimidade para comoditizar a favela vem de sua origem popular. 
“Se eu posso, todo favelado pode”, parece querer dizer com seu 
“exemplo”. No entanto, a população favelada aparece de modo 
 
14 http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/122091_FAVELA+SA, capturado 
em 30/10/2013. 
[ 40 ] 
subalternizado em seus projetos, como clientela a ser explorada 
duplamente, como força de trabalho e como consumidores. 
Ainda que a força do consumo na favela seja um fato, em meu 
trabalho de campo no Complexo do Alemão tenho ouvido diversas 
críticas a essas iniciativas, entendidas, mesmo no caso de

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