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janice raymond - the transsexual empire auto definição pt br trecho

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AUTO-DEFINIÇÃO 
 
Este é um trecho do livro “The Transsexual Empire”, de Janice Raymond, publicado 
em 1979. Apesar de ainda não usar os termos da moda (“trans*” e “transgênero”) o 
texto é ainda muito atual e merece ser lido com atenção. 
 
 
Uma das questões mais constrangedoras que transsexuais, e, em particular, “feministas 
lésbicas” transsexualmente construídas, fazem é a questão da auto-definição — o que é 
ser mulher, o que é ser feminista lésbica? Mas, é claro, eles colocam a questão em seus 
próprios termos, e nós é que temos que respondê-la. Os homens sempre fizeram estas 
grandes questões, e esta questão, no verdadeiro sentido fálico, é imposta a nós. Quantas 
estudantes mulheres escrevendo sobre um tema feminista fraco como “As Mulheres 
Deveriam Ser Motoristas de Caminhão, Engenheiras ou Operadoras de Escavadeiras?” e 
coisa do tipo têm escrito nas margens de seu trabalho um rabisco de um professor 
homem: “Mas quais as reais diferencas entre homens e mulheres?” 
Os homens, claro, têm definido as supostas diferenças que vêm mantendo as mulheres 
longe de tais trabalhos e profissões, e as feministas têm gasto muita energia 
demonstrando como estas diferenças, se realmente existem, são primeiramente o 
resultado da socialização. Contudo, há diferenças, e algumas feministas se deram conta 
que essas diferenças são importantes pois brotam da socialização, da biologia, ou de 
toda a nossa história como mulher existindo em uma sociedade patriarcal. O ponto é, 
entretanto, que a origem dessas diferenças provavelmente não é a questão importante, e 
provavelmente nunca saberemos a resposta completa a ela. Ainda assim somos 
obrigadas a tentar respondê-la de novo e de novo [1]. 
Transsexuais, e “feministas lésbicas” transsexualmente construídas, nos obrigam 
novamente a responder estas questões antigas reelaborando-as de um jeito novo. E 
assim feministas debatem e se dividem porque continuamos focando nas questões do 
patriarcado sobre o que é ser mulher e o que é ser uma feminista lésbica. 
É importante que nós percebamos que estas podem muito bem ser “não-questões” e que 
a única resposta que podemos dar a elas é quenós sabemos quem somos. Nós sabemos 
que somos mulheres que nasceram com cromossomos e anatomia feminina, e que sendo 
ou não socializadas para sermos a chamada “mulher normal”, o patriacado tem nos 
tratado e vai nos tratar como mulheres. Transsexuais não têm tido esta mesma história. 
Nenhum homem pode ter essa história de vida de ter nascido e ter sido situado nessa 
cultura como uma mulher. Ele pode sim ter tido em sua história a vontade de ser uma 
mulher ou de agir como uma mulher, mas essa experiência de gênero é a de um 
transsexual, não a de uma mulher. Cirurgias podem dar os órgãos femininos internos e 
externos artificiais, mas não podem lhe conceder a história de ter nascido uma mulher 
nesta sociedade. 
Mas e as pessoas que nasceram com órgãos sexuais ambíguos ou com anomalias 
cromossômicas que os põem na situação de serem biologicamente interssexuais? É 
preciso notar que praticamente todos eles são alterados cirurgicamente para se tornarem 
machos ou fêmeas anatomicamente e são criados de acordo com a identidade e o papel 
de gênero social que acompanha seus corpos. Pessoas cuja ambiguidade sexual é 
descoberta mais tarde são alteradas conforme têm sido seu gênero de criação (masculino 
ou feminino) até aquele momento. Então, aqueles que foram alterados logo depois do 
nascimento têm a história de praticamente terem nascido como homens ou mulheres, e 
aqueles alterados tardiamente têm seu corpo cirurgicamente conformado à sua história. 
Quando e se submetem às mudanças cirúrgicas, eles não se transformam no sexo oposto 
depois de uma longa história atuando e sendo tratados de forma diferente. 
Ainda que a literatura popular a respeito do transsexualismo dê a entender que a 
Natureza tenha cometido erros em relação aos transsexuais, na realidade é a sociedade 
que cometeu erros, produzindo condições que criam a divisão transsexual entre 
corpo/mente. 
Enquanto as pessoas interssexo nascem com anomalias cromossômicas ou hormonais, 
as quais podem ser relacionadas a certas disfunções biológicas, o transsexualismo não é 
um problema desta ordem. A linguagem da “Natureza comete erros” só serve para 
confundir e distorcer o assunto, tirando o foco do sistema social, que é ativamente 
opressivo. Essa linguagem é bem sucedida em culpar uma “Natureza” amorfa que é 
feita para parecer opressiva e é convenientemente passível de dirigir 
controle/manipulação através de instrumentos como hormônios e cirurgias. 
Ao falar da importância da história para a auto-definição, duas questões devem ser 
feitas. Uma pessoa deve querer mudar sua história pessoal e social e, em caso 
positivo, como essa pessoa deve mudar essa história de forma mais honesta e integral 
possível? Em resposta à primeira questão, qualquer um que tenha vivido em uma 
sociedade patriarcal precisa mudar sua história pessoal e social a fim de ter um caráter 
próprio. Devemos ser agentes de mudança de nossa própria história. Mulheres que são 
feministas obviamente querem mudar partes de sua história enquanto mulheres nesta 
sociedade; alguns homens que estão honestamente lidando com questões feministas 
querem mudar suas histórias enquanto homens; e transsexuais desejam mudar suas 
histórias ao quereremser mulheres. Ao sublinhar a importância da história enquanto 
fêmeas para a auto-definição do sexo feminino, não estou defendendo uma visão 
estática desta história. 
O que é mais importante, no entanto, é como alguém muda sua história pessoal da forma 
mais honesta e integral possível se essa pessoa quer romper com a opressão dos papéis 
sexuais. Homens não-transsexuais que desejam lutar contra o sexismo devem assumir 
uma identidade de mulher e/ou de feminista lésbica enquanto mantém sua anatomia 
masculina intacta? Por que homens castrados deveriam tomar para si estas identidades e 
serem aplaudidos ao fazerem isso? Em que medida negros devem aceitar brancos que 
passaram por mudanças medicalizadas de cor de pele e, no processo, afirmaram que não 
apenas têm corpo de negro, mas alma de negro? 
Um transsexual pode se auto-definir como “feminista lésbica” só porque ele quer, ou 
esta auto-definição em particular procede de certas condições próprias da biologia e da 
história do sexo feminino? As mulheres adotam estas auto-definições de feministas e/ou 
de lésbicas porque esta definição realmente procede não apenas do fato de ter nascido 
com cromossomos XX, mas também de toda uma história do que ter nascido com estes 
cromossomos significa nesta sociedade. 
Os transsexuais seriam mais honestos se lidassem com sua forma específica de agonia 
de gênero que os inclina a quererem uma operação transsexualizante. Essa agonia de 
gênero provêm do fato de ter nascido com cromossomos XY e querer ter nascido XX, e 
da história de vida particular que produz este tipo de aflição. O lugar para lidar com este 
problema, no entanto, não é na comunidade de mulheres. O lugar para confrontar e 
resolver isto é entre os próprios transsexuais. 
As pessoas devem poder fazer escolhas em relação a quem querem ser. Mas devem 
poder fazer qualquer tipo de escolha? 
Uma pessoa branca deve tentar se tornar negra, por exemplo? Essa é uma questão 
moral, que trata basicamente da validade de tal escolha, não da possibilidade dela ser 
feita. 
Uma pessoa deve poder fazer escolhas que camuflam para os outros certas facetas de 
nossa existência que os outros têm direito de saber — escolhas que se alimentam das 
energias dos outros, e reforçam a opressão? 
Jill Johnston comenta que “muitas mulheres estão dedicadas a trabalhar pelo ‘homem 
reconstruído'” [2]. Isso normalmente significa mulheres gentil ou fortemente 
estimulando seus homens a comportamentos e ações andróginas. 
Mulheres que aceitam estas “feministaslésbicas” transexualmente construídas dizem 
que estes homens são realmente “reconstruídos” no mais básico sentido que as mulheres 
podem esperar — isto é, eles pagaram com suas bolas para lutar contra o sexismo. Em 
última análise, porém, o “homem reconstruído” se torna a “mulher reconstruída” que 
obviamente se considera um igual e uma semelhante às mulheres genéticas em termos 
de “mulheridade”. Um transsexual expressou abertamente que ele sentia que homens 
transsexuais cirurgicamente construídos como mulheresultrapassaram as mulheres 
genéticas. 
Mulheres genéticas não podem possuir esta coragem muito especial, 
brilho, sensibilidade e compaixão — e visão geral — derivada da 
experiência transsexual. Livre das amarras da menstruação e da 
maternidade, mulheres transsexuais são obviamente muito superiores às 
genéticas em muitos sentidos. 
Mulheres genéticas estão se tornando obsoletas, o que é óbvio, e o 
futuro pertence às mulheres transsexuais. Nós sabemos disso, e talvez 
algumas de vocês suspeitem disso. Tudo o que vocês têm é sua 
“habilidade” de ter filhos, e num mundo onde haverá 6 bilhões 
chorando por comida no ano 2000, essa é uma qualidade negativa. [3] 
Em última análise, as mulheres devem se perguntar se “feministas lésbicas” 
transsexualmente construídas são nossas semelhantes. Eles são iguais a nós? Questões 
sobre igualdade geralmente se centram em igualdade proporcional, como “salário igual 
para trabalho igual”, ou “direitos iguais de saúde”. Não me refiro a igualdade nesse 
sentido. Em vez disso, uso o termo igualdade para dizer: “como em qualidade, natureza 
ou status” e “capaz de satisfazer as exigências de uma dada situação ou de uma dada 
tarefa”. Nestes sentidos, transsexuais não são iguais a mulheres e não são nossas 
semelhantes. Eles não são nem iguais às mulheres nem nossos semelhantes. Eles não 
são iguais nem em “qualidade, natureza ou status” nem são “capazes de satisfazer as 
exigências de uma situação” de mulheres que passaram sua vida toda vivendo como 
mulheres. 
Jill Johnson escreveu sobre feministas lésbicas: “A essência da nova definição política é 
o agrupamento de semelhantes. Mulheres e homens não são semelhantes e muitas 
pessoas duvidam seriamente se já fomos ou se algum dia poderemos ser” [4]. 
Transsexuais não são nossos semelhantes em virtude de suas histórias. 
É talvez nossa desconfiança do homem como agressor biológico que 
continua nos trazendo de volta à necessidade política do poder pelo 
agrupamento de semelhantes. Apesar de ainda estarmos virtualmente 
impotentes, é só por constantemente aderirmos a este difícil princípio de 
poder inerente em semelhantes naturais (os homens afinal têm 
demonstrado bem o sucesso deste princípio) que as mulheres vão 
eventualmente atingir uma existência autônoma [5]. 
Os transsexuais não demonstram o tipo comum de agressão fálica. Em vez disso, eles 
violam os espaços das mulheres tomando para si os órgãos femininos artificiais. A 
“feminista lésbica” transsexualmente construída se torna um agressor psicológico e 
social da mesma forma. 
“Feministas lésbicas” transsexualmente construídas desafiam as mulheres a preservar 
uma existência autônoma. Sua existência dentro das comunidades de mulheres 
basicamente atesta a ética que diz que mulheres são incapazes de viverem sem homens 
— ou sem o “homem reconstruído”. A forma que as feministas acessam e encaram esse 
desafio afetará o futuro de nosso movimento genuíno, nossa auto-definição e nosso 
poder de existência. 
No final das contas, “feministas lésbicas” transsexualmente construídas seguem a 
mesma tradição das “lésbicas” construídas pelos homens nos pôsteres centrais 
da Playboy. De vez enquando, aPlayboy e outras revistas semelhantes apresentam uma 
“Safo pictórica” [6]. Recentemente, os homens fotógrafos entraram no mercado 
editorial retratando pseudolésbicas em todos os tipos de posições, vestimentas e 
contextos que só poderiam ser fantasiados pela mente de um homem [7]. Em resumo, a 
maneira como as mulheres são retratadas nessas fotografias imitam as poses de homens 
manipulando mulheres. Os homens produzem o amor entre “lésbicas” da forma como 
querem que seja e de acordo com os seus próprios cânones de como eles acham que 
deveria ser. 
“Feministas lésbicas” transsexualmente construídas fazem parte dessa tradição de 
propaganda pseudolésbica. Ambas a pseudolésbica da Playboy e a pseudolésbica 
transsexual espalham a imagem “correta” (leia-se, “definida pelos homens”) da lésbica, 
que é filtrada para a consciência do público através da mídia como sendo verdadeira. 
Mutilando a verdadeira auto-definição de lésbica, os homens moldam sua 
imagem/realidade de acordo com a sua própria. Como Lisa Buck comentou, o 
transsexualismo é o verdadeiro “o Verbo se fez carne!” [8]. 
“Feministas lésbicas” transsexualmente construídas tentam funcionar como criadores da 
imagem das feministas lésbicas — não apenas para o público em geral, mas também 
para a comunidade das mulheres. Seus disfarces de lésbicas são filtrados na consciência 
das mulheres através da mídia feminista como sendo “a coisa real”. A tragédia final de 
tal paródia é que a realidade e a auto-definição de feministas lésbicas se torna mutilada 
nas próprias mulheres. Feministas lésbicas que aceitam “feministas lésbicas” 
socialmente construídas como seus outros eus estão mutilando sua própria realidade. 
As várias “raças” de mulheres que a ciência médica consegue criar são infinitas. Há 
mulheres que estão hormonalmente dependentes em doses contínuas de terapias de 
reposição de estrogênio. Tais terapias supostamente irão garantir à elas uma nova vida 
de feminilidade eterna [9]. Há mulheres histerectomizadas, purificadas de seus órgãos 
“potencialmente letais” por motivos “profiláticos” [10]. Finalmente, há a “she-male” — 
o homem transsexual cirurgicamente construído como mulher. E o desdobramento dessa 
“raça” é a “feminista lésbica” transsexualmente construída. 
Todos estes eventos apontam para o papel particularmente instrumental que a medicina 
tem desempenhado no controle das mulheres desviantes. O “Império Transsexual” é um 
última análise um império médico, baseado no modelo médico patriarcal. Este modelo 
médico forneceu um “dossel sagrado” de legitimações para o tratamento e a cirurgia 
transsexualizante. Em nome da terapia, este modelo medicalizou questões morais e 
éticas da opressão dos papéis sexuais, apagando assim seu significado mais profundo. 
 
[1] Um paralelo com a questão do aborto, que pode ser notado neste contexto. A questão-chave, 
perguntada pelos homens há séculos, é “quando a vida começa?” Esta questão é feita pelos homens em 
seus termos e em seus territórios, e é essencialmente irrespondível. As mulheres têm se torturado tentando 
respondê-la e, dessa forma, não fazemos e nem mesmo desenvolvemos nossas próprias questões sobre o 
assunto. 
[2] Jill Johnson, Lesbian Nation: The Feminist Solution (Nova York: Simon & Schuster, 1973), p. 180. 
[3] Angela Douglas, Letter, Sister, Agosto-Setembro de 1977, p. 7. 
[4] Johnston, Lesbian Nation, p. 178. 
[5] Ibid., p. 279. 
[6] Vide, por exemplo, o portifólio do fotógrafo J. Frederick Smith, “com deslumbrantes retratos 
inspirados por poemas da Grécia Antiga sobre o amor entre mulheres”, na Playboy de outubro de 1975, 
pp. 126-35. 
[7] Um fotógrafo que é particularmente obcecado por “capturar” mulheres em poses pseudolésbicas é 
David Hamilton. Ele é o criador dos seguintes livros de fotografia: Dreams of a Young Girl, texto de 
Alain Robbe-Grillet (Nova York: William Morrow and Co., 1971). Sisters, texto de Alain Robbe-Grillet 
(Nova York: William Morrow and Co., 1971). Este livro tem uma seção pictórica ultrajante entitulada 
“Charms of the Harem” [Charmes do Harém]. Hamilton’s Movies — Bilitis (Zug, Suíça: Swan 
Productions AG, 1977). 
[8] Lisa Buck(notas não publicadas a respeito do transsexualismo, outubro de 1977), p. 3. 
[9] Um exemplo deste tipo de literatura é o livro Feminine Forever, de Robert Wilson (Nova York: M. 
Evans, 1966). Esse livro vendeu 100.000 cópias em seu primeiro ano, e foi citado na Look e na Vogue. 
[10] Vide Deborah Lamed, “The Greening of the Womb”, New Times, 12 de dezembro de 1974. pp. 35-
39

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