Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Vegetação e flora da Caatinga Nordestina No Brasil, não existem desertos, mas sim uma região semiárida, com características e espécies únicas. A Caatinga é o único bioma restrito ao território brasileiro, ocupando basicamente a Região Nordeste, com algumas áreas no Estado de Minas Gerais. A vegetação da Caatinga não apresenta a exuberância verde das florestas tropicais úmidas e o aspecto seco das fisionomias dominadas por cactos e arbustos sugere uma baixa diversificação da fauna e flora. Para desvendar sua riqueza, é necessário um olhar mais atento, mais aberto. Assim ela revela sua grande biodiversidade, sua relevância biológica e sua beleza peculiar. As caatingas podem ser caracterizadas como florestas arbóreas ou arbustivas, compreendendo principalmente árvores e arbustos baixos muitos dos quais apresentam espinhos, microfilia e algumas características xerofíticas. Algumas das espécies lenhosas mais típicas da vegetação das Caatingas são: Amburana cearensis (Fr. All.) A.C. Smith, (“imburana de cheiro”, Fabaceae – Papilionoideae), Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan var. cebil (Griseb.) Altschul (“angico”, Fabaceae – Mimosoideae), Aspidosperma pyrifolium Mart. (“pau-pereiro”, Apocynaceae), Caesalpinia pyramidalis Tul. (“catingueira”, FabaceaeCaesalpinioideae), Cnidoscolus phyllacanthus (Müll. Arg.) Pax & Hoffm. (“faveleira”, Euphorbiaceae), (Mart.) Gillet (“imburana”, Burseraceae, também conhecida como Bursera leptophloeos Mart.), várias espécies de Croton (“marmeleiros”e “velames”, Euphorbiaceae) e de Mimosa (“calumbíes” e “juremas”, Fabaceae-Mimosoideae), Myracrodruon urundeuva Fr. All., (“aroeira”, Anacardiaceae), Schinopsis brasiliensis Engler (“baraúna”, Anacardiaceae), e Tabebuia impetiginosa (Mart. ex A. DC.) Standley (“pau d’arco roxo”, Bignoniaceae). A suculência é principalmente observada em Cactaceae e Bromeliaceae, enquanto que as lianas são muito escassas (Araújo & Martins 1999). Algumas espécies perenifolias também ocorrem (Kirmse et al. 1983): Ziziphus joazeiro Mart. (“juazeiro”, Rhamnaceae), Capparis yco Mart. (“icó”, Capparaceae), Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore [“carnaúba”, Arecaceae, uma espécie também conhecida pelo seu sinônimo C. cerifera (Arr. Cam.) Mart. (Henderson et al. 1995)], Maytenus rigida Mart. (“pau-de-colher” ou “bom-nome”, Celastraceae), Licania rigida Benth. (“oiticica”, Chrysobalanaceae). A camada herbácea é efêmera é dominada por terófitas das famílias Malvaceae, Portulacaceae e Poaceae. Órgãos de armazenamento de água são típicos em alguns outros casos: Spondias tuberosa Arruda (“umbú”, Anacardiaceae), as duas “barrigudas” Cavanillesia arborea Schum. e Ceiba glaziovii (Kuntze) Schum. (Bombacaceae), Jacaratia sp. (Caricaceae), Manihot spp. (“maniçobas”, Euphorbiaceae), Luetzelburgia auriculata (Fr. All.) Ducke (“pau-mocó”, Fabaceae-Papilionoideae). Agreste e sertão representam duas terminologias ligadas às Caatingas e ao seu conceito fitogeográfico. O agreste é o nome dado à faixa estreita de vegetação que se estende entre os limites da serra do Mar a leste, onde as florestas são abundantes, e os interiores mais secos a oeste. Ela tem uma forma alongada com uma direção geral norte-sul, apresenta um regime de chuvas mais abundante (até 1000 mm/ano) e é menos sujeito às secas catastróficas uma vez que se beneficia da umidade residual dos ventos do Sudeste. A vegetação compartilha muitas características e espécies com as expansões semiáridas a oeste: as plantas geralmente são decíduas e espinhosas, os cactos e bromeliáceas estão presentes no solo pedregoso. O termo sertão é muito usado em toda a parte do Brasil, desde o Estado de São Paulo ao nordeste, apresentando um significado vago de área não cultivada, com poucos recursos, afastada das cidades e da civilização (Egler 1951). As fisionomias de caatinga são muito variáveis, dependendo do regime de chuvas e do tipo de solo, variando de florestas altas e secas com até 15-20 m de altura, e.g., a “caatinga arbórea” encontrada de forma espalhada da Bahia (Andrade-Lima 1975) e Minas Gerais (Magalhães 1961) até o Rio Grande do Norte (Andrade-Lima 1964b), em solos um tanto melhores e em localidades mais úmidas, até afloramentos de rochas com arbustos baixos esparsos e espalhados, com cactos e bromeliáceas nas fendas. O trabalho mais coerente e compreensivo neste tipo de vegetação é o de Andrade-Lima (1981) que trata as Caatingas como um domínio (comumente conhecido por província) fundamentado nos registros pioneiros de Luetzelburg, mas também é resultado de numerosos estudos prévios de Andrade-Lima que enfocavam áreas particulares de Caatinga. O trabalho foi segmentado em unidades para separar o tipo de vegetação e melhorar o entendimento conforme a tabela 1: Tabela 1. Unidades principais de tipos de vegetação e comunidades das Caatingas (modificado de Andrade-Lima 1981). Unidade Tipo de vegetação Fisionomia e localidade Substrato I 1 Tabebuia-Anadenanthera- Myracrodruon-Cavanillesia- Schinopsis Floresta de caatinga alta; Norte de Minas Gerais & Centro-sul da Bahia Pedras calcárias do Bambuí ou rochas cristalinas do Pré- Cambriano II 2 Myracrodruon-Schinopsis- Caesalpinia Floresta de caatinga média; maior parte do centro da província Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano II 3 Caesalpinia-Spondias- Commiphora-Aspidosperma Floresta de caatinga média; área mais seca que a anterior Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano II 4 Mimosa-Syagrus-Spondias- Cereus Floresta de caatinga baixa; Centro Norte da Bahia Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano III 5 Pilosocereus-Poeppigia- Dalbergia-Piptadenia Floresta de caatinga baixa; solos arenosos da série do Cipó Arenitos das séries do Cipó II 6 Cnidoscolus-Commiphora- Caesalpinia Caatinga arbórea aberta; Sudoeste do Ceará e áreas secas médias com solos soltos e ácidos Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano IV 7 Caesalpinia-Aspidosperma- Jatropha Caatinga arbustiva; áreas mais secas do vale do rio São Francisco Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano IV 8 Caesalpinia-Aspidosperma Caatinga arbustiva aberta; Cariris Velhos, Paraíba Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano IV 9 Mimosa-Caesalpinia-Aristida Caatinga arbustiva aberta (Seridó); Rio Grande do Norte & Paraíba Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano IV 10 Aspidosperma-Pilosocereus Caatinga arbustiva aberta; Cabaceiras, Paraíba Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano V 11 Calliandra-Pilosocereus Caatinga arbustiva aberta; pequenas áreas restritas e espalhadas com solos ricos em cascalhos Principalmente rochas metamórficas do Pré- Cambriano VI 12 Copernicia-Geoffroea-Licania Floresta de caatinga de galeria; vales dos rios do Ceará, Piauí & Rio Grande do Norte Principalmente solos aluviais II 13 Auxemma-Mimosa- Luetzelburgia-Thiloa Floresta de caatinga média; oeste do Rio Grande do Norte & Ceará central Principalmente rochas cristalinas do Pré-Cambriano UNIDADE I: Tipo de vegetação 1. Floresta de caatinga alta. Gêneros e espécies dominantes são comuns em toda a parte das Caatingas, ou, como colocado por Andrade-Lima (1981, p. 156), elas aparecem em “áreas de caatinga inquestionáveis” [e.g., Myracrodruon urundeuva, Schinopsis brasiliensis, Tabebuia impetiginosa, Cereus jamacaru e Pterogyne nitens Tul. (“madeira nova”, Fabaceae - Caesalpinioideae)]. Certamente algumas espécies mesofíticas atípicas as estas vegetações também são encontradas, mas sempre como membros minoritários da comunidade. UNIDADE II: Tipos de vegetação 2, 3, 4 e 6. Floresta de caatinga média, com densidade variável nas camadas arbóreas, 7 – 15 m de altura. Esta unidade de vegetação é muito disseminada e comum em toda parte do nordeste brasileiro, provavelmente com uma grande variedade de formas.Várias das espécies dominantes na unidade I também aparecem como elementos espalhados nestes tipos de comunidades, tais como Anadenanthera colubrina var. cebil, Commiphora leptophloeos, Myracrodruon urundeuva, Schinopsis brasiliensis, e Amburana cearensis. UNIDADE III: Tipo de vegetação 5. Floresta de caatinga baixa. Unidade muito distinta. Muito restrito ás áreas de solos arenosos no centro sul de Pernambuco e norte da Bahia, é caracterizada pelas espécies Pilosocereus pachycladus Ritter subsp. pernambucoensis (Ritter) Zappi, [“facheiro”, Cactaceae como em Andrade-Lima (1989, p. 24)], Poeppigia procera Presl., “muquém” (Fabaceae – Caesalpinioideae), Dalbergia cearensis Ducke, “pau violeta” (Fabaceae - Papilionoideae), Pilosocereus tuberculatus (Werderm.) Byles & Rowley, “caxacubri” (Cactaceae) e a palmeira Syagrus coronata (Mart.) Becc. (“ouricouri”, Arecaceae). UNIDADE IV: Tipos de vegetação 7, 8, 9 e 10. Caatinga arbustiva densa ou aberta. Este é o tipo de vegetação mais disseminado atualmente e ainda se discute até que ponto é inteiramente natural ou induzida pelo homem. Além disso, é uma coincidência gritante que esta unidade IV corresponda geograficamente às áreas mais secas dentro da província, tais como o vale do rio São Francisco, o “Seridó”, ou a vegetação dos Cariris Velhos com o registro mais baixo de chuvas das Caatingas (Cabaceiras: 252,4 mm/ano; Figueiredo-Gomes 1981). Esta unidade consiste tipicamente em árvores espalhadas de Amburana cearensis, Spondias tuberosa, Aspidosperma pyrifolium, em uma matriz arbustiva de Caesalpinia spp., Mimosa spp., Jatropha spp., e Acacia spp. UNIDADE V: Tipo de vegetação 11. Caatinga arbustiva aberta baixa. Muito restrita em superfície e área, em solos rasos arenosos ou ricos em cascalhos sob um longo período seco (8 – 9 meses), a incomum baixa altura desta comunidade (0,70 – 1 m) parece ser causada pela pastagem (Andrade-Lima 1981). É dominada por Pilosocereus gounellei, Calliandra depauperata Benth., “carqueja” (Fabaceae – Mimosoideae) e Melocactus zehntner (Britt. & Rose) Luetzelburg, “coroa de frade” (Cactaceae). UNIDADE VI: Tipo de vegetação 12. Floresta ciliar, ao longo dos cursos de água principalmente no Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Fisionomia dominada por palmeiras Copernicia prunifera, acompanhadas por Licania rigida, Geoffroea spinosa Jacq.4 (“umarí”, Fabaceae Papilionoideae), Sideroxylon obtusifolium (Roem. & Schult.) Pennington (“quixabeira”, Sapotaceae), Erythrina velutina Willd. (“mulungú”, Fabaceae – Papilionoideae), Ziziphus joazeiro, Capparis yco. A espécie de palmeira dominante, Copernicia prunifera, além de Licania rigida e talvez Capparis yco, não são apenas endêmicas das Caatingas, mas também deste meio limitado, onde há fornecimento relativamente constante de água a partir dos lençóis freáticos durante as secas e é inundado na estação chuvosa. A dessecação muito lenta dos solos aluviais pesados causa salinização, um fenômeno muito raro nas Caatingas. UNIDADE VII: Tipo de vegetação 13. Floresta de caatinga média. Visto que apresenta um conjunto distinto de espécies que são altamente restritas a este tipo de vegetação: Auxemma oncocalyx (Fr. All.) Taub. (“pau-branco”, Boraginaceae), Mimosa caesalpiniifolia Benth. (“sabiá”, Fabaceae – Mimosoideae), e em áreas pedemontanas Luetzelburgia auriculata (Lima 1982), e, menos consistentemente, Thiloa glaucocarpa (Mart.) Eichl. (“sipaúba”, Combretaceae). A comunidade é, às vezes, dominada por outras espécies de ampla distribuição como Myracrodruon urundeuva, Anadenanthera colubrina var. cebil, Aspidosperma pyrifolium e Caesalpinia pyramidalis, que compartilham o dossel com Auxemma oncocalyx A flora das Caatingas O número de gêneros endêmicos da Caatinga é muito alto. Prado (1991) listou 12 gêneros endêmicos e a seção endêmica Glaziovianae (compreendendo 7 spp.) no gênero Manihot, Euphorbiaceae, do total de 199 para as Caatingas: Auxemma (Boraginaceae, 2 spp.) e Fraunhoffera (Celastraceae, 1 sp.), ambos mapeados em Prado & Gibbs (1993), Alvimiantha (Rhamnaceae, 1 sp.; Grey-Wilson 1978), Blanchetia e Telmatophila (Asteraceae, 1 sp. cada), Haptocarpum (Capparaceae, 1 sp.), Neesiochloa (Poaceae, 1 sp.), e Neoglaziovia (Bromeliaceae, 1 sp.). Em Cactaceae, Prado (1991) listou Arrojadoa, Tacinga (s.s.), Stephanocereus e Zehntnerella, porém, mais tarde, Taylor (2000) corrigiu esta assertiva adicionando a precisão taxonômica; Os gêneros endêmicos atuais são: Facheiroa (3 spp., incluindo Zehntnerella), Stephanocereus (2 spp.), Espostoopsis (1 sp.) e Leocereus (1 sp.), com Arrojadoa (4–5 spp.) quase endêmico. A última adição é Dizygostemon (Scrophulariaceae, 2 spp.; Giulietti & Forero 1990), não listado por Prado (1991). Assim, é atingindo o valor atual de 14 gêneros endêmicos para as Caatingas. Em relação à espécie, o grau de endemismo é ainda mais expressivo, visto que, dentro das áreas de Caatinga sensu Andrade-Lima (1966a), parece haver pelo menos 183 espécies endêmicas do total de 437 espécies, como verificado a partir de trabalho de campo, literatura e material de herbário (Prado 1991). Isto gera um nível de endemismo de cerca de 42% de espécies suculentas e lenhosas das Caatingas. Alguns exemplos são: os “moleques” Cordia dardani Taroda e C. leucocephala Moricand, e o “mulambá” Patagonula bahiensis Moricand (Boraginaceae) Hymenaea eriogyne Benth. (“jatobá”, Fabaceae – Caesalpinioideae), Ziziphus joazeiro, e o “umbuzeiro” das Caatingas Spondias tuberosa (todos mapeados em Prado & Gibbs 1993). Os níveis de endemismos de gêneros e espécies das Caatingas estão, portanto, de acordo com o critério de Takhtajan (1986) empregado para caracterizar as províncias florísticas do mundo. Além disso, e discordando de Sampaio (1995), as Caatingas são muito mais ricas do que qualquer outra floresta seca da América do Sul (e.g., as planícies uniformes do Chaco; Prado1993a), fornecendo hábitats numerosos e variados. A província das Caatingas está muito bem definida a partir deste ponto de vista e, mesmo permitindo uma super-estimativa do grau de endemismo, quando comparada com a tabela de Major (1988) para várias regiões do mundo, é equivalente àquelas da província florística da Califórnia e ilhas Canárias. Não há nenhuma razão, portanto, em considerar a flora das Caatingas como muito baixa em endemismos, como foi afirmado várias vezes por Rizzini (1963, 1979) e Andrade-Lima (1982), que sugeriram que a área não poderia possuir sua própria flora. Além disso, os percentuais de gêneros e espécies exóticas e autóctones nas Caatingas perfazem uma probabilidade tão elevada quanto qualquer outra província florística bem definida no mundo, mesmo comparável àquelas de certas ilhas que normalmente concentram os mais elevados percentuais de endemismos (Major 1988). Referências Bibliográficas LEAL, I; TABARELLI, M; SILVA, J. Ecologia e conservação da caatinga. 1. ed. Recife: Universitária da UFPE, 2003. ANDRADE-LIMA, D. 1981. The Caatingas dominium. Revista Brasileira de Botânica 4: 149-163. RIZZINI, C. T. 1979. Tratado de Fitogeografia do Brasil. HUCITEC, Universidade de São Paulo, São Paulo. SAMPAIO, E. V. S. B. 1995. Overview of the Brazilian Caatinga. Pp 35-63 in: S. H. Bullock, H. A. Mooney & E. Medina (eds.) Seasonally Dry Tropical Forests. Cambridge University Press, Cambridge. TAKHTAJAN, A. 1986. Floristic Regions of the World. University of California Press, Berkeley.
Compartilhar