Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Quando um texto se torna texto Sem coesão e coerência, as frases perdem clareza e deixam de constituir um genuíno argumento João Batista Vaz Veja os enunciados: a) Viajar Tiago ficam casa e férias em Carol adoram nas sempre eles. b) Tiago e Carol adoram viajar. Eles sempre ficam em casa nas férias. O enunciado (a) não é texto. Falta-lhe sequência linguística, [uma ordem sintático- semântica], já que consiste em arranjos desconexos de palavras. Beaugrande e Dressler (1981) mostraram que um enunciado bem construído apresenta a chamada textualidade (tessitura): um conjunto de características que fazem um texto [ser classificado como tal], e não como uma sequência aleatória de frases. Com base nisso, o enunciado (b) não é uma sequência de palavras desconexas. Ainda assim, há algo [estranho] nele, que faz com que ainda não possamos considerá-lo um texto. Ou não? [Para apresentar textualidade, um texto] deve atender a todos os requisitos linguísticos, do ponto de vista fonológico ao sintático- semântico e cognitivo? Coesão e coerência [De acordo com] Marcuschi (2008, p. 80), os aspectos responsáveis pela textualidade envolvem dois fatores exclusivamente linguísticos – coesão e coerência – e cinco linguísticos e extralinguísticos – aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade. 2 A coesão refere-se à conexão, à íntima associação entre as palavras de um texto. Para Halliday e Hasan (1976), há cinco mecanismos de coesão: por referência, substituição, elipse, conjunção e pelo léxico. [...] O processo de coesão por referência é bem próximo do [processo] de coesão por substituição. E este está ligado ao de coesão por elipse, já que não passa de uma substituição mental (subentendida). Já para Koch (1993), tudo isso equivale a duas modalidades de coesão: referencial e sequencial. Coerência A coerência envolve fatores lógico-semânticos e cognitivos, já que a capacidade de um texto ser interpretado depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Marcuschi (2008, p. 79-80) mostra, por isso, que a coerência não é propriedade do texto em si, mas um trabalho do leitor sobre as possibilidades interpretativas do texto. [O autor] ressalta, porém, que o texto deve permitir o acesso à coerência; caso contrário, não há possibilidade de entendimento. A coerência está mais na mente do leitor e no ponto de vista do receptor do que no interior do enunciado. Criar textos envolve, portanto, a noção de coerência – harmonização de ideias, de fatos e argumentos – e a [noção] de coesão – ligação, conexão, íntima associação entre as palavras de um texto. A coesão busca dar sentido e entendimento ao texto, já que é responsável por fornecer a coerência, quando esta não pode ser deduzida. Retomemos o exemplo (b). É possível retirar a incoerência com o uso da coesão por conjunção ou da [coesão] sequencial, e com um acréscimo conceitual (progressão). [Veja:] 3 Tiago e Carol adoram viajar, mas eles sempre ficam em casa nas férias, pois não sobra dinheiro para viagens. No exemplo reformulado, a coesão contribui para dar sentido e entendimento ao texto. É mecanismo auxiliar da coerência. Assim, (b) não pode ser considerado um texto, pois lhe falta coerência, um requisito lógico-semântico e cognitivo. Reformulado, torna-se um texto devidamente construído! Tipos de coesão (HALLIDAY; HASAN, 1976) Coesão por referência Uma das principais formas de evitar repetições desnecessárias. Exemplo: Joana gosta de doces. Ela quer comer chocolate. Este, porém, provoca alergias nela. O pronome pessoal “Ela” refere-se à Joana. O pronome demonstrativo “Este” retoma o termo “chocolate”. A junção da preposição “em” com o pronome “ela” (“nela”) faz referência, mais uma vez, à Joana. Coesão por substituição Aquela que usa anafóricos, isto é, palavras ou expressões por meio das quais se retomam termos já anunciados. Exemplo: O carro invadiu o pátio da escola no momento do recreio, mas todas as crianças tinham ido brincar no parque. Graças a isso, não houve feridos. 4 O demonstrativo “isso” substitui, aqui, a explicação de que “todas as crianças tinham ido brincar no parque” e, assim, “não houve feridos”. O pronome promove uma substituição, com propriedade e concisão. Coesão por elipse Ocorre mediante a omissão de uma ou mais palavras ou de um ou mais termos, mas sem prejudicar a clareza da oração. Exemplo: Luísa assiste à TV. Praticamente ao mesmo tempo, faz a lição de casa e conversa ao celular. Para entender melhor este exemplo, usa-se o morfema zero que é representado pelo símbolo Ø e indica a ausência significativa de alguma marca linguística. [Veja:] Luísa assiste à TV. Praticamente ao mesmo tempo, Ø faz a lição de casa e Ø conversa ao celular. Seria, pois, enfadonho e redundante dizer: Luísa assiste à TV. Praticamente ao mesmo tempo, Luísa faz a lição de casa e Luísa conversa ao celular. Coesão por conjunção Aquela que possibilita relações significativas entre os termos do texto. Exemplo: Como estava com conjuntivite, não fui ao trabalho, apesar de ser segunda-feira. 5 A coesão ocorre por meio dos conectores conjuntivos “como” – que estabelece uma relação de causa – e “apesar de” – um indicador de adversão. O rol de conjunções, no entanto, é vasto. Coesão lexical Aquela que ocorre mediante o uso de sinônimo, pronome, hipônimo1 ou heterônimo2. Exemplos: Ronaldo foi o maior centroavante do mundo. O fenômeno levou o Brasil a grandes conquistas. Contra a Alemanha, no final da Copa do Mundo, o camisa 9 mostrou seu talento de goleador. A coesão lexical apresenta substituições quase sempre de orientação metonímica3 [...]. Referência X sequência (KOCH, 1993) Coesão referencial Aquela que se manifesta por anáfora (antes) ou catáfora (depois). Para interpretar um termo do texto, exige-se a consideração de outro que pode vir antes ou depois do primeiro. Exemplo 1: A cantora fugiu do fã, correndo para o camarim. Lá, ela ficou quietinha, escondida dele. 1 Termo que tem significado mais específico em relação a outro com sentido mais abrangente. 2 Termo com significado mais geral em relação a outro de sentido específico. 3 Metonímia é uma figura retórica em que se usa um vocábulo por outro, com o qual se liga por uma relação lógica ou de proximidade. 6 [Este é um exemplo em que prevalece a] coesão referencial anafórica: o pronome pessoal “ela” retoma o substantivo “cantora”; o advérbio de lugar “Lá” se refere ao substantivo “camarim”; e o termo “dele” retoma o substantivo “fã”. Exemplo 2: Ele era tão empolgante no palco, o Jair Rodrigues! [Este é um exemplo em que prevalece a] coesão referencial catafórica: o pronome pessoal “Ele”, que aparece antes, remete ao substantivo próprio “Jair Rodrigues”, que aparece depois. Coesão sequencial Aquela que usa procedimentos linguísticos que ligam a ideia ou o conceito já dito ao que será apresentado. Exemplo: Fato difere de opinião. Esta é subjetiva, pois pessoal; logo, questionável. Fatos são acontecimentos e, portanto, não estão sujeitos a discussões. O relator “pois” fornece uma explicação ao argumento de que a opinião é subjetiva. Os relatores “logo” e “portanto” apresentam função conclusiva, interligandoos conceitos. Os elementos coesivos sequenciais [ou relatores] estabelecem inúmeras relações, tais como: Correção – aliás, isto é; Oposição – mas, no entanto; Condição – se, caso; Explicação – pois, porque; Disjunção – ou; Adição – e, também, bem como. 7 Regras da coerência [...] São quatro as metarregras de coerência textual: Repetição Reiteração e recorrência de traços semânticos. Não [se trata da] mera repetição de ideias ou de termos, mas [da] retomada de elementos, com objetivo de conservar [determinado] sentido. Progressão Enquanto retoma e reitera ideias, o texto coerente apresenta continuidade semântica, progredindo com o acréscimo de termos e conceitos. Não contradição Uso de conceitos e de ideias compatíveis entre si e com o mundo retratado. Um texto não pode conter um argumento A e o contrário desse argumento A. Relação Os conceitos devem estar atrelados uns aos outros, encadeando ideias e argumentos pertinentes ao mundo existente ou construído. Referências BEAUGRANDE, R.; DRESSLER, W. V. Introduction to text linguistic. Londres: Longman, 1981. HALLIDAY, M. A.; HASAN, R. Cohesion in english. Londres: Longman, 1976. KOCH, I. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1993. MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gênero e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. p. 80. Fonte REVISTA Língua Portuguesa. Redação. Publicação: jun. 2014. Disponível em: <http://revistalingua.com.br/textos/105/quando-um-texto-se-torna-texto-314961-1.asp>. Acesso em: 4 ago. 2015.
Compartilhar