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1 Intervenção do Estado no Domínio Econômico 2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO 1. Sociedade, Estado e Economia (Aula 1) 1.1. Sociedade e Estado A sociedade humana se define como resultado da interação dos indivíduos, no contexto de suas relações culturalmente estabelecidas em todos os níveis da convivência. O ser humano existe como um ser social, já nascido no interior da sociedade, pois se define por suas atividades — como fala, como se reproduz, como provê seu sustento, logo sua própria existência — que são atos definidos socialmente, isto é, são atos sociais. Buscar uma definição abrangente de sociedade esbarra nas diversas concepções sobre sua natureza e caráter que os autores têm dela, mas podemos resumir na definição de Del Vecchio: é o “complexo de relações pelo qual vários indivíduos vivem e operam conjuntamente, de modo que formem uma nova e superior unidade”. O Estado, considerado a partir de sua manifestação concreta, é um instituto humano que estabelece seu poder a partir da coação, detendo o monopólio da violência e partir dela estabelece sua existência. O termo designa formações sociais que, ao abranger as relações de poder entre os indivíduos, isto é, as relações políticas, assumem diversas formas, desde as Cidades-Estado da Mesopotâmia, historicamente as primeiras formações estatais, até as complexas formações atuais. São muitas as definições de Estado, porém, para nossos fins, podemos considerar a seguinte: Uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição escrita. 3 É dirigida por um governo soberano reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção (Cicco; Gonzaga, 2013). Essa definição mostra ainda que ao exercício do poder ou da autoridade no Estado chamamos governo. O modo como o poder se organiza e se exerce “explica-nos a situação jurídica e social dos indivíduos em relação à autoridade”, são “a forma de vida do Estado” (Azambuja, 2008). Assim, encontramos Estados organizados em regimes bastante autoritários, ditatoriais, centrados em uma pessoa, enquanto outros se constituem em democracias, buscando exprimir a vontade popular; outros ainda adotam o sistema monárquico. Todos, no entanto, não importando sua configuração ou a fonte de seu poder, devem implementar políticas públicas que permitam exercer as funções estatais. O Estado contemporâneo corresponde, na realidade, a uma variedade de representações nacionais, fruto de configurações sociais distintas. Cada país que examinamos possui características políticas, sociais e econômicas únicas, fruto de sua história. Porém, "duas funções são comuns a todos e básicas à sua existência: a soberania e o direito, que correspondem respectivamente ao poder político e à ordem jurídica" (Matias - Pereira, 2010). Da soberania emana o poder e deste, as normas organizadoras do Estado. O poder estatal se manifesta como fruto da organização da sociedade. 4 1.2. As funções do Estado Podemos entender o Estado como um instrumento para a humanidade alcançar seus objetivos. Dessa perspectiva, o Estado não é um fim em si mesmo, mas tem por finalidade última atender as expectativas humanas nas suas realizações, ou seja, o Estado busca o bem comum. Há autores, por outro lado, que consideram o Estado a síntese de todas as aspirações do Homem, o que colocaria cada indivíduo como meio de o Estado atingir seus objetivos. A competência do Estado é exercer seu poder sobre os negócios e as pessoas. Tem como objetivo atender ao bem público, ou bem comum, que não pode ser entendido como a soma do bem de cada indivíduo, o que seria impossível realizar. O bem comum pode ser definido como “o complexo de condições indispensáveis para que todos os membros do Estado — nos limites do possível — atinjam livremente e espontaneamente sua felicidade na terra” (Azambuja, 2008). Assim, mesmo quando o Estado privatiza uma determinada atividade, abrindo mão de executá-la e, assim, restringindo sua própria competência, ele o faz buscando o bem público. Mas em que medida ele deve fazer isso é a discussão que se impõe e é central na relação entre o público e o privado. O bem público pode ser definido resumidamente por dois bens sociais fundamentais: a segurança e o progresso dos indivíduos. A segurança diz respeito à ordem interna, garantida pela Justiça, pela polícia, entre outros, e a externa, garantida pelas forças armadas e pela diplomacia. Quanto a isso, há uma aceitação entre os pensadores da matéria. Já as ações demandadas para o desenvolvimento da sociedade — ou seja, o progresso — têm uma interpretação variada, que podemos resumir em três correntes: 5 • Abstencionista - Delega ao Estado apenas a garantia da ordem; • Socialista - Defende a intervenção do Estado em todas as matérias comuns; • Eclética - Evita os extremos e orienta uma ação do Estado para onde a iniciativa privada não pode gerar o melhor resultado. Nesse caso, a ação do Estado tem um caráter supletivo. Das finalidades do Estado decorrem suas funções básicas. Entre elas, destaca-se o "provimento da defesa nacional, do policiamento, da justiça, da regulação, do assistencialismo e da saúde" (Giambiagi; Alem, 2011). Stigliitz (apud Braga; Vasconcellos, 2011), talvez com um enfoque mais econômico, lista: promover a educação, fomentar a tecnologia, oferecer suporte ao setor financeiro, investir em infraestrutura, promover a concorrência, promover o desenvolvimento sustentável, manter uma rede de seguridade social. Pode-se dizer, para resumir essa questão, que ao Estado cabe suprir à sociedade aquilo que, de outra forma, não poderia ser adequadamente suprido. Ao lado da segurança e da justiça, a dimensão econômica, por lidar com as próprias condições de reprodução material da sociedade, conjuga diversas funções específicas, e tem sido, em nossos dias, o centro das controvérsias sobre seu papel. 1.3. Definição e objeto das Ciências Econômicas Estudar a forma específica de organização da sociedade para a produção e para o atendimento de todas as necessidades humanas, consubstanciada em um sistema que coordena as atividades produtivas, é o objeto central da Economia. Esse objeto se define no problema da escassez: como atendermos às necessidades humanas ilimitadas com uma quantidade limitada de recursos? Podemos definir a Economia como “uma ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem (escolhem) empregar recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de 6 modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas da melhor maneira possível” (Braga; Vasconcellos, 2011). A produção econômica é o resultado da combinação de recursos naturais, equipamentos e trabalho humano que, por serem necessários à produção, recebem o nome de fatores de produção. As decisões estudadas pela economia envolvem a alocação desses fatores e o seu uso pelos agentes econômicos, que são pessoas ou organizações que desempenham os diferentes papéis na economia. Por exemplo: os consumidores, que somos todos nós, tomam decisões sobre o que consumir e quanto. Ao mesmo tempo, algumas dessas pessoas tomam decisões sobre a organização da produção (os empresários), enquanto outras vendem sua força de trabalho (trabalhadores). 1.4. Estado e Direito Econômico Cabe examinar, inicialmente, para se estabelecer a ligação entre a natureza jurídica do Estado e a sua ação sobre a economia,como as Ciências Jurídicas tratam o assunto. O Direito, “ciência das normas obrigatórias que disciplinam as relações dos homens em sociedade” (Ferreira, 1999), define, entre seus vários ramos, o Direito Econômico. O Direito Econômico “tem por objeto a regulamentação da política econômica e por sujeito o agente que dela participe. Como tal, é um conjunto de normas de conteúdo que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do ‘princípio da economicidade’” (Souza, apud Aguiar, 2012). Assim, a atuação do Estado sobre o domínio econômico se dá de forma integrada, na conjugação do aparato jurídico-institucional e o conjunto de políticas econômicas. 7 Os objetivos da sociedade são expressos pelos canais de representatividade existentes e próprios a cada formação social, sendo moldados pela atuação dos poderes legislativo e judiciário, que fazem e aplicam as leis e pelo poder executivo, que implementa e operacionaliza as políticas de Estado e de Governo. 2. Estado, Mercado e Sistemas Econômicos (Aula 2) 2.1. Estado e economia Ao longo da história do pensamento econômico, escolas se formam em torno da participação do Estado na economia. A ciência econômica, quando surge como área de conhecimento definida pelo pensamento de Adam Smith, aponta para um Estado não intervencionista. A doutrina estabelecia o Estado fora das atividades econômicas, que cresceriam naturalmente com a expansão dos negócios privados. Essa visão foi reforçada pelos economistas da chamada escola neoclássica, que entendiam que o Estado deveria ter apenas um papel de guardião das instituições econômicas. No entanto, as sucessivas crises do capitalismo, que levavam, aqui e ali, a profundas depressões, com todas as implicações negativas sobre a renda e o emprego, fizeram surgir uma doutrina econômica onde a participação do Estado na economia tivesse um papel preponderante para a manutenção dos níveis de atividade econômica. Fundada principalmente sobre o trabalho de John Maynard Keynes, esta escola de pensamento entende que sempre que ocorrer uma insuficiência de demanda — o que levaria a uma redução da atividade econômica — caberia ao Estado através da redução dos impostos ou do aumento dos seus gastos reestabelecer o equilíbrio de curto prazo da economia. O modelo keynesiano é bastante simples na sua concepção e pode ser resumido como se segue. A renda de uma economia é correspondente a todo o consumo da sociedade mais os investimentos havidos nas atividades produtivas. 8 Intuitivamente, podemos perceber que a renda de uma população, seja fruto de salário, lucro ou rendas diversas, pode ser destinada ao consumo e a poupança que por sua vez, num momento posterior, se torna investimento. Se considerarmos a renda Y, o consumo C e o investimento I, pode-se expressar essa igualdade na equação: Y = C + I Isso significa que se, por qualquer razão, tivermos uma diminuição no consumo ou no investimento, haveria uma diminuição na renda que, por sua vez, no momento seguinte traria uma nova redução no consumo e/ou no investimento trazendo, então, nova queda no nível da renda, e assim por diante. Um quadro como esse afetaria o nível de emprego desejável na economia e buscar uma situação de pleno emprego, isto é, de plena utilização dos recursos disponíveis na produção de bens e serviços, seria um dos principais, senão o principal objetivo das políticas econômicas. Keynes percebeu que, introduzindo-se os gastos governamentais na equação, poderia se ter uma melhor explicação, e poder de intervenção, sobre os ciclos de curto prazo da economia. Consideremos que o governo efetua uma série de gastos (G), seja mantendo a burocracia estatal, seja fazendo gastos com programas sociais ou de qualquer outra natureza. Assim, teríamos a renda definida por: Y = C + I + G Esses gastos, por sua vez, são financiados pela arrecadação de tributos (T). Assim, podemos expressar os gastos do governo na equação G - T, onde poderiam ocorrer as seguintes situações: 1) G = T O governo gasta tanto quanto arrecada: o dinheiro retirado da economia via tributos é restituído via gastos governamentais em igual medida. 2) G < T O governo gasta menos do que arrecada: retira-se mais dinheiro da economia do que se reintroduz. 9 3) G > T O governo gasta mais do que arrecada: a massa de dinheiro retirada da economia é compensada pelos gastos do governo. Então, combinando as duas expressões, teremos que a renda será determinada pela parcela destinada ao consumo (menos os tributos, isto é, parcela da renda que não será consumida, mas retornará ao governo), pelo investimento, pelos gastos governamentais. Repare que os gastos governamentais afetam a renda positivamente, isto é, um aumento dos gastos públicos leva a um aumento do consumo e do investimento. O limite de sua aplicação está nas consequências sobre os preços: o governo tem que manter um estreito balanceamento dos seus gastos para que não haja uma aceleração da inflação. Ao contrário, os tributos têm um efeito depressivo sobre a economia; um aumento dos tributos leva a uma diminuição da renda. Dessa forma, o governo passa a dispor de instrumentos de política econômica capazes de administrar os ciclos econômicos de curto prazo. Embora, na sua aplicação, seja mais complexa do que o exposto como modelo, em essência é essa a discussão que você deve acompanhar pelos jornais diariamente, em torno dos gastos do governo e da carga tributaria imposta à sociedade. 2.2. Os sistemas econômicos de produção As economias se organizam em sistemas que coordenam as atividades produtivas de uma sociedade. O Estado e o Mercado são, na sociedade contemporânea, as duas esferas que fazem a alocação dos fatores e a distribuição do produto, bem como buscam estimular o desenvolvimento econômico. Os sistemas de organização social e econômica predominantes, examinados de forma esquemática, representam modelos que assumem formas variadas, historicamente determinadas, 10 em cada país. São eles as economias de mercado, as economias centralmente planificadas e as mistas (Pinho; Vasconcellos; Toneto JR., 2011). Economias de mercado Vamos supor uma economia em que não exista governo. Nessa economia, existem apenas as famílias, que são as únicas ofertantes dos fatores de produção — recursos naturais, trabalho e capital — e as empresas (firmas), as únicas demandantes dos fatores de produção. É estabelecida uma relação circular entre as famílias e as empresas através de dois mercados: o mercado de fatores e o mercado de bens. Este ciclo, no qual circulam fatores que produzem bens, é o chamado fluxo real da economia. Em contrapartida, no sentido inverso, as famílias recebem a remuneração pelos fatores empregados na produção em dinheiro que será utilizado para comprar os bens no mercado que por sua vez retornarão às empresas e assim por diante. Este fluxo é chamado de fluxo nominal ou fluxo circular da renda. O total do fluxo nominal é equivalente ao total de bens que circulam na economia. Algumas igualdades básicas decorrem daí: a renda de uma economia é igual ao valor dos produtos produzidos; por sua vez, nesse modelo simplificado, o total gasto, ou o dispêndio, também é igual à renda e à produção. Essas igualdades, como veremos adiante, são medidas do nível da atividade econômica e expressam a mesma riqueza sob diversas formas. É por essa razão que você ouve economistas falando tanto em PIB - produto interno bruto (tudo o que produzido na economia) quanto em renda nacional como grandezas equivalentes. O sistema de preços que regula esses fluxosfunciona exatamente pela conjugação das forças, ou interesses, da demanda e da oferta, determinando dessa forma os preços relativos de todas as 11 mercadorias: os bens mais desejados ou menos disponíveis tendem a ter um preço maior e os bens poucos procurados ou muito disponíveis um preço menor. Economias centralmente planificadas Embora poucos países, na atualidade, sejam economias centralizadas, isto é, onde o Estado responde quase integralmente pela alocação dos recursos econômicos, vamos examinar rapidamente seu funcionamento, para entendermos alguns de seus aspectos básicos. O que caracteriza uma economia centralizada, ou socialista, é a propriedade pública dos meios de produção, normalmente organizados em empresas estatais. Os meios de produção, referentes às atividades dos artesãos e dos pequenos camponeses, mantêm-se privados. As unidades produtivas, fábricas e fazendas, submetem-se em termos organizacionais ao Estado. Como não existe um sistema de preços que regule os níveis de produção e de distribuição do produto, o Estado, através de órgãos centrais de planejamento, cumpre essa função. Economias mistas Cabe, por fim, mencionar que alguns países, como a Suécia e a Noruega, são considerados de economia mista, isto é, embora exista uma forte participação do Estado na economia através de empresas estatais, existe um mercado livre de bens e fatores de produção. Se compararmos os dois sistemas básicos, parece bem evidente, pelo que a história recente nos mostra, que o sistema de mercado é mais eficiente e dinâmico, em termos de crescimento econômico. Por outro lado, nas economias centralizadas teríamos uma distribuição do produto mais igualitária. Atualmente, é mais amplamente adotado o sistema de mercado, porém com uma forte participação do Estado na economia, especialmente após a crise desencadeada em 2008, quando 12 retornou ao centro das atenções a doutrina do Estado como ordenador da economia e estimulador do crescimento. 3. Custo de Oportunidade, Alocação de Fatores e Crescimento Econômico (Aula 3) 3.1. Custo de oportunidade e curva de possibilidades de produção A Economia é uma ciência que lida com escolhas, pois devemos decidir quais desejos serão atendidos com a utilização de quais recursos. Sempre que escolhemos produzir determinado bem, devemos abrir mão de recursos que poderiam ser empregados na produção de outros bens, sendo esse o significado do custo de oportunidade (trade-off) na produção de um bem. Esse é um dos conceitos mais importantes da economia, aplicando-se tanto à alocação de recursos como às decisões entre investimentos alternativos. O custo de oportunidade não é o ganho relativo a uma escolha, nem o custo da produção do que foi escolhido, mas corresponde ao ganho que se deixou de ter ou o sacrifício do que se deixou de produzir ao se fazer uma escolha. Por exemplo: suponha que um indivíduo possua uma determinada quantia em dinheiro que lhe permite viajar ou comprar um carro. O custo de oportunidade de escolher, viajar é deixar de comprar um carro, e vice-versa. Em termos mais próximos a uma realidade administrativa, esse custo pode ser expresso entre as alternativas de fazer um investimento de caráter social ou um investimento em infraestrutura de transporte. Daí decorre a expressão “não existe almoço grátis”, muito ouvida em discussões sobre a economia: tudo o que se escolhe fazer implica em deixar-se de fazer outra coisa. Isto porque os 13 bens são sempre escassos em relação às necessidades e desejos, impondo escolher em que serão aplicados os recursos de produção. 3.2. A curva de possibilidades de produção Esse dilema nas escolhas é representado pela curva de possibilidades de produção – CPP (ou curva de transformação da produção). A CPP é um bom exemplo de um modelo utilizado para de forma simplificada representar a realidade. Se considerarmos uma economia que produza apenas dois bens (ou uma situação em que se tenha de fazer essa escolha), qualquer decisão sobre a quantidade produzida de um bem implicará então na redução da quantidade produzida do outro bem. O gráfico 1 mostra as combinações possíveis na utilização dos fatores de produção para a plantação de soja ou cana de açúcar. Pode-se alocar para produzir-se, alternativamente, 900 mil toneladas de soja ou 2.000 toneladas de cana de açúcar. É possível, contudo, distribuir os fatores para se produzir 750 mil toneladas de soja e 1.500 toneladas de cana de açúcar, combinação representada pelo ponto B. A curva de possibilidades de produção serve para mostrar as fronteiras de produção de uma economia, exemplificadas nos pontos A, B e C. O ponto D significa uma subutilização dos recursos, quando a economia teria, então, capacidade ociosa. Gráfico 1 14 O ponto F representa um nível de produção impossível de alcançar, pois exigiria uma quantidade de recursos não disponíveis na economia. Para atingir-se o ponto F, seria necessário o aumento na quantidade de fatores de produção disponíveis, isto é, um aumento da capacidade de produção. Essa condição, mostrada no gráfico 2, corresponde a um efetivo crescimento econômico. O deslocamento à direita da curva significa que houve um aumento de recursos, permitindo novas combinações dos fatores de produção para se atingir maiores níveis de produto. 4. A Intervenção do Estado na Economia (Aula 4) 4.1. Estado e mercado Quando estudamos o Estado, sua finalidade e suas funções, e sua relação com a sociedade, ocorre-nos perguntar o que justificaria afinal a intervenção do Estado na economia de um país. Vamos procurar entender o que explicaria essa intervenção. De um modo geral, as necessidades do conjunto da sociedade são satisfeitas pelas empresas privadas, posto que, de acordo com tese corrente, o setor privado é mais eficiente que o governo. Assim, mercados competitivos, sob certas condições específicas, promovem uma melhor alocação dos recursos, o que resulta na maximização das satisfações individuais, isto é, em uma situação Gráfico 2 15 de equilíbrio teórico nenhum indivíduo conseguiria melhorar seu grau de satisfação sem piorar o de outro indivíduo. Tal condição de alocação de recursos, estabelecida pelo livre jogo de mercado, é denominada ótimo de Pareto. Para atingir esse nível ótimo de alocação, é dispensável a atuação de uma entidade reguladora, de um planejador central (como o governo). Na verdade, de acordo com essa teoria, apenas a operação das empresas em um mercado competitivo, buscando a maximização de seu lucro, permitiria essa maximização individual do produto, logo da maior eficiência alocativa dos recursos. 4.2. Falhas de mercado (Giambiagi; Alem, 2011; Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011; Rocha, 2007) Essas condições não se realizam, na prática, de forma generalizada. Circunstâncias específicas, chamadas de “falhas de mercado” impedem que se verifique esse equilíbrio automático no jogo de forças do mercado; são elas: • A existência de bens públicos; • A existência de monopólios naturais; • As externalidades; • Os mercados incompletos; • As falhas de informação; • A ocorrência de desemprego e inflação. Bens públicos Bens públicos são aqueles cujo consumo por um indivíduo não afeta o consumo do mesmo bem por outro indivíduo. Resulta disso que toda a sociedade se beneficia da produção de bens públicos, mesmo que alguns se beneficiem mais do que outros. 16 Exemplos de bens públicos: ruas, iluminação pública, justiça, segurança pública e defesa nacional. É fácil constatat que o consumo desses bens não é afetado pela quantidade consumida por cada indivíduo,todos podem indistintamente usufruir dos benefícios gerados. É claro que, se muitas pessoas transitarem por uma determinada rua a uma determinada hora, haverá engarrafamentos e lentidão no trânsito, mas esse efeito afetará igualmente a todos os usuários. Uma das características do bem público é sua indivisibilidade: pelos exemplos vistos, é fácil perceber que esses bens não podem utilizados parcialmente e de forma identificável por cada indivíduo: todos nós nos beneficiamos da iluminação pública como um todo. Outra característica importante é o chamado princípio da não exclusão: de um modo geral, todos podem usufruir do bem público, sendo praticamente impossível vedar seu acesso a um indivíduo em particular. Isso implica na não rivalidade do consumo, ao contrário do que ocorre com os bens privados, quando seu uso por uma pessoa implica da exclusão de uso por outra pessoa. Exemplificando: todos beneficiam-se igualmente da administração da justiça, direito assegurado constitucionalmente a cada cidadão, e o fato de um cidadão recorrer à Justiça não implica na diminuição do direito e do uso por outro cidadão. Aqui vale o que ocorre no trânsito intenso de uma rua: se todos acorrerem à justiça ela poderá se tornar mais lenta, mas isso não invalida o princípio. Por outro lado, se alguém adquire qualquer bem ou serviço privado, exclui, automaticamente, a possibilidade de outro consumidor adquiri-los, isto é, são consumos “rivais”. 17 Por essas características essenciais ao bem público, uma questão essencial se coloca à sociedade: como ratear os custos de produção desses bens entre a população? Por conta da sua indivisibilidade, é impossível determinar o efetivo benefício que cada cidadão terá com seu consumo. Os cidadãos não poderiam ser chamados a atribuir preços no montante de sua utilização, pois tenderiam a minimizar o valor dos benefícios gerados para reduzir o valor de suas contribuições. Além disso, alguns poderiam alegar que não precisam daquele bem ou serviço, recusando-se a pagar por eles, o que seria possível pelo princípio da não exclusão. O mercado, então, não tem como suprir esse tipo de bens. Um sistema de mercado só pode funcionar quando o princípio da exclusão pode ser inteiramente aplicado, pois o comércio só pode ocorrer quando é garantido o direito à propriedade, podendo ser feita a determinação do consumo individual. Decorre daí que apenas o Estado pode prover os bens públicos, pois tem a capacidade de financiar-se com impostos, cobrindo assim os custos do fornecimento sem atribuir um preço específico ao consumo. Monopólios naturais (Giambini/ Além, 2011; Krugman; Wells, 2007) São definidos por aqueles setores onde os ganhos de escala são relevantes no âmbito da produção, isto é, quanto maior o produto gerado menor será o custo unitário de produção. Esse fenômeno ocorre em setores que possuem caracteristicamente um elevado custo fixo, implicando na queda do custo unitário conforme a produção aumente (Kurgman; Wells, 2007). Por exemplo: as companhias de gás possuem um elevado custo fixo, resultante do custo de implantar uma rede de tubulação para distribuição do gás, fazendo que apenas grandes 18 distribuidores sejam economicamente viáveis. O mesmo é válido para o setor elétrico, na produção e distribuição de energia. São chamados monopólios naturais porque se formam como decorrência das características de operação de determinados setores, não necessitando, teoricamente, de nenhuma ação específica empresarial ou governamental que leve à concentração da oferta (o que seria o caso dos outros tipos de monopólio). Considerando a melhor eficiência alocativa resultante da livre competição, o monopólio não trará os melhores resultados para a sociedade, já que ofertará uma quantidade menor de produto a um preço maior. O conflito de interesses que se estabelece aí, entre a empresa monopolista e a sociedade, é evidente, podendo exigir uma ação governamental. As políticas públicas possíveis para intervir nesse mercado assumem duas formas: 1) Propriedade pública - O próprio Estado passa a se responsabilizar pela oferta do bem. Este foi o caso, na nossa história recente, dos setores de telefonia e eletricidade, por exemplo. Estamos falando aqui da atuação do Estado frente à existência de um monopólio natural. Outras razões, por exemplo, questões relativas à segurança nacional, podem levá-lo a assumir o encargo da produção. De uma forma ou de outra, no entanto, alguns economistas irão dizer que a atuação do Estado trará um prejuízo à sociedade maior ainda do que causaria o próprio monopólio, pois aspectos políticos interferindo na produção poderiam levar à escassez e à corrupção. O que nos levaria à segunda forma de intervenção. 2) Regulação - Desta forma, o governo deixa o setor em mãos da iniciativa privada e apenas controla a fixação dos preços e a qualidade da oferta. 19 O controle de preços em um mercado monopolista não levará, necessariamente, a uma situação de escassez, pois, desde que o nível dos preços estabelecidos fique acima do custo de produção de uma unidade adicional, a empresa estará disposta a atender a demanda àquele preço. De uma forma ou de outra, a ação do governo é necessária para minimizar o conflito de interesses que se estabelece em tal condição. Externalidades (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011; Giambiagi; Alem, 2011) As externalidades podem ser definidas como os “impactos gerados pelas atividades de produção e consumo de agentes envolvidos em um mercado específico e que atingem outros agentes não diretamente envolvidos no mercado” (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). Dependendo do valor desse efeito gerado, podemos classificá-las como “externalidades positivas” ou “externalidades negativas”. Por exemplo: investimentos feitos na geração de energia elétrica geram benefícios para todos os outros setores da economia e não só para a empresa e a produz e aufere lucros com isso. Ao contrário, os dejetos da indústria química jogados no mar geram prejuízos ambientais para todo o planeta. O Estado passa a ter um papel importante na redistribuição desses efeitos, tanto positivos quanto negativos, para toda a sociedade. Assim, o Estado pode conceder subsídios para estimular ou retribuir a geração de externalidades positivas ou cobrar impostos ou multas para desestimular externalidades negativas. É crescente, na atualidade, a responsabilidade do Estado em regulamentar e atuar sobre a geração de externalidades. 20 Uma rede de saneamento para uma comunidade carente sem dúvida nenhuma gera efeitos positivos não só para aquela comunidade, mas para toda a sociedade, na medida em que, por exemplo, diminuem as doenças e, por consequência, a demanda por serviços sociais de saúde. O governo pode, alternativamente, assumir o encargo pelo investimento ou conceder subsídios para que o setor privado o faça. A cobrança de multas ou a fixação de tetos quantitativos para a emissão de gases na atmosfera é outro exemplo da atuação governamental. Mercados incompletos Define-se que um mercado é incompleto “quando um bem ou serviço não é ofertado mesmo que seu custo de produção esteja abaixo do preço que os potenciais consumidores estariam dispostos a pagar” (Giambiagi; Alem, 2011). Essa noção aplica-se principalmente a economias em desenvolvimento, quando o mercado não é capaz de atender às demandas da economia, mesmo que estas se refiram a atividades típicas de mercado. Isso porque nem sempre o setor privado está disposto a assumir certos riscos, ou mesmo não possui a capacidade organizadora da produção necessária à produção. Nos processos de industrialização, a coordenação entreos diversos agentes produtivos (empresas, bancos e outros agentes, como escola técnicas) demanda a ação do governo, posto que a iniciativa privada não possui, normalmente, essa capacidade de ação integradora. Falhas de informação Falhas de informação ocorrem porque o mercado não fornece por si todas as informações necessárias às tomadas de decisão dos consumidores e das empresas. O Estado pode então induzir essa transparência, mediante uma legislação adequada que obrigue a divulgação de determinadas informações. 21 A obrigatoriedade de publicação dos demonstrativos contábeis das empresas, ou de informações sobre a composição dos produtos nas embalagens, são exemplos da ação do Estado para garantir um fluxo de informações eficiente. Desemprego e inflação O funcionamento normal do mercado não garante, por sua dinâmica de operação, a manutenção dos níveis de emprego do nível dos preços nos patamares mais próximos possíveis do desejado pela sociedade. Somente o Estado pode estabelecer políticas que conduzam a economia a operar dentro de limites que maximizem a geração do produto. 4.3. Falhas de mercado e governo Essas condições não ocorrem isoladamente, mas combinam-se muitas vezes de forma variada, gerando benefícios, ou malefícios, para a sociedade como um todo. A despoluição do ar gera uma externalidade positiva para todos e, ao mesmo tempo, constitui-se em um bem público, já que todos têm acesso ao ar de melhor qualidade. Além disso, por gerarem um efeito sobre toda a sociedade, essas falhas de mercado demandam necessariamente a ação governamental para sua correção, pois o mercado é incapaz de resolver a contento todas as demandas de uma população. Podemos, enfim, estabelecer a necessidade da ação do governo sobre a economia porque (Giambini; Alem, 2011): 1) O sistema de mercado necessita de uma série de contratos, isto é, de uma estrutura legal que os definam e os tornem efetivos. 22 Assim, na compra de um bem, em que o vendedor dá uma garantia quanto a defeitos de fabricação, o sistema jurídico existente garante ao consumidor a obrigatoriedade do cumprimento daquele contrato de compra e venda; 2) O sistema de mercado é imperfeito. Os monopólios naturais, as externalidades, positivas ou negativas, a existência de bens públicos, por exemplo, tornam necessária a ação do Estado para sua correção; 3) A manutenção das taxas de crescimento e dos níveis de desenvolvimento desejados pela sociedade não são garantidos, necessariamente, pelo sistema de mercado. Os níveis de emprego e a estabilidade de preços, por exemplo, requerem muitas vezes a intervenção do governo na economia. 4) A promoção do desenvolvimento social requerido pela sociedade é outra dimensão que não é necessária e automaticamente atingida pelo livre funcionamento do mercado. No ambiente internacional, cada vez mais complexo, cada vez mais interdependente, a ação do governo tem ganhado especial importância, considerando que as condições necessárias ao desenvolvimento demandam o estabelecimento de tratados internacionais sobre diversos aspectos relacionados à economia e, em particular, ao comércio. 5. A Intervenção do Estado na Economia (Aula 5) As falhas de mercado mostram áreas da economia em que a ação do estado se faz necessária para que se mantenham as condições de crescimento eficiente da economia em atendimento aos objetivos sociais desse crescimento. Essas distorções são comuns às economias de todos os países em que exista uma economia de mercado, sejam desenvolvidas, sejam em desenvolvimento. 23 No entanto, a necessidade de superação do subdesenvolvimento parece reforçar a necessidade de atuação do Estado, uma vez que o mercado incipiente, falha constituinte dessas economias, não dispõe das condições para alcançar uma condição de desenvolvimento por si. A questão é complexa, pois como não se estabeleceu uma receita que conduza os países em direção ao desenvolvimento, o papel a ser desempenhado pelo Estado nesse processo não é incontroverso. O exame da história mostra que cada país, de acordo com suas características específicas, adota um modelo próprio. Contudo, ao Estado, como expressão política de um país, cabe organizar a sociedade para esse fim, prevendo em seu projeto a sua própria participação. Assim, temos países, como o Chile, em que se optou por um crescimento via mercado, seguindo o que se chama de princípios neoliberais, enquanto outros, da própria América Latina, apoiam-se na maior participação do Estado. Cabe examinar, nesse contexto, como a teoria econômica entende o crescimento e o desenvolvimento econômico, fazendo a contextualização com alguns exemplos tirados da História da participação do Estado nos processos de desenvolvimento. 5.1. Crescimento e desenvolvimento O ramo da Economia que estuda as questões relativas ao crescimento e ao desenvolvimento econômico, chamada Teoria do Desenvolvimento, preocupa-se com o longo prazo, discutindo as estratégias a serem adotadas para um crescimento econômico equilibrado e autossustentado (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). Convivem diversas definições de desenvolvimento econômico. Uma corrente de pensamento considera que crescimento e desenvolvimento são conceitos equivalentes. Entende-se, neste caso, 24 que o crescimento econômico distribui diretamente a renda entre os detentores dos fatores de produção, gerando a melhoria dos padrões de vida e de desenvolvimento. Nesse caso, as diferenças nos graus de desenvolvimento seriam dadas pelas diferentes taxas de crescimento, isto é, “um país é subdesenvolvido porque cresce menos do que um desenvolvido” (Souza, 2012). A crítica que pode ser feita a essa visão é de que os frutos do crescimento não resultam na distribuição dos benefícios para a economia e para a população como um todo, considerando, ainda, que as estruturas sociais e os arranjos políticos existentes não expressam, necessariamente, a equivalente modernização da sociedade. Outra corrente, chamada de estruturalista, entende que o desenvolvimento econômico implica na transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e institucionais, resultando na melhoria da produtividade e da renda média da população. Essa concepção destaca a interdependência entre os setores produtivos e da necessidade de um aperfeiçoamento articulado das estruturas econômicas. Podem-se resumir essas visões adotando definições próprias a cada conceito: Crescimento econômico é o crescimento contínuo da renda per capita ao longo do tempo. Isto significa um crescimento do produto maior do que o crescimento da população. Desenvolvimento econômico se define pelas alterações da composição do produto e na alocação dos recursos entre os setores, impactando os indicadores de bem estar econômico e social (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). (Veja o quadro explicativo sobre os indicadores econômico-sociais). Podemos definir o produto de uma economia (PIB ou Y) pelo que é gerado pela ação dos chamados fatores de produção, constituídos pelos insumos, os bens e serviços, que concorrem para a produção. 25 Classicamente, a partir de Adam Smith1, são definidos como terra (ou recursos naturais) - RN, trabalho – T e capital – K, formalizados na equação: PIB = Y = 𝑓𝑓(𝐾𝐾, 𝐿𝐿,𝑁𝑁) Isso significa que o produto de uma economia resultará da combinação desses fatores, determinada, por sua vez, pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas e das instituições sociais2. Essa equação, por isso, pode incorporar outros fatores, a depender do autor. David Ricardo3, por exemplo, incorpora o estoque de conhecimento - S, capaz de aumentara produtividade dos outros fatores (Souza, 2012): Y = 𝑓𝑓(𝐾𝐾, 𝐿𝐿,𝑁𝑁, 𝑆𝑆) Outros tantos fatores são incorporados a essa equação, atualmente, como a capacidade de organização empresarial, mas, para a análise inicial do crescimento econômico, consideremos o capital humano e o capital físico. O capital humano é a renda potencial de um indivíduo gerada por seu talento, por sua educação e por suas habilidades naturais e adquiridas. A produtividade de um trabalhador (a quantidade de bens produzidos em certo período de tempo) é dada pela quantidade de recursos físicos — máquinas e equipamentos — e sua própria força de trabalho. Esse capital é adquirido pela educação formal e informal, pelo treinamento e pela experiência. Aí reside um dos problemas para os países em desenvolvimento: o investimento em educação se 1 Adam Smith (1723-1790), tido como o fundador da Ciência Econômica, foi o autor do livro clássico A Riqueza das Nações. 2 Para uma compreensão intuitiva, pode-se resolver assim essa equação: com o emprego de 10 homens (L), usando 5 teares (K) e 100 quilos de fio (RN) produz-se 300 metros de tecido (Y). Considere a produção nacional (PIB) como a soma de todas as produções individuais dos bens e de todos os recursos empregados. 3 David Ricardo (1772-1823) foi um dos fundadores da escola clássica de economia política. 26 realiza no longo prazo e as necessidades de curto prazo, a subsistência do indivíduo e as decisões de alocação dos recursos para o desenvolvimento pelo governo geram o chamado círculo vicioso da pobreza (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). O capital físico (instalações, máquinas, equipamentos e a tecnologia embutida) ocupa a maior parte das preocupações com o desenvolvimento, dada sua capacidade de aumentar enormemente a produtividade dos recursos econômicos e, via inovação, expandir continuamente os limites da produção. A importância desse fator é expressa na relação produto-capital (v), que é a relação entre a variação do produto de uma economia (expressa como Δy) e a variação da quantidade de capital empregada (Δk): v = Δy / Δk No Brasil, por exemplo, a relação produto-capital é igual a 0,33, indicando que para aumentar o produto em R$ 33 bilhões é necessário aumentar os investimentos em R$ 100 bilhões. Em termos práticos, “esse conceito revela que é possível aumentar a taxa de crescimento econômico quando ocorrer um aumento da taxa de investimento e/ou deslocamento dos investimentos para os setores em que a relação entre produto-capital seja mais elevada” (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). PIB Os indicadores do produto nacional são utilizados habitualmente para aferirmos a atividade econômica. O Produto Interno Bruto – PIB, por exemplo, mede o total da produção no país, independentemente da origem dos fatores de produção utilizados e pode ser representado pela equação Y = C + I + G + E - M. 27 O PIB serve para medir o nível de atividade econômica no país e, analisando seu comportamento no tempo, seu crescimento e a velocidade desse crescimento. No entanto, não fornece uma série de informações sobre a qualidade desse crescimento, em termos dos bens produzidos e dos efeitos ambientais gerados, nem sobre os benefícios gerados para a população, em termos de distribuição de renda, por exemplo. PIB per capita O PIB per capita nos dá uma melhor informação sobre o nível da atividade econômica, considerando o tamanho da população. Na verdade, o PIB simplesmente informa o tamanho absoluto da produção da economia, mas cabe perguntar quantos concorreram a essa produção e quantos foram por ela beneficiados. Embora qualifique um pouco mais a informação sobre o tamanho da economia, o PIB per capita não resolve as críticas apontadas para o PIB e, principalmente, é um indicador do produto médio, não nos informa sobre a distribuição da renda entre a população. Índice de Gini A medida da distribuição (ou da concentração) da renda pode ser obtida pelo índice de Gini. Varia de zero (igualdade perfeita) a um (desigualdade perfeita). Esse índice, por informar sobre a distribuição da riqueza, parece mais indicado para medir o grau de desenvolvimento de uma sociedade, assumindo-se como pressuposto a correlação entre a distribuição de renda e o acesso aos bens e serviços necessários a nossa existência. 28 Índice de Desenvolvimento Humano – IDH O IDH objetiva estabelecer um índice que expresse a qualidade de vida de uma população não apenas de um ponto de vista econômico, mas também considerando as dimensões sociais, culturais e políticas. Os relatórios de desenvolvimento humano, publicados desde 1990 pelo PNUD, propõem uma agenda sobre temas relevantes ligados ao desenvolvimento humano e reúnem tabelas estatísticas e informações que compõem o índice. As tabelas abrangem os seguintes indicadores: características do município, saúde, educação, renda, moradia e população. 6. Os Modelos de Desenvolvimento Econômico (Aula 6) 6.1. Modelos de desenvolvimento econômico O estudo do crescimento e do desenvolvimento econômico é uma preocupação constante na literatura econômica, desde o século XIX, por conta da já notável distância entre países ricos e pobres, mas a partir da 2ª Guerra Mundial cresce a atenção dada ao problema. Fica evidente que a adoção dos paradigmas aplicáveis a partir da literatura dominante não seria suficiente para dar conta da questão do subdesenvolvimento. Novos paradigmas, construídos a partir das realidades específicas dos países em desenvolvimento, foram elaborados, buscando dar conta das questões. Como exemplo, temos o modelo da Cepal, construído a partir do trabalho de Raul Prebisch, assentado sobre as relações centro/ periferia e que via na proteção à indústria nascente, dos países em desenvolvimento, como o caminho para a superação do atraso econômico. 29 A partir da década de 1980, o relativo fracasso das políticas adotadas fez surgir posições contrárias à construção de paradigmas específicos, sob o argumento geral de que uma de suas características seria sua generalidade (Magalhães, 1996). Vamos examinar a seguir duas escolas dominantes na construção desses modelos: a Escola do Desenvolvimento e as teorias neoclássicas do desenvolvimento. 6.1.1. A escola do desenvolvimento Esta escola busca entender historicamente as causas do subdesenvolvimento das economias de base agrária e, a partir dessa compreensão, explicar como fazer a passagem para uma economia industrializada. O pressuposto dessa corrente é de que haveria estágios a serem necessariamente cumpridos pelas economias em direção ao desenvolvimento. A formulação de Rostow, feita a partir da análise dos processos de desenvolvimento dos países desenvolvidos, identifica cinco estágios de desenvolvimento (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011): 1. Sociedade tradicional; 2. Prerrequisitos para o arranco; 3. Arranco ou decolagem – take-off; 4. Crescimento autossustentável (marcha para o amadurecimento); 5. Idade do consumo de massa. A sociedade tradicional, predominantemente agrária, experimenta, a partir de uma séria de mudanças no aumento da taxa de acumulação de capital em relação ao aumento da população e na melhoria da qualificação da mão de obra, condições para um avanço nas forças produtivas. 30 Ao mesmo tempo, o investimento na infraestrutura (transportes, comunicações, energia, saneamento) e o aumento da produtividade agrícola permitem, respectivamente, a implantação e o financiamento de uma indústria nascente. Na terceira etapa, a decolagem se institucionaliza no crescimentocontínuo, associando-se ao aumento da taxa de investimento e ao surgimento de novos setores industriais de bens de consumo duráveis. O crescimento autossustentável se consolida quando a tecnologia e os ganhos de produtividade se difundem por todos os setores. Finalmente, na etapa final, se consolidam os setores de bens duráveis e de capital com alto conteúdo tecnológico. Nessa fase, a o consumo dos trabalhadores se concentra em bens duráveis, não fazendo mais parte de sua preocupação o atendimento às necessidade básicas. 6.1.2. As teorias neoclássicas de crescimento Esta escola, na verdade um conjunto de modelos interpretativos do desenvolvimento, tem por objetivo identificar as variáveis determinantes do crescimento do produto per capita ao longo do tempo. O modelo de crescimento, bastante difundido, de Harrod-Domar se assenta sobre três variáveis para o crescimento: a taxa de investimento, a taxa de poupança e a relação produto/ capital (v). A taxa de poupança (S) corresponde à parcela da renda não consumida e, então, à fonte para o financiamento ao investimento. Assim, podemos acrescentar a taxa de poupança, teoricamente idêntica à taxa de investimento (I), à equação vista da relação produto capital: v = Δy / Δk de tal forma que 31 y = s x v Assim, continuando o exemplo prático anterior, considerando os dados simplificados da economia brasileira, para a taxa de poupança de 20% e uma relação produto-capital de 0,33, a taxa de crescimento será: y = 0,2 x 0,3 = 0,06 Como esses dados referem-se, aproximadamente, ao Brasil, a fórmula mostra o nível de crescimento potencial do Brasil, ou seja, 6% ao ano (Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011). 6.2. Estratégias de desenvolvimento (Souza, 2012) Os dois modelos simplificadamente apresentados permitem que se tenha uma ideia balizadora dos parâmetros do desenvolvimento. Parece claro, e unânime, que a industrialização é necessária ao desenvolvimento, pelo que traz de crescimento do produto e de modernização da própria sociedade. Ao se examinarem as trajetórias adotadas pelos países ao longo da História, podem-se identificar três conjuntos de estratégias ou condições específicas. Os países europeus que primeiro se industrializaram tiveram como motor desse processo o grande aumento da produtividade agrícola, o que liberou mão de obra e recursos para as áreas urbanas. A Revolução Industrial que ocorreu na Inglaterra, no século XVIII, resultou de uma série de transformações na produtividade da agricultura, nas técnicas de produção de bens, passando à produção industrial, e nas próprias instituições sociais e econômicas do país. A Inglaterra não simplesmente se industrializou, mas fundou um novo tipo de sociedade baseada na economia de mercado. 32 O poder econômico, comercial e industrial do país o distanciou rapidamente das demais potências mundiais, levando-o à condição de nação líder por 200 anos. Os países europeus em especial, além do distante Japão, perceberam que se não se industrializassem na mesma medida perderiam qualquer protagonismo nas relações internacionais. Por isso, o século XIX caracterizou-se como um século de intenso progresso, no qual a economia de mercado avançou sobre as antigas estruturas econômicas mercantilistas. Os estágios seguidos para a consolidação de economias modernas não prescindiu do Estado, contudo. Na organização institucional da sociedade, na construção de um sistema monetário, no estabelecimento das áreas de influências internacionais, no arranjo dos sistemas de crédito, para financiamento das indústrias nascentes, o Estado exerceu papel preponderante. Mas, é preciso deixar claro, essa participação assentou-se sobre os princípios de uma economia de mercado. Após a 2ª Guerra Mundial, os países subdesenvolvidos lançaram-se em direção ao desenvolvimento através da estratégia de substituição de importações, que consistia em passar a produzir internamente o que era antes importado. A condição para o funcionamento desse modelo era criar internamente indústrias protegidas da competição das indústrias estrangeiras mais maduras, com maior capacidade competitiva. Esse modelo esgotou-se ao fim da década de 1970, pois a indústria assim criada não desenvolveu a capacidade competitiva, era ineficiente em termos de custo e mostrava pouca inovação. O Estado desempenhou um papel importante nesse modelo, garantindo a proteção à indústria doméstica e criando a infraestrutura necessária à industrialização, além da criação de empresas estatais nos setores de base, como petróleo e energia, e dos bancos estatais para o financiamento da produção. 33 O fracasso desse modelo, no entanto, levou os países a uma nova estratégia de desenvolvimento, baseada na abertura das economias, via redução das barreiras à importação e à promoção das exportações da indústria doméstica. O sucesso dessa estratégia, chamada de “crescimento para fora”, ficou evidente pelo desempenho dos países conhecidos como “tigres asiáticos”, Coreia, Taiwan, Hong Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia e Indonésia. Para tal, esses países, além de manterem políticas de gastos de governo bem administradas, valeram-se de taxas de poupança elevadas e um sistemático investimento em educação. A combinação parece confirmar o modelo examinado mais acima sobre a conjugação do capital físico, traduzido nas altas taxas de poupança, e do capital humano, expresso aqui no investimento em educação. Em especial nesse último caso, o papel do Estado parece fundamental, considerando as limitações impostas pelas falhas de mercado em retirar uma população do círculo vicioso da pobreza, em que não pode educar-se por falta de recursos e, por isso, não eleva sua capacidade de produzir. 34 7. As Políticas Econômicas (Aula 7) 7.1. A política fiscal no Brasil O Estado dispõe de um conjunto de políticas econômicas que servem ao cumprimento das suas ações sobre o domínio econômico, cada uma delas atuando sobre um aspecto particular da vida econômica da nação, mas que, articuladas, buscam alcançar os objetivos definidos em busca do bem comum. São elas: • Política fiscal; • Política monetária; • Política cambial; • Política de comércio exterior; • Política de desenvolvimento. Outras tantas ações, mais ou menos específicas, podem ser conjugadas para a atuação sobre o domínio econômico. No entanto, a política fiscal é a base de sua organização financeira e corresponde àquela atividade “desempenhada pelos poderes públicos com o propósito de obter e aplicar recursos para o custeio dos serviços públicos” (Matias-Pereira, 2010). Os efeitos gerados pela política fiscal se realizam em dois níveis. Primeiro, no estabelecimento de dos conjuntos de diretrizes que opera: 1. Política tributária: correspondente à principal fonte de captação de recursos do Estado; 2. Política orçamentária: refere-se à orientação e sistematização das receitas e dos gastos governamentais. Em outro nível, temos os efeitos decorrentes dos próprios programas estabelecidos, voltados para o cumprimento das funções do Estado e para a promoção do desenvolvimento econômico e social. 35 Na realidade, é a função orçamentária que conjuga todas, ou quase todas, as ações governamentais, estabelecendo de forma sistemática todos os ingressos e dispêndios financeiros do Estado. O orçamento é, então, o instrumento de planejamento que representa e condiciona o fluxo previsto de ingressos e de aplicação de recursos financeiros em determinado período. As finanças públicas podem assim ser esquematizadas: Toda e qualquer movimentação financeira verificadanos cofres públicos está no âmbito das finanças públicas; no entanto, em um sentido estrito, apenas aquelas constantes no orçamento são consideradas como tais, tanto no que diz respeito à receita quanto à despesa. Despesas extraorçamentárias seriam aquelas referentes a ingressos ou saídas referentes, por exemplo, a cauções, fianças ou restos a pagar. 7.2. Tributos e desenvolvimento Vimos que o Estado tem a necessidade de gerar recursos financeiros que permitam o desempenho de suas funções. Esses recursos podem provir de uma variedade de fontes, como a prestação de um serviço ou a venda de um bem, ou ainda como resultado de uma operação de capital. 36 Contudo, a realização de receita pelo Estado se dá, principalmente, através da arrecadação tributária. Os tributos podem gerar dois efeitos sobre a economia: 1) Imediatamente tem um efeito depressor sobre a renda disponível, reduzindo a capacidade de consumo e, por extensão, reduzindo o nível da atividade econômica. Quando reduzida a incidência, o efeito é reverso, levando a um aquecimento do consumo; 2) Como são a fonte necessária de financiamento equilibrado dos gastos e investimentos públicos, são voltados, entre outros usos, para aqueles diretamente aplicáveis no desenvolvimento econômico. Por esse segundo efeito, pode-se pensar que o governo tem uma capacidade de financiamento quase infinita, pois qualquer aumento na despesa poderia ser custeado pelo aumento de impostos. Na verdade, existe um limite à cobrança de impostos, dado pela disposição decrescente dos contribuintes em entregar uma parte de seus rendimentos, fruto de seu esforço, ao fisco. Nem todo aumento nas alíquotas dos impostos corresponderá a um aumento da receita do governo. A relação entre o aumento das alíquotas e a receita total foi expressa por Arthur Lafer na chamada “curva de Lafer” (Giambiagi; Alem, 2011). 37 Entre uma alíquota zero e uma de 100%, haveria uma alíquota que maximizaria a receita do governo, conforme demonstra o gráfico. Esse ponto de maximização da receita governamental corresponderia, então, ao limite da capacidade de cobrança de impostos: qualquer aumento da alíquota do imposto, a partir desse ponto, corresponderia a uma efetiva diminuição na receita tributária. 7.3. Programas de governo e desenvolvimento Quando vemos no jornal as acaloradas discussões sobre quanto o governo gasta com a educação, com a saúde ou com os juros da dívida pública, estamos assistindo a uma discussão de natureza política sobre que setores da sociedade estão sendo beneficiados pelos gastos governamentais. Isso quer dizer que o cumprimento das funções do Estado pressupõe uma decisão sobre como serão distribuídos os recursos entre as atividades a serem desempenhadas. Assim, estamos falando na distribuição dos recursos entre os órgãos do Estado que executarão esses gastos para o atendimento dessas funções. As políticas voltadas ao desenvolvimento estão, naturalmente, incluídas nessa distribuição dos recursos. A realização dos objetivos estratégicos do governo brasileiro é feita através de programas definidos no Plano Plurianual – PPA para o período de quatro anos. Busca-se, dessa forma, maior racionalidade, eficiência e transparência na administração pública, ampliando a visibilidade dos resultados e benefícios gerados para a sociedade (Secretaria do Tesouro Nacional, 2008). O programa é a peça fundamental na organização da administração pública, articulando um conjunto de ações que voltadas para um objetivo comum visando à solução de um problema ou ao atendimento de determinada necessidade ou demanda da sociedade. 38 A partir das macrodefinições orçamentárias da carga tributária e dos gastos públicos, definidos através dos programas de governo, a política fiscal se articula com as outras políticas econômicas para a promoção do crescimento da economia e o desenvolvimento do país. Esse mecanismo, por si, não implica na adoção de uma ou outra das doutrinas estudadas de intervenção do Estado na economia; apenas mostra como se dá essa relação em termos concretos. Mostra também como políticas se tornam ações com capacidade de fomentar o desenvolvimento econômico. Os programas de desenvolvimento tecnológico, de desenvolvimento industrial, de construção de infraestrutura, entre outros, resultam desse sistema orçamentário público. A natureza desse sistema, deve-se ter claro, é política, o mecanismo decisório atravessa em tese toda a sociedade, desde a relação que se estabelece com os representantes das camadas da população até o desenho da proposta orçamentária apresentada pelo executivo e aprovado pelo Congresso. A natureza do que se decide nesse processo foi visto conceitualmente, a partir da visão dos economistas e dos doutrinadores sobre a participação do Estado na economia. No entanto, os sistemas políticos que encontramos na prática não são puros e podem não corresponder exatamente ao que se espera deles. O entrelaçamento de interesses particulares pode sobrepor-se aos interesses gerais e ultrapassar mesmo os limites do Estado de Direito. Deve-se entender, a partir do exposto, que política de desenvolvimento corresponde a um conjunto de programas públicos voltados para a promoção do crescimento econômico acima das taxas de crescimento da população, para garantir a distribuição de renda, fortalecendo o mercado, e para o aperfeiçoamento dos institutos sociais. 39 7.4. Governo, déficit e inflação Na execução da política fiscal, isto é, na execução das políticas de arrecadação e de gastos do governo, interessa-nos especialmente entender o impacto líquido sobre a sociedade. Mais ainda, é necessário entender esses efeitos em articulação com outras políticas econômicas, em especial com a política monetária. Como é função do governo, entre outras, estimular o crescimento econômico e como, no desempenho de suas funções, ele é chamado a gastar cada vez mais, entender e administrar o déficit público é um ponto central nas discussões sobre as finanças públicas. As ações imediatas de política fiscal em caso de déficit são o aumento de impostos ou o corte nos gastos. No entanto, pelo impacto que tais medidas podem ter sobre a economia, pode-se considerar financiá-lo com recursos extrafiscais, obtendo os recursos necessários junto ao Banco Central ou junto ao setor privado. O impacto dessas duas formas sobre a economia é diferenciado pelo efeito que provocam na quantidade de moeda em circulação e sobre o grau de endividamento do governo. Na primeira forma, o Tesouro Nacional obtém o recurso do Banco Central, que, por sua vez, emite moeda para compensação do déficit. Esta forma é, por isso, inflacionária, pois eleva a quantidade de moeda em circulação. Isso cria o que se chama de imposto inflacionário, isto é, uma diminuição do poder aquisitivo da população pela defasagem entre os preços e os salários, pois estes são corrigidos após a elevação dos preços. Isso é uma decorrência do monopólio de emissão do Banco Central e da sua capacidade de emitir quase indefinidamente, fazendo com que a moeda, pelo aumento da quantidade em circulação, perca seu valor frente aos bens e serviços ofertados. 40 O efeito inflacionário da política fiscal é uma das consequências mais graves do desequilíbrio das contas públicas e explica por que a preocupação do governo em controlar os déficits. Atualmente, o déficit público é colocado, de forma quase consensual, como elemento chave a ser contemplado em qualquer estratégia que vise manter sob controle a inflação no Brasil. A obtenção dos recursos com o setor privado, a segunda forma, é feita com a emissão de títulos da dívidapública4, trocados por moeda em circulação, o que não traria, de imediato, efeitos inflacionários, mas elevaria o montante da dívida pública. Eventualmente, a depender das condições de crescimento da dívida, o governo poderia ser obrigado a elevar as taxas de juros oferecidas, de modo a atrair investidores, internos e externos. Uma consequência disso seria a diminuição dos investimentos no setor produtivo, que seriam voltados para os empréstimos ao governo. O aumento da dívida, considerada uma proporção do PIB, poderia, enfim, aumentar o risco percebido pelos emprestadores e forçar uma escalada nos juros. Esse é, na verdade, um ponto importante: o nível dos juros é, em parte, função do risco percebido pelo emprestador. Quanto maior o risco de uma operação, maiores o juros a partir dos quais os investidores estariam dispostos a aplicar seu capital. Em se tratando de empréstimos a governos, o risco associado resulta da capacidade percebida de pagamento. Assim, países desenvolvidos, como os Estados Unidos, pelo tamanho de sua economia e da força de seu Estado, são avaliados como de risco baixo para o investidor, isto é, supõe-se que eles sempre honrarão os títulos emitidos. 4 Dívida pública: é a divida contraída pelo governo com entidades e pessoas da sociedade, visando angariar recursos para o cumprimento de suas funções. A dívida pública federal exclui os governos estaduais, o Banco Central e as empresas estatais. 41 Seus governos podem, então, mesmo com um elevado nível de endividamento, trabalhar não só com níveis baixíssimos de juros, mas principalmente oferecer títulos de longo prazo, com vencimento para mais de 10 anos. 8. A Ação do Estado para o Desenvolvimento Econômico (Aula 8) 8.1. Desenvolvimento e as falhas de governo Vimos como as falhas de mercado servem para justificar a participação do governo na economia. Isto porque o crescimento econômico pode provocar ou acentuar desequilíbrios sociais e regionais, e a existência de monopólios e cartéis pode impedir ou retardar o processo de desenvolvimento econômico. A correção dessas distorções, as quais tirariam o mercado de seu funcionamento ótimo, se justificam de modo mais claro nos países em desenvolvimento, cuja imaturidade do mercado não conduz necessariamente a um crescimento equilibrado. No entanto, o crescimento da participação do governo na economia acabou por gerar as chamadas falhas de governo. O aumento dos gastos públicos, acompanhado por má gestão dos recursos e corrupção, teve como resultado uma continuada perda de eficiência econômica. Reforçam-se, a partir de 1980, as críticas à participação do Estado na economia diante desse quadro, sugerindo que deveria restringir-se, de fato, às suas funções básicas na saúde, educação e segurança. Adam Smith preconizou que a busca de cada para a maximização de seu ganho levaria a um aumento generalizado da riqueza, atingindo-se, por fim o ótimo de Pareto, isto é, para qualquer grupo não haveria a possibilidade de melhorar sua situação, a não ser piorando a de outro grupo. Assim, somente com o aumento da produtividade e do crescimento econômico pode haver aumento no nível de riqueza geral sem que alguém saia perdendo. 42 Isso significa que o bem-estar social não aumenta quando há simplesmente a transferência de riqueza de um grupo para outro, sem crescimento do produto. Em uma sociedade excessivamente regulamentada, em que os princípios de mercado não são exatamente aplicados, e grupos de interesse controlam partes do sistema público ou de setores produtivos de forma cartelizada, verifica-se uma elevação de custos privados e sociais. Essa elevação de custos compromete a eficiência da economia como um todo, fazendo com que o produto efetivo fique abaixo do produto potencial. A busca de ganhos improdutivos, ou rent-seeking, isto é, que não correspondam a um efetivo incremento da produção, reduz, ao fim, o desenvolvimento econômico. O termo rent-seeking, aplicado pela economista Anne Krueger, em 1974, serve “para designar as atividades improdutivas, envolvendo o desperdício de recursos, exercido por indivíduos que procuram embolsar parcelas da renda, geralmente sob a égide do Estado” (Souza, 2012). A procura por lucros (profit-seeking) empreendida por pessoas e grupos é característica do comportamento de maximização dos retornos que geram benefícios sociais em uma estrutura de mercado competitiva. No entanto, em determinado contexto institucional esse comportamento se converteria em simples transferência de “parte do excedente pessoal em proveito próprio” (Souza, 2012). Exemplo desse comportamento é o que resulta do protecionismo alfandegário ou da concessão, pelo governo, de um monopólio. A possibilidade da manutenção de um preço acima dos preços médios implicará não na criação de valor, mas na transferência líquida de valor dos consumidores aos produtores. Segundo Buchanan (Souza, 2012), existem três níveis de rent-seeking: 43 • Pela criação de privilégios a grupos; • Pela ampliação da burocracia estatal; • Pelo surgimento de grupos de pressão ou de lobby. O resultado final desse comportamento, que ocorre em especial nas economias não maduras, é que os custos de crescimento são mais altos, disseminando uma série de custos de natureza não econômica e, como visto, funcionando como freio ao crescimento econômico. 8.2. O papel regulador do Estado A discussão sobre o tamanho do Estado e o grau de intervenção na economia tem, na atualidade, por força avanço econômico e social verificado, diminuído sensivelmente a importância do papel de Estado produtor. Isso impõe e ressalta a importância do Estado regulador, pois algumas atividades, independentemente de quem as executa, tem uma natureza pública, decorrente de sua essencialidade. Cabe ao governo, então, retirando-se do envolvimento com a operação, cuidar para uma efetiva prestação dos serviços. No Brasil, isso está vinculado e condicionado ao contrato de concessão, um instrumento complexo que busca dois objetivos: a garantia do bem-estar do consumidor e a garantia de um retorno atrativo para o investidor. Para tal, a partir de 1995, quando se inicia o processo de reestruturação e regulação dos setores de infraestrutura, principalmente de comunicações e energia, desenha-se uma estrutura de controle baseada em agências reguladoras, sendo as principais: a Agência Nacional de energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e a Agência Nacional de Petróleo – ANP. 44 Essa atividade reguladora impõe às agências algumas necessidades na sua organização (Giambiagi; Alem, 2011): 1) Independência, isto é, autonomia da agência no cumprimento de suas funções, desvinculada das interferências de natureza política de curto prazo; 2) A assimetria de informações determina a constituição de um copo técnico permanente, capaz de acumular conhecimentos específicos à atividade de regulação; 3) Descentralização da fiscalização, tendo em vista o caráter local das prestações dos serviços e da grande dispersão geográfica na sua execução; 4) Coordenação das agências com outros órgãos do Estado, como por exemplo, com o CADE – Conselho administrativo de Defesa Econômica ou com o PROCON. O Estado, após o processo de privatização, na verdade é verificado em maior ou menor grau em todo o mundo, apenas muda de papel, mas é ainda, em última instância, responsável pela ordenação na prestação dos serviços de natureza pública. 8.3. A parceria público-privada No contexto da reorganização patrimonial do Estado em nível internacional, não cabia uma simples retirada do Estadodas atividades produtivas pura e simplesmente, pois em muitos casos permanece a demanda por investimentos estatais, em especial em setores de infraestrutura. Para manter uma capacidade de investimento condizente com as necessidades de crescimento e modernização sem forte pressão sobre as finanças estatais, instituiu-se o que veio a se chamar de parceria público-privada. A PPP foi adotada em vários países, e embora não de modo uniforme, cada país desenvolveu seu próprio modelo. 45 Basicamente a PPP consiste no estabelecimento de associações entre o Estado e empresas privadas para a atuação em áreas em que há limitações para o investimento governamental ou em que as operações possam ser mais eficientemente cumpridas pela iniciativa privada. A experiência com as PPPs tem resultado na aceleração de investimentos que poderiam, a depender do Estado, demorar na sua implementação, no regime de concessões comuns. Além disso, tem permitido a transferência dos riscos de construção e operação para o setor privado, melhorando o sistema de contratação, via concorrência, e maximizando os benefícios financeiros para o Estado via compartilhamento dos riscos e custos. A utilização dos PPPs deve ser encarada de forma pragmática e bem avaliada na sua oportunidade e forma de operação, para representar um ganho efetivo para a administração pública. 8.4. Perspectivas da ação do Estado A necessidade de reformas continuadas no Estado contemporâneo mostra-se, como visto, complexa, não se resolvendo apenas de um ponto de vista “técnico”. Passa, necessariamente, pela construção de um arranjo político que não tem, a priori, uma direção a ser seguida. O objetivo genérico de desenvolvimento econômico e social requer que se o definam, em conjunto, os objetivos de desenvolvimento tecnológico, da elevação educacional do povo, do fortalecimento das instituições democráticas, da preservação ambiental, da distribuição de renda, entre tantos outros, enfim, que devem surgir do debate democrático. O governo, parte necessária desse processo, deve por seu lado desenvolver o aparato institucional e os instrumentos de política fiscal e econômica, de modo geral, que lhe permitam lidar com os desafios do desenvolvimento. 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, B. A. (). Relações entre o Direito Econômico e o Direito Constitucional. 19 de Dezembro de 2012. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,relacoes-entre-o- direito-economico-e-o-direito-constitucional,41225.html>. Acesso em: 29 fev. 2016. AZAMBUJA, D. (2008). Introdução à Ciência Política. 2. ed. São Paulo: Globo. BOTTOMORE, T. Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. CERVO, F. S. Anotações à intervenção do Estado no domínio econômico. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,anotacoes-a-intervencao-do-estado-no-dominio- economico,50545.html>. Acesso em: 29 fev. 2016. CICCO, C.; GONZAGA, A. D. Teoria Geral do Estado e Ciência Política. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. FERREIRA, A. B. Dicionário de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. KRUGMAN, P. R.; WELLS, R. Introdução à Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. MAGALHÃES, J. D. Paradigmas Econômicos e Desenvolvimento. 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Falhas de mercado (Giambiagi; Alem, 2011; Pinho; Vasconcellos; Toneto Jr., 2011; Rocha, 2007) 4.3. Falhas de mercado e governo 5. A Intervenção do Estado na Economia (Aula 5) 5.1. Crescimento e desenvolvimento 6. Os Modelos de Desenvolvimento Econômico (Aula 6) 6.1. Modelos de desenvolvimento econômico 6.1.1. A escola do desenvolvimento 6.1.2. As teorias neoclássicas de crescimento 6.2. Estratégias de desenvolvimento (Souza, 2012) 7. As Políticas Econômicas (Aula 7) 7.1. A política fiscal no Brasil 7.2. Tributos e desenvolvimento 7.3. Programas de governo e desenvolvimento 7.4. Governo, déficit e inflação 8. A Ação do Estado para o Desenvolvimento Econômico (Aula 8) 8.1. Desenvolvimento e as falhas de governo 8.2. O papel regulador do Estado 8.3. A parceria público-privada 8.4. Perspectivas da ação do Estado
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