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1. Imagem da SIC Notícias A Censura à Imprensa durante o Estado Novo Unidade Curricular: História dos Media Docente: Prof. Francisco Rui Cádima Discentes: Rita Robalo Rosa nº 48527; Rui Pedro Gonçalves Pereira nº 48528 Ciências da Comunicação – 2º Semestre (2015/16) Pág. 2 Índice Introdução .............................................................................................. 3 Contextualização ..................................................................................... 3 Portugal e a Imprensa antes da Ditadura .................................................... 3 Portugal Ditatorial e a (re)instauração da Censura ......................................... 6 O que é a Censura e as suas implicações ................................................... 8 A Imprensa durante a Censura ................................................................. 10 Os exemplos mais predominantes ............................................................ 10 A sua distribuição geográfica ................................................................... 15 As práticas da Imprensa e como reagia à Censura ....................................... 16 O Impacto Social da Imprensa ................................................................. 18 O papel da Imprensa ao longo da Ditadura ................................................ 19 Transição de Regimes: da Censura à Liberdade .......................................... 21 Conclusão ............................................................................................ 22 Referências Bibliográficas ....................................................................... 23 Anexos ................................................................................................ 24 Pág. 3 Introdução No presente trabalho vamos abordar um tema sensível à sociedade portuguesa, em especial para a comunicação social: a Censura. O nosso trabalho focar-se-á na área da Imprensa, já estudada por alguns autores, nomeadamente Graça Franco no seu livro A Censura à Imprensa (1993). Apesar de nos focalizarmos na Imprensa, vamos apresentar uma breve contextualização da censura antes do Estado Novo, o seu ressurgimento e depois iremos falar da censura à Imprensa revelando os exemplos mais importantes, o seu desenvolvimento, o seu impacto social e o seu papel na transição de regimes. Com este trabalho pretendemos analisar especialmente as suas reações aos sucessivos cortes, as suas práticas, os exemplos mais importantes e o seu impacto social. O objetivo do trabalho é responder à seguinte questão: “Qual o papel da Imprensa no Estado Novo e após esse período?” Contextualização Portugal e a Imprensa antes da Ditadura Entre a Primeira República e o estabelecimento do Estado Novo, Portugal viveu anos bastante atribulados no que diz respeito a assuntos de carácter político. Devido à instabilidade política, de 1910 a 1926, a liberdade de expressão varia consoante o Governo que toma posse, contudo “as mudanças governativas não implicam, na maioria dos casos, alterações legislativas” (Franco, 1993, p. 9). Apesar disto, não foi com o 28 de maio que a estabilidade política voltou. Até chegar ao fim, a Monarquia “respeitara as regras do liberalismo, mantendo intocada a Liberdade de Imprensa.” (Franco, 1993, p. 35). Devido a isso, muitos jornais constituíram-se nessa altura, mas muitos eram republicanos, tendo papéis decisivos no “derrube do velho regime” – referindo-se à Monarquia – (apud Franco, 1993, p. 35). O princípio da liberdade é aclamado com a Primeira República e logo na primeira Constituição republicana é consagrado o direito de livre expressão do Pág. 4 pensamento “sem dependência de caução, censura ou autorização prévia” (Franco, 1993, p. 37). O direito consagrado na Constituição demonstra o respeito que os republicanos tinham pela liberdade de expressão e “revoga a lei repressiva de 1907 que João Franco lançara (…) numa última tentativa de calar a Oposição.” (Franco, 1993, p. 37). Contudo – e não fosse este um período ambíguo – uns dias mais tarde foram proíbidas as vendas de “publicações pornográficas ou redigidas em linguagem despejada e provocadora” (Franco, 1993, p. 37), justificando com a explicitação da diferença entre os conceitos de liberdade e libertinagem. Ainda assim, afirmam que a censura é proibida, apesar de, mais uma vez, estarem previstos na lei “abusos de liberdade de Imprensa”, sendo estes relacionados com os crimes como cidadãos (Franco, 1993, p. 38). Independentemente desta liberalização do país, em 1912, quando Manuel de Arriaga esteve no poder, foram abolidos jornais devido a critérios muito subjetivos, “pois estavam sujeitos a apreensão os escritos «redigidos em linguagem despejada e provocadora contra a segurança do Estado, da ordem e da tranquilidade pública» (artigo 1º) da lei de 9 de julho de 1912” (Franco, 1993, p. 40). Tendo presente nesta lei a constante preocupação dos governantes pela agitação da população devido à instabilidade político-social, era impossível “ignorar o poder e o papel da imprensa na desestabilização social.” (Franco, 1993, p. 40). Durante a I Guerra Mundial, da qual Portugal fez parte a partir de 1916, o país viu-se num período de censura forte, embora “por motivo de guerra”. (Franco, 1993, p. 41). Podiam ser apreendidos artigos que alarmassem o espírito público ou causassem prejuízo ao Estado; condenavam-se afirmações ofensivas, entre outras (Franco, 1993, p. 42). Justificavam as suas decisões declarando que era a melhor opção dos jornais, prevenindo castigos de maior dimensão. Foi também no período da I Grande Guerra que foi instaurada a censura prévia, onde os censores eram, preferencialmente, “oficiais do exército de terra, mar e ar” (Franco, 1993, p. 45). Na censura prévia “deveriam ser apresentadas (…) provas de página” (Franco, 1993, p. 46) e a parte eliminada ficaria em branco, a não ser que a substituíssem e aprovassem dentro de uma hora. Mantendo o espaço em branco, isto implicava um risco diferente, segundo Graça Franco (1993): “os jornais podiam ser Pág. 5 tentados a exagerar os relatos e forçar o «corte» de forma a aguçar a curiosidade dos leitores” (p. 46). Numa fase mais avançada as restrições aumentavam, mais uma vez relacionadas com a guerra. Para além das restrições também o número de páginas dos jornais era controlado. Os jornais juntaram-se contra as aplicações da “censura de guerra”, como iremos observar posteriormente. Mostrando novamente a instabilidade política de Portugal, é, após o período referido anteriormente, reposta a liberdade de imprensa. Contudo, a imprensa acabava por não ser totalmente livre visto que se mantinha a “censura militar sobre os telegramas, correspondência e outras noticias que se referiam ao movimento em questão” para não prejudicar as ações militares (Franco, 1993, p. 62). Com o Golpe de Estado de 28 de maio de 1926 (revolta militar de cariz nacionalista e antiparlamentar que pôs fim à Primeira República, levando à implantação da Ditadura Militar, depois autodenominada Ditadura Nacional e por fim transformada, após a aprovação da Constituição de 1933, em Estado Novo) voltou a censura ao país e desde então manteve-se até 1974. Foi o Estado Novo que acabou com o liberalismo em Portugal. Graça Franco (1993), dá-nos a conhecer uma entrevista que Gomes da Costa deu ao Diário da Tarde, onde afirma que não está disposto a estabelecer a censura, pelo menos enquanto os jornais não o incomodarem (p. 67). Pouco tempo depois estava a ser estabelecida a censura, o que revela que por de trás das decisões políticasestavam interesses pessoais – coisa que atualmente ainda se pode observar, contudo na época tinha maior ênfase pois não havia Democracia. Foi abolido o espaço em branco, pois os censores não queriam que o público conhecesse a ação da censura. Apesar das mudanças, e da, até ao momento, instabilidade política, nenhuma mudança adotou atitudes favorecedoras na abordagem da censura. Pág. 6 Portugal Ditatorial e a (Re)Instauração da Censura Estando no “oficial”1 Estado Novo, a Censura não desaparece, mas sim intensifica-se e organiza-se não deixando margem para dúvidas: a Censura não iria acabar, no mínimo, não tão cedo quando todos esperavam. Descreve-nos Graça Franco (1993) uma entrevista de António Ferro a António Oliveira Salazar, onde o jornalista coloca a seguinte questão ao Ministro: “Não terá chegado o momento de acabar com a censura?” (p. 100), demonstrando as esperanças do corpo jornalístico português. A resposta não alterou grande coisa, sem ser a esperança do jornalista que se desvanecia, pois apenas indicava que entendia as irritações do jornalista: “não há nada que um homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e a expressão do seu pensamento”, admitindo ainda que a Censura é “injusta por vezes” (Franco, 1993, p. 101). Quando enunciava as razões de não o fazer, acaba sempre por fugir à questão, voltando aos tempos primordiais da Censura: os ataques pessoais, a referência à política, a linguagem imprudente, entre outros. No entanto, a razão principal não passava do medo: medo da informação, medo que a população fosse informada, medo da oposição, medo que a população partilhasse os ideais da oposição, pois não era o ideal para o país, segundo a sua ideologia patriótica e rural. Salazar propõe ainda que se crie uma “Ordem dos Jornalistas”, contudo “tal Ordem não poderia ser mais do que a concretização institucional de um fantasma que pairava em todas as redações e que dava pelo nome de autocensura” (Franco, 1993, p. 103). Com a nova Constituição (1933) há um novo enquadramento legal, nomeadamente para a Censura. Esta Constituição não rege nem “conforma a prática política”, mas faz apelos aos “abusos de poder” (Franco, 1993, p. 105). A lei é um espelho da imagem de Salazar o projeto político executado confunde-se com o seu pensamento “neomiguelista, aniliberal e ultraconservador” usando a “ação autocrática que, quando preciso recorre a técnicas fascistas” (apud Franco, 1993, p. 105). A liberdade de expressão de pensamento é garantida como um “direito individual dos 1 O reconhecimento como Estado Novo tornou-se oficial a partir de 1933 com Salazar no poder e a Constituição de 1933 concebida. Pág. 7 cidadãos sob qualquer forma”, no entanto, atentamos a algumas leis que impedem “preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos” (Franco, 1993, p. 106). Segundo Graça Franco (1993), estava “aberto o caminho à institucionalização do exame prévio” (p. 106). A censura prévia impede a “perversão da opinião pública na sua função de força social” e “deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os fatores que a desorientem contra verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade” (Franco, 1993, p. 107). Na Constituição passamos também a ser informados que as “comissões de censura ficam subordinadas ministro do Interior, por intermédio da Direção Geral dos Serviços de Censura” (Franco, 1993, p.107). A liberdade de imprensa parecia cada vez mais longíqua. Tudo isto fazia parte duma “política de espírito” do governo de Salazar. Foi António Ferro que sugeriu a Salazar em 1932 a conceção de uma organização que fizesse propaganda aos feitos do regime e foi dele, igualmente, a formulação doutrinária, a partir desse ano, dessa mesma política, que teve o seu nome pois era uma política de incentivo cultural obediente aos propósitos políticos do regime. Foi também António Ferro que dirigiu o Secretariado de Propaganda Nacional2, que tem uma relação com a Censura “cada vez mais estreita ao longo da vida”, pois Salazar “nunca abrirá mão nem da Censura nem da Propaganda” (Franco, 1993, p. 108). No período em que Salazar concentra em si a maior parte do poder – em teoria e na prática – é quando os jornais da oposição desaparecem. Os jornais da oposição eram muitas vezes usados pelos jornalistas para publicar anúncios oficiais e outras coisas censuradas. A Censura parecia ser inacabável, “exercia-se a nível das cartas confidenciais, das circulares, por vezes das simples indicações verbais da Presidência”, era toda 2 A instituição foi criada em 1933, com a designação de Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), adotando, em 1945, a denominação de Secretariado Nacional de Informação (SNI). Mais tarde, em 1968, foi transformado na Secretaria de Estado da Informação e Turismo (SEIT). O grupo passará a referir-se apenas como Secretariado Nacional de Informação. Pág. 8 uma rede complexa de proibições “que a quase nenhum jornalista poderiam agradar, por mais adepto do fosse do Regime” pois era um impedimento ao exercer esta profissão. Isto é comprovado pela carta que “João Amaral, diretor do Diário de Notícias, jornal afeto ao Governo” escreve dizendo que é “impossível trabalhar nestas condições humilhantes” (Franco, 1993, p. 117). O que é a Censura e as suas Implicações Censura é a aprovação ou condenação prévia (por exemplo, o exame prévio) de difusão de informação, tendo como objetivo a proteção dos interesses de um Estado ou grupo de poder – é comum entre religiões, multinacionais e Governos, como forma de manter o poder. O propósito da Censura é evitar alterações de pensamento num determinado grupo e a derivada vontade de mudança. A censura procura também evitar que certos conflitos e discussões se estabeleçam. A censura condena certas ações de comunicação, ou as suas tentativas. Compreende qualquer tentativa de eliminar informação, opiniões e até formas de expressão. A Censura pode ser explícita (se estiver prevista na lei como na Constituição de 1933 – o que não quer dizer que a população tenha conhecimento da mesma), impedindo a informação de ser divulgada depois de ter sido examinada antecipadamente por uma entidade censora – os censores (que no caso de Portugal, respondiam perante o ministro do Interior, como já referido) – que avalia se a informação pode ou não ser publicada. Pode também exercer-se através da intimidação, onde as pessoas têm receio e incerteza de exprimir ou expor o seu apoio a certas opiniões, com medo de castigos, que sejam pessoais ou profissionais. Ambas as formas foram aplicadas em Portugal. A Censura pode ainda ser compreendida como a supressão de alguns pontos de vista e opiniões diferentes da entidade que exerce a Censura, através da propaganda, contrainformação ou manipulação dos meios de comunicação social (por exemplo, o Secretariado Nacional de Propaganda, dirigido por António Ferro). Esses procedimentos tendem a manipular/persuadir a opinião pública, de forma a precaver que distintas ideias sejam incutidas no povo. Pág. 9 A confraternização diária com a Censura pode suscitar, entre os jornalistas e outros formadores de opinião – ou seja, entre os censurados –, uma postura defensiva bastante corrosiva: a autocensura. A autocensura – referenciada várias vezes por Graça Franco (1993) – consiste em evitar a abordagem de certos conteúdos ou a não manifestar opiniões que arrisquem a procriação de situações de confronto com o poder. É importanterealçar que a Censura esteve presente em Portugal ao longo de quase toda a sua história. O país foi submetido a normas que limitavam a liberdade de expressão desde o alargado período do Teocentrismo onde a Igreja mandava em toda a população, especialmente através da instituição da Inquisição. Apesar disso, na memória dos portugueses o que está mais presente é a política do regime de Salazar e o conhecido “lápis azul”. Pág. 10 A Imprensa Durante A Censura Os Exemplos mais Predominantes No que diz respeito aos exemplos de Censura à Imprensa, Graça Franco mostra-nos no seu livro A Censura à Imprensa, provas3 concretas que iremos revelar ao longo deste ponto do trabalho. O Estado Novo teve vários períodos, uns mais atribulados que outros, contudo sempre existiram jornais a tentar impor-se como “vozes da oposição democrática ao regime”, como é o caso do “Primeiro de Janeiro, jornal de referência no Porto, e o Diário de Lisboa, o República e o Diário Popular, jornais da capital” (apud Afonso, 2012, p. 32). Evidentemente a Censura fazia-se sentir de maneira maior, ou no mínimo, o Secretariado Nacional de Informação tinha mais atenção a esses casos. Em parte do seu livro, A Formação e a Consolidação Política do Salazarismo e do Franquismo, Manuel Baiôa (2012) apresenta-nos grandes exemplos de Censura à Imprensa entre os anos de 1933 e 1935. Apesar de ser uma época restrita, entendemos que, até 1974, a situação apesar de mudar nunca foi drasticamente. Entre as temáticas cortadas pela Censura podemos aprofundar a União Soviética/Comunismo, a defesa da Democracia, o Antinazismo, o Antifascismo e a Espanha Republicana. Dado à proximidade e à “importância capital para o regime” (Baiôa, 2012, p. 173) as notícias que faziam referência à evolução do regime espanhol eram cuidadosamente avaliadas. Segundo Baiôa (2012), em Dezembro de 1933 e Janeiro de 1934 os artigos referentes à “Espanha Republicana” foram “os mais censurados” (Baiôa, 2012, p. 165). O autor refere duas temáticas principais adjacentes aos cortes relativos à “Espanha Republicana”: a “defesa clara dos ideais socialistas, operários e democráticos” e o “ataque intransigente aos ideais e aos grupos de direita” (Baiôa, 2012, p. 174). 3 Todas em formato de imagem estão na pasta “Anexos” no final do trabalho Pág. 11 Isto leva-nos a outros dois tópicos censurados: o antifascismo e a defesa da democracia. Baiôa (2012) afirma que “os ataques ao fascismo italiano são mais contidos dos do que (…) ao nazismo.” (p. 179) – isto enquanto ambos os regimes estavam ativos. O objetivo era defender o regime, que, de certo modo, era mais parecido ao de Portugal (e Salazar nutria simpatia pelo “Duce”4) protegendo-o de “ataques ferozes e de críticas que pudessem (…) comprometer o modelo político, social, económico e cultural que o Estado Novo tinha adotado” (Baiôa, 2012, p. 179). “Todas as calúnias dirigidas a Mussolini seriam sistematicamente censuradas”, frase de Baiôa (2012, p. 179) que demonstra bem a afinidade que Salazar sentia pelo ditador italiano. Já quanto à defesa da democracia é natural que o “Estado Novo enquanto regime antidemocrático” não permitisse que fossem divulgados tais ideais “ainda que referentes a países estrangeiros.” (Baiôa, 2012, p. 180). A França era um “modelo a seguir” para os jornalistas portugueses, logo era sobre “este país que mais notícias eram sacrificadas pela censura.” (Baiôa, 2012, p. 180). A Censura também exerceu cortes sobre as “virtudes das eleições democráticas” (Baiôa, 2012, p. 180) onde Baiôa nos apresenta como exemplo A Voz da Justiça que se referiu a eleições livres na Checoslováquia, o artigo dizia que “o povo escolheu conscientemente e livremente” (Baiôa, 2012, p. 180) o que chegou para ser cortado. Outro tema constantemente censurado era o antinazismo, provavelmente a temática que “reúne artigos mais duros contra figuras políticas e contra regimes” (Baiôa, 2012, p. 175). “Os censores cortavam apenas os artigos mais violentos contra Hitler e contra o regime Nacional-Socilista.” (Baiôa, 2012, p. 175). O nazismo não era propriamente protegido pelo Estado, mas a Censura era explícita contra “injuriar chefes de Estado. Não obstante, os censores deixavam passar bastantes artigos de ataque a Hitler” (Baiôa, 2012, p. 176) e ao seu regime. Entre alguns artigos cortados, temos o exemplo do jornal a República, onde se comparava Hitler a Nero dizendo que o Führer “há de cair amaldiçoado” (Baiôa, 2012, p. 175); ou do Raio, que acusava a violência do regime comentando que “não podem viver sábios como «Einstein» com medo de serem espancados, mortos ou enclausurados” (Baiôa, 2012, p. 175). 4 Palavra italiana que significa “líder” e, no regime fascista, referia-se a Benito Mussolini, ditador italiano. Pág. 12 Como regime de direita, era evidente que se iria suprimir tudo o que fosse referente ao comunismo. Os comunistas eram o “inimigo principal do Estado Novo, mesmo antes de serem de facto um fator de risco importante para o regime” (Baiôa, 2012, p. 172). Segundo Manuel Baiôa (2012), qualquer “referência elogiosa ou meramente factual (por vezes até críticas) era cortada pelos serviços de censura.” (p. 172). A República referiu “resultados do desporto na URSS e ao referir o grande apoio que era dado pelo Estado, vê o seu artigo ser também censurado” (Baiôa, 2012, p. 173). No que diz respeito aos jornais em si sabemos que nos “primeiros anos da Ditadura Militar a quase totalidade dos jornais apoiantes da I República desapareceram” (Baiôa, 2012, p. 166). Vamos apresentar como exemplos os seguintes jornais: a República; A Voz da Justiça; a Voz; o Raio; O Século; o Diário de Notícias; o Diário de Lisboa. “A República era o mais importante jornal” (Baiôa, 2012, p. 166) que se opunha ao regime. “Era um jornal tolerado”, pois não apresentava características dos republicanos radicais de esquerda, mas sim o “republicanismo conservador” que o regime tinha tentado atrair para o seu lado, até porque o jornal era “crítico em relação à I República, em particular à atitude do (…) Partido Republicano Português.” (Baiôa, 2012, p. 166). Era um jornal vigiado, pois “era um dos poucos jornais republicanos que ainda se editavam” (Baiôa, 2012, p. 166). Foi o jornal mais censurado, visto que das “1117 notícias analisadas” (pelo autor, Manuel Baiôa), 339 pertenciam a este jornal, “o que representa 30% do total.” (Baiôa, 2012, p. 166). Neste jornal raramente surgiam referentes a Portugal e a Salazar uma vez que o mesmo “destacava as notícias internacionais em detrimento das notícias nacionais, por os serviços de censura serem mais tolerantes” (Baiôa, 2012, p. 166) com as internacionais. Também considerado um jornal da oposição era A Voz da Justiça, “jornal republicano (…) da Figueira da Foz (…) que deveria ser censurado pela Comissão de Censura da Zona Centro. No entanto, devido a ser considerado um jornal perigoso, Pág. 13 passou a ser censurado pela Comissão de Censura de Lisboa5” (Baiôa, 2012, p. 166). Este jornal, no que toca aos temas, era censurado por um pouco de tudo. Contudo os seus temas principais eram “sobre a União Soviética, sobre a defesa da democracia e do operariado e outros de crítica ao nazismo e fascismo.” (Baiôa, 2012, p. 170). O Raio era “uns dos (…) mais perigosos.” (Baiôa, 2012, p. 168). Foi muitas vezes “suspenso e objeto de um tratamento especial pela Direção Geral dos Serviços de Censura6”. Para um jornal da província – Covilhã – tinha a pior situação, pois era censurado conforme as regras de Lisboa, sendo obrigados a prestações de “«provas de página», a «cortetotal»” (Baiôa, 2012, p. 168), entre outros. Neste jornal são essencialmente censurados “artigos sobre a situação espanhola, a defesa da democracia, ataques ao nazismo e ao fascismo.” (Baiôa, 2012, p. 171). A Voz, “de feição monárquica” viu os seus artigos serem “alvo frequente do lápis censório” (Franco, 1993, p. 111) exatamente por defenderem a Monarquia. Jornais de grande dimensão como O Século, Diário de Notícias ou até mesmo Diário de Lisboa, “publicavam bastante informação internacional” e as notícias “mais censuradas nestes jornais” segundo Manuel Baiôa, eram “geralmente, telegramas que relatavam acontecimentos recentes, como atentados, revoltas, acordos comerciais, ou qualquer tipo de notícia sobre a União Soviética.” (Baiôa, 2012, p.169). É do jornal O Século que Graça Franco (1993) nos apresenta mais exemplos. Um desses exemplos refere-se a cortes de “notícias referentes a alterações na Polícia de Informações”7 (Franco, 1993, p. 83). Outra prova referente ao jornal O Século, refere-se à citação - rodeada de elogios – de Gago Coutinho que “pertencia à lista de nomes que o Regime tentava reduzir ao silêncio”8 (Franco, 1993, p. 110). Podemos ainda referir o corte a uma notícia “referente à deportação de presos 5 “O exercício da censura estava a cargo das Comissões de Censura, de nomeação governamental, subordinadas ao Gabinete do Ministro do Interior, por intermédio da Comissão de Censura de Lisboa” Associação dos Amigos da Torre do Tombo 6 Sucessora da “Comissão de Censura” 7 Anexo 1 8 Anexo 2 Pág. 14 políticos implicados no movimento chefiado por Mendes Norton”9 (Franco, 1993, p. 116). Também são apresentados bastantes exemplos referentes ao Diário de Notícias, como é o caso do jogo de diferenças entre as duas “primeiras páginas” do dia 7 de fevereiro de 192710. Ambas se referem à altura em que “o movimento revolucionário parecia conseguir impor-se vencedor” (Franco, 1993, p. 86). Contudo, a primeira proclama valores como liberdade e democracia e foi uma edição feita por jornalistas que “horas mais tarde viriam a ser na sua maioria presos”, enquanto que a segunda é a primeira página que saiu efetivamente para o público, revista pela Comissão de Censura, dando uma volta completamente diferente à notícia. Segundo Graça Franco (1993) a Censura era feita “ao mínimo pormenor” e, como exemplo, temos o Jornal de Notícias e O Diabo – semanário – que queriam passaportes para permitir aos seus jornalistas “deslocar-se a Espanha em serviço de reportagem”. A sua capacidade como jornalistas foi reconhecida, contudo a resposta afirmava que “as atitudes políticas assumidas” pelos jornalistas não se harmonizavam “com a regalia” que foi solicitada (p. 109). Um dos grandes exemplos de Censura durante o Estado Novo foi a campanha do General Humberto Delgado. A maior parte dos exemplos referidos por Graça Franco aludem, mais uma vez, ao jornal O Século11. Muitas vezes as populações só sabiam da “visita do candidato (…) porque ele já aí tinha estado, ou viria a estar, mas não se sabia nem quando nem onde” (Franco, 1993, p. 131). Os cortes faziam-se também, a “referências elogiosas à oposição”, por exemplo n’O Século, a 17 de Maio de 195812: o título original seria “a oposição tem a força moral e a justiça pelo seu 9 Anexo 3 10 Anexo 4 11 Anexos 5 e 6 12 As eleições presidenciais portuguesas de 1958 realizaram-se, durante o Estado Novo, a 8 de junho de 1958. O então Presidente Francisco Craveiro Lopes entrou em conflito com Salazar e não quis um segundo mandato. O candidato do regime de Salazar e da União Nacional - partido único - foi o Almirante Américo Tomás. A oposição democrática apoiou o General Humberto Delgado. O resultado foi de 76,4% para Tomás e cerca de 23% para Delgado. Houve muitos relatos de fraude eleitoral, contudo tal resultado pode dever-se à falta de protagonismo nos meios de comunicação social dominados pela Censura. Pág. 15 lado”, o que mudou para “O Regresso a Lisboa do Sr. General Humberto Delgado deu lugar a entusiásticas manifestações de simpatia que originaram diversos incidentes e protestos calorosos de adeptos do Sr. Presidente do Concelho”, mas ficou finalizado – com o corte de duas palavras – assim: “O Regresso a Lisboa do Sr. General Humberto Delgado deu lugar a manifestações que originaram diversos incidentes e protestos calorosos de adeptos do Sr. Presidente do Conselho” (Franco, 1993, p. 131). Ainda neste jornal há provas de um corte referente “à proibição de manifestações em favor do general Humberto Delgado”13 (Franco, 1993, p. 132). Na pesquisa de Manuel Baiôa, uma das suas conclusões é que os “jornais oficiais do regime, como a União Nacional ou o Diário da Manhã obtiveram 1% dos cortes” (Baiôa, 2012, p. 169) das mais de mil notícias analisadas. Estes jornais eram modelados pela censura, “no sentido de limar certos extremismos que o Estado Novo queria evitar, para pacificar a sociedade portuguesa.” (Baiôa, 2012, p. 169). A sua Distribuição Geográfica De acordo com os textos analisados pelo grupo, chegámos à conclusão que a distribuição geográfica da Imprensa reflete a população portuguesa, totalmente “capitalizada”, ou seja, maior parte dos jornais eram encontrados na capital, Lisboa. De todos os jornais a que tivemos acesso - um total de treze jornais – sete tinham (ou ainda têm, como é o caso do Diário de Notícias) sede em Lisboa, são eles: Diário de Notícias, O Século, Diário de Lisboa, A Voz, República, União Nacional e Diário da Manhã. Quanto aos restantes seis, as conclusões dividem-se. Para três dos jornais com os quais tivemos contacto não conseguimos encontrar a sua sede, nomeadamente para: O Diabo (pois só encontrámos referências ao mais recente, fundado na década de 70), A Cidade e o Diário Liberal. Para os outros três jornais, apesar de terem sede em sítios diferentes, situavam-se todos no Norte – ou Centro Norte - do país: o 13 Anexo 7 Pág. 16 Jornal de Notícias no Porto, O Raio na Covilhã e A Voz da Justiça na Figueira da Foz. Uma coisa é certa: nem todas as Comissões de Censura atuavam da mesma maneira. Os censores de cada distrito ou cidade, apesar de receberem instruções gerais quanto aos tópicos mais sensíveis a censurar, variavam muito no grau de severidade. De facto, verifica-se que houve regiões do país onde estes eram mais tolerantes e outras onde eram exageradamente repressivos. Por isso mesmo é que o jornal A Voz da Justiça, apesar de ser da zona Centro, era revisto pela Comissão de Censura de Lisboa, demasiado perigoso aos olhos do regime para deixar passar pelos censores condescendentes. As Práticas da Imprensa e como Reagia à Censura “Os jornais tiveram de moldar-se aos novos tempos se queriam sobreviver” (Baiôa, 2012, p. 161). Esta frase introduz bem este ponto do nosso trabalho onde pretendemos analisar as práticas da Imprensa e como ela regia à Censura. Todos os jornais tinham que “enviar todas as notícias que queriam publicar «com provas em triplicado», para serem examinadas pelos serviços de censura da sua área.” (Baiôa, 2012, p. 161). Depois disso, a notícia voltava ao jornal estando duplamente carimbada: “o primeiro indicava o local da comissão de censura juntamente com a palavra «visado»”; o segundo apresentava a decisão efetuada sobre o artigo, sendo “«autorizado»; «autorizado com cortes»; «suspenso»; «retido» ou «cortado»” (Baiôa, 2012, p. 161). Tudo isto aceleradamente levou a uma prática já referida neste trabalho: a autocensura. Os “jornalistas e os diretores dos jornais” esperavam antecipar “um possível corte (…) como forma de assegurara continuidade do jornal e a manutenção dos postos de trabalho” (Baiôa, 2012, p. 161). Esta autocensura não tendeu a diminuir, mesmo após a II Grande Guerra ainda era uma prática presente nas redações portuguesas, como mostra Graça Franco (1993): Pág. 17 Com a institucionalização da Censura, nomeadamente após a Grande Guerra, o processo de sujeição dos jornais à Censura simplificou-se consideravelmente, apoiando-se no funcionamento paralelo de uma instituição real que se denomina «autocensura». O jornalista só escrevia o que achava suscetível de «passar»; as chefias, preocupadas com a leitura do jornal, só deixavam passar o que não tivesse hipótese de ficar retido (a atrasar o jornal) nos serviços de censura. Outra prática tentada durante o Estado Novo foi a transcrição de notícias estrangeiras. Os “jornalistas queriam transmitir credibilidade à informação, tentando assim ultrapassar a barreira da censura” (Baiôa, 2012, p. 186), não obstante, jamais funcionou, pois passou a fazer parte da Censura eliminar essas mesmas transcrições. Todos os jornalistas, até os mais afetos ao regime, sentiam a sua liberdade de expressão suprimida e, devido a isso, surgiram alguns protestos por parte de jornalistas, como o diretor d’A Voz, Fernando de Sousa, que numa “carta datada de 8 de junho de 1934, escreve a Oliveira Salazar: «Estou há dezoito nos à testa de jornais e nunca a censura foi tão rigorosa, arbitrária e falha de critério como está sendo» “(Franco, 1993, p. 111). Outra prática que os jornalistas mostravam era noticiar nos jornais da oposição, no mínimo até eles deixarem de existir. Como mostra Graça Franco (1993), por vezes (…) alguns organismos oficiais fazem publicar anúncios, em jornais uja ideologia é oposta à do Estado e que incansavelmente trabalham por destruir os princípios fundamentais da Constituição Política.” (p. 113). A criação do Sindicato dos Jornalistas parecia que ia amenizar a grande instituição que era a Censura, contudo tudo se manteve praticamente igual até abril de 1974. Pág. 18 O Impacto Social Da Imprensa “Muito dificilmente o público em geral tinha acesso aos textos originais estrangeiros que surgiam traduzidos, noticiados e comentados nos jornais. Sendo assim, era impossível a um leitor perceber quanta e que informação fora omitida, se os extractos reportados haviam sido reorganizados numa ordem diferente e que intenções poderiam estar por detrás disso, e ainda outras questões como: o que se tornava explícito ou se deixava implícito, o que se apontava como antecedentes ou consequências, o que era transformado em tema ou secundarizado, que categorias se criavam para representar os acontecimentos.” (apud. Afonso, 2012, p.22) O excerto acima proporciona uma excelente resposta e introdução ao tema apresentado. Como demonstra a afirmação, a censura procurava moldar a opinião do povo português que, isolado nas suas fronteiras reais e comunicacionais, tinha de se contentar com a informação lançada com a aprovação do Estado. “Tudo o que iria ser difundido era para as pessoas terem um sentimento de pertencerem a uma nação, para que entendessem que esta tinha um sentido muito mais lato que «a nossa casa, a nossa terra, a nossa estrada, a nossa escola»” (Silva, 2009, p.4). A Censura era deste modo uma realização física do pensamento ideológico de Salazar: “só existe aquilo que se sabe que existe”. A Censura advinha de uma política de controlo informativo em que “só quem tivesse a confiança política do Governo podia estar à frente de um jornal” (Silva, 2009, p.4) ou qualquer outro meio de comunicação. Esta, que “de todos os mecanismos repressivos (…) foi sem dúvida o mais efeciente, aquele que conseguiu manter o regime sem alterações estruturais durante quatro décadas” (apud. Cádima, 2002), deixou assim um impacto social profundo. Isto pode ser observado particularmente imediatamente após o 25 de abril e o fim do chamado “lápis azul”. “Este fim da censura vem lançar o país numa desordem informativa, pois com a liberdade de expressão recentemente ganha, deixa de haver proibições sobre o que se diz em termos de política. Partidários de campos diferentes enfrentam-se nos meios de comunicação, lançando a confusão entre o povo. Na fase pós- revolucionária, avultam as incompatibilidades entre as várias tendências ideológico- partidárias, que afectam directamente os próprios meios de comunicação. Multiplicam-se os conflitos entre administrações e direcções com as comissões de Pág. 19 trabalhadores e os conselhos de redacção, entretanto eleitos. Estes conflitos atingem, por vezes, proporções extremadas e inconciliáveis, como sucede no «caso República», em Maio e Junho de 1975, que adquire projecção internacional” (Faleiro, 2006). Ou seja, a Censura enraizou-se de tal modo no solo lusitano que o seu fim ditou um caos ao invés da paz esperada, tudo isto devido a uma população portuguesa que, tão habituada ao sistema anterior, não soube lidar de imediato com a liberdade de expressão. Outro impacto social que a Censura à Imprensa foi como a mesma abrandou o desenvolvimento da cultura nacional. Várias obras eram censuradas, impedidas de serem divulgadas ou publicadas e os próprios autores, quer de livros quer de crónicas, passaram a colocar em si mesmo uma “auto-censura” já referenicada, “auto-censura” esta fruto do receio do regime. Os efeitos ainda hoje se sentem, existindo claramente uma diferença cultural entre as elites e o resto do povo português, que vivem e se exprimem culturalmente de formas opostas. O Papel da Imprensa ao Longo da Ditadura Há que enteder que “a história dos media em Portugal está inevitavelmente ancorada numa outra história absolutamente dramática na história moderna e contemporânea portuguesa - a história da censura” (Cádima, 2002). Assim sendo, neste período ditaturial, falar da imprensa é obrigatóriamente falar da Censura. Com Salazar, foram poucas as vezes em que a imprensa escrita, radiofónica ou a televisão serviram como meio para se dirigir directamente à população. “Foram poucas as vezes que os seus discursos, proferidos nos mais diversos actos, foram posteriormente publicados na imprensa ou escritos com essa finalidade” (Silva, 2009, p.3), sendo que “com a rádio não foi muito diferente. Geralmente as suas prelecções radiofónicas ocorriam aquando eleições (…) mas foram momentos raros em tão longa governação” (Silva, 2009). Assim, podemos atribuir à televisão o papel central de meio de propaganda do Estado. Pág. 20 “Primeiro ao tempo de Salazar e mais tarde com Marcello Caetano, a RTP foi sempre, juntamente com a imprensa oficial e com a Emissora Nacional, o principal porta-voz da política do Estado Novo. Nessa medida, enquanto modelo protocolar e instrumento de propaganda, a televisão foi, necessariamente, a par do sistema repressivo policial e do sistema censório, um dos elos fundamentais do campo comunicacional do sistema monopartidário, campo esse também historicamente responsável pela manutenção de um regime político cujo fim se anuncia a 25 de Abril de 1974, ao fim de 48 anos de ditadura” (Cádima, 2002). Este foco na televisão e, em específico, no telejornal da RTP pretendia, no fundo, “provocar a subordinação das práticas do jornalismo às práticas da propaganda e manter a estratégia manipulatória e o «fazer persuasivo» como o eixo fundamental da rede reticular do sistema político e da sua perpetuação, ao longo dos consulados de Salazar e Caetano” (Cádima, 2013, pp. 57 e 58). A televisão e a informação televisiva eram assim com que “quase uma agenda do Governo, com um discurso oficioso e protocolar. As notícias vindas do estrangeiro eram cuidadosamente verificadas e muitas não passavam na censura” (Silva, 2009, p. 6). Marcelo Caetano bemdizia: “A televisão é nos tempos que correm um instrumento de acção política e nós não podemos hesitar na sua utilização”. Podemos então concluir, que durante a ditadura, a televisão “é explícita e assumidamente um "instrumento" de uma acção política propagandística (…), a qual, de facto, sobretudo a partir de meados dos anos 60, tem já um impacto significativo no campo dos media no plano nacional, quer pela cobertura da RTP, quer pela audiência atingida, que nos anos 60 não teria ultrapassado o milhão de telespectadores” (Cádima, 2002). Pág. 21 Transição de Regimes: Da Censura à Liberdade A Imprensa e a liberdade, que chega na forma da Revolução dos Cravos e acaba com o regime, estão interligadas, afinal “a revolução que conduziu Portugal à democracia começou com a apropriação dos meios de comunicação social, Rádio clube Português, Emissora Nacional e RTP, pelos militares do Movimento das Forças Armadas (MFA)” (Silva, 2009, p. 9). A revolta começou quando o locutor João Paulo Dinis, dos Emissores Associados de Lisboa, de acordo com as instruções recebidas de Otelo Saraiva de Carvalho, 5 minutos antes das 23 horas, do dia 24 de Abril de 1974, pôs a tocar a música “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho (apud. Silva, 2009, p.9). Foi esta forma de usar os media para seu benefício que permitiu mobilizar a população, podendo-se assim concluir “que a queda do Regime se deveu grandemente ao controle dos meios de comunicação” (Silva, 2009, p. 9). Assim começava um novo período da História portuguesa – um período transacional da censura para a liberdade. Mas qual o impacto que isto teria? Como já foi explicado num outro ponto, o ajustamento do país à liberdade de imprensa passou por momentos difíceis. Para reforçar a ideia, podemos afirmar que “se, por um lado, o controlo político e a saturação ideológica dos media em Portugal no imediato pós-25 de Abril permitiram congregar forças político-partid´´arias mais radicalizadas em torno de uma ideia utópica de «revolução» (…) por outro, teve de facto um efeito «boomerang», criando fortes resistências, tanto no plano militar como na opinião pública” (Cádima, 2013, pp. 118 e 119). Podemos afirmar assim que esta mudança “significou o início de um novo ciclo para os meios de comunicação social que se traduziu numa uma série de transformações registadas na produção noticiosa” (Lima & Teixeira, 2015, p. 329). Após uns primeiros anos complicados em que a confusão e agitação social e política do país se alastraram à imprensa, “os órgãos de comunicação social ganham cada vez mais importância, pois quer governo quer oposição se socorrem destes meios para a divulgação das suas mensagens. Entretanto, com a liberdade de expressão surgem cada vez mais publicações, abordando as mais diversas temáticas e géneros jornalísticos. No entanto, ainda foi preciso um longo caminho de democracia para se Pág. 22 poder falar de isenção dos media em relação ao poder político, principalmente em relação à RTP, que até os anos 90 era o único canal televisivo e sob a tutela do Estado” (Silva, 2009, p. 10). Conclusão Após a elaboração deste trabalho e da pesquisa necessária para o mesmo, comprovamos que a temática que engloba a ditadura portuguesa, da Censura, da Imprensa e do 25 de abril é ainda de extrema relevância, não só por se tratarem de momentos importantes da história do nosso país como também por mostrarem ainda serem objetos de estudo de valor e merecedores de melhor análise e compreensão. Apercebemo-nos que a Censura não é de todo algo que se refere apenas ao Estado Novo, mas que já vem muito antes disso. Remete-nos para o tempo da Inquisição, contudo a memória do povo português centra-se no século XX durante o período estudado. Contudo, mesmo durante a I República - que impunha ideais liberais - a Censura esteve presente. Respondendo à pergunta inicialmente colocada, sabemos que a Imprensa teve um papel importante na transição de regimes – quando a população já estava cansada da situação do país e já era inevitável uma mudança -, no entanto, no Estado Novo a Imprensa tinha o seu papel restringindo pela Censura pois o Estado tinha noção que a Imprensa poderia influenciar bastante a opinião pública. Concluimos o nosso trabalho com uma citação de Célia Maria Taborda da Silva, que pensamos representar bem a ideia final com que o grupo ficou após finalizar o trabalho: “No nosso país, depois dos órgãos de comunicação social terem ajudado a cair um Regime, quase sem derramar sangue, ninguém duvidava da sua importância, que veio em crescendo até aos nossos dias, não sendo de admirar que os media sejam considerados o 4º poder. Pág. 23 Referências Bibliográficas Afonso, D.M.G. (2012). “A Tradução do Discurso Político: Contextos de Poder na Imprensa Portuguesa do Século XX”. Dissertação de Mestrado em Tradução – Especialização em Inglês. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa. Baiôa, M. (2012). A Formação e a Consolidação do Salazarismo e do Franquismo (pp. 155 a 193). Lisboa: Edições Colibri Cádima, F.R. (2002). “A Comunicação Social em Portugal no Século XX – Fragmentos para a História de um Servidor de Dois Anos”. Panorama da Cultura Portuguesa. Cádima, F.R. (2013). História, Media, Poder. Lisboa: Quatrocês Lima, H. e Teixeira, P. (2015). “Impactos da Revolução de 1974 nas Primeiras Páginas dos Diários Portugueses”. Artigo em Revista Cientifica Nacional – Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Silva, C.M. (2009). “A comunicação como estratégia política da Ditadura e da Democracia”. 6º Congresso SOPCOM. Universidade Lusófona do Porto. Franco, G. (1993). A Censura à Imprensa. Imprensa Nacional Casa da Moeda Faleiro, A.R. (2006). Capítulo “O fim da Censura em Portugal: consequências na sociedade de informação", in “Portugal: do 25 de Abril de 1974 aos nossos dias". Universidade de Santiago de Compostela. Pág. 24 Anexos Anexo 1 - cortes de “notícias referentes a alterações na Polícia de Informações”, no jornal O Século Pág. 25 Anexo 2 - corte da citação - rodeada de elogios – de Gago Coutinho no jornal O Século Anexo 3 - corte a uma notícia “referente à deportação de presos políticos implicados no movimento chefiado por Mendes Norton” d’O Século Pág. 26 Anexo 4 - jogo de diferenças entre as duas “primeiras páginas”, do jornal Diário de Notícias, do dia 7 de fevereiro de 1927; Esquerda: Primeira Página Original; Direita: Primeira Página Revista pela Censura Anexo 5 – cortes referentes à campanha de 1958, no jornal O Século Pág. 27 Anexo 6 – corte de parte de um artigo referente à candidatura do General Humberto Delgado, d’O Século Anexo 7 - corte referente “à proibição de manifestações em favor do general Humberto Delgado” n’O Século
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