Buscar

Crise do Estado

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 10 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Brasília a. 38 n. 152 out./dez. 2001 205
Sumário
1. Introdução
Estudar o Estado significa estudar os
motivos de sua crise e a possibilidade de
alternativas de solução. Como motivação da
crise, pode-se falar na globalização, que atin-
ge diretamente a soberania, e na evolução
da sociedade, com conseqüente alargamen-
to das demandas sociais, que atinge a efici-
ência e a legitimidade do Estado.
Vê-se, assim, uma fragilização do Esta-
do. Ele já não consegue mais fazer frente às
injunções externas e, internamente, é inca-
paz de atender à satisfação das necessida-
des básicas de sua nação, considerando-se
a sua configuração de bem-estar.
Acontece, no entanto, que as questões de
soberania, legitimidade e eficiência consti-
tuem apenas uma visão da crise, que se acre-
dita secundária. O cerne da questão está na
cidadania e na democratização do povo. E é
nesses termos que se devem buscar soluções.
A centralização do poder estatal atua
positiva e fortemente sobre a problemática
da soberania, da eficiência e da legitimida-
de, tendo, no entanto, tênue atuação no que
diz respeito à garantia da cidadania e da
democratização. Assim sendo, a descentra-
lização faz-se necessária para garantir um
Crise do Estado: participação e
solidariedade
Karina Brunet
1. Introdução. 2. Evolução do Estado. 3. Cri-
se do Estado: A) Contornos estruturais da crise.
B) Soberania e globalização. 4. Poder local e so-
lidariedade. 5. Conclusão.
Karina Brunet é mestranda em Direito pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos –UNISI-
NOS.
Revista de Informação Legislativa206
povo democrático e cidadão. O deslocamen-
to das decisões para espaços locais de con-
vivência social permite a efetiva participa-
ção do cidadão na definição e controle das
políticas de desenvolvimento.
2. Evolução do Estado
A concepção que se tem hoje de Estado é
uma evolução gradual dos princípios con-
tratualistas de Hobbes, Locke e Rousseau.
Por meio do contrato social, o homem con-
cebeu o Estado como algo artificial, como
uma construção racional que se fez neces-
sária em dado momento histórico. Verifica-
se, assim, o fim do Estado Natural e o início
do Estado Civil política e socialmente orga-
nizado.
O contrato social, nesses termos, é o pac-
to político que dá origem ao Estado Civil.
Acontece, porém, que a forma de apresenta-
ção da organização estatal da sociedade
difere entre os contratualistas, apesar da
racionalidade do Estado, comum a todos.
Em Hobbes, verifica-se o absolutismo; em
Locke, o liberalismo; e, em Rousseau, a de-
mocracia.
Diz-se, então, que, a partir do contratua-
lismo, foi construída a noção de Estado
Moderno, conceitualmente constituído de
três elementos: nação, território e soberania.
Assim sendo, em um determinado espaço
físico, o Estado é soberano, exercendo seu
poder sobre o povo que ali vive e a ele se
submete, bem como frente a intervenções
externas. Não havendo distinções a respei-
to dos dois primeiros elementos, algumas
divergências, no entanto, quanto à sobera-
nia são evidentes.
Na visão absolutista de Hobbes, a sobe-
rania pertence ao monarca (soberano) que
detém poder absoluto. Em Locke, o poder
soberano é limitado pela garantia dos direi-
tos liberais do estado pré-social. Já Rous-
seau, em sua característica democrática,
confere soberania ao próprio povo. Vê-se,
assim, que é no contratualismo hobbesiano
que a soberania atinge seu ápice em termos
de absolutização e perpetuidade (MORA-
ES, Do direito..., 1996, p. 40), absoluto, pois
não sofre limitações sequer quanto à sua dura-
ção, por isso também perpétuo (Idem, As cri-
ses..., 1996, p. 39).
A partir da concepção soberana absolu-
tista, conjugada com as noções de território
e nação, consolida-se, no século XVI, o Esta-
do Moderno, sob a forma de Monarquias
Absolutistas. Essa forma de apresentação
da organização estatal perdura até o século
XVIII, com o advento do liberalismo como
teoria política1. Surge, então, a figura do Es-
tado Liberal Mínimo, em que o exercício da
soberania fica reduzido a garantia da paz
social.
No século XX, verifica-se uma terceira
apresentação do Estado Moderno. Ainda
sob a ótica do liberalismo, procura-se um
enfrentamento das questões sociais – nega-
das do Estado Liberal Mínimo –, configu-
rando-se, assim, o Estado de Bem-Estar.
Busca-se uma interação entre liberalismo e
democracia, uma incorporação de grupos
sociais aos benefícios da sociedade contem-
porânea (MORAES, Do direito..., 1996, p. 44),
de modo que a soberania passa a ser conju-
gada com a solidariedade.
Assim sendo, dentro da concepção polí-
tica de um Estado liberal, verifica-se a pre-
sença do elemento social, por meio de uma
preocupação com a igualdade e a dignida-
de, não sendo mais suficiente apenas a ga-
rantia da liberdade. A própria manutenção
do capitalismo, consolidado no Estado Li-
beral Mínimo, passou a depender do acesso
dos novos grupos sociais emergentes aos
benefícios da sociedade de mercado. A com-
pleta exclusão dessas novas camadas soci-
ais levaria à ruína da própria política libe-
ral.
A industrialização e os novos padrões
de comportamento social determinaram
uma maior estratificação da sociedade. Es-
ses novos estratos (operários e mulheres,
por exemplo) passaram a exigir participa-
ção política e a legitimidade do Estado foi
posta em cheque. Com isso, para garantir a
Brasília a. 38 n. 152 out./dez. 2001 207
manutenção do poder numa perspectiva li-
beral, o Estado teve de atender às novas de-
mandas sociais oriundas da representativi-
dade alcançada pelos novos atores sociais.
Sob pena de perder a legitimidade, o Es-
tado incorporou o aumento dos limites de-
mocráticos impostos pela nova ordem soci-
al. A participação política foi, assim, garan-
tida pela democracia representativa, como
uma forma de apenas se delimitar deman-
das, sem haver real influência na tomada
de decisões. O Estado tomou para si a ativi-
dade de garantir a igualdade e a dignidade.
Incluiu, assim, os novos grupos sociais na
sua atividade providenciária, havendo um
evidente alargamento das demandas so-
ciais.
A ilusória manutenção da democracia,
por meio dos instrumentos capitalistas do
Estado Liberal, ainda que democrático e de
direito, é uma forma de se “infantilizar” a
sociedade. A cidadania passa a ser oferta-
da pelo Estado juntamente com os benefíci-
os sociais, tais como saúde, previdência, sa-
neamento básico, educação, entre outros. A
paternidade estatal, com estreitamento do
cordão umbilical, gera uma dominação, pois
o cidadão não tem consciência de sua cida-
dania, nem de sua capacidade de autode-
senvolvimento (condições de sobreviver in-
dependentemente da prestação estatal su-
focante, exagerada...)
Acontece, porém, que a sociedade evo-
luiu para além da capacidade de atendimen-
to de demandas que o capitalismo pode su-
portar, seja pelo seu volume, seja pela sua
diversidade. O Estado tornou-se, assim, ine-
ficiente, pois não já não tem mais condições
de garantir nem a igualdade, muito menos
a dignidade.
3. Crise do Estado
Em face da sua incapacidade de atender
às demandas sociais, garantindo a igual-
dade e a dignidade como corolários da de-
mocracia e da cidadania, o Estado Contem-
porâneo2 está em crise. A crise do Estado
pode ser vista sob a ótica estrutural – finan-
ciamento, eficácia econômica e social e mu-
tações culturais (ROSANVALLON, 1997, p.
7) – e conceitual (MORAES, As crises..., 1996,
p. 38).
A) Contornos estruturais da crise
O alargamento das demandas sociais
gerou uma incapacidade quantitativa de
seu atendimento por parte do Estado, em
face da rapidez com que se proliferam em
relação às receitas estatais. Assim, num pri-
meiro aspecto, a crise manifesta-se numa
questão de custeio das políticas sociais.
Para garantir sua legitimidade, o Esta-
do tomou para si a implementação de polí-
ticassociais de bem-estar, independente-
mente dos custos que isso pudesse oferecer.
Assim, além de um aumento numérico das
prestações estatais já existentes, com a evo-
lução social e o reconhecimento de necessi-
dade de democratização, houve igualmente
uma diversificação do conteúdo das deman-
das. A diferença oriunda do processo de-
mocrático exigiu, então, o implemento de
novas políticas e, conseqüentemente, novos
investimentos para custear essa diversi-
dade.
Acontece, porém, que o Estado não se
preocupou em garantir meios financeiros de
atender às demandas sociais. E com o au-
mento constante das mesmas, chegou a um
estágio de total esgotamento de sua capaci-
dade de financiamento das políticas soci-
ais que se viu obrigado a implementar.
Vê-se, assim, que nesse primeiro aspec-
to, a crise estrutural do Estado está centra-
da numa questão de orçamento. Mas como
há um evidente déficit entre demandas e re-
ceitas públicas, a organização estatal preci-
sa encontrar meios de aumentar a arrecada-
ção ou diminuir as despesas para que se
restabeleça a eficiência estatal.
Nesses termos, Pierre Rosanvallon en-
tende que não há uma crise de financiamen-
to do Estado Contemporâneo. Entende que
existem soluções, tais como o aumento da
carga fiscal, mas que a implantação das téc-
Revista de Informação Legislativa208
nicas de aumento de receitas públicas afeta
o equilíbrio social à medida que produz al-
terações nos orçamentos privados de cada
cidadão. É preciso saber, assim, qual é o grau
de socialização tolerável de um certo núme-
ro de bens e serviços (1997, p. 15). E, a esse
respeito, diz que:
“... não se pode fixar a priori limites
intransponíveis para o Estado-provi-
dência que se deduziriam de uma aná-
lise estritamente econômica e finan-
ceira.
...
O verdadeiro objeto de uma interro-
gação sobre o futuro do Estado-provi-
dência é a própria sociedade: qual é a
plasticidade das relações sociais?
Como analisar a rigidez e a flexibili-
dade da estrutura social?” (p. 17).
Vê-se, com isso, que a crise do Estado
Contemporâneo não está apenas em sua
capacidade de financiamento de políticas
sociais, mas nos limites de tolerância da
sociedade para aceitar a dicotomia entre
custos sociais/benefícios públicos. A ques-
tão passa, então, por uma reflexão ideológi-
ca, quanto a sua eficácia econômica e so-
cial.
O Estado Contemporâneo vive um em-
bate ideológico bastante evidente. A contem-
poraneidade estatal verifica-se no enfrenta-
mento das questões sociais, na busca pela
igualdade e dignidade, por meio de instru-
mentos democráticos de participação polí-
tica. Mas o Estado não deixa de garantir
igualmente a liberdade já consolidada no
Estado Liberal Mínimo, uma vez que se es-
trutura como providência, sob a ótica do li-
beralismo. Evidencia-se, assim, a influência
capitalista e socialista no Estado Contem-
porâneo.
O Estado procura reduzir as diferenças
por meio de políticas sociais, mas não se
preocupa com a efetiva igualdade. Assim,
tem-se a implementação de prestações esta-
tais que garantem condições mínimas de
vida humana digna, mas não põem fim à
distinção de classes. Numa perspectiva ca-
pitalista, mantém-se a luta de classes, mas,
ao mesmo tempo, garante-se a satisfação de
necessidades básicas. Essa é a lógica do
Estado Contemporâneo.
Acontece, porém, que, em face do alarga-
mento de demandas sociais, o Estado não
está mais conseguindo satisfazer as neces-
sidades para uma sobrevivência digna, nem
mesmo garantir um mínimo de igualdade
social. Surge uma desconfiança em relação
à organização estatal, em face da sua inefi-
ciência no atendimento de tais demandas.
Isso só aumenta a diferença de classes e a
supremacia do mercado, uma vez que o se-
tor privado, mediante altos custos, presta o
serviço que cabia ao Estado e aqueles que
não têm condições de pagar são excluídos
do processo.
Vê-se, assim, que, para garantir sua legi-
timidade, o próprio Estado causou o seu
descrédito como instituição. E essa situação
faz com que não haja condescendência com
as políticas de aumento de arrecadação, ain-
da que sob o pretexto de novas ou melhores
prestações sociais. As classes dominantes
não dependem do Estado para a satisfação
de suas necessidades, pois têm condições
de buscá-la no mercado. As classes domi-
nadas, por sua vez, esperam a atitude pa-
ternalista do Estado como garantia da pró-
pria sobrevivência, mas o seu grau de ex-
clusão é tão grande que não têm quaisquer
condições de reivindicação.
Ainda quanto à estrutura do Estado Con-
temporâneo, pode-se falar em um aspecto
mais filosófico da crise. Trata-se – usando
terminologia de Pierre Rosanvallon – da
questão da solidariedade automática.
Ao assumir para si o compromisso de
atendimento de demandas sociais, redistri-
buindo bens e serviços, o Estado torna-se o
agente central de organização da solidarie-
dade substituindo-se às relações face-a-face
entre indivíduos e grupos (p. 32). Assim, o
homem não precisa se preocupar com espa-
ços de atuação solidária, havendo um evi-
dente isolamento e perda de sua identidade
e autonomia, pois o Estado passa a ser o
Brasília a. 38 n. 152 out./dez. 2001 209
principal recurso para a satisfação de suas
necessidades.
Acontece, no entanto, que, com a insufi-
ciência estatal para atender às demandas
sociais, satisfazendo as necessidades da
sociedade, há uma incapacidade econômi-
ca da solidariedade automática que, aliada
a sua inadaptação sociológica, aumenta a
crise do Estado.
O Estado, assim, não tem condições de
aumentar suas receitas por meio de contri-
buições sociais, pois já não há um espaço
de discussão entre o estatal e o social. A ca-
pacidade de composição de problemas por
parte da sociedade foi intensamente deterio-
rada pela providência do Estado. Nesse sen-
tido, Pierre Rosanvallon diz que:
“A crise da solidariedade provém
da decomposição, ou, mais exatamen-
te, da deslocação do tecido social de
modo mecânico, e involuntário, é ób-
vio, gerada pelo desenvolvimento do
Estado-providência. Já não há ‘social’
suficiente entre o Estado e os indiví-
duos. É por isso que os limites do Es-
tado-providência devem ser estendi-
dos a partir das formas de sociabilida-
de que ele induz e não a partir do grau
de socialização da demanda (percen-
tagem dos descontos obrigatórios) ”
(p. 38).
Entende-se, nesses termos, que a crise
estrutural do Estado Contemporâneo está
centrada na integração de aspectos econô-
micos, sociais e culturais. É preciso que se
tenha uma cultura solidária, a fim de com-
preender a necessidade de um sacrifício so-
cial que tenha por objetivo implementar al-
ternativas de cunho econômico, visando a
sustentação do Estado em seu pleno e efeti-
vo desenvolvimento.
B) Soberania e globalização
A soberania como poder juridicamente
incontrastável, que define e decide a respei-
to do conteúdo e aplicação das normas, im-
pondo-se coercitivamente num determina-
do território, e faz frente a eventuais injun-
ções externas (MORAES, As crises..., 1996, p.
39), já não existe mais. A própria passagem
do Estado Liberal Mínimo para o Estado de
Bem-Estar conferiu novos contornos à sobe-
rania ao agregar a concepção solidária. O
poder soberano deixou de ser único, deven-
do ser conjugado com a solidariedade para
ser legítimo e efetivo.
Foi com a globalização, no entanto, que
a soberania se viu realmente ameaçada, ao
transpor os limites internos e externos que
circunscrevem o exercício de seu poder. O
Estado deixa de ser soberano, uma vez que
perde a capacidade de decisões políticas
autônomas. Mas essa realidade global não
é absoluta, pois os efeitos da globalização
são mais ou menos intensos conforme as
políticas sociais e econômicas desenvolvi-
das pelos Estados.
Para se poder falar em restrições à sobe-
rania por meio da globalização é preciso
compreendê-la em sua integridade.A glo-
balização é um fenômeno capitalista de in-
ternacionalização – ou mundialização – do
capital. Existe desde o Império Romano,
passando pelo período das Grandes Nave-
gações e atingindo seu ápice nos dias atu-
ais.
O avanço tecnológico permitiu uma
“desterritorialização” das atividades econô-
micas pela facilidade que dá à formação de
oligopólios transnacionais, mercados de
capital globais, nova divisão internacional
do trabalho, espaços de produção globali-
zada (CORSI, 1997, p. 103). Com isso, for-
mou-se um mercado financeiro global que
passou a “controlar” as atividades políti-
cas dos Estados nacionais, por meio da im-
posição de posturas globalizantes para in-
vestimentos e financiamentos, sob pena de
retaliações econômicas. Assim, toda a polí-
tica social e econômica dos países passou a
ser influenciada pelas coordenadas globais
dos grupos financeiros mundiais.
Assim sendo, o Estado já não tem mais
condições de fazer frente às injunções exter-
nas em suas condições de governabilidade,
o que afeta diretamente a sua soberania. E,
Revista de Informação Legislativa210
em nível interno, igualmente não tem con-
dições de contornar a “subcidadania” (AL-
MEIDA, 1997, p. 182) que se forma com a
exclusão gerada pela globalização.
A globalização inclui Estados, mas ex-
clui cidadãos. A fim de acumular capital, o
capitalismo globalizante não se preocupa
com as diferenças de cada nação. Interessa
apenas que todos se incluam no seu proces-
so de transnacionalização financeira, inde-
pendentemente de que e em que condições
isso ocorre. Assim, aqueles que não têm con-
dições de se adaptar à nova sistemática
mundial são terminantemente excluídos. E
os Estados muito pouco podem fazer, pois
dependem do mercado financeiro global
para desenvolver suas próprias políticas de
democratização e cidadania.
A globalização é uma realidade, mas, no
entanto, não se pode negar completamente
a soberania em sua função. O Estado deve
dimensionar o exercício de seu poder sobe-
rano dentro dos limites que a realidade glo-
bal lhe possibilita. Assim, nas questões que
lhe são internas e para as quais tem recur-
sos próprios, o Estado deve impor suas po-
líticas de forma independente. Acredita-se,
nesses termos, que a soberania estatal pode
ser deslocada, com eficiência, para as ques-
tões locais.
4. Poder local e solidariedade
Diante da crise do Estado contemporâ-
neo e dos efeitos da globalização, algumas
propostas têm sido freqüentemente formu-
ladas pelos cientistas políticos e econômi-
cos como soluções para o problema. Fala-se
indiscriminadamente em integração, desre-
gulação, desestatização, entre outros. Como
bem observa Sérgio Sérvulo da Cunha, o pre-
fixo des é revelador e indica as duas faces de
um movimento que integra dissolvendo (as
integrações regionais, por exemplo, estimu-
lam a desintegração nacional) (1995, p. 92).
Em face do descontrolado alargamento
das demandas sociais e da impossibilidade
de aumento de arrecadação, o neoliberalis-
mo pretende – ainda que assim não o decla-
re – uma redução do papel do Estado e, quem
sabe, um retorno ao Estado Liberal Clássi-
co, ou seja, Mínimo. Acontece, porém, que
as soluções des, com conseqüente redução
das prestações estatais, não resolvem os pro-
blemas de fundo da globalização: a sobera-
nia, a democracia e a cidadania.
As respostas do neoliberalismo para a
crise são efetivas para a manutenção dos
interesses excludentes do capitalismo, mas
não têm qualquer efetividade na composi-
ção da problemática social que se estabele-
ce. Nesse sentido, Pierre Rosanvallon enten-
de que a dicotomia privatização/estatiza-
ção é irrelevante para a verdadeira crise do
Estado, pois restringe-se apenas ao seu as-
pecto financeiro. Esse é um roteiro insufici-
ente por não pensar a crise nos seus pro-
gressos sociais futuros, no desenvolvimen-
to de novas necessidades, sendo preciso sair
dessa dualidade e redefinir as fronteiras
entre o Estado e a sociedade civil (p. 85).
A fim de atender todas as demandas so-
ciais emergentes, o Estado foi, aos poucos,
aumentando sua complexidade enquanto
sistema social, trazendo para si uma plura-
lidade de prestações que eram compatíveis
com sua estrutura. Acontece que, com a evo-
lução da sociedade, com a globalização e
com o processo de democratização, o nível
de complexidade estatal extrapolou os limi-
tes de atendibilidade, para além de sua ca-
pacidade estrutural. Com isso, o Estado pre-
cisa reduzir sua complexidade, limitando
as ações que pretende e pode realizar, entre
as tantas que lhe cabe implementar.
Manuel Garcia-Pelayo diz que um siste-
ma incapaz de reduzir sua complexidade
ambiental perde sua autonomia até ser, fi-
nalmente, absorvido pelo ambiente (p. 183).
Nesse sentido, a redução da complexidade
estatal é condição para a própria existência
do Estado, a fim de que o mesmo não se tor-
ne completamente dependente dos organis-
mos transnacionais.
O Estado precisa, assim, manter-se sim-
ples mediante a complexidade do espaço
Brasília a. 38 n. 152 out./dez. 2001 211
global. E acredita-se que para isso é preciso
uma revalorização da capacidade interna
de organização estatal. Faz-se necessário
rever as estruturas locais de manifestação
do poder soberano.
A globalização deslocou a discussão
sobre os problemas do Estado para níveis
globais, em detrimento de alternativas lo-
cais que possam existir. Essa atitude, na
verdade, fez com que se sobrepusesse o as-
pecto econômico da crise sobre qualquer
outro. Evidencia-se que o objetivo da inter-
nacionalização do capital é a acumulação,
sem que haja preocupação com os prejuízos
sociais que daí possam advir.
Mas, como já referido, o aspecto econô-
mico da crise do Estado é o que mais facil-
mente se consegue resolver. A dificuldade
está no desenvolvimento da sociedade em
face da exclusão gerada pela globalização e
pela perda da soberania. São os aspectos
sociológicos e políticos que devem ser estu-
dados. É a partir de uma visão democrática
socializante que se terá condições de “sal-
var” o Estado.
Nesse sentido, entende-se que é preciso
reinserir a solidariedade na sociedade, bem
como estabelecer limites locais de atividade
estatal.
O Estado de Bem-Estar, ao procurar cor-
rigir e compensar os efeitos negativos do
mercado, afastou o indivíduo da sociedade,
entendida em seu sentido de vivência co-
munitária. Isso fez com que os cidadãos
passassem a depender da providência esta-
tal para a satisfação de suas necessidades,
numa concepção clientelista.
Agora, em situação de crise, o cidadão já
não sabe como sobreviver sem a prestação
estatal. Não tem condições de buscar na
própria sociedade alternativas para um de-
senvolvimento independente do Estado.
Assim sendo, para conseguir manter uma
certa eficiência interna, faz-se necessário
estabelecer e reforçar novos vínculos de so-
lidariedade.
Pierre Rosanvallon fala da necessidade
de se reconhecer formas de manifestação
social antes negadas: a existência de redes
subterrâneas familiares com representações
econômicas, que traduzem a capacidade de
o tecido social produzir, em seu seio, modos
de resistência aos choques externos (p. 92-
93). A importância desse reconhecimento
está, inclusive, no fato de que a demanda
estatal teria sido ainda maior se não hou-
vesse tais organizações sociais solidárias.
Assim sendo, entende-se que uma solu-
ção para a ineficiência estatal em face do
alargamento das demandas sociais talvez
seja o estímulo para o desenvolvimento de
mais redes subterrâneas familiares com re-
presentação econômica. Aumentando a so-
lidariedade e as atividades econômicas au-
tônomas, mais os cidadãos terão consciên-
cia de sua própria capacidade de satisfação
de necessidades, independentemente da
prestação por parte do Estado.
A auto-suficiência do cidadão em rela-
ção à satisfação de suas necessidadesgera
uma maior consciência, também, de sua re-
levância para o desenvolvimento do próprio
Estado. O cidadão passa, assim, a ser um
efetivo cidadão, com condições de influir nas
decisões estatais políticas e econômicas por
meio de um processo democrático de parti-
cipação.
Entende-se, nesses termos, que o exercí-
cio pleno da cidadania, com participação
nas decisões do Estado, faz com que o cida-
dão tenha mais forças para se manter digno
frente ao processo de exclusão ocasionado
pela globalização. O povo, assim, poderá
criar mecanismos próprios de inclusão, con-
forme as condições da sociedade na qual se
insere.
Sendo insignificante para o espaço glo-
bal – que procura excluí-lo –, o indivíduo
deve buscar sua cidadania, por meio do exer-
cício efetivo da democracia nos espaços lo-
cais de decisão.
A centralização do poder estatal priva o
cidadão de uma participação efetiva na
transformação da sociedade em que vive. O
governo toma decisões que atingem a nação
em sua completude, independentemente de
Revista de Informação Legislativa212
suas diferenças regionais ou locais. O cida-
dão, assim, não tem qualquer contribuição
para o seu próprio desenvolvimento. As
políticas são implementadas verticalmente,
o que pode gerar insatisfações em face da sua
inadaptabilidade para a sociedade local.
Entende-se, com isso, que a descentrali-
zação é uma boa alternativa para a crise do
Estado. A transferência das decisões para o
âmbito local permite ao Estado voltar sua
atenção para a manutenção de sua sobera-
nia e para a fixação de seu valor no plano
internacional. Transferindo a implementa-
ção de políticas públicas de atendimento de
demandas sociais para os espaços locais, o
Estado tem mais condições de garantir a efi-
ciência de sua prestação, reservando forças
para preocupar-se com políticas de desen-
volvimento externo, com questões de macro-
economia, entre outras de viés globalizante.
A transferência das decisões para o âm-
bito local permite ao cidadão a participação
efetiva no desenvolvimento e controle de
políticas públicas que afetam diretamente a
sua vida. Essa é uma forma bastante produ-
tiva de se aproximar Estado e sociedade e,
assim, garantir a sua legitimidade e eficiên-
cia. Nesse sentido, Ladislau Dowbor diz que:
“Nesse plano, é indiscutível que
aproximar o poder de decisão e de
controle das pessoas que arcarão com
o benefício ou o prejuízo, e que estão
portanto diretamente interessadas nos
resultados, constitui simplesmente boa
política administrativa” (1999, p. 31).
A implementação de políticas locais de
desenvolvimento fortalece, inclusive, a pró-
pria cidadania, por meio da democracia
participativa. O cidadão participa das deci-
sões que lhe dizem respeito por meio do va-
lor direto de sua palavra. A participação não
se limita à representatividade dos partidos
políticos e sindicatos, mas se desenvolve
num terceiro eixo (p. 24), representado pela
organização comunitária:
“Não se trata naturalmente de re-
duzir a sociedade ao ‘espaço local’,
na linha poética de um ‘small is beau-
tiful’ generalizado. Trata-se, isto sim,
de entender a evolução das formas de
organização política que dão susten-
to ao Estado: a modernidade exige,
além dos partidos e de sindicatos or-
ganizados em torno dos seus interes-
ses, comunidades organizadas para
gerir o nosso dia-a-dia. Este ‘tripé’ de
sustentação da gestão dos interesses
públicos, que pode ser caracterizado
como democracia participativa, é in-
discutivelmente mais firme do que o
equilíbrio precário centrado apenas
em partidos políticos” (1998, p. 366-
367).
5. Conclusão
O Estado Moderno, configurado pela
conjugação da soberania, território e nação,
teve três diferentes momentos de materiali-
zação ao longo da história: absolutista em
sua origem, liberal clássico (mínimo) em sua
fase intermediária e liberal de bem-estar na
contemporaneidade. Nessa última fase, no
entanto, o Estado encontrou a sua crise mais
grave.
A crise do Estado é analisada sob a ótica
conceitual quando se verificam as ingerên-
cias globalizadas nas nações soberanas. En-
tende-se que a globalização afeta diretamen-
te a soberania e, assim, a própria concepção
de Estado. Essa visão, no entanto, mostra
apenas uma face do problema.
A globalização, ainda que tenha preten-
sões sociais e culturais, é evidentemente eco-
nômica. Os Estados, assim, precisam sub-
meter-se às exigências globais para se inse-
rirem no mundo globalizado. E, uma vez
inseridos, são soberanos para as suas deci-
sões internas. Acontece, porém, que o preço
que se paga por essa inclusão é a cidada-
nia. Para fazer parte da “aldeia global”, o
Estado se vê na contingência de adotar me-
didas econômicas que destroem a cidada-
nia. Garante-se a inclusão global, mantém-
se a soberania, mas se perde o povo enquanto
cidadão.
Brasília a. 38 n. 152 out./dez. 2001 213
Quanto à ótica estrutural da crise do Es-
tado, a problemática não é muito diferente.
Na verdade, existem mecanismos para re-
solver as questões de financiamento das
políticas públicas, mas não se tem condi-
ções de aplicá-los sem uma total negação
da pouca cidadania que existe. A sociedade
não aceita as políticas econômico-financei-
ras, bem como não tem condições de desen-
volver medidas públicas não-estatais, pois
não tem consciência de sua capacidade de
atuação social. Os cidadãos são, assim, clien-
tes do Estado, inclusive em sua cidadania.
Vê-se, com isso, que a crise do Estado
não é realmente uma crise do Estado, mas
sim uma crise da cidadania, do processo
democrático de constituição de uma nação
cidadã. O Estado, em sua concepção tradi-
cional, tem meios de garantir a sua manu-
tenção como Estado de Bem-Estar, inserido
no mundo globalizado de forma soberana.
Mas já não tem mais condições, e quiçá inte-
resse, em garantir a cidadania de seu povo.
A crise existe, sim, se entender-se que a
nação como elemento do Estado deve ser
cidadã, deve participar democraticamente
das decisões estatais. Nesse aspecto, a crise
pode ser formulada, debatida e solucionada.
Posta a crise do Estado como a crise da
cidadania, entende-se que a descentraliza-
ção do poder estatal pode ser uma alternati-
va de solução. A transferência das decisões
estatais para o âmbito local garante a demo-
cracia participativa e a cidadania da nação,
que poderá controlar o seu próprio desen-
volvimento.
Nesse sentido, fazem-se imperiosas as
palavras de Ladislau Dowbor:
“... a humanidade precisa urgentemen-
te de puxar as rédeas sobre o seu de-
senvolvimento, e dotar-se dos instru-
mentos institucionais capazes de efe-
tivamente capitalizar os avanços ci-
entíficos para um desenvolvimento
humano.
Os objetivos gerais são hoje claros.
Precisamos de um desenvolvimento
socialmente justo, economicamente
viável e ambientalmente sustentável.
Dividir estes objetivos entre o Estado
que executa políticas sociais, as em-
presas que produzem, e as organiza-
ções não governamentais ou comuni-
tárias que batalham objetivos ambien-
tais, cada um puxando para o seu
lado, nos traz à mente aquele desenho
dos burros que tentam cada um alcan-
çar o seu monte de capim, puxando
em sentidos contrários, em vez de co-
mer juntos cada monte. Podemos, na-
turalmente, e segundo nossas posi-
ções ideológicas, ter cada um uma
opinião diferente sobre qual dos bur-
ros é o culpado. Mas isso não altera-
ria o resultado final” (1998, p. 413-
414).
Notas
1 Em Locke, o liberalismo apresenta-se como
manutenção dos direitos individuais anteriores ao
contrato social. No século XVIII, a teoria liberal prevê
a redução do papel do Estado em face da suficiên-
cia da auto-regulação da economia de mercado.
2 Estado Contemporâneo – é o Estado Moderno
em seus limites conceituais (soberania, nação e ter-
ritório), politicamente organizado em Estado De-
mocrático de Direito, numa concepçãoliberal de
providência – Estado de Bem-Estar.
Bibliografia
 CUNHA, Sérgio Sérvulo. Estado, sociedade e parti-
cipação: perspectivas socialistas. Revista de Informa-
ção Legislativa. Brasília: Senado Federal, Subsecreta-
ria de Edições Técnicas, n. 128, p. 91-93, 1995.
DOWBOR, Ladislau. A reprodução social: proposta
para uma gestão descentralizada. Petrópolis: Vo-
zes, 1998.
______. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense,
1999.
DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octavio; RESENDE,
Paulo-Edgar A. (Orgs.). Desafios da globalização .
Petrópolis: Vozes, 1997.
 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globa-
lizada. São Paulo: Malheiros, 1999.
Revista de Informação Legislativa214
GARCIA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del
Estado contemporáneo. Madrid: Alianza, 1996.
IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 4. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
MORAES, José Luís Bolzan de. Do direito social aos
interesses transindividuais: o Estado na ordem con-
temporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1996.
______. As crises do estado contemporâneo. In:
América Latina. Porto Alegre: Livraria do Advoga-
do, 1996. p. 37-50.
ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-provi-
dência. Trad. de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia:
UFG, 1997.
VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 2. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1998.
WALD, Arnold. Algumas premissas da reforma
constitucional: a redução do papel do Estado, o
fortalecimento da empresa privada e a limitação
do poder monetário. Revista de Informação Legislati-
va, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edi-
ções Técnicas, n. 120, p. 111-118, 1993.

Outros materiais