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O Leitor Crítico (2013)

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O Leitor Crítico 
João Alexandre Barbosa 
Pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária 
Vou começar por um aparente paradoxo: ao leitor crítico deveria se opor ao 
leitor ingênuo; no entanto, não existe o leitor crítico sem o leitor ingênuo, quer dizer, 
aquele para quem a leitura da obra literária tem o seu início num movimento de simpatia 
e de empatia para com qual está lendo. 
O paradoxo se desfaz se esta categoria de leitor crítico for pensada como um 
aperfeiçoamento de algumas qualidades que já se encontram no leitor ingênuo: 
sensibilidade, curiosidade, paciência, interesse pela leitura como fonte de prazer e 
mecanismo de acesso ao conhecimento. 
Assim como Paul Valéry costumava dizer que há sempre crítico dentro de todo 
verdadeiro poeta, é impossível dizer que existe sempre leitor ingênuo dentro de um 
leitor crítico. Sem o que, desaparecem da leitura aqueles elementos de tensão e de 
sobressaltos que permitem as descobertas, as relações insuspeitadas, enfim, o 
conhecimento do novo. 
Neste sentido, a leitura crítica não é aquela que despreza ou recusa o que 
constitui o fundamento de toda leitura -e que se tende a identificar com a leitura 
ingênua-, mas que está, por assim dizer, “condenada” a estabelecer relações, 
discriminar valores e, sobretudo, justificar tudo isso a partir daquilo que, já em 1948, um 
crítico norte-americano, Stanley Edgar Hyman, chamava de “visão armada”, isto é, um 
conjunto de conhecimentos específicos na área de saber em que se exerce a leitura 
crítica. 
Por que “condenada”? Porque a passagem do ingênuo ao crítico se faz 
precisamente pela necessária explicitação de uma justificativa de leitura. 
Vou exemplificar, para o caso da poesia, utilizando-me de um pequeno trecho de 
ensaio do grande crítico canadense, recentemente falecido, Northop Frye. Diz Frye, em 
“Yeats and the Language of Symbolism”, incluído em Fables of Identity. 
Comentado [DS1]: Ou seja, um conhecimento das 
diversas teorias literárias. 
“In reading any poem we have to know at least two languages: the language the 
poet is writing and the language of poetry itself. The former exists in the words the poets 
uses, the latter in the images and the ideas which those word express”. 
Deixando de lado outros desdobramentos possíveis do texto de Frye, e não são 
poucos, acho que duas ordens de preocupações devem ser levantadas: em primeiro 
lugar, chama-se a atenção para o conhecimento da língua em que o poeta escreve o 
poema, quer dizer, não apenas problemas de compreensão semântica que qualquer 
dicionário pode resolver, mas aqueles mais difíceis que somente uma longa experiência 
com a língua pode detectar. 
Em segundo lugar, muito mais importante, trata-se de chamar a atenção para 
aspectos de historicidade da própria poesia que somente uma larga e longa experiência 
com a arte pode permitir. Isso significa que o leitor crítico da poesia está “condenado” 
ao conhecimento de uma tradição da poesia que está além do deciframento da língua 
em que está escrita. 
É essa tradição que é a “linguagem da própria poesia”. Uma linguagem que tanto 
pode significar o modo pelo qual este ou aquele poema passou a significar isso ou aquilo, 
para o leitor que agora o lê, quanto as relações possíveis entre o poema de agora e 
aqueles outros poemas com os quais constitui determinada tradição que se traduz, 
como diz Frye, em imagens e ideias. 
A ação do leitor crítico se passa na reconstituição de tais imagens e ideias como 
movimento necessário de discriminação e de avaliação, e por aí ele explicitamente se 
justifica. 
Dá uma consequência geral e duas resultantes restritas: a consequências geral é 
que a leitura crítica termina por ser sempre uma crítica da leitura. Isso significa que, no 
movimento crítico de leitura, o texto a ser lido é configurado a partir de uma existência 
histórica e concreta entre outros textos já submetidos a outras histórias. Ler o novo 
texto, este de agora que se oferece à leitura, é necessariamente ler criticamente as 
leituras daqueles outros textos com os quais, ou a partir dos quais, o novo texto 
estabelece as relações indispensáveis para a sua própria existência. 
Comentado [DS2]: Discriminar valores = desvendar a 
origem do texto; conhecimento da tradição; história literária; 
relação de obras passadas; jogo de palavras com um uso de 
maior elaboração da linguagem. 
Comentado [DS3]: Ter a vivência da língua. 
Comentado [DS4]: Em possuir o conhecimento da língua e 
seu deciframento. 
Comentado [DS5]: A leitura crítica interage não só com 
outras obras, mas também com outros textos críticos. 
Comentado [DS6R5]: Sua visão é sobretudo a poesia. 
A primeira resultante mais restrita diz respeito, sobretudo, à consideração 
daquilo que se pode chamar de perenidade das obras porque, de fato, não se trata de 
identificar a permanência das obras apenas à transmissão de valores reconhecíveis, mas 
de pensar na perenidade contínua de proliferação de significantes que criam significados 
em tempos diferentes. 
Neste sentido, as obras que permanecem são aquelas que intensificam os 
intervalos entre significantes e significados, ampliando, por isso mesmo, as 
possibilidades de significação. 
Daí a segunda resultante, que é também uma consequência: a leitura crítica é 
sempre uma releitura, mesmo que dirigida a um texto singular que se desvenda pela 
primeira vez, porque ler significações, nos intervalos entre significantes e significados, é 
ler no texto de agora outros textos que com ele suportam aquelas significações. 
Chamem-se a estas ideias ou imagens como prefere Frye, ou valores, para ficar 
no mais geral, é nelas que o leitor crítico encontra-se, ás vezes ampliado, com o leitor 
ingênuo. 
Trabalho apresentado no Simpósio USOS DA LEITURA, ECA/USP/EDUSP, 1991; 
atualizado segundo as novas regras de acentuação (2013). 
Comentado [DS7]: Quanto a semântica enriquecida.

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