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Memorial do Bruxo (versao Clube de Autores)

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Memorial do Bruxo 
Conhecendo Machado de Assis 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
José Antonio Martino
 4
 
 
As imagens deste livro são de Domínio Público pelo fato de já ter 
passado mais de setenta anos desde a morte de seus proprietários e, portanto, 
encontram-se disponíveis para uso público sem ressalvas de Direito Autoral. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O autor permite a reprodução de qualquer parte deste texto, 
desde que citada a fonte. 
 
 
 5
Joaquim Maria Machado de Assis 
 6
 7
Introdução 
 
Na época em que Machado de Assis nasceu, o Rio de Janeiro era 
uma cidade bem diferente daquela que ele iria registrar brilhantemente em 
crônicas anos depois. Apesar das inúmeras melhorias que ela vinha 
recebendo desde a chegada da Família Real em 1808, o Rio de Janeiro ainda 
conservava muitos aspectos da antiga vida colonial. Com cerca de duzentos 
mil habitantes, a cidade era suja, pestilenta, malcheirosa. Doenças como 
varíola, sarampo, cólera-morbo e peste bubônica afligiam a população e eram 
raras as pessoas que chegavam aos sessenta anos. 
Como não existia um sistema de esgoto organizado, cabia aos 
escravos retirar da casa dos senhores as águas servidas. Juntavam-se os 
excrementos durante o dia inteiro num barril e, ao anoitecer, um negro se 
incumbia de ir lançar a imundície no mar. Se estivesse chovendo, a tarefa do 
escravo tornava-se mais fácil, pois bastava despejar o conteúdo do barril 
pelas ruas, que as águas da chuva se encarregavam de fazer o resto. Mas 
enquanto a noite não chegava, o barril permanecia exalando aromas 
nauseabundos pela casa, juntando moscas e mosquitos, muitas vezes 
transmissores de doenças graves. Uma verdadeira procissão de escravos se 
dirigia toda noite para as imediações do palácio do imperador, pois era ali o 
local preferido para se esvaziarem os barris. Por causa disso, ninguém 
entrava nas praias, uma vez que elas recebiam os detritos fecais. Vez por 
outra, um desses negros menos afortunados escorregava, entornando sobre si 
todos os resíduos fétidos. A pele do escravo acabava irremediavelmente 
manchada com listras e dizem que por causa dessa aparência é que eles 
ficaram conhecidos pela população como tigres. 
Com exceção do Passeio Público, quase não havia árvores pelas 
ruas, sempre mal iluminadas, pois ainda se usava óleo de baleia como 
combustível para as lamparinas. A maioria das casas era de madeira, muito 
úmidas e infestadas por todo tipo de inseto e os principais meios de 
transportes do tempo eram puxados por tração animal, como gôndolas e 
diligências. Nesta cidade pouco salubre e ainda com muitas características 
dos tempos da colônia é que nasceu Joaquim Maria Machado de Assis. 
 
 8
 9
A Chácara do Livramento 
 
 O ano era 1839. Quem caminhasse pela praia da Gamboa e olhasse 
para o alto do Morro do Livramento veria um antigo palacete, sólido, austero, 
pesado, como costumavam ser as velhas construções que vinham do tempo 
do Brasil Colônia. Esta residência que tinha mais de 150 anos era a sede de 
uma enorme chácara, que se estendia por todo o morro e ia terminar próximo 
à orla do oceano, junto ao Cemitério dos Ingleses. 
 Naquela época, pouquíssimas construções podiam ser observadas no 
Morro do Livramento, quase sempre modestos casebres de gente muito 
pobre. Além da mansão que servia de sede para a chácara, havia também uma 
pequenina capela particular dedicada a Nossa Senhora do Livramento, 
erguida ali em 1670 por um certo José Caieiro da Silva, o primeiro 
proprietário daquelas terras. Por causa dela, não somente a chácara, mas todo 
o morro ficou conhecido como Livramento. Quando José Caieiro da Silva 
faleceu, a chácara foi vendida por seus herdeiros ao capitão Manuel Pinto da 
Cunha; por sua vez, este a legou ao morrer à sua filha, dona Ana Teresa 
Angélica da Cunha e Sousa. 
Próximo à chácara, ao pé do Morro do Livramento, ficava o 
Cemitério dos Ingleses, um dos poucos da cidade, se não o único, em que os 
corpos eram sepultados em covas abertas diretamente no chão. Naquele 
tempo, era costume se enterrar os mortos nas igrejas. Defronte ao cemitério, 
havia uma praia suja, onde o pequeno Machado deveria passar as tardes, após 
descer correndo o morro. A chácara localizava-se relativamente perto do 
centro da cidade, num bairro de gente humilde, como os outros das 
imediações: Saúde, Gamboa, Saco do Alferes, Praia Formosa e São 
Cristóvão. Tanto que na praia do Valongo, ali perto, era o ponto de 
desembarque dos navios negreiros. 
Antes de prosseguir, é necessário apresentar dona Ana Teresa 
Angélica, bem como algumas outras pessoas que viveram na Chácara do 
Livramento e, dessa forma, foram nomes importantes ligados à infância de 
Machado de Assis. 
 
Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa 
 
Ana Teresa Angélica era uma senhora solteirona, muito rica, 
pertencente a ilustre família Pinto da Cunha. Dizem que era irmã do célebre 
Cônego Felipe, com quem morava na Chácara do Livramento. Para bem 
dirigir as suas terras, que possuíam inúmeros escravos e agregados, sendo 
que a maioria deles constituía-se de pardos forros (escravos libertos), Ana 
Teresa Angélica da Cunha e Sousa contratara os serviços de Bento Barroso 
Pereira, um brigadeiro reformado, que lhe ajudava a administrar sua quinta. 
 10 
Tão bons serviços ele prestou à generosa senhora, que quando esta morreu no 
dia 19 de setembro de 1827, passou a maior parte das terras para o amigo. 
Consta que Maria José de Mendonça Barroso Pereira, esposa do Bento e 
futura madrinha de Machado de Assis, vinha emprestando muito dinheiro à 
dona Ana Teresa Angélica, que se viu obrigada a saldar suas dívidas com a 
doação. É provável que a sua situação financeira nessa época já não fosse das 
mais tranqüilas, como nos tempos em que ela era moça e a chácara opulenta. 
Porém, o fato inquestionável é que o tabelião Perdigão passou a escritura de 
grande parte das terras de dona Ana Teresa Angélica para as mãos do Bento 
Barroso Pereira no dia 10 de fevereiro de 1827, conforme demonstrou 
Gondin da Fonseca. E após a morte dela, quando inúmeros parentes 
acorreram de toda parte para acompanhar a abertura do testamento, viram-se 
praticamente de mãos vazias... 
 
Cônego Felipe 
 
Há pouquíssimas informações a respeito da vida do Cônego Felipe. 
Grande parte do que sabemos são conjecturas e hipóteses levantadas por 
historiadores, nem sempre endossadas por fontes seguras. Sabe-se que ele 
nascera no século XVIII, na cidade do Rio de Janeiro e chamava-se Felipe 
Pinto da Cunha e Sousa. Com a chegada de Dom João VI, fora promovido a 
monsenhor presbítero da Capela Real. Informa Vieira Fazenda que ele era 
um tanto excêntrico, mas respeitado como sacerdote. Segundo Barreto Filho, 
ele seria um dos antigos proprietários da Chácara do Livramento. A teoria 
mais aceita é que Felipe era filho do Capitão Manuel Pinto da Cunha e, 
portanto, irmão de Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa. Se esta tese for 
verdadeira, o cônego deve ter recebido a Chácara do Livramento como 
herança de seu pai e legado as terras à sua irmã quando faleceu. 
Certo mesmo, é que o Cônego Felipe adquiriu na sociedade do 
tempo uma triste reputação, tendo virado motivo de chacota entre o povo, em 
virtude de sua extrema ingenuidade, pobreza de espírito e apoucada 
inteligência. Sobre ele, corriam anedotas curiosas, como aquela a respeito de 
uma tela, em que o pintor retratava Suzana banhando-se num riacho. Diziam 
as más línguas que ela era observada pelo Cônego Felipe, que permanecia 
escondido atrás de uma árvore... Este quadro de fato existiu, pois Machado se 
refere a ele em crônica, afirmando que o via diariamente em sua infância. 
Possivelmente, decorava uma das paredes do casarão de sua madrinha, na 
Chácara do Livramento. Sobre a simplicidade do Cônego Felipe, Álvares de 
Azevedo deixouo seguinte poema: 
 
 11
O CÔNEGO FELIPE 
 
O Cônego Felipe, Ó nome eterno! 
Cinzas ilustres que da terra escura 
Fazes rir nos ciprestes as corujas! 
Por que tão pobre lira o céu doou-me 
Que não consinta meu inglório gênio 
Em vasto e heróico poema decantar-te? 
 
Voltemos ao assunto. A minha musa 
Como um falado imperador romano 
Distrai-se às vezes apanhando moscas. 
Por estradas mais longas ando sempre, 
Com o cônego ilustre me pareço. 
Quando ele já sentia vir o sono, 
Para poupar caminho até a vela, 
Sobre a vela atirava a carapuça. 
Então no escuro, em camisola branca 
Ia apalpando procurar na sala 
- Para o queijo flamengo da quereca 
Dos defluxos guardar - o negro saco. 
 
 
No Diário do Rio de Janeiro de 17 de julho de 1864, Machado de 
Assis escreveu uma crônica, onde ele defende o Cônego Felipe, contestando 
esta suposta ingenuidade que lhe atribuíam. Diz que o sacerdote deixou um 
testamento “sério, grave, cheio de lucidez e razão”. O escritor sentia-se 
ligado à tradição da Chácara do Livramento, de sua gente e de sua história e 
por isso veio a público defender a honra do sacerdote. 
Morreu o Cônego Felipe em data anterior ao ano de 1812, portanto 
muito antes do nascimento de Machado. Foi enterrado na igreja de São 
Bento. 
 
Bento Barroso Pereira 
 
Nascido em Minas Gerais, o general Bento Barroso Pereira foi um 
proeminente político de seu tempo. Em 1824, alguns patriotas de 
Pernambuco tentaram instaurar a república no país. Destacado por Dom 
Pedro I para combater esta revolução, desempenhou com tamanha eficiência 
sua tarefa, que a coroa, agradecida, nomeou-o senador no ano de 1826, 
representando a província de Pernambuco. Tão influente era no meio 
político, que Bento chegou a ser presidente do senado por mais de 2 anos. De 
 12 
20 de novembro de 1827 até 15 de junho de 1829, assumiu o cargo de 
Ministro da Guerra, o qual também ocupou no período da Regência Trina. 
Bento Barroso Pereira veio a falecer no dia 8 de fevereiro de 1837. 
Morava com a família no casarão da Chácara do Livramento, 
administrada por ele até a morte de Ana Teresa Angélica da Cunha e Sousa. 
Com o passamento desta, Bento herdou grande parte das terras, como já ficou 
dito. O que ainda não se disse - e creio que nenhum dos biógrafos de 
Machado atentou para este ponto - é que Bento Barroso Pereira teria sido 
escolhido padrinho do escritor, caso ele não tivesse falecido dois anos antes 
de Machado nascer. 
Sabe-se que a esposa do Bento, Maria José de Mendonça Barroso 
Pereira, então viúva em 1839, foi escolhida para ser madrinha do autor de 
Quincas Borba. Para padrinho, chamaram um genro de Maria José, Joaquim 
Alberto de Sousa da Silveira, que era viador do Paço Imperial, Comendador 
da Ordem de Cristo e Oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. Este incidente 
biográfico pouca importância teria na vida de Machado, se não fosse um 
pequeno detalhe. Os pais do futuro escritor, Francisco José e Maria 
Leopoldina, para agradecer tamanha distinção e homenagear aquelas pessoas 
tão nobres e generosas, que se dispunham a apadrinhar uma criança de classe 
social inferior a deles, haviam prometido batizar o menino com o nome dos 
padrinhos, Joaquim e Maria. É por isso que ele recebeu na pia batismal o 
nome de Joaquim Maria Machado de Assis. Ora, se Bento Barroso Pereira 
ainda fosse vivo, é natural que ele fosse o padrinho escolhido. Decorre daí, 
que o escritor possivelmente não receberia o nome de Joaquim Maria, mas de 
Bento Maria Machado de Assis. Ele próprio saberia disso, como parece nos 
querer informar pelas entrelinhas de sua obra. Em Dom Casmurro, um 
romance em que há muitos elementos biográficos como se verá, Machado 
não teve dúvidas em crismar seu personagem principal de Bento. Bentinho 
não seria, portanto, uma máscara sutilmente engendrada para esconder alguns 
traços ainda obscuros, mas fundamentais para a compreensão da vida do 
bruxo do Cosme Velho? Fica aí a pergunta, para que outros estudiosos, 
dotados de mais luzes e novos materiais de pesquisa, possam responder a tal 
indagação. 
 
Maria José de Mendonça Barroso Pereira 
 
Maria José era a proprietária da Chácara do Livramento em 1839. 
Nasceu na cidade de Braga, em Portugal. Há dúvida quanto a data de seu 
nascimento. O seu assento de batismo diz que ela fora exposta no dia 4 de 
março de 1773, na casa de um certo Miguel Ferreira. Ela seria, portanto, uma 
senhora de 66 anos, ao tempo em que batizou o pequeno Machado. O 
 13
problema é que a sua certidão de óbito dá outra data, registrando que Maria 
José teria nascido três anos antes, em 1770. 
Não se sabe em que condições ou quando ela chegou ao Brasil. 
Informação certa, porém, é que ainda em Portugal, no ano de 1802, Maria 
José casou-se por procuração firmada na cidade do Porto com um brasileiro, 
Joaquim José de Mendonça Cardoso. Este retornou a Portugal e o casal teve 
2 filhos, um menino com o nome do pai, Joaquim José de Mendonça e uma 
menina chamada Antônia Margarida de Mendonça Figueira de Azevedo. Em 
1823, esta contrai matrimônio com Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, o 
futuro padrinho de Machado de Assis. Conta-se que o filho de Maria José, já 
moço no Brasil, endoidecera por causa de um amor não correspondido. 
Dizem que se apaixonou pela mãe de Machado de Assis, que era então 
agregada na chácara, mas a diferença de classe social parece ter sido uma 
barreira intransponível para que a união deles se efetivasse. Verdade ou 
fantasia? O certo é que Machado escreveu um romance chamado Casa Velha, 
nunca publicado em livro durante a sua vida (apenas em folhetim no jornal de 
modas A Estação), onde narra uma história com muitas semelhanças àquele 
episódio. 
Vamos encontrar Joaquim José de Mendonça Cardoso, primeiro 
marido de Maria José, ocupando o posto de Desembargador Intendente do 
Ouro no início do século XIX. Todavia, não deve ter permanecido por muito 
tempo nesta ocupação, pois veio a falecer no dia 17 de outubro de 1807. 
Em 1826, tendo mais de 53 anos, Maria José contrai novas núpcias, 
unindo-se agora a Bento Barroso Pereira, 12 anos mais novo do que ela e que 
não possuía filhos. A boa senhora gostava muito de Maria Leopoldina, a mãe 
de Machado, e deve ter se afeiçoado também ao afilhado Joaquim Maria, 
dispensando ao pequeno carinhos ternos de avó. Morreu em virtude de uma 
epidemia de sarampo, no dia 11 de outubro de 1845, já setuagenária. 
 Tendo apresentado algumas pessoas de importância capital na 
biografia de Machado de Assis, que habitavam a Chácara do Livramento, é 
tempo de escrever meia dúzia de linhas a respeito das origens familiares do 
escritor. Porém, com a ressalva de que ainda restam muitas lacunas sobre este 
assunto, tanto do lado paterno, quanto do lado materno e é possível que tais 
dúvidas nunca sejas esclarecidas. 
 
Os avós paternos 
 
Os avós paternos de Machado chamavam-se Francisco José de Assis 
e Inácia Maria Rosa. Ambos eram pardos forros e trabalhavam como 
agregados na Chácara do Livramento, onde recebiam grande estima por parte 
de todos. Curiosamente, os dois nasceram de mães negras e escravas que 
também moravam na chácara, mas se desconhece o paradeiro de seus pais. 
 14 
Sabe-se que pelo menos um deles, ou o pai de Francisco José ou o de Inácia 
Maria Rosa, não era escravo, daí serem os avós de Machado mestiços e não 
negros. Gondin da Fonseca conta uma história muito plausível a respeito 
deste episódio. Baseando-se no fato do casamento de Francisco José de Assis 
e Inácia Maria Rosa não ter sido celebrado na capela do Livramento, como 
seria natural, mas num oratório particular longe da chácara, ele acredita que 
esta mudança inesperada do local do matrimônio só pode indicar uma coisa: 
que o pai de um dos noivos era sacerdote, provavelmente ligado à chácara. 
Cita, inclusive, o nome de um eclesiástico, o açorianoAntônio de Azevedo. 
Este assistiu ao casamento, mudado de endereço por questão de uma 
conveniência social. Este fato é muito importante e explica por que os avós 
de Machado eram tão queridos na chácara, haja vista que os próprios 
padrinhos do enlace, que aconteceu no dia 4 de agosto de 1805, eram 
membros da nobre família Pinto da Cunha. 
 
Avós maternos 
 
 Os avós maternos de Machado de Assis foram pessoas muito pobres, 
originárias da ilha dos Açores. Antes de mais nada, é necessário explicar que 
tanto seu avô, Estevão José Machado, quanto sua avó, Ana Rosa da Câmara, 
tinham a pele clara. É possível que Ana Rosa trouxesse até olhos verdes ou 
azuis, como grande parte das mulheres que habitam os Açores. 
 Filho de pais incógnitos, Estevão José Machado era um mocinho de 
apenas 18 anos, quando resolveu contrair matrimônio com a viúva Ana Rosa, 
ocorrido no dia 9 de junho de 1809. Ela tinha 5 anos a mais do que ele, ainda 
muito moça é certo, mas já havia perdido seu primeiro marido, Antônio da 
Câmara. O que se sabe deste é que deveria ser pescador e teve uma triste 
sina, pois ao morrer “não foi sepultado por cair no mar, donde nunca saiu”. 
 Viúva em tão tenra idade, a vida de Ana Rosa nos aparece envolta 
em mistério, pois nada mais dela sabemos. Talvez Machado de Assis ouvisse 
em sua infância, pela boca de Maria Leopoldina, sua mãe, a triste história da 
avó, que perdera seu primeiro esposo no mar. Não teria ela permanecido 
inconscientemente na memória do escritor, como reminiscência querida, de 
maneira que viesse a justificar a obsessão dele por viuvinhas jovens em sua 
obra? É uma hipótese admissível, como outras que serão defendidas neste 
livro, mas que talvez nunca sejam esclarecidas na biografia de Joaquim 
Maria. Sabe-se que ele tinha verdadeiro pavor pelo mar, tanto que jamais 
desejou se aventurar em viagens através do oceano. Além do mais, alguns de 
seus personagens morreram tragados pelas ondas, como o próprio Escobar de 
Dom Casmurro. 
Feito a apresentação dos avós do escritor, é tempo de apresentar um 
breve resumo da vida dos pais dele, Maria Leopoldina e Francisco José. 
 15
Maria Leopoldina Machado da Câmara 
 
 Segundo filho do casal Estevão José Machado e Ana Rosa da 
Câmara, Maria Leopoldina nasceu no dia 7 de março de 1812, na cidade de 
Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, nos Açores. Portanto, a mãe de Machado 
de Assis era branca e não negra como afirmaram alguns biógrafos. O sempre 
bem informado Augusto Meyer chegou mesmo a declarar que ela teria olhos 
azuis, como a maioria das mulheres de São Miguel. Outro erro muito comum 
que se costuma atribuir à biografia de Maria Leopoldina é alegar que ela era 
lavadeira. Isso é uma grande bobagem, uma vez que no século XIX cabia 
apenas às escravas esse tipo de serviço. Não existiam lavadeiras assalariadas. 
Talvez ela cozinhasse, engomasse, bordasse, fizesse trabalhos de costura e 
até mesmo lavasse roupa uma vez ou outra, ajudando nas tarefas domésticas, 
mas daí a dizer que esta era a sua profissão vai uma grande diferença. Há de 
se ficar bem claro que Maria Leopoldina não era escrava, mas uma pessoa 
livre, que vivia como agregada na Chácara do Livramento, onde ela era 
muito estimada pela proprietária, dona Maria José. 
E como ela teria chegado à Chácara do Livramento? 
 Nas primeiras décadas do século XIX, houve uma grande emigração 
de açorianos para o Brasil. Isto se deu por dois motivos básicos. Primeiro 
porque, naquela época, a população existente nas ilhas era extremamente 
pobre, não havia alimentos para todos e muitos foram obrigados a abandonar 
suas famílias para não morrerem de fome. Segundo, porque a Inglaterra 
passou a colocar uma série de empecilhos para dificultar cada vez mais o 
tráfico de escravos africanos, chegando mesmo a perseguir os navios 
negreiros. O rendoso comércio de negros já não era mais o mesmo e a saída 
encontrada foi buscar “trabalhadores livres” açorianos para substituir a falta 
de mão-de-obra na lavoura. Isto porque havia uma lei que não permitia o 
tráfico de escravos, mas autorizava o transporte de açorianos nos mesmos 
navios negreiros, quase sempre em condições desumanas. As pessoas se 
amontoavam feito animais em porões fétidos, na mais absoluta falta de 
higiene, e assim atravessavam o oceano que parecia não ter mais fim. Esse 
modo de comércio transformou-se numa alternativa rendosa para os 
traficantes. Quem estivesse interessado em contratar algum trabalhador 
desembarcado no Brasil, pagava ao capitão do navio a quantia estabelecida 
por ele, ou seja, o valor da passagem. Não se tratava, portanto, de uma 
compra simples como era feito com relação aos escravos e, em teoria, o 
trabalhador açoriano não pertencia a ninguém. Todavia, era uma liberdade 
simplesmente no nome. O contrato estabelecido é que ele teria de trabalhar 
para o senhor até saldar sua dívida, que, em muitos casos, durava a vida toda. 
Inúmeras açorianas caíram na prostituição e fica muito evidente que a 
situação desse emigrante não era em nada diferente que a de um escravo. 
 16 
 Acredita-se que Maria Leopoldina tenha vindo para o Brasil numa 
dessas levas de açorianos, espremida como gado num navio negreiro. 
Uma das questões mais controversas em sua biografia é saber se 
Maria Leopoldina chegou ao Brasil já moça ou ainda menina. A opinião dos 
estudiosos divide-se radicalmente quanto a isso e creio que nunca haverá um 
consenso, uma vez que não há dados concretos sobre este assunto. Por minha 
parte, estou inclinado a acreditar que ela chegou aqui por volta dos três anos, 
ou seja, em torno de 1815. Esta hipótese, defendida por alguns comentadores 
da obra de Machado, é fundamentada por dois fatos principais. 
Gondin da Fonseca, que esmiuçou a vida de Machado por todos os 
lados, chegando, inclusive, a viajar para os Açores, encontrou o assento de 
batismo da mãe do escritor na igreja de São Sebastião, localizada na cidade 
de Ponta Delgada. Curiosamente, os pais dela batizaram a menina 
simplesmente como Maria e mais nada. Sem qualquer sobrenome. Ora, o 
Leopoldina que lhe foi acrescentado posteriormente só pode ter sido em 
homenagem a Arquiduquesa da Áustria, D. Leopoldina, primeira mulher de 
D. Pedro I. A imperatriz chegou ao Brasil em 1817, ano em que muitas 
crianças receberam na pia batismal o seu nome, por estar na moda. 
A fim de colaborar ainda mais com esta opinião, basta lembrar que 
Maria Leopoldina sabia ler e escrever. Praticamente todos açorianos que 
vieram para o Brasil no início do século eram analfabetos. Por isso, acredita-
se que ela tenha aprendido a ler e escrever ainda menina na chácara do 
Livramento, aos cuidados de dona Maria José. 
Ignora-se como Maria Leopoldina ligou-se à gente da chácara, nem 
se ainda devia algum dinheiro a alguém pelos custos da viagem. O certo é 
que granjeou grande estima de dona Maria José, que a tratava como uma 
filha. Aos 14 anos esteve para se casar, porém o consórcio acabou não se 
realizando por algum motivo ignorado. Três anos depois, encontramos a 
menina noiva novamente e mais uma vez frustraram-se os seus planos 
nupciais (nesta oportunidade, o noivo teria sido Joaquim José de Mendonça, 
filho de Maria José). A terceira tentativa de casamento ocorreu aos 21 anos e 
também dessa vez não houve matrimônio. Quem defende essa idéia é ainda 
Gondin da Fonseca, afirmando que Maria Leopoldina já se via solteirona e 
somente por isso aceitou a proposta de casamento do pai de Machado. 
Segundo Gondin, ela casou-se aos 26 anos com Francisco José por medo da 
solidão e sem nenhum amor a ele. Mas há quem conteste este julgamento, 
como o francês Jean-Michel Massa, também outro grande estudioso da vida 
de Machado de Assis. De qualquer forma, os pais do escritor casaram-se no 
dia 19 de agosto de 1838 na capela do Livramento. 
O casal teve dois filhos: uma menina, que foi batizada com o mesmonome da mãe, Maria, e um menino, Joaquim Maria, que viria a se tornar um 
dos maiores escritores da literatura mundial. O pequeno era muito apegado à 
 17
mãe. Ela contava-lhe histórias tão lindas, que o menino ouvia sempre curioso 
e atento. Foi Maria Leopoldina quem lhe ensinou as primeiras letras. Alguns 
anos depois, Machado se lembraria dela numa poesia: 
 
MINHA MÃE 
 
Quem foi que o berço me embalou na infância 
entre as doçuras que do empíreo vêm? 
e nos beijos de célica fragrância 
velou meu sono puro? Minha mãe! 
Se devo ter no peito uma lembrança, 
é dela, que os meus sonhos de criança 
dourou: é minha mãe! 
 
Quem foi que ao entoar canções mimosas 
cheia de um terno amor, - anjo do bem, 
minha fronte infantil encheu de rosas 
de mimosos sorrisos? Minha mãe! 
Se dentro do meu peito macilento, 
o fogo da saudade me arde, lento, 
é dela: minha mãe! 
 
Qual o anjo que as mãos me uniu outrora 
e as rezas me ensinou que da alma vêm? 
e a imagem me mostrou que o mundo adora, 
e ensinou a adorá-la? Minha mãe! 
Não devemos nós crer num puro riso 
desse anjo gentil do paraíso 
que chamou-se uma mãe? 
 
Por ela rezarei eternamente, 
que ela reza por mim no céu também; 
nas santas rezas do meu peito ardente 
repetirei um nome: minha mãe! 
Se devem louros ter meus cantos d’alma, 
ó! do povir eu trocaria a palma 
para ter minha mãe! 
 
 
 Depois dessa poesia, Machado silenciou e quase mais nada escreveu 
sobre ela pelo resto de seus dias. Para o escritor, deveria ser uma recordação 
muito dolorosa lembrar-se de sua querida mãe, que partira desta vida ainda 
 18 
tão jovem, com apenas 36 anos de idade. No século XIX, a tuberculose era 
uma doença que matava sem piedade, escolhendo indistintamente suas 
vítimas em qualquer classe social. Maria Leopoldina apanhara a tísica e 
morrera no dia 18 de janeiro de 1849, quando o pequeno Joaquim Maria 
tinha apenas nove anos. Este fato deixou profundas marcas na existência de 
Machado. A dor provocada pela morte de uma pessoa tão próxima feriu 
irremediavelmente a alma daquele pobre menino indefeso, agora 
desprotegido e entregue à crueldade do mundo. Logo compreendeu que tudo 
na vida era transitório e inseguro. 
 O que prova que Maria Leopoldina seria uma pessoa muito querida 
na Chácara do Livramento, é que ela foi enterrada no Convento de Santo 
Antônio, bem ao lado de dona Maria José, a madrinha de Machado. 
 
 Francisco José de Assis 
 
Desconhece-se quantos filhos tiveram o casal Francisco José de 
Assis e Inácia Maria Rosa, os avós paternos do escritor. Sabe-se que no ano 
de 1806, nasce-lhes um robusto menino, que foi batizado no dia 11 de 
outubro do mesmo ano na igreja de Nossa Senhora do Rosário e não na 
capela do Livramento, como era de se esperar. Isto levou alguns biógrafos a 
imaginarem que os avós de Machado poderiam já não morar na chácara por 
essa época. Curiosamente, a criança recebeu na pia batismal o mesmo nome 
do pai, Francisco José de Assis. O menino teve por padrinho o padre Antônio 
de Azevedo, aquele velho sacerdote açoriano, que assistiu ao casamento dos 
avós do escritor e imagina-se que poderia ser pai de algum deles. Já a 
madrinha do pequeno foi ninguém menos do que Nossa Senhora das Dores. 
Francisco José era pardo forrado e não negro. No século XIX, não 
era comum que os escravos recebessem alforria gratuitamente, uma vez que 
eles valiam dinheiro, sendo bens preciosos para seu proprietário. Era 
costume, sim, forrar os escravos bastardos, os filhos do amor ilegítimo entre 
um senhor e sua escrava. Este fato colabora ainda mais para reforçar a 
hipótese de que Francisco José de Assis (o avô) - ou Inácia Maria Rosa - 
seria filho de padre. 
O menino foi crescendo na chácara e sua infância não deve ter sido 
muito diferente da de outros meninos pobres do bairro. Como Maria 
Leopoldina, Francisco José também recebia grande estima por parte de todos 
no Livramento, uma vez que era “quase” da família, descendente direto do 
sacerdote açoriano. Aí lhe ensinaram a ler, escrever, contar e o rapazinho 
aprendeu o necessário para que pudesse ter sucesso numa profissão de 
homens livres. 
Escolheu ser pintor de casas e dourador. Cedo conseguiu quem lhe 
ensinasse os rudimentos da pintura e o aprendiz dominou bem rápido as 
 19
técnicas necessárias à profissão. Constantemente era requisitado para caiar 
igrejas, retocar detalhes em afrescos, pintar o solar de alguma família rica e 
aristocrática. 
Não há notícias de como Francisco José conheceu Maria 
Leopoldina. Alguns biógrafos afirmaram que, por essa época, ele já não 
morava mais no Livramento e, muito provavelmente, encontrou-se com ela 
alguma vez em que foi à quinta prestar seus serviços. Particularmente, creio 
que eles já se conheciam desde pequenos e, se não eram amigos íntimos, ao 
menos deveriam se ver com certa freqüência na chácara. Um dia, Francisco 
José deparou-se com Maria Leopoldina caminhando entre os pomares ou os 
jardins da casa. Achou-a mais bela que de costume, fresca, sadia, uma mulher 
com todos os predicados para se tornar uma excelente esposa e mãe de 
família. Trocaram sorrisos espontâneos e algumas palavras amáveis. Depois, 
passaram a se encontrar com mais constância pelos cantos silenciosos e 
solitários da chácara. Maria Leopoldina já estava com 26 anos, via-se quase 
como uma solteirona, e deve ter aceitado de bom grado a corte que aquele 
rapaz simpático vinha lhe fazer com tanto respeito. Provavelmente, dona 
Maria José, futura madrinha de Machado, dava-lhe conselhos para aceitar as 
honradas intenções daquele moço trabalhador e honesto. 
Com amor ou sem ele, Francisco José de Assis e Maria Leopoldina 
Machado da Câmara casaram-se no dia 19 de agosto de 1838, na pequena 
capela da chácara e foram morar numa casinha da rua Nova do Livramento, 
número 131, rua que fora aberta alguns anos antes, em 1818. 
Os amigos de Francisco José consideravam-no um homem 
inteligente e até com alguma bagagem de leitura. Sabe-se que no ano de 
1845, ele era um dos assinantes do Almanaque Laemmert. Tinha, portanto, 
um pouco mais de instrução que o grosso dos homens de sua classe social. 
Por isso mesmo, não queria que Machado seguisse a sua profissão. Isso de 
levar pincéis e latas de tintas para todo lado, carregar escadas nas costas, era 
um trabalho muito desgastante. O filho iria para o comércio! Quem sabe não 
arranjaria lugar para ele como caixeiro em alguma loja da cidade? Só não 
queria que o pequeno tivesse o seu mesmo destino. 
Francisco José era uma pessoa muito religiosa e, aos domingos, 
fazia questão de levar toda a família para assistir missa na capela do 
Livramento. Decorre daí que, desde muito pequeno, Machado de Assis 
freqüentou igrejas e templos, aprendendo cedo os rituais e ofícios cristãos. 
 Com a morte de Maria Leopoldina, em 1849, Francisco José viu-se 
em dificuldades para criar seu filho, que tinha apenas dez anos incompletos. 
A solução encontrada foi unir-se a outra mulher. Ele sabia que a madrasta 
jamais substituiria a mãe verdadeira, mas poderia ser de grande ajuda para 
completar a educação do menino e auxiliar nas tarefas domésticas. Assim, 
Francisco José, já considerado velho para a época, liga-se sem sacramentos a 
 20 
Maria Inês da Silva, que era doceira e negra. O casal viveu em concubinato 
por algum tempo, até que se casaram definitivamente no dia 18 de junho de 
1854, tendo ela 33 anos de idade, enquanto ele ia pelos seus 48 anos. O 
enlace realizou-se na igreja do Engenho Novo, próximo ao bairro de São 
Cristóvão, e por isso se acredita que eles já não morassem mais na Chácara 
do Livramento. 
 Afirmam alguns estudiosos machadianos que o menino teria sofrido 
muito, vendo sua mãe substituída por outra mulher. Se assim foi, creio que o 
sofrimento de Machado limitou-se apenas aos primeiros meses da união. 
MariaInês revelou-se uma excelente madrasta para ele, dedicada e atenciosa. 
Muito provavelmente depois da morte de Maria Leopoldina, a 
família teve de se mudar para São Cristóvão, num sobradinho da rua de São 
Luís Gonzaga. Naquele tempo, São Cristóvão era um bairro de subúrbio, para 
onde se ia de barca. Toda noite, Francisco José saía de casa para conversar 
com um vigário, com quem fizera boa camaradagem. É possível que numa 
destas palestras, o sacerdote tenha sugerido ao amigo que trouxesse seu filho 
para ser coroinha. Talvez em troca desta ajuda na igreja, o vigário até lhe 
arranjasse alguma pessoa com quem o menino pudesse tomar aulas, visto que 
ele era inteligente e muito estudioso. 
 Francisco José de Assis faleceu no dia 22 de abril de 1864, deixando 
viúva Maria Inês da Silva, a boa madrasta de Joaquim Maria. 
 
Maria Inês da Silva 
 
 Muito pouco se sabe sobre a madrasta de Machado de Assis. Maria 
Inês teria nascido no Rio de Janeiro em 1821 e era cozinheira e doceira de 
profissão. Durante algum tempo, trabalhou no Colégio das Meneses, uma 
escola para meninas, onde ela fazia balas. Uniu-se a Francisco José de Assis, 
provavelmente algum tempo depois da morte de Maria Leopoldina. Não teve 
filhos e talvez por isso mesmo tenha se afeiçoado tanto a Machado de Assis. 
Josué Montello, apoiando-se em Luiz Viana Filho, acredita que o escritor não 
se deu bem com a madrasta, tese contestada por Gondin da Fonseca. Segundo 
este autor, Maria Inês teria sido para seu enteado uma segunda mãe. É 
provável que, antes de colocarem Machado na escola pública, ela tenha 
servido de mestra ao pequeno, ensinando-lhe o pouco que deveria saber, uma 
vez que o menino mostrava grande interesse pelo estudo. À noite, quando 
Francisco José saía para conversar com o vigário, Maria Inês permanecia em 
casa, o pequenino quarto iluminado por uma luz frouxa, dando-lhe lições 
elementares de álgebra e português. Porém, em pouco tempo a bondosa 
madrasta já não teria mais o que ensinar a Machado. 
 O escritor não deve ter vivido muito tempo com ela. Quando entrou 
na adolescência, Machado logo passou a procurar emprego, a fim de ajudar 
 21
na renda da família, uma vez que o salário de seu pai deveria ser baixo e 
incerto. E em breve deixaria a casa da rua de São Luís Gonzaga, seduzido 
pelos encantos da cidade. Machado, portanto, talvez tenha vivido com a 
madrasta por cerca de uns cinco anos e ela ter-lhe-ia dedicado um zelo 
maternal, sacrificando-se pelo menino. Reza a lenda, que o escritor 
abandonara a pobre madrasta depois que ele começou a ficar famoso e nunca 
mais havia retornado para lhe fazer uma visita. Deve-se essa crença injusta, 
sobretudo, a uma carta publicada pelo professor Hemetério dos Santos, 
repleta de impropérios contra o autor de Quincas Borba. Na verdade, 
Machado não abandonou Maria Inês, a quem ele sempre auxiliava 
financeiramente quando podia. Tanto é verdade que não a abandonou, que, 
ao saber de sua morte, fez questão de se despedir da querida madrasta. Quem 
conta esta anedota é o escritor Coelho Neto: 
 
“Estávamos palestrando à porta do 
Garnier, num grupo, como a miúdo fazíamos. 
Machado de Assis, mais nervoso que de costume, 
perguntou-me se tinha algum compromisso 
naquela tarde. Como não o tivesse, perguntou-me 
se queria acompanhá-lo a um enterro... 
Conversaríamos no carro... Aceitei. A vitória 
levou-nos a um casebre pelos lados de Vila 
Isabel. Machado de Assis apeou e eu fiquei no 
carro à sua espera. Depois de pequena demora 
voltou, e acompanhamos o humilde enterro ao 
cemitério.” 
 
Somente após algum tempo, Machado lhe disse: 
 
“Era minha mãe.” 
 
O crítico Agrippino Grieco acredita que esta história contada pelo 
Coelho Neto seja romanceada e talvez não tenha se passado da maneira como 
ele a narra. De qualquer forma, mostra que Machado trazia Maria Inês dentro 
do coração, tratando-a por mãe. 
É sabido que Joaquim Maria não falava de seu passado nem com os 
amigos mais íntimos. O próprio Mário de Alencar escrevera sobre o mestre: 
“Machado foi reservado e escondia em segredo os anos da infância e 
adolescência”. Deixo aqui algumas questões problemáticas sobre a sua 
biografia. Teria o escritor revelado à Carolina as suas origens humildes? 
Teria Machado de Assis convidado a madrasta Maria Inês para o seu 
casamento com Carolina? E esta, chegara a conhecer Maria Inês em vida? 
 22 
Novamente, encontramo-nos diante de perguntas que talvez nunca terão uma 
resposta satisfatória. 
Maria Inês passou os últimos quatorze anos de sua vida na casa de 
Eduardo Marcelino da Paixão e foi morrer já bem velha, aos setenta anos de 
idade, no dia 2 de julho de 1891. 
Citei o nome do professor Hemetério dos Santos e sua famosa carta, 
a partir da qual se iniciou a tradição de que Machado teria sido um enteado 
ingrato. Aproveito para abrir aqui um parêntese e fazer uma referência a 
Hemetério e este episódio. 
 
Hemetério dos Santos 
 
 Professor de escola normal, gramático e poeta sem qualquer relevo, 
Hemetério dos Santos nasceu no Maranhão em 1858. Seu nome hoje estaria 
repousando de maneira justa no esquecimento, se não fosse uma carta que ele 
redigira contra Machado de Assis, acusando-o das maiores perversidades. O 
corpo do escritor nem esfriara na sepultura, quando o maranhense escreveu 
na Gazeta de Notícias de 29 de novembro de 1908 um texto cheio de 
acusações covardes, que nunca em vida de Machado ele teria coragem de 
publicar. Negava-lhe não só a grandeza da obra, como também lançava 
diversas acusações sobre o seu caráter. Em suma, desancava-o 
impiedosamente e, por causa desse artigo, a imagem do escritor por muito 
tempo foi pintada como a de um homem insensível às questões sociais de seu 
tempo. Hemetério não se conformava que um literato da estatura de Machado 
de Assis, tido por todos como o chefe incontestável da literatura nacional, 
não se batesse publicamente pela causa da abolição, como Patrocínio ou 
Silva Jardim. 
 Hemetério dos Santos era um negro retinto, que andava pela rua do 
Ouvidor de fraque e óculos, fumando charutos enormes. Deveria parecer uma 
figura extremamente grotesca aos olhos do povo e a piada corriqueira do 
tempo era dizer a seu respeito, quando o viam caminhando desajeitado pelas 
ruas: lá vai um charuto fumando outro! Publicou na velhice um livro 
medíocre de versos, intitulado Frutos Cadivos e costumava assinar seu nome 
de maneira boboca: M Etério. O polemista Carlos de Laet chegou certa vez a 
lhe chamar de “negrinho burro”. 
 Por que Hemetério dos Santos teria toda essa revolta guardada 
contra Machado de Assis? Na certa, o autor de Dom Casmurro deve ter dito 
palavras pouco louváveis a respeito de alguns de seus versos. Talvez eles se 
encontrassem na Livraria Garnier e Machado, solicitado a opinar a respeito 
de alguma poesia do gramático, tenha dito a verdade... 
 23
 Certo é que havia muita gente que não tinha Hemetério em grande 
conta. A respeito dele, o poeta Emílio de Meneses publicara os seguintes 
versos: 
 
H. de S. 
 
O preto não ensina só gramática. 
É pelo menos o que o mundo diz. 
Mete-se na dinâmica, na estática 
E em muitas coisas mais mete o nariz. 
 
Dizem que, quando ensina matemática, 
As lições de mais b, de igual a x, 
Em vez de em lousa, com saber e prática, 
Sobre a palma da mão escreve a giz. 
 
Uma aluna dizia: - Este Hemetério 
Do ensino fez um verdadeiro angu, 
Com que empaturra todo o magistério. 
 
E é um felizardo, o príncipe zulu. 
Quando manda um parente ao cemitério, 
Tem um luto barato: fica nu. 
 
 Eis alguns trechos da carta de Hemetério dos Santos, em que o 
maranhense tece afirmações levianas contra Machado de Assis: 
 
 “Eu conheci essa boa mulata velha (Maria Inês), comendo de 
estranhos, com amor, e conforto máximo, chorando, porém, pelo 
abandono nojoso em que a lançara o enteado de outrora,nunca 
mais a procurando desde a sua mudança de São Cristóvão, 
lugarejo de operários, para o opulento nicho de glória nas 
Laranjeiras.” 
 
 “A sua poesia foi tão incolor, como os seus trabalhos 
ulteriores...” 
 
 “A arte de Machado de Assis (...) é uma arte doentia, de uma 
perversidade fria, não sentida diretamente do meio, mas 
copiada de leituras pacientemente ruminadas, de romances 
franceses e ingleses...” 
 
 24 
 “O Brás Cubas e o Dom Casmurro, tantas vezes lidos e 
relidos, pelo autor, seriam um belo tratado das misérias 
humanas, um “abc” doirado para os mancebos libertinos, se 
não tivessem tantas e tão variadas incorreções de forma e de 
estilo.” 
 
 Pelos exemplos citados, vê-se que o professor Hemetério dos Santos 
nutria um ódio antigo pelo autor de Esaú e Jacó. Fecho aqui o parêntese e 
passo a descrever episódios ligados aos primeiros anos de Machado de Assis. 
 
A infância de Machado de Assis 
 
 Quando Machado nasceu, o Brasil independente ainda não era maior 
de idade. D. Pedro II não tinha subido ao trono e o país se encontrava sob o 
período da Regência. Joaquim Maria Machado de Assis veio ao mundo numa 
sexta-feira gelada, primeiro dia do inverno, a 21 de junho de 1839. Maria 
Leopoldina, sua mãe, deu à luz na Chácara do Livramento, cidade do Rio de 
Janeiro, a um menino de três quilos, segundo nos informa o escritor Monteiro 
Lobato. Era o primeiro filho dela e de seu marido Francisco José, um casal de 
gente muito pobre. Eles haviam se casado no ano anterior e viviam como 
agregados na chácara do Livramento, cuja proprietária era uma rica senhora 
portuguesa, dona Maria José de Mendonça Barroso Pereira. 
Curiosamente, houve certa demora para realizarem o batismo da 
criança e isto prova que Machado nasceu saudável. Caso contrário, seus pais 
teriam se apressado em levá-lo à pia batismal, com receio de que ele pudesse 
morrer pagão. O batizado só ocorreu quase cinco meses após o nascimento, 
na capela da chácara, a 13 de novembro de 1839, conforme está assentado em 
seu registro de batismo no livro n. 8, folha 167, da Paróquia de Santa Rita. 
Foi o padre Narciso José de Morais Marques quem pôs os santos óleos sobre 
a cabeça do menino, que teve por padrinhos gente nobre e muito importante: 
Maria José de Mendonça Barroso Pereira e seu genro, o viador do paço 
imperial Joaquim Alberto de Sousa da Silveira. 
Pouco se sabe sobre os primeiros anos de vida do escritor. A maioria 
das informações corresponde a generalidades e serve para qualquer criança 
pobre do tempo. A fim de preencher este vazio biográfico, os estudiosos de 
Machado apelaram para conjecturas possíveis, completando as lacunas por 
conta própria. A verdade é que a infância de Joaquim Maria é quase que 
totalmente desconhecida, uma vez que ele nunca se pronunciou a respeito 
desse período, como se quisesse esquecer suas origens humildes. Alguns 
dados passaram à tradição através de gente que “ouviu dizer” pela boca dos 
mais velhos. Outros foram tirados diretamente do que Machado escreveu em 
contos, crônicas, romances, meras inferências nem sempre confiáveis. Por 
 25
isso, não passam de deduções extraídas da obra machadiana e apoiar a 
biografia de alguém em elementos ficcionais deixados pelo escritor em seus 
textos corresponde a uma atitude pouco científica e ainda menos fiel à 
realidade. O próprio crítico Agrippino Grieco afirmou que muito do que foi 
dito a respeito da infância e adolescência de Machado de Assis iria por água 
abaixo, caso algum dia aparecessem páginas em que o escritor confessasse as 
suas memórias. Com certeza, ele haveria de ficar pasmado com tudo o que 
dele já se disse e talvez desse boas gargalhadas. Até entregador de roupas 
lavadas pela madrasta já afirmaram que ele teria sido nos anos de sua 
meninice. 
Morava Joaquim Maria com seus pais numa casa da rua Nova do 
Livramento, 131. A família era pobre, mas não se pode dizer que miserável. 
Contudo, o menino não sofreu com a pobreza em seus primeiros anos. 
Grande parte do tempo, passava na casa da madrinha, onde lhe davam 
guloseimas e frutas. Ali deve ter visto muitas figuras da burguesia imperial e 
afeiçoou-se às formalidades do tempo. Foi no convívio com esta sociedade 
abastada, que Machado desenvolveu o gosto de escrever sobre a elite, seus 
costumes, suas ambições e mediocridades. Período vivido intensamente no 
que tange às impressões do mundo, Machado colheu na infância um rico 
manancial de sensações que mais tarde haveria de espalhar por toda sua obra. 
Muitos de seus personagens, como Capitu e Flora, saíram dessas 
reminiscências infantis. 
 Depois de que Lúcia Miguel Pereira, uma das primeiras biógrafas de 
Machado, afirmou que em criança ele fora um menino doentio e teve umas 
“coisas esquisitas”, virou clichê dizer que o pequeno Joaquim Maria teria 
sido um garoto enfermiço, padecendo de tonturas e todo tipo de achaque. 
Pintam-no como um menino raquítico, gago e feio, que vivia apartado dos 
outros moleques do morro, vagando sozinho pelos bairros do Livramento, 
Conceição, Saúde, Gamboa e São Cristóvão. Quanta mentira! Teve vertigens 
na infância, é certo, primeiros sintomas da epilepsia que iria lhe flagelar a 
existência, manifestada principalmente em anos da maturidade. Tanto era 
saudável, que não adoeceu de sarampo, que levou sua irmã e sua madrinha 
para a cova, tampouco se contaminou com a tuberculose da mãe, apesar da 
convivência. Também não foi vítima de epidemias como a febre amarela, que 
tanta gente matou entre 1851 e 1853, nem adoeceu em virtude da cólera. 
 Enfim, fora um garoto alegre como tantos outros e gostava de 
brincar no morro com os companheiros da mesma idade. Talvez não tivesse 
muitos amigos, como afirmaram alguns, não apenas porque ele era tímido e 
introvertido por natural temperamento, como também porque o bairro era 
muito pouco povoado. De qualquer forma, teve uma infância tranqüila e 
simples. Gostava de arruar à toa, “caçar lagartixas” e dizem que sua maior 
distração seria caminhar pelo morros e pelas praias. 
 26 
 Quando ele foi para a escola pública, talvez a escola do Costa que 
aparece em um de seus contos, localizada ao pé do Morro do Livramento, é 
possível que ele já teria aprendido a ler com sua mãe. Menino estudioso, o 
pequeno Joaquim Maria aprendia fácil e tudo que lhe ensinavam era 
insuficiente para satisfazer a sua curiosidade intelectual. Talvez tenha sido na 
casa da madrinha que Machado tomara contato pela primeira vez com livros. 
O velho solar haveria de ter uma biblioteca - como aquela citada no romance 
Casa Velha - e o menino passaria trancado lá dentro grande parte do tempo, 
folheando aqueles livros raros, cheios de gravuras e histórias maravilhosas. 
Provavelmente foi lá que o pequeno viu o Almanaque Laemmert e, tomado 
por sua curiosidade viva, tenha insistido com o pai para fazer uma assinatura. 
De fato, no ano de 1845, constatamos que Francisco José de Assis era um dos 
assinantes do almanaque, talvez até mesmo fosse um presente da madrinha 
para o afilhado... 
 Alfredo Pujol, primeiro biógrafo efetivo de Machado, afirma 
erroneamente que o menino teria sido sacristão, mas quanto a isso não se 
encontrou qualquer documento. Talvez Joaquim Maria tenha sido coroinha, 
ajudado em missas, tocado sino na igreja da Lampadosa, o que é bem 
diferente de ser sacristão. De fato, ele fala muito em sinos na sua obra e o 
próprio Elói Pontes, outro de seus biógrafos, não acha um despautério que 
Machado tenha sido sineiro em criança. Numa crônica, o escritor diz que em 
toda sua vida havia conhecido apenas três sineiros, sendo que um em 
particular ele afirmou que não revelaria a identidade. Este pudor com que 
trata o assunto não significa que Machado estaria escondendo a si próprio 
como sineiro? 
Fato curioso é que na infância de Machado, as quatro mulheres com 
quem ele conviveu chamavam-seMaria: Maria José, a madrinha, Maria 
Leopoldina, a mãe, Maria Inês, a madrasta e Maria, a irmã. A respeito das 
três primeiras já se disse alguma coisa neste livro. Resta dizer algo da irmã de 
Joaquim Maria. 
 
A irmã de Machado de Assis 
 
Maria Machado de Assis, irmã do escritor, era dois anos mais nova 
do que ele e nascera no dia 3 de maio de 1841, também na Chácara do 
Livramento. Pouco tempo, porém, os dois conviveram juntos, uma vez que a 
menina apanhou sarampo e veio a falecer vítima dessa moléstia, no ano de 
1845, com apenas quatro anos de idade. A mesma epidemia levara também 
naquele ano terrível a madrinha de Machado, Maria José. Com toda certeza, 
estas duas mortes tão próximas impressionaram muito o pequeno Joaquim 
Maria, principalmente a de sua irmã, que ele cantou em versos juvenis, com 
epígrafe de seu amigo Augusto Emílio Zaluar: 
 27
UM ANJO 
 
(à memória de minha irmã) 
 Se deixou da vida o porto 
 teve outra vida nos céus. 
 A. E. Zaluar 
 
Foste a rosa desfolhada 
na urna da eternidade 
pra sorrir mais animada, 
mais bela, mais perfumada 
lá na etérea imensidade. 
 
Rasgaste o manto da vida 
e anjo subiste ao céu 
como a flor enlanguescida 
que o vento pô-la caída 
e pouco a pouco morreu! 
 
Tua alma foi um perfume 
erguido ao sólio divino; 
levada ao celeste cume, 
com os anjos oraste ao Nume 
nas harmonias de um hino. 
 
Alheia ao mundo devasso 
passaste a vida sorrindo; 
derrubou-te, ó ave, um braço 
mas abrindo asas no espaço 
ao céu voaste, anjo lindo. 
 
Esse invólucro mundano 
trocaste por outro véu; 
deste negro pego insano 
não sofreste o menor dano 
que tua alma era do céu. 
 
Foste a rosa desfolhada 
na urna da eternidade 
pra sorrir mais animada 
mais bela, mais perfumada, 
lá na etérea imensidade. 
 
 Rio, outubro de 1855 
 28 
Entre os dez e quinze anos 
 
 Praticamente nada deste período se sabe a respeito de Machado de 
Assis, uma vez que em seus textos ele não se refere a esta fase de sua vida, 
silenciando por completo os episódios que lhe sucederam. Há, porém, muita 
especulação por parte dos biógrafos. Afirmam que, além de coroinha, o 
menino teria estudado num colégio feminino, aprendido francês com um 
padeiro, tomado aulas particulares com um padre camarada. Sabe-se que 
Francisco José havia arranjado um serviço para o rapazinho, colocando-o 
como caixeiro (balconista) em uma papelaria da cidade, mas o trabalho não 
agradou a Joaquim Maria, que nele permaneceu por apenas três dias. Não 
apresentava temperamento para o comércio e desde cedo ele tinha certeza de 
que o seu destino estaria ligado às letras, apesar da oposição de seu pai. 
 Machado havia entendido que a única maneira dele conseguir mudar 
de vida seria através do estudo. Tem plena consciência de que a sociedade 
está dividida entre homens que possuem belas quintas, roupas novas e 
perfumadas, almoços e jantares fartos, sempre admirados e respeitados pelos 
seus pares, e homens que passam a vida toda se esfalfando num trabalho 
degradante, sujos, mal vestidos e mal alimentados. Bastava-lhe comparar 
como era a vida na casa de sua madrinha rica e a pobreza humilde que via na 
modesta casa de seus pais. Logo compreendeu que o destino não era justo e 
que para subir na vida e ter uma posição de destaque na sociedade, ele 
precisaria estudar com afinco e determinação, pois somente assim 
conseguiria atingir seus objetivos. Machado era um menino ambicioso, 
queria ser alguém, queria fazer parte daquele mundo que ele observava de 
longe e o único trampolim social que via diante de si era a instrução. Dotado 
de uma curiosidade intelectual inata, o rapazinho ia lendo tudo que lhe caía 
às mãos, buscando ajuda e conforto nos livros, os quais muito amava. Tanto 
que a única imagem que temos de Machado adolescente é dele segurando um 
livro, muito concentrado na leitura, enquanto vinha na barca de São 
Cristóvão para o centro. Talvez viesse para a Praça da Constituição - que é 
como se chamava ao tempo o Largo do Rossio - olhar a vitrine das livrarias, 
admirar aquele mundo urbano, cuja vida pulsava repleta de promessas e 
esperanças, tão próximo e ao mesmo tempo tão distante da periferia pobre em 
que vivia. 
 
Machado baleiro no Colégio das Meneses 
 
 Maria Inês era excelente doceira e trabalhava no Colégio das 
Meneses, uma escola feminina que se localizava em São Cristóvão. Os 
quitutes preparados pela madrasta de Machado eram muito disputados pelas 
meninas da escola, que assim ajudava o marido, completando o orçamento 
 29
doméstico. Joaquim Maria também auxiliava no que podia, saindo a vender 
os doces com o tabuleiro na mão ou entregando as encomendas solicitadas 
pelos clientes. Talvez não fosse o melhor dos vendedores, uma vez que 
falava baixo e era um tanto tímido. 
 Por ser muito querida pelas donas do colégio, Maria Inês conseguiu 
fazer um acordo com elas. Pediu-lhes que deixassem o enteado assistir as 
aulas, no fundo das salas ou ainda nos corredores, silencioso atrás de uma 
porta, e em troca o menino trabalharia com ela no colégio, vendendo balas. A 
princípio, estranharam o pedido e não se mostraram muito animadas a aceitar 
a proposta. Afinal, aquela era uma escola da alta sociedade para meninas 
finas e educadas e Joaquim Maria, apesar de tímido e recatado, não passava 
de um molecote de morro que deveria causar péssima impressão àquelas 
delicadas meninas burguesas e enjoadas. Tanto instou Maria Inês, que ela 
conseguiu convencer as generosas proprietárias do colégio, com a condição 
de que o menino não se misturasse com as alunas. Assim foi feito e logo elas 
perceberam o quanto o rapazinho era interessado e estudioso. Deve ter 
chegado até a receber livros emprestados na escola. 
 Mas a convivência com meninas ricas marcaria para sempre em seu 
espírito, e de maneira profunda, a existência das diferenças sociais. Muitas 
alunas retornavam para suas casas em luxuosas Vitórias ou Berlindas, 
enquanto ele e sua madrasta tinham de caminhar a pé, após um dia estafante 
de trabalho. O que mais lhe magoava, porém, era a indiferença com que as 
meninas lhe compravam as balas na hora do recreio. Ignoravam-no por 
completo, machucando-lhe o amor-próprio de menino extremamente 
sensível. Quantas vezes não teria desejado mostrar a elas que também ele era 
inteligente, que apesar de pobre tinha brios e dignidade e, se Deus ajudasse, 
haveria de ser alguém na vida. 
Dentre as meninas do colégio, havia uma que se chamava Joana 
Maria e que viria a fazer parte da vida de Machado em anos vindouros. Ela se 
casaria em segundas núpcias com Miguel Xavier de Novais, irmão de 
Carolina e, portanto, viria a ser concunhada do escritor. 
 
O forneiro francês e Madame Gallot 
 
 Provavelmente depois de ter freqüentado durante algum tempo o 
Colégio das Meneses, Joaquim Maria começou a aprender francês. A língua 
lhe seduzia, não apenas por ser, no século XIX, um meio de expressão culto e 
sofisticado das elites, como também pela própria beleza, sonoridade e clareza 
inerente ao idioma. O universo intelectual exprimia-se em francês e o jovem 
Machado sabia que para continuar com seu projeto de ascensão social, o 
aprendizado da língua lhe seria de extrema necessidade. Muito jovem ele 
dominou o idioma, mas não se sabe ao certo onde o aprendeu e tampouco 
 30 
quem foram os seus mestres. É possível que tenha tomado o primeiro contato 
com a língua no próprio Colégio das Meneses. 
 Segundo a lenda, Machado teria aprendido o idioma com um 
forneiro que trabalhava numa padaria em São Cristóvão, cuja proprietária 
seria uma certa madame Gallot. Além de sua simplicidade e delicadeza 
naturais, Joaquim Maria costumava cativar as pessoas através de sua 
simpatia. Talvez tenha angariado a amizade deste forneiro, quando aí fosse 
comprar pão. Enquantoesperava sair a nova fornada, ficava conversando 
com o francês. O homem, saudoso da pátria, devia contar suas histórias ao 
rapazinho, que se dispunha a ouvi-lo com atenção. Vendo-o interessado nas 
coisas de França, é possível que o forneiro tenha lhe ministrado algumas 
aulas gratuitas, simplesmente pelo prazer de ensinar e recordar assuntos caros 
ao seu coração. 
 Ninguém conhece o nome deste forneiro. Sabe-se que a padaria 
pertencia a uma certa madame Gallot, mas muitos estudiosos de Machado 
contestam essas informações, uma vez que não há qualquer prova a respeito 
disso. Não existia nenhuma padaria com esse nome naquela época e a própria 
rua de São Luís Gonzaga, onde alguns biógrafos afirmaram que a padaria se 
localizava, somente recebeu este nome em 1863, quando Machado já teria 24 
anos. Lúcia Miguel Pereira declarou que o escritor freqüentava a casa de uma 
família de francesas, onde ia conversar para adquirir prática na expressão oral 
da língua. Não parece verdade, uma vez que Joaquim Maria era tímido. 
Deve, sim, ter tirado muitas dúvidas com seu amigo Charles Ribeyrolles, 
jornalista e exilado francês, que havia lutado nas barricadas de 1848 e aqui 
aportou no final da década de 1850. Por falar nesta revolução, Astrojildo 
Pereira levanta a hipótese de que Madame Gallot e o forneiro podem também 
ter sido exilados franceses de 1848. 
 
Padre Silveira Sarmento 
 
 Depois que Machado de Assis deixou a escola pública, passou a 
receber lições particulares do padre Silveira Sarmento. Mário de Alencar 
afirmou que o sacerdote teria ministrado aulas a Joaquim Maria até quando 
este tinha a idade de quatorze ou quinze anos. Ignora-se como eles se 
conheceram. O mais provável é que o pai de Machado, Francisco José, 
grande amigo de vigários, tenha convencido o padre Silveira Sarmento a 
tornar-se preceptor de seu filho, e em troca, o rapazinho se comprometeria a 
ajudar na missa. Outra hipótese é que Machado já fosse coroinha na igreja da 
Lampadosa, onde viria a conhecer o sacerdote. Este, vendo que Joaquim 
Maria era inteligente e interessado em livros, teria se colocado a sua 
disposição para lhe ensinar de graça. 
 31
 Sabe-se que o padre Silveira Sarmento era cura da capela de São 
João Batista, na Quinta da Boa Vista e deve ter ensinado a Machado “latim, 
doutrina e história sagrada”, como o padre Cabral ensinava Bentinho em 
Dom Casmurro. Não é improvável que os dois discutissem as escrituras e é 
muito plausível que tenha sido o padre Silveira Sarmento quem apresentara o 
Eclesiastes a Machado, uma de suas leituras preferidas, à qual ele retornou 
durante toda sua vida. 
 
O coroinha Joaquim Maria 
 
 Foi um dos amigos da juventude de Machado de Assis, Francisco 
Ramos Paz, quem informou o biógrafo Alfredo Pujol que o escritor teria sido 
sacristão na igreja da Lampadosa. Esta é outra das inverdades que se costuma 
dizer a respeito do autor de Quincas Borba. Os investigadores da vida de 
Machado esmiuçaram todos os arquivos da velha ermida em busca de algum 
papel mofado que pudesse elucidar o caso. Trabalho em vão. Nunca se achou 
qualquer referência de que o escritor tenha ocupado tal ofício nesta igreja. 
Muito provavelmente foi coroinha, tocara sinos, ajudara missa e mais nada. 
 A igreja da Lampadosa localizava-se perto da Praça da Constituição, 
junto à célebre casa que pertenceu a José Bonifácio. Ao final do dia, 
Machado deveria receber uma moeda e, feliz da vida, ia olhar as vitrines das 
lojas que vendiam livros. Ali perto ficava uma livraria famosa naquele 
tempo, a livraria de Paula Brito, que seria o primeiro grande incentivador de 
Joaquim Maria. O menino, tímido e receoso, deve ter entrado na loja muitas 
vezes para não comprar nada, apenas observar os livros nas estantes e as 
pessoas que freqüentavam o estabelecimento. Quanta gente importante 
comparecia àquela livraria, políticos de prestígio e escritores de renome! Mas 
isto já é assunto para outro capítulo e, por ora, fiquemos na igreja da 
Lampadosa. 
 Coroinha ou sacristão, a verdade é que todo o tempo que ele 
permaneceu vinculado à igreja marcou-lhe definitivamente o espírito, tanto 
que há inúmeras referências ligadas ao universo cristão em sua obra. A 
própria igreja da Lampadosa é citada de maneira explícita no conto “Fulano”, 
publicado no livro Histórias Sem Data. Com o tempo, Machado tornou-se 
agnóstico, mas sempre escreveu sobre a igreja e assuntos religiosos com o 
mais profundo respeito. Verdade que alguma vez procurou satirizar a 
decadência dos costumes do clero, mas a sua crítica sempre buscava golpear 
os aspectos exteriores da religião e nunca a sua essência. 
 
 
 32 
Machado e a Petalógica: os primeiros versos 
 
 Em 1854, algumas ruas centrais da cidade do Rio de Janeiro 
passaram a receber iluminação a gás. Isso foi um grande avanço para a época, 
permitindo que os cidadãos pudessem circular com maior segurança ao 
escurecer e possibilitando o desenvolvimento de uma vida noturna, ainda 
insipiente. Machado já havia deixado o emprego de caixeiro numa papelaria, 
onde permanecera por apenas três dias, segundo nos informa Araripe Júnior, 
e vinha para a cidade diariamente em busca de emprego. 
 Ali na Praça da Constituição, antigo Rossio, número 64, havia uma 
livraria e tipografia com belas vitrines, onde inúmeros livros eram expostos a 
fim de chamar a atenção do público. A loja vendia de tudo, desde cera, 
drogas, papel, tinta, fumo, livros e até mesmo chá, conforme se podia ler num 
anúncio da porta: neste estabelecimento vende-se “chá, o melhor que há”. 
Contudo, a Tipografia Dois de Dezembro (nome dado em homenagem a D. 
Pedro II, data de seu natalício), cujo proprietário era o mulato Paula Brito, 
não se tornaria conhecida pela excelente qualidade de seus chás, mas em 
função dela ter se tornado um ponto de encontro de grandes homens do 
tempo. Com efeito, desde o ano anterior, 1853, essa loja abria suas portas 
para a reunião de intelectuais, que aí falavam de poesia, discutiam arte, 
debatiam política. Aos sábados à tarde, inúmeros poetas, escritores e políticos 
de prestígio como Montezuma, Joaquim Manuel de Macedo e Manuel 
Antônio de Almeida vinham participar daquelas reuniões literárias e 
artísticas, podendo-se afirmar que em meados da década de 1850, a loja de 
Paula Brito era o centro do universo das letras no Brasil. Esse grupo, uma 
espécie de clube sem sócios nem estatutos, ficou conhecido com o nome de 
Petalógica. Nestas reuniões informais, discutia-se de tudo. Em um de seus 
textos em que trata do livro de um certo José Antônio, Machado de Assis 
lembra-se da Petalógica com carinho, recordando-se dela cheio de saudades: 
 
 “Este livro é uma recordação - é a recordação da 
Petalógica dos primeiros tempos, a Petalógica de Paula Brito - 
o café Procópio de certa época - onde ia toda a gente, os 
políticos, os poetas, os dramaturgos, os artistas, os viajantes, os 
simples amadores, amigos e curiosos - onde se conversava de 
tudo - desde a retirada de um ministro até a pirueta da 
dançarina da moda; onde se discutia tudo, desde o dó do peito 
do Tamberlick até os discursos do marquês do Paraná, 
verdadeiro campo neutro, onde o estreante das letras se 
encontrava com o conselheiro, onde o cantor italiano dialogava 
com ex-ministros. Dão-me saudades da Petalógica lendo o livro 
de José Antônio - não porque esse livro reúna todos os 
 33
caracteres daquela sociedade; dão-me saudades porque foi no 
tempo do esplendor da Petalógica primitiva que os versos de 
José Antônio foram compostos e em que saiu à luz a primeira 
edição das Lembranças. Cada qual tinha sua família em casa; 
aquela era a família da rua - le menage en ville, - entrar ali era 
tomar parte na mesma ceia (a ceia vem aqui por metáfora), 
porque o Licurgo daquela república assim o entendia, e assim o 
entendiam todos quantos transpunham aqueles umbrais.Quereis saber do último acontecimento parlamentar? Era 
ir à Petalógica. Da nova ópera italiana? Do novo livro 
publicado? Do último baile de E...? Da última peça de Macedo 
ou Alencar? Do estado da praça? Dos boatos de qualquer 
espécie? Não precisava ir mais longe, era ir à Petalógica.” 
 
 Não se sabe como Machado e Paula Brito se conheceram. O fato da 
Praça da Constituição ficar muito próximo à igreja da Lampadosa indica que 
o rapazinho ali deveria ir passear após cumprir com suas obrigações de 
coroinha. Não só os livros das vitrines excitariam a curiosidade de Joaquim 
Maria, como também todas aquelas pessoas ilustres que se dirigiam para a 
livraria. Muitas vezes deve ter ficado de longe, olhando algum escritor 
famoso. Anos depois, os papéis se inverteriam e ele próprio seria o alvo das 
admirações na Livraria Garnier. Sentado num banco, ao fundo da loja, 
quando via os meninotes lhe observando cheios de consideração e respeito, 
não poderia deixar de pensar em si mesmo tantos anos atrás, ainda molecote, 
diante da livraria de Paula Brito. 
 Machado vinha economizando algumas moedas para comprar um 
livro que há tempos estava namorando na vitrine. Finalmente, quando 
conseguiu arranjar a quantia necessária, foi direto para a Praça da 
Constituição e entrou apressado na loja. Paula Brito, sempre solícito e 
atencioso, veio ver o que desejava o menino. E aí se deu o encontro mais 
importante da juventude de Machado de Assis. Simpático e inteligente como 
todos afirmam que ele era, Joaquim Maria deve ter cativado de imediato o 
bom livreiro, que muito ajudaria o autor de Quincas Borba em seus primeiros 
passos no mundo das letras. Talvez o livro comprado fosse de poesia e Paula 
Brito aproveitasse a ocasião para confessar ao rapazinho que ele próprio 
também era poeta. Não é improvável supor que tenha recitado ao jovem 
Machado alguns de seus versos escritos naquela mesma manhã, recebendo 
deste os elogios da praxe. O vivo interesse que os dois nutriam pela literatura 
logo cimentou aquela amizade. É possível que Joaquim Maria tenha lhe 
confessado que procurava algum emprego na cidade. Nessa época, Paula 
Brito tinha mais de sessenta empregados em sua tipografia e talvez tenha lhe 
 34 
oferecido trabalho como caixeiro da loja de livros ou mesmo aprendiz de 
tipógrafo, conforme atesta Salvador de Mendonça. 
 Seja como for, em fins de 1854 e início de 1855, Machado já estava 
ligado ao grupo da Petalógica e começava a estampar seus versos juvenis nas 
folhas cariocas. Por muito tempo, acreditou-se que seu primeiro trabalho 
publicado teria sido a poesia “Ela”, que saiu no jornal Marmota Fluminense 
no dia 12 de janeiro de 1855. “Ela” traz por epígrafe quatro versos de um 
amigo de Joaquim Maria, o poeta português Francisco Gonçalves Braga. 
Alguns comentadores da obra de Machado afirmaram erroneamente que a 
glória do primeiro poema impresso caberia a “A Palmeira”, publicado 
também na Marmota Fluminense, mas no dia 16 de janeiro. Estes versos 
eram dedicados ao mesmo Francisco Gonçalves Braga e a confusão se deu 
porque “A Palmeira” trazia a data de 6 de janeiro junto a si. Tudo isso veio 
abaixo, depois que o professor e pesquisador J. Galante de Sousa descobriu 
no Periódico dos Pobres, um jornalzinho sem grande importância daquela 
época e que vinha sendo editado desde 1850, um soneto de Machado de 
Assis intitulado simplesmente “Soneto”. A data é de 3 de outubro de 1854 e 
o poeta dedicava-o a uma mulher casada, “À Ilma. Sra. D. P. J. A.”, uma tal 
Petronilha. Até que novas descobertas apareçam, eis a primeira produção 
literária do autor de Dom Casmurro: 
 
SONETO 
 
À Ilma. Sra. D. P. J. A. 
 
Quem pode em um momento descrever 
Tantas virtudes de que sois dotada 
Que fazem dos viventes ser amada 
Que mesmo em vida faz de amor morrer! 
 
O gênio que vos faz enobrecer, 
Virtude e graça de que sois c’roada 
Vos fazem do esposo ser amada 
(Quanto é doce no mundo tal viver!) 
 
A natureza nessa obra primorosa, 
Obra que dentre todas as mais brilha, 
Ostenta-se brilhante e majestosa! 
 
Vós sois de vossa mãe a cara filha, 
Do esposo feliz, a grata esposa, 
Todos os dotes tens, ó Petronilha. 
 35
 Fato curioso é que as primeiras poesias que Machado publicou 
sempre foram dedicadas para alguém. Assim foi com seu primeiro soneto, 
oferecido a tal Petronilha, mulher casada e que ninguém sabe quem foi. Para 
seu amigo Francisco Gonçalves Braga ele dedicou não só “A Palmeira”, mas 
também a poesia “Saudades”, publicada na Marmota Fluminense em 1o. de 
maio de 1855 (mas datada de 25 de fevereiro de 1855). Por essa época, o 
Braga encontrava-se em viagem a Portugal e Machado sentia saudades do 
amigo ausente. Joaquim Maria o adorava e, talvez por causa destes versos, 
Gondin da Fonseca viu entre os dois uma amizade íntima demais. 
 Ainda em 1855, Machado dedica o poema “A Saudade”, publicado 
no dia 20 de março, a seu primo Henrique José Moreira. Nada mais sabemos 
deste parente do escritor, pois ele jamais voltou a tocar em seu nome. O 
próprio imperador não foi esquecido de ser homenageado por Machado. 
Quando D. Pedro II completou trinta anos, a 2 de dezembro de 1855, 
Joaquim Maria publicou na primeira página da Marmota Fluminense uma 
poesia dedicada ao ilustre monarca, a quem o escritor respeitou por toda a 
vida. Aliás, inúmeros poemas que Machado escreveu por esta época estão 
ligados à monarquia. As cantoras líricas que atuavam no teatro do tempo 
eram muito admiradas pelo jovem poeta e várias delas foram citadas 
nominalmente na obra machadiana. No início de 1856, a 7 de fevereiro, 
Joaquim Maria dedica um poema “À madame Arsène Charton Demeur”, 
publicado no Diário do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, assinava versos 
com seu nome completo. A Charton fez muito sucesso no Brasil e era uma 
das cantoras preferidas de José de Alencar. Rival de Annetta Casaloni e 
Rosina Stoltz (esta era a predileta de D. Pedro II), a Charton estava para 
deixar o Brasil, quando Machado escreveu o poema, onde lhe pede para ficar 
no país: 
 
Os ecos do teu canto sonoroso, 
A cada som pungindo uma saudade! 
Oh, sol que o céu das artes iluminas, 
É cedo o ocaso teu na nossa terra! 
Um dia mais, um dia mais de enlevos: 
Fica, Charton - contigo a luz gozamos; 
Sem ti - sombria treva a cena envolve! 
 
A primeira musa 
 
Por esse tempo, como todo rapaz sonhador, Machado não podia 
deixar de compor poesias românticas. Aos 16 anos, escreveu uma série de 
poemas de amor para alguma mocinha que ele não quis revelar e que os 
críticos batizaram de “ciclo de poesias dedicadas à primeira musa”. Ao todo, 
 36 
são 6 poemas oferecidos a uma cantora italiana, escondida sob o nome de 
Júlia. Sabe-se que nessa época, não havia nenhuma atriz ou cantora italiana 
com esse nome atuando na cidade do Rio de Janeiro. Por causa deste 
mistério, aventaram-se diversos nomes de possíveis atrizes líricas que 
poderiam ter despertado tal paixão no peito do jovem Joaquim Maria. 
Alfredo Pujol sugere o nome de Annetta Casaloni, uma das rivais da Charton. 
Já o professor Jean-Michel Massa acredita que a mulher em questão seria 
Augusta Candiani. 
Tornara-se muito comum escrever poesias e dedicá-las às cantoras 
de ópera. Era um tempo em que as mulheres de família quase não colocavam 
os pés nas ruas, de maneira que restavam aos rapazes apaixonados ou as 
prostitutas ou essas atrizes cobertas de glória. Na verdade, elas tinham 
incontáveis adoradores, que duelavam pelos jornais, cada qual defendendo 
em versos a sua musa. Houve mesmo uma verdadeira batalha nas gazetas 
entre as facções casalonistas e as chartonistas. Cada poeta tinha a sua dama 
para louvar, uma autêntica transposição moderna do amor cortês. Quando 
uma delas entrava no palco, os seus admiradores cobriam-na com pétalas de 
rosas, enquanto os adversários deitavam vaias e assobios. 
Machadoadorava ópera e teatro, mas era pobre e quase nunca 
conseguia dinheiro para assistir aos espetáculos. Mais de uma vez, deve ter 
ficado junto à porta, do lado de fora do teatro, observando o alegre 
movimento, admirando todas aquelas carruagens e pessoas elegantes. Sabia 
que diversão daquela espécie não era para gente como ele, pelo menos 
enquanto não arranjasse um bom emprego e pudesse pagar o preço do 
ingresso. De qualquer forma, é provável que tenha visto algumas atrizes 
entrando ou saindo do teatro, de longe e rodeadas por muitos outros 
admiradores. Depois, retornaria para sua humilde casa lá no bairro de São 
Cristóvão e no silêncio triste do seu quartinho mal iluminado, pegava da pena 
e se punha a escrever poemas românticos, onde procurava expressar seu amor 
platônico: 
 
MEU ANJO 
 
És um anjo de amor - um livro d’ouro 
Onde leio o meu fado 
És estrela brilhante do horizonte 
Do bardo namorado 
Foste tu, que me deste a doce lira 
Onde amores descanto. 
 
 37
Lúcia Miguel Pereira também sugere que a mulher amada seria a 
Casaloni, uma cantora de ópera muito famosa naquela quadra. A título de 
curiosidade, observe-se como uma crônica da época descreve a artista: 
 
“A Casaloni tem o aspecto viril, o 
meneio precipitado, displicente, a fronte 
arquejada, bojuda, os olhos verdoengos, 
grandes, sem ação, retentos, atontados. Tem 
a cútis adensada, as espáduas largas, o 
talho agigantado, as proporções da antiga 
Palas, as carnes flácidas, o peito inflexo, 
espaçoso”. 
 
Pela descrição, notamos que a natureza 
não fora muito generosa com a Casaloni, no 
tocante à beleza e demais atributos físicos. Se não 
era bela, também não era jovem e a verdade é que ela conquistava seus 
admiradores através de sua voz poderosa, que fazia tremer até os tetos dos 
teatros. Segundo Machado, ela tinha um vozeirão que valia por toda uma 
companhia. A seguinte quadra de Francisco Otaviano bem define a Casaloni: 
 
Que importa que digam que é velha, que é feia, 
Que pinta o cabelo, que enfeita o carão, 
Se as vozes que partem daquela sereia 
Despertam nas almas suave emoção. 
 
Francisco Gonçalves Braga e novos amigos 
 
Na loja de Paula Brito, Machado começou a fazer amizade com 
poetas e escritores. Um dos primeiros que conheceu foi Francisco Gonçalves 
Braga, assíduo freqüentador da Petalógica, que se tornaria grande amigo de 
Joaquim Maria. 
Francisco Gonçalves Braga nasceu a 25 de julho de 1836, na cidade 
de Braga, em Portugal. Machado tinha pouco mais de quinze anos e ele cerca 
de dezoito, quando os dois se conheceram. Tendo vindo criança ao Brasil, 
vamos encontrá-lo feito caixeiro na adolescência. Escritor esforçado, mas 
sem qualquer inspiração, foi o primeiro modelo em quem Machado de Assis 
se espelhou. Seus amigos tinham-no por excelente poeta, uma vez que lia 
muito e era hábil imitador de versos alheios. Machado mesmo cansou de 
bajulá-lo, dedicando-lhe poesias que nunca reuniu em livro. Sabe-se que ele 
publicava seus versos no jornal Periódico dos Pobres e é provável que tenha 
Annetta Casaloni 
 38 
sido através do amigo, que Machado conseguira publicar seu primeiro 
trabalho, o já citado soneto à Petronilha. Em 1855, Francisco Gonçalves 
Braga fez uma viagem a Portugal, mas não se sabe com que finalidade, tendo 
retornado no mesmo ano. Joaquim Maria, saudoso do amigo, dedica-lhe 
então um poema. Ainda muito jovem, contraíra tuberculose, vindo a falecer 
aos vinte e três anos, em março de 1860. 
É provável que tenha sido Francisco Gonçalves Braga quem levara 
Machado pela primeira vez até o Gabinete Português de Leitura. Depois que 
ele descobriu que poderia ler o que quisesse em salas de leituras gratuitas, 
tornou-se assíduo freqüentador delas. Leitor contumaz e dotado de uma 
extraordinária memória, sempre que tinha tempo, dirigia-se à biblioteca do 
Gabinete Português de Leitura, que possuía mais de 15 mil livros, para haurir 
todo o conhecimento que pudesse. Segundo Mário de Alencar, amigo íntimo 
do escritor em seus últimos anos de vida, Machado costumava fazer 
anotações em folhas separadas de tudo que ia lendo, para assimilar com 
maior facilidade o que lhe interessava. Ainda segundo o filho de José de 
Alencar, Machado lera muito os clássicos sem adquirir livro algum, pois em 
lhe faltando “meios para comprá-los, lia de empréstimo, como assinante do 
Gabinete Português de Leitura”. Tanta influência lusa recebeu, que durante 
algum tempo, ele assinou seus textos como Machado d’Assis. 
Alguns biógrafos do escritor insistem que ele teria sido uma pessoa 
pouco afetuosa, sobretudo em seus anos da velhice. Esta idéia explica-se em 
parte pelo fato de que muito de seus amigos da juventude morreram cedo e a 
imagem que temos do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas, aquele 
homem meticuloso ao extremo, burocrata exemplar, o metódico e solene 
presidente da Academia Brasileira de Letras, esta imagem de escritor sério e 
circunspecto foi construída pelos seus amigos do final da vida e não 
corresponde à verdade absoluta. Machado foi um moço sempre alegre, que 
gostava de rir e conversar. Prova disso é que no Gabinete Português de 
Leitura fizera grandes amizades, sobretudo com jovens portugueses: Augusto 
Emílio Zaluar, Ernesto Cibrão, Manuel de Melo, Francisco Ramos Paz. 
Citemos algumas palavras a respeito destes amigos de Machado. 
Augusto Emílio Zaluar nascera em Lisboa, no dia 25 de fevereiro de 
1825. Estudou Medicina durante algum tempo e moço emigrou para o Brasil. 
Escreveu diversos volumes de versos, contos e romances, mas seu único livro 
importante de fato que chegou até nossos dias é Peregrinação Pela Província 
de São Paulo. Naturalizou-se brasileiro e acabou recebendo o título de 
Cavaleiro da Ordem da Rosa em 1876. Foi o redator-chefe do jornal O 
Paraíba, onde Machado iria colaborar assiduamente. Sobre Augusto Emílio 
Zaluar, narra Sacramento Blake um caso curioso. Estava ele traduzindo para 
um jornal fluminense o romance Moicanos de Paris, de Alexandre Dumas, à 
medida que chegavam os folhetins franceses ao Brasil. Romance enorme, que 
 39
não acabava mais. A certa altura, Dumas interrompeu o romance por motivos 
particulares. O que fez Zaluar? Simplesmente terminou o romance por sua 
conta, dando a ele um final que Alexandre Dumas nunca teria imaginado. 
Pior de tudo aconteceu depois, quando o francês retomou o livro e os 
folhetins passaram a chegar novamente ao Rio de Janeiro. Augusto Emílio 
Zaluar não teve dúvidas e continuou sua tradução normalmente, como se já 
não tivesse rematado o livro meses antes. Faleceu na cidade do Rio de 
Janeiro a 3 de abril de 1882. 
Ernesto Cibrão nasceu em Valença do Minho, Portugal, a 22 de 
julho de 1836. Era poeta, cronista e dramaturgo sem talento e seu nome 
somente chegou até nós por estar ligado ao autor de Quincas Borba. Foi a ele 
que Machado de Assis dedicou sua famosa poesia “Menina e moça”, 
publicada na Semana Ilustrada de Henrique Fleiuss e, posteriormente, no 
volume das Falenas. Em resposta, Cibrão compôs um poema medíocre, 
intitulado “Flor e Fruto”. Escrevia nesta mesma Semana Ilustrada com o 
pseudônimo de Boileau-Mirim e, em 1859, viu o seu drama Luís ser 
representado no Teatro Ginásio. Viajou para a Europa, onde passou uma 
temporada na Suíça. Em 1868, Machado escreveu para ele o prefácio de seu 
livro A Casa de João Jacques Rousseau. Ernesto Cibrão era diretor da 
Companhia Pastoril Mineira e, por volta de 1890, convida Machado, 
Carolina e alguns amigos para acompanhá-lo em viagem a fazendas em 
Minas Gerais, onde ele iria fazer algumas inspeções. Este curioso episódio 
será narrado adiante com mais detalhes. 
Manuel de Melo nasceu em Aveiro, Portugal. Inteligente e culto, 
escrevia textos num português impecável e sem mácula. Notável filólogo, 
falava diversas línguas européias e possuía vasta erudição. Machado

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