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IDA ROLF E OS DOIS PARADIGMAS DA SAÚDE Neste artigo, Sam Johnson situa o trabalho de Ida Rolf entre os dois modelos de saúde que presidiram - e ainda presidem - a medicina no mundo ocidental: o holismo e o método científico. Oferece a possibilidade de uma compreensão mais profunda da Integração Estrutural, criada pela bioquímica norte-americana, em seu contexto histórico e no interior do desenvolvimento das ciências médicas. Ida Rolf iniciou sua vida profissional no mundo da ciência mecanicista, que tem como base o modelo científico de Descartes, para construir um legado no outro extremo, o modelo holístico ou sistêmico, que por mais de dois mil anos, desde os tempos de Hipócrates, orientou a ciência, até meados do século XIX. O autor mostra como a Integração Estrutural pode ter cada um dos pés apoiados sobre os dois paradigmas, sem deixar de pertencer ao holismo. Oferece também uma base consistente para a reflexão e compreensão do caráter das próprias instituições que concentram e propagam o conhecimento gerado por Ida Rolf. Publicação autorizada a partir do original em inglês. Tradução: Armando Macedo. A história dos primeiros trabalhos de Ida Rolf no campo da bioquímica, muito antes de criar a Integração Estrutural, foi sempre resumida. PhD por Columbia, uma década de trabalho no Instituto Rockefeller, alguns poucos artigos publicados, e então ela deixa o mundo da ciência, tomando tardiamente um caminho longo e sinuoso até chegar à criação do trabalho pelo qual todos nós a conhecemos. Li recentemente algumas informações novas sobre o mundo em que ela viveu, e sobre o contexto no qual ela abraçou sua primeira profissão, que tornam sua história muito mais plena e rica. Permitem também uma apreciação da magnitude do salto dado no desenvolvimento da Integração Estrutural, além de nos oferecer alguns insights sobre o potencial e as armadilhas inerentes ao nosso campo de trabalho. A Dra. Ida Rolf ingressou oficialmente no mundo da ciência médica em 1917, quando foi contratada para trabalhar no Laboratório de Química do Instituto Rockefeller para a Pesquisa Médica. Entretanto, a história na verdade começa antes. Para entender a cultura na qual ela caminhou, a data importante é 12 de setembro de 1876. Neste dia, foi inaugurada a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland. Graças em grande parte ao primeiro diretor dessa escola médica, William Welch, a figura individual mais importante da história da medicina nos Estados Unidos, a Johns Hopkins pôde mudar a face da ciência americana e da medicina e estabelecer um paradigma que domina a ciência médica no mundo ocidental até os dias atuais. A primeira década da vida profissional da dra. Ida Rolf também foi um produto deste mesmo paradigma. Hipócrates e o holismo, primeira parte A fundação da Johns Hopkins foi importante, em parte, por causa do caos existente na medicina americana durante a maior parte do século XIX. Foi um caos criado por um vazio. As práticas médicas que existiram largamente sem mudanças, desde os tempos de Hipócrates, começaram a ficar fora de moda, à medida que a emergência do método científico punha em dúvida sua eficácia. Entretanto, as descobertas científicas não eram acompanhadas pelo aparecimento de novas práticas que substituíssem as velhas terapias. A grande ironia (em nosso campo e para muitos outros assim chamados novos paradigmas de abordagem da saúde), é que o paradigma que existia antes da revolução da medicina científica parecia-se muito com aquele que descreveríamos hoje como “novo”. Esse paradigma, que dominou o Ocidente e o Oriente Médio médicos durante mais de dois milênios, estava baseado largamente nos escritos de Hipócrates e seus colegas e estava firmemente baseado no princípio do holismo. Hipócrates via a saúde como um reflexo do equilíbrio corporal, e a doença consequentemente como resultado do desequilíbrio. Desequilíbrio interno, causado por hábitos de vida, fatores ambientais, higiene etc., era o que conduzia à doença. A partir dessa idéia seguiu-se a crença de que, se um médico pudesse intervir de tal maneira a restaurar o equilíbrio no corpo, a doença poderia ser debelada. A Hipócrates, no quinto século antes de Cristo, e não a Hahnemann ou Sutherland ou Still ou Alexander ou Ida Rolf, pode ser atribuído o crédito de ter sido o primeiro a popularizar esta noção no Ocidente. A abordagem da saúde promovida pelos escritos de Hipócrates era semelhante em espírito às de outras grandes tradições holísticas que existiram naquele tempo – a medicina tradicional chinesa e a medicina védica da Índia. Ambas existiram por milhares de anos antes de Hipócrates, e ambas destacaram o equilíbrio, apesar de seus sistemas de saúde divergirem enormemente. Hipócrates destacou a importância do poder inato da pessoa doente para recuperar a saúde. Ele foi o primeiro médico ocidental a articular o que viria a ser conhecido como - “Vis medicatrix naturae” – o poder de cura da natureza. Ele também sugeriu, compreendendo o poder do sistema imunológico, que dieta, repouso, limpeza e higiene eram fatores que explicavam as diferenças individuais na resistência à doença. Entretanto, havia dois problemas. Primeiro, muitos dos tratamentos então desenvolvidos eram agressivos e muitas vezes ineficazes. Purgantes, sangrias e cauterizações (por meio da queima da pele), frequentemente resultavam na morte do paciente. Segundo, não existia nenhum experimento feito para verificar se os tratamentos usados funcionavam. Esse problema do rigor – de submeter uma idéia e um tratamento a testes rigorosos – continuaria a assombrar o mundo do holismo durante séculos. Para complicar as coisas, os médicos eram obrigados a especular sobre o que havia dentro do corpo. Dissecação era algo que não era praticado em humanos e assim o conhecimento sobre a anatomia do corpo era pequeno. Os gregos da época de Hipócrates viam com estranheza a dissecação, e então, mais tarde, durante a Idade Média, a Igreja simplesmente a proibiu. Nada mudou até que Vesalius, no século XVI, realizou dissecações e produziu ilustrações sobre o que encontrou, de modo que o funcionamento interno do corpo foi estudado e descrito pela primeira vez. Apenas por pouco escapou da morte por essa heresia. Descartes e o alvorecer do reducionismo E foi assim por dois mil anos. O curso da medicina ocidental continuou largamente imutável até o século XVII. Em 1628, anos depois das dissecações realizadas por Vesalius, William Harvey descreveu a circulação do sangue, um feito que frequentemente foi chamado de a maior realização na história da medicina (embora um médico muçulmano, Ibn Nafis, tenha recebido o crédito, no essencial, por essa mesma descoberta, séculos antes, no Cairo). Mas a mudança realmente significativa ocorrida naquele tempo veio do filósofo René Descartes. No início do século XVII ele estabeleceu a noção de dualidade. A mente e o corpo humano seriam entidades distintas, e nenhuma poderia afetar a outra diretamente. Em sua visão dualista, tudo no campo da realidade física funciona de modo puramente mecânico. Descartes incluíu o corpo como parte da realidade física, concebendo-o como uma máquina biológica sem livre arbítrio. Uma das propriedades da máquina ou mecanismo é que pode ser dividido em pequenas partes ou mecanismos menores. Pode ser reduzido a suas partes constitutivas. Assim o reducionismo cartesiano nasceu, estabelecendo o paradigma que iria mudar o curso da ciência e, mais tarde, igualmente o da medicina. O dualismo foi útil naquele tempo – ele separou o físico do espiritual, e isso permitiu aos cientistas estudar ouniverso físico sem a ameaça de heresia por parte da Igreja. Abriu caminho para o trabalho revolucionário de Isaac Newton nos campos da matemática e da física e para o desenvolvimento do método científico. Mas a concepção do corpo como uma máquina conduziria mais tarde a uma abordagem puramente mecanicista da medicina e, durante os três séculos seguintes, minimizaria a compreensão dos efeitos da opinião e atitudes do paciente, suas emoções e a fé, e o poder do relacionamento médico-paciente sobre o processo de cura. Descartes publicou em 1637 seu Discurso sobre o Método, o qual estabeleceu os fundamentos para o desenvolvimento do método científico. Esta foi uma contribuição crucial – o método científico poderia dar aos cientistas um meio para estudar a natureza. O livro deu ao reducionismo o instrumento para estudar sistematicamente as partes que constituíam os mescanismos físicos. Enquanto os progressos nas ciências físicas explodiam após Newton, as coisas moveram-se mais devagar nas ciências biológicas. Na década de 1740, James Lind, dirigindo experiências controladas, descobriu que o escorbuto poderia ser prevenido por meio da ingestão de cítricos (e desde então os marinheiros britânicos são chamados de limeys). Somente em 1798, Edward Jenner publicou um trabalho que viria a ser uma baliza para o novo método científico. Ele descobrira a vacina contra a varíola. Tão ou mais importante que a descoberta foi o rigor de sua metodologia. Assegurou-se de que seus resultados fossem inquestionáveis e pudessem ser repetidos antes que viessem a público. Pela primeira vez, um pesquisador em ciências biológicas tinha oferecido sua própria mão à palmatória. As descobertas vieram mais rapidamente no alvorecer do século XIX. Na França, Xavier Bichat descobriu que os órgãos eram compostos por um material discreto (frequentemente organizado em camadas) que ele chamou de “tecidos”. Pierre Louis começou a usar autópsias para comparar tecidos saudáveis com tecidos doentes. Na Inglaterra, John Snow engenhosamente usou a matemática para analisar uma manifestação de cólera e concluiu que a água contaminada havia causado a doença. Fundava assim o campo da epidemologia. E, na Alemanha, Jacob Henle e outros formularam a teoria do germe da doença, que viria a ser um marco no desenvolvimento da medicina no século XIX. Alguma coisa estava acontecendo que mudava substancialmente a relação médico-paciente. Pesquisadores (e depois também os clínicos) estavam então usando de forma cada vez mais difundida instrumentos para estudar e diagnosticar. O estetoscópio foi inventado. Médicos incorporaram o uso do termômetro, que havia sido inventado duzentos anos antes, para medir a temperatura corporal dos pacientes. Pulsação e pressão sanguínea eram mensuradas. O laringoscópio e o oftalmoscópio foram desenvolvidos. Mais significativo ainda, o miscroscópio com lentes acromáticas passou a ser usado na década de 1830 e um universo inteiro de possibilidades explodiu para os pesquisadores, permitindo o estudo de um mundo que nunca havia sido visto antes. Entretanto, a confiança nos instrumentos criou uma nova distância entre o médico e o paciente. Médicos começaram a confiar menos em suas observações e em seus sentidos (uma referência central no pensamento hipocrático), e mais em instrumentos, números e dados. Para desânimo de muitos críticos daquele tempo (e de não poucos desde então), o corpo humano tornou-se um objeto a ser testado e provado (Descartes!), e os resultados analisados nos campos da matemática e da química. Durante esse período, a Alemanha era o centro do universo médico. Numerosos laboratórios foram estabelecidos, com os grandes cientistas daquele tempo sondando ativamente a natureza do corpo, explorando suas partes e suas funções de maneira a que refletisse de forma exemplar o moderno método científico. Os escritores hipocráticos tinham acreditado que a natureza deveria ser observada passivamente para que as teorias fossem desenvolvidas. Os laboratórios alemães demoliram essa concepção – eles construíram experimentos controlados que estimularam, dividiram e manipularam a natureza para ver que segredos poderiam achar. Jacob Henle, o primeiro a formular a teoria moderna do germe, resumia o credo básico no novo método na seguinte fórmula: “A natureza só responde quando é questionada”. O problema com tudo isso era que, tanto quanto era revolucionária na teoria, muito pouco a nova medicina era traduzida em novos tratamentos e na prevenção das doenças. As concepções antigas saíam de moda e os médicos cada vez mais abandonavam os tratamentos aceitos durante milhares de anos. Mas nada havia para subistituí-los. Formou-se um vácuo. (A medicina holística iria parcialmente preenchê-lo durante o século XIX, e ainda mais nos anos seguintes). Ironicamente, algumas das descobertas práticas que podiam salvar vidas estavam no campo da limpeza e da higiene públicas. Cientistas descobriram que a água contaminada causava cólera, que o tifo era transmitido por meio dos alimentos e da água consumidos, que as pragas eram disseminadas por ratos infestados por pulgas. Os cientistas descobriam o poder de salvar vidas por meio da limpeza e da higiene, um fato apontado por Hipócrates vários séculos antes. Enquanto as descobertas científicas fervilhavam na Europa durante o século XIX, a América passava ao largo da revolução. Os Estados Unidos experimentaram o mesmo vácuo a respeito de tratamentos efetivos existente na Europa, mas em acréscimo, a situaçao da pesquisa e da formação clínica estava tão catastrófica que o presidente da Harvard afirmou em 1869 que “a ignorância e a incompetência generalizada do graduado médio americano nas escolas médicas (…) é algo horrível de se contemplar”. Muitos estados não dispunham de licença para a prática médica. Muitas escolas médicas não dispunham de padrões admissionais, exceto a disponibilidade de pagamento das taxas. Nenhuma faculdade de medicina americana permitia a realização de autópisas e o cantato com pacientes. Nenhuma ensinava aos estudantes o uso de microscópios. Na metade do mesmo século, nenhuma universidade ou instituição médica na América dava suporte a qualquer pesquisa. Muitos médicos americanos faziam peregrinações para estudar nos grandes centros de pesquisa da Europa, mas eles retornavam para um gigantesco vazio, onde sua formação e habilidades não tinham como ser aproveitadas. A revolução chega à América Quando Johns Hopkins morreu em 1873, deixou uma base confiável para a formação de uma universidade e um hospital. Seus depositários, vendo o número de estudantes americanos de medicina que iam estudar na Europa, decidiram (seguindo os conselhos dos educadores mais bem reconhecidos daquele tempo) criar a universidade de acordo com o modelo das grandes universidades alemãs. Isso significava uma universidade onde o questionamento e a pesquisa não apenas eram permitidos, mas estimulados, e onde estudantes deviam atender a exigências severas de admissão, algo desconhecido em qualquer instituição médica americana da época. Os depositários pretenderam criar uma instituição que fosse tão rigorosa como suas congêneres européias tomadas como modelo. Depois de sua fundação em 1876, o novo presidente da Johns Hopkins começou a construir uma faculdade internacional, e a escola principiou modestamente oferecendo cursos de graduação. Em1884, William Welch foi contratado para criar e fazer funcionar a escola de medicina. A escola propriamente só seria aberta nove anos mais tarde, mas o Laboratório de Patologia iniciou as atividades imediatamente. E nomesmo instante a medicina nos Estados Unidos se transformou, e Welch, que havia estudado e sido treinado com os maiores cientistas da Europa, afirmou-se como um dos mais (senão o mais) influentes cientistas do mundo. Ele criou a faculdade e abriu seu laboratório, e o campus da Hopkins transformou-se muito rapidamente em algo único, um caldeirão efervecente de questionamentos como ninguém tinha visto antes. A faculdade, os pesquisadores e estudantes reuniam-se em uma experiência diária, socializando, debatendo, colaborando, gerando novas idéias, estimulando-se mutuamente, num ambiente que os colegas comparavam ao do clima apaixonado de um monastério. Cada um compartilhava a visão de que estavam criando algo novo e importante. Os estudantes faziam algo que os estudantes americanos de medicina nunca tinham feito antes: eles visitavam os hospitais, examinavam os pacientes e faziam diagnósticos, testando o conhecimento adquirido no trabalho em laboratório e nas autópsias. Eles não ficaram limitados somente aos livros, como os estudantes das outras escolas; fizeram uma imersão na ciência e na prática da medicina. Sabendo que isso estava disponível, os estudantes afluíram à Hopkins. Os requisitos de admissão eram rigorosos, inéditos na America, mas mesmo assim os estudantes chegavam em bandos. Era o lugar onde todos queriam estar. Era também o lugar que cada diretor e cada universidade queriam imitar. Seus formandos e pesquisadores eram requisitados – e alguns hospitais só admitiam médicos treinados na Hopkins. Entre os quatro primeiros premiados com o Nobel em medicina, três haviam sido treinados na Hopkins (o quarto fora formado na Europa). Seus graduados eram chamados a dirigir escolas médicas em Harvard, Yale, Columbia, Rochester, e outras universidades, adotando nelas os padrões próprios da Hopkins. Welch era a força propulsora por trás disso tudo, e ele continuou a preconizar as mudanças. Começou a dirigir aos laboratórios e aos pesquisadores que ele julgava dignos um fluxo de milhões de dólares. Um de seus protegidos encabeçaria os esforços para a adoção de padrões mínimos para as faculdades de medicina e os próprios médicos. Desde quando aceitou sua tarefa na Hopkins, nos 25 anos seguintes Welch supervisionaria a transformação da medicina nos Estados Unidos, e essa transformação permitiu que a comunidade científica americana alcançasse e em algumas áreas ultrapassasse seus colegas na Europa. Enquanto isso, o ataque às doenças infecciosas continuou nos laboratórios da Europa, e os primeiros resultados começaram a aparecer. A teoria dos germes tinha aberto as comportas para os pesquisadores. Em 1880, Pasteur vacinou com sucesso animais contra a cólera e depois antraz. A cólera e a febre tifóide eram contidas pela primeira vez, com base na compreensão de como elas se propagavam. Então finalmente, em 1891, em Berlim, pesquisadores trataram com sucesso um paciente que sofria de difteria, usando uma antitoxina. Era a primeira cura real propiciada pela nova era científica. Em seguida, na cidade de Nova York, pesquisadores aprenderam como produzir a antitoxina em massa, e ela se tornou disponível em larga escala. Os médicos tinham então uma ferramenta eficaz para prevenir e curar doenças mortais. Seria a primeira de muitas conquistas. O campo da medicina era agora uma ciência, e a revolução reducionista estava agora quase completa. Seus sucessos foram criados em laboratório e cada vez mais no próprio teatro de operações. Os campos da patologia, epidemologia, da quimioterapia, da medicina forense, da bacteriologia tinham desabrochado. O campo de luta da medicina transferira-se do consultório médico para o laboratório. A magnitude da mudança de paradigma desde os dias de Hipócrates foi estrondosa. Por dois milênios, a saúde fora entendida como o reflexo do equilíbrio sistêmico. Agora o foco tinha se deslocado do macro para o micro, do sistema integral para suas partes mínimas. O reducionismo estava na ordem do dia, e Hipócrates tinha sido abandonado quase que completamente em favor de Descartes. A medicina era agora o estudo de coisas ínfimas, dos menores componentes da máquina, que só podiam ser vistos com o uso de instrumentos. O microscópio era agora a mais poderosa ferramenta do arsenal à disposição dos pesquisadores, e ele simbolizou a mudança – trouxe à luz o mundo das coisas muito pequenas. A cura agora vinha de fora, orientada pelo microscópio para a batalha contra os invasores externos que atacavam o corpo. O campo da pesquisa era agora o lugar onde a ação se desenvolvia. O próximo grande passo no desenvolvimento envolvia as instituições de pesquisa que se tornariam modelo para o mundo científico. Assim, sob a supervisão de William Welch, em 1909 foi criado o Instituto Rockefeller para a Pesquisa Médica. O instituto e sua missão “Aqui está uma instituição cujo valor toca a vida de todo ser humano… Quem não sentiu o impulso do desejo de ser útil a todo o mundo? Aqui ao menos está um trabalho para toda a humanidade, que satisfaz plenamente e preenche esta gloriosa aspiração. Uma vocação que vai de encontro aos fundamentos da própria vida…” Frederick Gates, à direção Instituto Rockefeller, por ocasião do décimo aniversário dos laboratórios, em 1914. A finalidade do Instituto Rockefeller era objetiva – proporcionar aos cientistas os recursos necessários à pesquisa no campo da medicina. A orientação era mais geral que a dos congêneres europeus, mas estava centrada em primeiro lugar nas doenças infecciosas. Rockefeller no entanto visou um espectro amplo da prática médica. Além dos estudos sobre as doenças infecciosas, os cientistas explorariam técnicas cirúrgicas (que pavimentaram o caminho para os transplantes de órgãos) e começaram a pesquisar o câncer (Peyton Rous, um graduado pela Hopkins que fez pesquisas no Rockefeller, descobriu em 1911 que um vírus poderia causar o câncer, e meio século depois, teve seus esforços reconhecidos com o Prêmio Nobel). No instituto foi realizado também o trabalho básico que conduziria a um dos grandes feitos científicos no século XX – o mapeamento da molécula do DNA. Welch escolheu um protegido, Simon Flexner, para liderar o novo instituto. Flexner imprimiu ao instituto seu próprio caráter – “cortante, nervoso, frio.” Ele era descrito como áspero, brilhante e intimidativo. Foi temido por alguns dos melhores cientistas do mundo. Ele procurava somente os melhores para trabalhar para ele, e demitia aqueles cujo trabalho acreditava não atender aos padrões exigidos. Mas podia ser paciente e acolhedor quando via uma promessa, e oferecia um largo campo de ação quando via um pesquisador com talento verdadeiro. Ele também apoiou a abertura e o debate, a competição e a discordância. Procurou individualistas, dissidentes destemidos capazes de pensar em novas direções, e estimulou trocas vivas e regulares de idéias. Seu objetivo foi o de criar não um instituto, mas um organismo vivo, e o resultado foi um ambiente que exigia igualmente, mas também excitava, provocava e despertava a criatividade. Desde o começo, o novo instituto produziu regularmente manchetes, não só na América, mas internacionalmente. Teve imediatamente um enorme impacto no mundo científico, bem como no publico em geral. Suas realizações ganharam frequentemente grande publicidade, e com muita fanfarra. A imprensa amou Flexner e seu instituto, e ele a tratou da mesma forma. Embora tivesse críticos, que zombavam da máquina publicitária, o instituto rapidamente tornou-se para a pesquisa o que a Hopkins havia se tornado para o estudo e a formação médica – o lugar para estarpara um cientista desejoso de fazer um nome para si mesmo no campo da pesquisa. O Rockefeller estaria envolvido, e frequentemente no centro, de cada desenvolvimento médico realmente significativo na América durante alguns dos anos seguintes. Este periodo, que compreende o final do século XIX e o início do século XX, tem sido chamado de “os anos de ouro” da medicina americana. Descobertas importantes ocorriam praticamente todos os dias, surgiam vacinas e tratamentos para algumas das doenças mais fatais que acometiam a humanidade, e as ciências biológicas haviam se tornado o centro do universo médico. Muitos dos processos destinados a preparar as culturas e a conduzir as pesquisas relativas às doenças infecciosas, que foram desenvolvidos naquele período, são práticas adotadas até hoje, e, em alguns casos, os pesquisadores conseguiram resultados com pacientes superiores aos obtidos com os métodos farmacêuticos modernos. As grandes pragas que tinham atacado a humanidade por séculos – varíola, cólera, tifo, febre bubônica, febre amarela – estavam sendo contidas e vidas estavam sendo salvas das epidemias aos milhões. Ida Rolf, cientista e bioquímica Este foi o ambiente científico em que Ida Rolf começou sua carreira. Ela havia obtido sua graduação no Barnard College, em1916, e no ano seguinte começou oficialmente a trabalhar como técnica no Intituto Rockefeller. Ao mesmo tempo, iniciou seus estudos para o doutorado na Universidade Columbia. Foi aceita assim como bioquímica, no ponto mais alto da revolução da medicina científica, na instituição que era o merco zero para a pesquisa de laboratório na América, sem dúvida o lugar do mundo de maior prestígio onde um cientista poderia trabalhar. A crença geral é a de que Ida Rolf foi aceita devido à falta de homens qualificados naquele tempo – os rapazes estavam fora na guerra e, assim, era concedida às mulheres a oportunidade de estudar e praticar na arena da ciência. Isto pode explicar parcialmente sua aceitação na Columbia (ela começou seus estudos na Columbia em fins de 1917, depois de os Estados Unidos aderirem à Primeira Guerra Mundial), mas provavelmente não no Instituto Rockefeller. Ela aparentemente tinha alguma conexão com uma das organizações da família Rockefeller na cidade de Nova York, no período em que estava para se graduar no Barnard. Em 3 de abril de 1916, uma notícia no jornal do Barnard College mencionava Ida Rolf, então uma veterana em vias de graduar-se, e notava que ela estava “trabalhando em química na Fundação Rockefeller”. A Fundação Rockefeller era uma instituição de caridade, também criada pela família Rockefeller, a qual naquele tempo estava focada nas ciências, na saúde pública e na educação médica. Não se sabe se ela de fato trabalhou na fundação, ou se a informação no jornal era incorreta e ela na verdade já fazia seu trabalho no instituto. Mas, de qualquer forma, isso ocorrera mais de um ano depois de os Estados Unidos entrarem na Guerra. O Instituto Rockefeller contratara muitas mulheres naquele tempo, mas aparentemente para ocupar posições baixas e somente em funções destinadas a principiantes. Era muito mais difícil para uma mullher atingir os degraus mais altos da escala científica. Em 1918, Ida Rolf retornou ao Barnard para falar aos alunos em vias de graduar-se sobre as oportunidades de emprego no Rockefeller. Ela afirmou que “…em todos os laboratórios mulheres eram empregadas sem discriminação e alçadas a posições de grande responsabilidade.” Contudo, em Uma História do Insituto Rockefeller, George Washington Carver não menciona nenhuma mulher cientista naquele período inicial. Todos os chefes de departamento e numerosos associados e assistentes foram mencionados ao longo de seu trabalho e mal há qualquer registro de uma mulher. Ao descrever a direção do laboratório de Química, Carver registra “aproximadamente 40 homens “, passando por seu laboratório quando de sua posse. O autor descreve uma organização cujo domínio pertence quase que exclusivamente a homens, pelo menos no que diz respeito aos pesquisadores. A maioria das mulheres que estavam empregadas no Rockefeller muito provavelmente começava em cargos da área administrativa ou ini ciava-se como técnica nos laboratórios. Progredir era o desafio. Ida Rolf foi aparentemente uma das poucas que conseguiu avançar. O nome da Dra. Ida Rolf apareceu oficialmente na lista de empregados do instituto em l917. Ela também começou seus estudos em bioquímica na Colúmbia em fins desse mesmo ano. Naquele periodo, Rockefeller funcionava basicamente como uma universidade especializada em pós-graduação, ainda que quase todos os cientistas já fossem PhD’s ao serem admitidos. Contudo, assim como Ida Rolf, muitos outros começavam como técnicos e usavam seu trabalho no Rockefeller para ganhar seus PhD’s na Columbia. Muitos dos cientistas gastariam vários anos – de cinco a sete pelo menos – no instituto, até vir a ocupar cargos em universidades ou trabalharem na indústria. Somente um pequeno número se tornaria membro pleno e dedicaria a vida à instituição. A Dra. Ida Rolf começou seu trabalho no laboratório de química como assistente de Phoebus Levene. Levene fora trazido para o instituto por Flexner em 1905 e dois anos mais tarde fora nomeado membro pleno e escolhido para chefiar o laboratório de química. Ele havia imigrado para os Estados Unidos em 1893 e, assim como Ida Rolf, tinha ingressado na Columbia e começado suas pesquisas em química. No curso de sua vida profissional, contribuiu para um corpo enorme de pesquisas no campo da bioquímica, em diversas áreas importantes. Ele é mais conhecido por duas contribuições principais (e por um erro igualmente importante) no que diz respeito à descoberta e compreensão da molécula do DNA. O laboratório Levene Levene era culto e altamente educado, falava seis idiomas, era um amante da arte, generoso e popular com seus colegas. De algum modo porém o ajustamento dele em relação ao Instituto Rockefeller era imperfeito. Flexner o considerou incialmente como “esoterico em seus interesses científicos” (o significado dessa afirmação é desconhecido, mas desperta a curiosidade sobre a hipótese de que Levene , como supervisor direto de Ida Rolf, a tenha influenciado em suas próprias buscas esotéricas durante os anos 1920. Ele assim desenvolveu uma reputação de administrador ineficaz – de quem escapavam os detalhes práticos do trabalho no laboratório. Levene tinha outra qualidade que pode eventualmente ter causado o desassossego de Ida Rolf no Rockefeller. Todos os chefes de departamento tinham pleno controle sobre seus laboratórios, e alguns deram a seus assistentes e associados grande liberdade para seguir seus próprios interesses em pesquisa. Levene estava no outro extremo – esperava que seus assistentes fizessem somente a pesquisa que ele mesmo definia. Tinham pouca liberdade para explorar seus próprios interesses; em conseqüência, desenvolveu poucos cientistas proeminentes em comparação com as outras chefias de departamento. Isto conduziu Flexner a expressar em 1919 que os cientistas liderados por Levene “… não estavam treinados para o trabalho independente.” Seu departamento ficou muito instável - os cientistas sairiam, procurando outras oportunidades. Tão popular e querido como era, e apesar de ter a reputação de ser um professor excelente, Levene não teve competência para desenvolver talentos. A dra. Ida Rolf foi nomeada assistente em 1918. Em 1920 recebeu seu PhD da Columbia e em 1922 foi promovida a associada, a posição não-vitalícia mais elevada para um cientista no Instituto Rockefeller.Permaneceu como associada até sua demissão. De 1919 a 1927, publicou quinze artigos de pesquisa conhecidos, além de sua dissertação de doutorado, principalmente a respeito de dois fosfatídeos, a lecitina e a cefalina. O trabalho da Dra. Rolf, como o da maioria em seu tempo no Rockefeller, era explorar mais a estrutura e a natureza da lecitina e de seus primos químicos (os fosfatídeos eram uma área do interesse pessoal de Levene). Era um trabalho passo a passo, detalhado, da ciência de laboratório - como extrair eficientemente a lecitina das gemas, como determinar mais exatamente sua estrutura química. Seus artigos eram, em uma palavra, secos (um cientista os descreveu, depois de lê-los, como uma cura maravilhosa para a insônia). A pesquisa de Ida Rolf teve sempre Levene como coautor – o nome dele apareceu sempre acima do dela em seus artigos. Era comum naquele tempo mandar chefias de laboratório pôr o nome sobre toda a pesquisa que saísse de seu laboratório, não importava se o chefe do laboratório tivesse tido participação real no estudo ou não. Assim não é possível saber se ele trabalhou ativamente com ela em sua pesquisa publicada ou atuou simplesmente como supervisor. Duas Guerras Durante os primeiros anos da permanência de Ida Rolf no Rockefeller, o trabalho e o ambiente do instituto foram influenciados fortemente por duas guerras. Inicialmente, foi a Primeira Guerra Mundial. Embora a guerra tivesse começado na Europa em 1914, o presidente Woodrow Wilson havia decidido durante todo seu primeiro madato manter os Estados Unidos fora do conflito. Seu lema de campanha para a reeleição em 1916 era “ele nos manteve fora da guerra.” Só pediu autorização ao congresso para declarar a guerra em abril de 1917, depois de uma série de ataques alemães, com submarinos, a navios mercantes americanos. A declaração de guerra saiu em maio 1917. Assim que a guerra foi declarada, virtualmente cada instituição pública e privada nos Estados Unidos foi convertida de uma ou outra forma ao esforço de guerra. Isto incluiu a maioria das instituições educativas. Nesse ambiente, havia o temor no Instituto Rockefeller de perder cientistas, fosse por alistamento ou por convocação. Assim Flexner providenciou para que o instituto inteiro fosse incorporado ao exército. O Instituto Rockefeller transformou-se oficialmente no laboratório auxiliar número um do exército. Os cientistas receberam patente de oficial e eram saudados nos corredores pelos guardas de serviço e pelos técnicos, agora transformados em sargentos (o que naquele tempo incluía a dra. Ida Rolf). O trabalho da equipe de funcionários foi mudado. A maioria dos pesquisadores começou a instruir doutores militares ou a deslocar a pesquisa para assuntos relacionados à guerra. Pelo menos um bioquímico estudou o gás tóxico. Outros trabalharam com materiais para a fabricação de bombas. Outros treinaram médicos do exército para tratar doenças infecciosas. Como parte da equipe técnica (e como mulher), a Ida Rolf não seria provavelmnete oferecida uma patente. Não há nenhum registro de que lhe tenha sido oferecida uma, e é provável que tenha passado muito de seu tempo durante seus primeiros anos estudando e fazendo seu trabalho de doutorado na Columbia. A Primeira Guerra Mundial, em que a dra. Rolf desempenhou um papel menor, foi travada também em laboratórios do mundo inteiro, e contra um inimigo muito mais mortal. Em fins de janeiro de 1918, no condado de Haskell, no Kansas, um médico local começou a observar pacientes que sofriam de algo que parecia ser particularmente violento, uma forma de gripe aguda e mortal. Segundo epidemologistas, um soldado em licença trouxe a gripe ao local e depois a levou de volta a sua base do exército , de onde ela se espalhou gradualmente através do país, através do oceano nos navios que conduzim as tropas, e possivelmente a quase cada canto da terra. Era o começo provável do que se transformou na praga mais mortal da história da humanidade, a pandemia de gripe de 1918-1919, em que de 50 milhões a 100 milhões de vidas foram perdidas. É difícil conceber hoje o nível da histeria e do medo paralizante que varreram os Estados Unidos (e o resto do mundo), enquanto o vírus espalhava-se de uma cidade, uma base do exército, de um estado a outro. A tensão provocada pela gripe nunca fora vista antes, devido em parte à velocidade e a ferocidade com que matava. No mundo inteiro registraram-se casos em que populações que não exibiam de todo qualquer sintoma, no período de poucas horas de repente eram duramente golpeadas. E, ao contrário da maioria das manifestações conhecidas de gripe, ela golpeava indistintamente os membros mais vigorosos de uma comunidade - de algum modo, atacou os sistemas imunológicos das populações mais saudáveis tão de repente que sua própria resposta imunológica as matou, e as matou com uma velocidade frenética. Usando estimativas (aceitas hoje por muitos epidemilogistas como razoáveis), acredita- se que 5% da população do mundo foi morta pela gripe, e que uma percentagem muito elevada desse número era composta por adultos jovens, os membros mais saudáveis da população. A maioria das mortes ocorreu no mundo inteiro durante um período dramático de dezesseis semanas, no fim de 1918. A epidemia foi apresentada da pior forma pela máquina de propaganda destinada a concentrar e manter o vigor do esforço de guerra. O governo não quis que o medo da gripe desviasse a atenção do país do trabalho de sustentação total da guerra, e assim a informação exata e verdadeira sobre a profundidade do perigo não foi comunicada ao público antes que já fosse demasiadamente tarde. O exército ignorou os conselhos (as medidas preventivas, mais exatamente) propostas por seu próprio general cirurgião e não tomou as proteções adequadas. Em conseqüência, suas bases foram devastadas pelo vírus. As iniciativas públicas e privadas paralizaram-se - ninguém queria mais ficar perto de ninguém. Familiares morriam porque ninguém chegava perto do leito para ajudar, com receio do vírus. Devido à quantidade reduzida de médicos e enfermeiras disponíveis era mesmo impossível produzir um impacto mínimo na maioria das áreas. Em fins de 1918, quando a segunda onda mortal da epidemia estava no ápice e a situação chegava a um ponto trágico , um esforço mundial e maciço de pesquisa tinha sido mobilizado para isolar o virus da gripe, encontrar tratamentos eficazes e desenvolver uma vacina. A comunidade científica centrou sua atenção (tanto quanto possível com a guerra ainda em pleno andamento) sobre a doença. Com o Instituto Rockefeller não foi diferente, e alguns de seus melhores e mais conhecidos cientistas dedicariam-se ao problema e passariam mais tarde a maior parte de suas vidas profissionais na pesquisa sobre a influenza, como ficou conhecida a gripe. É possível fazer algumas suposições sobre a natureza da pesquisa realizada por Ida Rolf. Seu trabalho teve como foco a natureza dos fosfatídeos, em particular, da lecitina. A lecitina joga um papel chave na estrutura membranosa das células - sem ela, as células não poderiam manter uma estrutura distinta do ambiente que as circundam . A lecitina foi descoberta em 1846, e antes do trabalho da dra. Ida Rolf no Rockefeller, já era uma fonte de curiosidade na área da bioquímica. Parte do interesse pode ter tido a ver com a natureza dos vírus. Quando um vírus ataca o corpo, muito da batalha de vida ou morte que é travada ocorre na membrana da célula. É na membrana que o vírus tenta unir seus ligamentos aos ligamentos próprios da célula (ou, no caso da gripe, onde deslizanas células dos pulmões, evitando totalmente sua detecção pelo sistema imunológico). Assim uma compreensão do papel da lecitina na estrutura da membrana celular seria importante para a compreensão do que ocorre realmente no ponto em que os vírus atacam. Não se sabe se o trabalho da Dra. Ida Rolf com lecitina ocorreu no contexto do enfoque do Instituto Rockefeller em meio à epidemia da gripe, com o objetivo de compreender a natureza de como o vírus ataca o corpo. Mas vale a pena notar que Levene deu muito pouca atenção à lecitina até 1918, e a seguir publicou dúzias de artigos entre os documentos sobre o assunto, com Ida Rolf e outro pesquisador, ao passo que anos 30 pareceu perder o interesse no assunto. Assim seu trabalho foi provavelmente em parte ciência pura e em outra parte possivelmente estimulado pela pesquisa a respeito da gripe e doenças infecciosas. Retorno a Hipócrates pelo caminho da Física Em 1925, a Dra. Ida Rolf solicitou licença para estudar na Europa. Ela pretendera continuar seus estudos na Europa desde quando fazia sua graduação no Barnard, assim como incontáveis outros cientistas tinham feito desde os fins do século XIX. Mas a guerra impedira a viagem. Ao solicitar a licença, escreveu a Simon Flexner sobre a necessidade de um descanso e de afastar-se de seu trabalho, que era cada vez mais agitado no instituto. A licença foi concedida no final do ano, e, em janeiro de 1926, ela embarcou em um navio com destino à França, iniciando sua viagem de estudos no Instituto de Pasteur. Quando estava a caminho, Flexner enviou-lhe uma carta. Nela, incluiu um cheque de duzentos dólares, quantia destinada a ajudá-la a pagar por sua estada na Europa. Confirmava também o que ela já estava sentindo sobre seu relacionamento com o Rockefeller. Flexner dizia na carta pensar que o trabalho dela no instituto já se havia cumprido com vantagens para ambos os lados, e encorajou-a começar a olhar, logo depois que retornasse aos Estados Unidos, para uma outra colocação. (Isto é consideravelmente adequado com o que é sabido sobre Flexner. Ida Rolf estivera empregada em nível de assistente associada por sete anos, atingindo o tempo máximo que a maioria dos empregados não-vitalícios permaneciam no instituto. Flexner nunca era tímido em relação a dizer aos cientistas o que pensava ser o melhor para ele mesmo, e sobre quando era hora de irem embora.) A dra. Ida Rolf recebeu a carta em Paris. Respondeu com uma nota escrita à mão dirigida a Flexner. “… Eu estou de completo acordo com sua opinião de que o período de eficiência máxima dessa relação, para o instituto e para mim mesma, terminou.” Acrescentou que era um alívio não ter ela própria de tomar a decisão de sair do instituto. Expressou sua gratidão para com Flexner e Levene pela oportunidade que lhe tinham dado e o seu sentimento de obrigação de reembolsá-los pelos recursos oferecidos para a licença. Ela parecia ao mesmo tempo aliviada e excitada, descrevendo suas aventuras no aprendizado do francês e a respeito do estudo no Instituto Pasteur. A dra. Ida Rolf, em “Rolfing e realidade física,” (Summus Editorial) menciona sua participação em estudos médicos durante sua permanência em Zurique, e a visita a Genebra para estudar homeopatia. Mas nada muito mais que isso é conhecido sobre este seu período na Europa. (Quão excitante deve ter sido estudar física na Europa em 1926? Os anos 20 foram possivelmente o período mais emocionante na história da física, e a Europa era o cenário do drama. Heisenberg, Schrodinger, Niels Bohr, Einstein e outros elucidavam os detalhes da mecânica quântica, criavam uma física nova inteira e mudavam nossa compreensão do universo em um ritmo alucinante. A dra. Ida Rolf começou seu deslocamento da química para a física quase precisamente no momento em que o mundo da física experimentava um deslocamento de paradigma tão significativo como aquele experimentado na época de Descartes.) Outros dois artigos ainda apareceram, mais tarde, em 1927, em coautoria com Levene, a respeito da lecitina e da cefalina. Eram possivelmente resultado do trabalho de pesquisa concluído antes do início de sua licença, ou diziam respeito a um trabalho terminado após seu retorno, antes de ela deixar definitivamente o instituto. Sua demissão do Rockefeller realizou-se oficialmente em 1927, quando deixou o mundo da medicina científica para sempre. Aproximadamente 14 anos depois que seu último artigo científico foi publicado, atendeu por volta de 1940 seu primeiro cliente, uma professora de piano, no Bronx, realizando com ela o trabalho que se tornaria mais tarde a Integração Estrutural (Veja entrevista). “E vocês vêem que tudo isso é algo que, na medida em que vocês estão realmente estão considerando o homem,… vocês têm de pensar nesses termos, porque este homem, o homem é um campo de energia, de consolidação de energia. Em termos dos métodos ortodoxos usados pelos seus médicos, em geral eles estão considerando somente a química do corpo. Eles não estão considerando este homem no pólo do tótem, este homem esquecido, este elemento esquecido do corpo, este elemento da realidade física do corpo.” Ida Rolf, 1966. Ida Rolf tinha começado sua carreira como um produto do maior deslocamento de paradigma na história da medicina. Dos anos 20 aos anos 40, seu deslocamento profissional tirou-a da medicina científica para conduzi-la de volta ao holismo. Há assim uma ironia em seu desembarque na Europa. Durante as últimas décadas do século XIX, os cientistas americanos tinham feito suas peregrinações ao velho continente para abraçar as ciências biológicas. Era onde poderiam estudar as coisas minúsculas, assim que puderam ser observadas por meio do microscópio. Décadas mais tarde ela fez também sua peregrinação como cientista, mas a peregrinação simbolizou igualmente uma transição. Começou a licença do Rockeffeller como especialista em bioquímica, estudando no laboratório fundado por Louis Pasteur. Então deixou o microscópio para trás e, em Zurique, no estudo da matemática e da física, descobriu a linguagem da energia. Enquanto o modelo de Descartes conquistava a supremacia na ciência americana, Ida Rolf retornava a Hipócrates. Pressão contra a abordagem holística Enquanto isso, o holismo tinha experimentado um boom durante a emergência do paradigma científico como força dominante. No vácuo aberto no mundo científico americano do século XIX, diversas disciplinas holísticas haviam emergido. A homeopatia e a higiene natural ganharam importância, e a seguir, nas últimas décadas do século, a quiropraxia, a naturopatia e a osteopatia foram desenvolvidas. Todas se apoiavam firmemente na tradição holística, todas se dedicavam ao objetivo hipocrático de restabelecer o equilíbrio do sistema como base para a cura. E todas tiveram vários graus de acolhimento por parte do público (John D. Rockefeller teve um médico homeopata mesmo enquanto dava forma a seu instituto.) Entretanto, o século XX que se iniciava não era amável para com as modalidades novas. Os ambientes políticos e culturais inclinavam-se quase totalmente em favor da biomedicina. Em 1910, patrocinado pela Fundação Carnegie, saiu o Relatório Flexner, tendo como autor Abraham, irmão de Simon Flexner. Seu objetivo fora examinar as condições nas faculdades de medicina americanas. Fazia acusações duras, recomendando que em 80% de todas as faculdades de medicina os cursos fossem interrompidos. Mas o relatório focalizou também as escolas de orientação homeopática e osteopática, e usou de palavras rudes na avaliação de suas atividades. O relatório usou os termos “totalmente impossíveis”,“absurdamente inadequadas” e “irremediavelmente defeituosas” para descrever as escolas holísticas visitadas por Flexner. Qualificou a quiropraxia como algo indigno de consideração, afirmando que os quiropráticos “grasnavam desmedidamente” e que “os magistrados do Ministério Público e o Grande Júri são as agências apropriadas para tratar deles”. Considerou “indefensáveis” as concepções holísticas ou alternativas, na era da nova medicina científica. Para além do Relatório Flexner, as escolas e os médicos holísticos passaram a ser vistos pelo mundo médico e em certo grau também pelo grande público como incompetentes, no melhor dos casos, e como fraudes, no pior dos casos. Ao mesmo tempo, William Welch usava seus poderes para dirigir o fluxo do dinheiro da pesquisa no campo da medicina, e o dinheiro decididamente não fluiu no sentido de algumas das disciplinas holisticas. Em conseqüência, os médicos holísticos foram deixados à margem, dedicando-se aos cuidados de menor importância. (Uma das ironias da carreira da Dra. Rolf foi que o irmão de seu chefe no Instituto Rockefeller - e ela teve muita admiração e respeito para Simon Flexner – trabalhou para erradicar o campo em que ela passaria mais tarde a maior parte de sua vida profissional.) Einstein e o holismo, Parte Dois Mas, enquanto o reducionismo reinava supremo no mundo médico no alvorecer do século XX, o mundo científico estava a ponto de submeter-se a um novo deslocamento tectônico. Hipócrates estava prestes a retornar à luta, na figura de um obscuro escriturário de cartório. Em 1905, Albert Einstein publicou dois artigos, um sobre a teoria da relatividade restrita e outro que ajudaria a desenvolver a teoria quântica. Em 1916, ano em que Ida Rolf graduou-se pela faculdade de Barnard, Einstein adicionou a gravidade ao conjunto para apresentar sua teoria da relatividade geral. A gravidade, de acordo com Einstein, não é uma força, coforme a definição de Newton, mas uma curvatura do espaço- tempo. A terra não se move em uma órbita elíptica em torno do sol; antes, move- se em uma linha reta aparente que segue a curvatura do espaço. As implicações da teoria da relatividade e da teoria quântica, e seu impacto na ciência e a cultura no século XX estão fora do alcance deste artigo ( Capra de Fritjof sozinho tem diversos livros sobre o assunto). Mas a física do século XX - em especial a teoria quântica - estabeleceu uma estrutura científica mediante a qual o holismo poderia ser compreendido e apreciado. Igualmente mostrou que Descartes estava errado, ou no mínimo limitado de acordo com pelo menos um ponto de vista. Descartes acreditou em um universo físico feito das partes separadas, que poderiam ser estudadas e compreendidas. A teoria do quantum mostrou que as coisas não eram desta maneira. No menor, no nível mais fundamental - o atômico - as menores partículas não são coisas distintas: são mais apropriadamente pensadas como interconexões (a própria palavra “partícula” é inadequada e errônea em nível atômico). A teoria quântica conduz não às coisas, mas ao relacionamento constante. O mundo pode ser dividido em partes até certo ponto, mas quando as partes ficam cada vez mais e mais minúsculas, transformam-se em algo que pode ser concebido menos exatamente como peças e mais exatamente como uma complexa rede de relações. Descartes igualmente acreditou na existência de uma verdade absoluta em ciência, e que a verdade poderia ser comprovada pelo método científico. Capra de Fritjof argumenta que “no ponto de retorno”, “a física do século XX nos tem mostrado muito vigorosamente que não há nenhuma verdade absoluta em ciência, que todos os nossos conceitos e teorias são limitados e aproximados.” Os críticos do reducionismo argumentam que o método científico, quando útil e poderoso, tem seus limites na realidade compreensível. Uma observação sobre a teoria de relatividade é útil aqui. Einstein nunca acreditou que sua teoria deveria ou poderia ser aplicada acuradamente às matérias morais ou metafísicas. Um grande número de filósofos e físicos acredita que Capra e outros empregaram mal a teoria da relatividade, ao reivindicar a aplicação do relativismo em outros campos. Entretanto, há também que defenda que ele provavelmente se encontra em terreno firme, ao estendê-la a outros domínios. “O mundo surge assim como um tecido complicado de eventos, em que as conexões de diferentes tipos se alternam ou se sobrepõem ou combinam e determinam desse modo a textura do todo.” Werner Heisenberg. “Sua segurança vem somente das relações…O único terreno seguro para um rolfista é estabelecer relações equilibradas no corpo. Esta é sua base segura, e não é possivel convertê-la em algo que seja tão sólido como uma parede.” Ida Rolf. Pesquisa e os dois paradigmas É fácil compreender como a revolução biomédica veio relegar o holismo. A medicina científica e o método científico moderno fazem um casamento perfeito. Ambos estão firmemente enraizados em suposições cartesianas… que o universo é composto por partes distintas que podem ser isoladas, estudadas e compreendidas. O relacionamento entre as partes importa, mas a natureza de cada uma delas pode ser estudada e compreendida sem relação com as outras. As contribuições do ponto de vista reducionista à medicina foram enormes. Exemplos óbvios são a cirurgia moderna e o tratamento dos traumatismos. Outro exemplo é o campo das doenças infecciosas, onde vidas incontáveis foram preservadas por causa das descobertas feitas pela medicina científica. As grandes pragas que mataram milhões durante toda a história da humanidade são agora em sua maior parte evitáveis e tratáveis. (Ironicamenete, muitas das lutas contra as grandes pragas validaram as proposições de Hipócrates – manter limpas as fontes de água, lavar as mãos, manter o ambiente livre de dejetos orgânicos, foram algumas das descobertas avançadas que ajudaram a limitar as doenças mais perigosas.) Além disso, o método científico forneceu um modelo para a investigação rigorosa, que foi adotado por todas as ciências. Entretanto, de várias maneiras, nós estamos testemunhando hoje a revolução biomédica levada a seu extremo lógico. Se os seres humanos são máquinas biológicas, então a biologia é a resposta para todos os problemas. O que nós vemos agora é a adoção de drogas para cada aflição concebível, para cada aberração da norma, tanto física como emocional. A união do método científico e da medicina biológica conduziu ao Viagra, ao Prozac…e a todas as pílulas mágicas. Por outro lado, o holismo e o método científico têm um relacionamento difícil. Uma das suposições básicas do holismo - a primazia do relacionamento, o interconexão de todos os aspectos do universo – torna o estudo das partes muito mais do que um desafio. O holismo resiste por natureza à noção de isolar - o ato de isolar ou separar em partes a fim de atender às finalidades da pesquisa conduz a um resultado incompleto e parcial. Assim a pergunta que se apresenta é: pode a pesquisa eficaz ser feita dentro do paradigma holístico? Usando a Integração Estrututal como exemplo: uma disciplina pode ser mais completamente holística? Uma disciplica que considera o ser humano como uma relação no interior do campo gravitacional - Einstein e Heisenberg ficariam orgulhosos. Entretanto, que parte da Integração Estrutural é fundamental? A seqüência da série de sessões? O relacionamento entre o profissional e o cliente? As técnicas usadas? A experiência e o treinamento do profissional ou sua habilidade para trabalhar? Sua habilidade para escutar, sua inteligência, sua capacidade paraacolher? A vontade do cliente de mudar? Que sessão é mais importante? Como separar todos esses aspectos de todo o processo? Um exemplo vívido da diferença entre os dois paradigmas é o efeito placebo (definido por padrão como uma melhoria na saúde que não é atribuível ao tratamento). O paradigma cartesiano considera o efeito placebo como um fator que deve ser isolado a fim de que se possa avaliar a eficácia de um tratamento. O holismo adota o efeito placebo considerando que a opinião, a psicologia e as expectativas do cliente em relação ao tratamento são uma parte vital do próprio tratamento, de modo que o próprio conceito, útil no reducionismo, não tem sentido no holismo. Dito isso, vemos que o holismo tem muito a aprender com Descartes. Desde os seus primórdios, o holismo teve um problema com rigor. Foi tradicionalmente demasiado fácil e tentador para os profissionais holísticos escrever sobre seus assuntos sem levar em consideração suas falhas ou passos em falso, sem o teste rigoroso de suas idéias, e sem certificar-se de que seus tratamentos fazem realmente o que prometem fazer. Havia alguma verdade nas críticas de Abraham Flexner às escolas holísticas. Elas faziam proposições sem nunca incomodar-se em verificá-las. Até hoje, médicos holísticos reinvidicam os benefícios de sua abordagem sem um fragmento sequer comprovação, com excessão dos “casos selecionados de sucesso”. Este é um desafio para a Integração Estrutural, mesmo sem reivindicar a cura ou o tratamento de qualquer coisa. Como profissionais, temos uma inclinação forte para a pesquisa, para validar a eficácia do nosso trabalho. Mas, eficácia em que? Queremos que a pesquisa prove o quê em nosso campo? Desejamos a comprovação de que a Integração Estrutural melhora a saúde total, a vitalidade e o funcionamento? Definidos em que bases? Para provar nossa eficácia, a pesquisa deve começar por quebrar nosso trabalho ou seus efeitos, para separá- los em partes. Melhora o equilíbrio? Diminui a dor? Fornece mais energia. E, se provado, o que isso o que significa? Reforça o sistema imunológico? Diminui ou alivia os sintomas de uma variedade de doenças e condições? É justo nos perguntarmos o que nós queremos exatamente da pesquisa. É igualmente importante considerar que a pesquisa é, em grande parte, um fenômeno que pertence a outro paradigma. Porque se é útil e poderoso e inteligente interagir com o paradigma cartesiano e o mundo da investigação científica, pode igualmente ser útil lembrar-se de que nós não pertencemos a esse paradigma. Nossas suposições são fundamentalmente diferentes. Descartes pode ser um parceiro maravilhoso de dança, com quem se pode investir tempo e aprender, mas que retorna para uma casa diferente da nossa. Primeiramente, nós precisamos correr riscos, como faz cada disciplina que faz reivindicações a respeito de sua ação sobre a saúde e o bem-estar. É bom e saudável e honesto ser rigoroso e ter nossas reivindicações e opiniões examinadas continuamente. Como filhos de Hippocrates, esta é a grande lição que nós podemos aprender com Descartes - continuar a fazer perguntas difíceis sobre nosso trabalho e sobre o que ele realiza, e convidar outros fazerem o mesmo, e considerar se as respostas mesmo quando elas não vão de encontro a nossas expectativas ou esperanças. Em segundo lugar, isso faz justiça à dra. Ida Rolf e a seu espírito de pesquisadora. Através dela, nós temos nossas raizes em Descartes. A mulher que criou nosso campo ergueu-se profissionalmente no mundo da medicina científica, e sua história é a história dos dois paradigmas, não de apenas um. Valorizar o que ela teve de melhor, e valorizar o espírito que corresponde às origens da Integração Estrutural, significa honrar o melhor de ambos os mundos. Epílogo Quando a primeira metade do século XX chegou ao fim, os dias de glória do Instituto Rockefeller como o centro da investigação médica americana terminaram para sempre. Em 1955, o instituto começou a admitir estudantes de terceiro ciclo pela primeira vez. Sua vitalidade já não poderia ser mantida como uma instituição puramente de pesquisa, e admitir estudantes era um reconhecimento da parte de sua liderança de que os tempos tinham mudado. De alguma maneira tinha se transformado em uma vítima de seu próprio sucesso. Em grande parte por causa da influência do instituto, uma carreira no ensino e a pesquisa tinham-se tornado tão desejáveis que as escolas, com seu diálogo entre o professor e o estudante, se tinham transformado em viveiros da pesquisa. Rockefeller já não poderia competir com as faculdades pelos melhores e mais brilhantes cientistas. Em 1965, mudaria oficialmente seu nome para Universidade Rockefeller. Em seu apogeu, tinha estado no centro de uma revolução na medicina, tinha sido o lugar onde se deveria estar para realizar investigação científica pura em ciências biológicas – a instituição científica mais importante da América. Mas seu momento de brilho terminara. Mais ou menos na mesma época, no final de 1954 e começo de 1955, Ida Rolf ensinou a primeira classe de Integração Estrutural, no lado oeste do rio Mississípi, na Faculdade de Osteopatia e Cirurgia de Kansas City. Na ocasião, chamou sua criação de Dinâmica Postural, e a ensinou aproximadamente no formato da mesma série de dez sessões que ainda estaria ensinando duas décadas mais tarde. De uma maneira inimaginável estava agora em um mundo separado do mundo em que se iniciara profissionalmente, quase quarenta anos antes, no laboratório de química do Instituto Rockefeller. Mas… nessa classe, ela e seus estudantes conduziram dois projetos de investigação, incluindo um estudo sobre os efeitos de seu trabalho em nível do colesterol. Apesar de seu enorme salto profissional, seu trabalho ainda era marcado e estimulado pelo espírito científico, com cada um dos pés apoiados sobre cada um dos dois mundos. Sendo assim, o que vem agora? Ida Rolf cortejou Descartes e então escolheu Hipócrates, mas essa foi a história dela. Agora somos nós que, como profissionais, temos escolhas a fazer. Nós representamos um campo novo, já carregando algumas feridas auto-infligidas, tentando novamente fazer caber as partes em um todo coerente e saudável. Nós conseguimos lutar para nos definirmos a nós mesmos, para definirmos sobre como falar sobre nosso trabalho e sobre como relacionar-se com o mundo mais amplo da medicina e da saúde, que frequentemente não compartilha de nossas sensibilidades, e sobre como adaptar-se enquanto as areias continuam a deslocar-se. Nós encaramos perguntas sobre como e quando nos encontrar na fronteira entre os dois mundos, quando jogar no campo deles, quando permanecer em nosso próprio território, e como permanecer continuamente rigorosos conosco mesmos. Nossas escolhas apresentam-se continuamente. Nós escrevemos nossa história agora.
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