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V Encontro Regional de Ensino de Biologia do Nordeste – V EREBIO/NE Natal, RN – UFRN – 20 a 23 de Agosto de 2013 Eixo Temático 5: História e Filosofia da Ciência JEAN BAPTISTE LAMARCK: EQUÍVOCOS HISTÓRICOS E IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE BIOLOGIA. Rafael Antunes Ferreira (Curso de Especialização em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Estadual de Santa Cruz – EECM/UESC) Mário Cézar Amorim de Oliveira (Faculdade de Educação de Itapipoca da Universidade Estadual do Ceará – FACEDI/UECE) Introdução A evolução biológica constitui um dos temas mais controversos da Biologia. De fato, o conceito de evolução mostra-se permeado por obstáculos epistemológicos, de fundo ideológico, filosófico e teológico (BACHELARD, 1996 apud ALMEIDA, 2010), o que torna sua abordagem em sala de aula particularmente difícil; como também é frequente a análise do tema como concluído, desprovido de contextualização histórica para a compreensão, por parte dos alunos, de como os conceitos foram desenvolvidos ao longo do tempo. A maioria dos livros didáticos de Biologia afirma que Lamarck baseou a sua teoria em dois pressupostos: lei do uso e desuso e lei da herança dos caracteres adquiridos. De acordo com a primeira lei, quanto mais uma parte ou órgão do corpo é usada, mais se desenvolve; já as partes não usadas se enfraquecem, atrofiam-se, chegando a desaparecer. Na segunda lei, Lamarck afirmaria que qualquer animal poderia transmitir, aos seus descendentes, atrofias físicas decorrentes do desuso ou hipertrofias decorrentes do uso. Estudos como os de ALMEIDA (2010) e MARTINS (2000) afirmam que tais teorias eram compartilhadas pela comunidade dos naturalistas da época, e não somente por Lamarck. Um equívoco histórico. Dessa forma, com essa comunicação, a partir do resgate das contribuições para as ciências biológicas, dos estudos de Lamarck, temos o objetivo principal de apontar as possíveis implicações desse conhecimento para a educação em ciências e em biologia. Nossa metodologia constou da identificação de elementos histórico-bibliográficos a partir de fontes secundárias de história da ciência. Apontamentos histórico-bibliográficos sobre Lamarck Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet Lamarck nasceu em 1º de agosto de 1744, em Bizantine-le-Petit. Em 1755, aos 11 anos, foi encaminhado para uma escola de jesuítas onde realizou seus primeiros estudos. Com 16 anos ingressou no exército francês e durante sete anos seguiu a carreira militar, lutando na Guerra dos Sete Anos. Neste mesmo período Lamarck se dedicou ao estudo da flora francesa. Em Paris, após abandonar a carreira militar, realizou estudos nas áreas de Medicina, Botânica, Meteorologia, Mineralogia e Química. Em 1778 Lamarck publicou uma obra de grande importância, a Flore Françoise (Flora Francesa), esta obra teve três edições e uma aceitação muito boa que, segundo MARTINS (2000), ao contrário das obras sobre botânica da época que eram escritas em Latim, a Flore Françoise foi escrita em francês, o que fez com que pudesse ser lida por um público maior. Além disso, apresentava um sistema de classificação V Encontro Regional de Ensino de Biologia do Nordeste – V EREBIO/NE Natal, RN – UFRN – 20 a 23 de Agosto de 2013 Eixo Temático 5: História e Filosofia da Ciência bem mais simples do que os que existiam na época. A inovação introduzida por Lamarck são as chaves dicotômicas para auxiliar na identificação das plantas encontradas na França, eliminando grandes grupos de plantas em cada estágio através de características mútuas exclusivas. Assim, aos 35 anos, obteve prestígio como botânico e logo foi eleito para a Academia de Ciências de Paris. Lamarck ocupou cargos importantes e publicou várias obras, entretanto a maior parte destas atividades não lhe trouxe benefícios financeiros. A partir de 1788 e nos anos que sucederam, Lamarck continuou a ter prestígio e foi nomeado ‘Botânico do Rei’, ‘Guardião do herbário do Rei’ e editor na revista da ‘Sociedade de História Natural’. Após a Revolução Francesa, período que ocasionou uma série de mudanças no meio científico e em suas atividades, o herbário real foi reaberto como Museu de História Natural, e Lamarck, que até então não havia se dedicado ao estudo de animais, foi nomeado seu professor de zoologia. Foi encarregado de organizar as coleções das ordens que o classificador Carl Linnaeus havia chamado de Insecta e de Vermes. Lamarck criou para esses animais um termo distinto ainda usado: invertebrados (SIMMONS, 2002). Quando Lamarck iniciou seus trabalhos em 1793, as coleções do museu tinham 1.500 exemplares. Quando Lamarck deixou sua função, elas contavam com 40.000 amostras correspondentes a 20.000 espécies. Além disso, Lamarck tinha suas próprias coleções, como a de conchas com 50.000 exemplares correspondentes a 13.000 espécies, dentre as quais cerca de 1.000 ainda não haviam sido descritas na época, sendo mais rica do que a própria coleção do Museu de História Natural de Paris (MARTINS, 2000). Até 1799 Lamarck acreditava que as espécies de animais e plantas eram fixas, mas posteriormente passou a defender a ideia que elas variavam no tempo. Segundo Burkhardt (1963 apud MARTINS, 2000) os principais fatores que levaram Lamarck a aceitar a variação das espécies foram o estudo comparativo das semelhanças de conchas fósseis e atuais, o estudo de animais inferiores mais simples de sua classificação, quando percebeu a existência de uma continuidade entre as diferentes espécies e gêneros. Em 1800, ao escrever e publicar os trabalhos ‘Discours d´ouverture’ e ‘Système des animaux sans vertebres’, Lamarck estava convencido de que havia um aperfeiçoamento gradual e que as espécies surgiam umas das outras. Porém, nessa fase, a ciência oficial aceitava que as espécies eram fixas e não apoiava iniciativas que considerassem outras alternativas, como a de Lamarck, que passou a publicar algumas de suas obras com seus próprios recursos. Mesmo assim, continuou a trabalhar até o final da vida, apesar de ter perdido prestígio no meio científico e de ter sido criticado pelos defensores do pensamento fixista que rejeitavam a ideia de transmutação das espécies. Em 1820, com o avanço da idade, desenvolveu uma catarata que acabou por levá-lo a cegueira, quando faleceu em 18 de dezembro de 1829, muitos de seus escritos foram vendidos para pagar os custos de seu funeral. Lamarck, que morreu cego e na miséria, é na verdade um dos grandes personagens da Biologia e permanece como um dos fundadores dessa ciência. Ao romper com a ideia de espécies fixas e imutáveis, a influência positiva de Lamarck sobre o pensamento evolucionário é muito forte (SIMMONS, 2002). Como a maioria dos naturalistas do século XVIII, Lamarck, apoiado em seus estudos geológicos, era um uniformitarista e gradualista convicto, postulava uma imensa idade da Terra, com modificações constantes e lentas (ALMEIDA, 2010). Ao assumir a curadoria do Museu de História Natural (1790), entrou em contato com uma coleção completa de moluscos V Encontro Regional de Ensino de Biologia do Nordeste – V EREBIO/NE Natal, RN – UFRN – 20 a 23 de Agosto de 2013 Eixo Temático 5: História e Filosofia da Ciência fósseis e recentes, posteriormente, a partir dos estudos realizados neste período, estabeleceu a teoria de que os seres vivos existiam em uma forma de gradação – dos primitivos e simples aos complexos. Segundo MARTINS (1997), a ideia de progressão das espécies presente nas obras de Lamarck a partir de 1800 seria regida por quatro leis: a tendência para o aumento da complexidade; o surgimento de órgãos em função de necessidades que se fazem sentir e que se mantêm; o desenvolvimento ou atrofia de órgãos comofunção de seu emprego e; a herança do adquirido. E, afirma também que: Ao contrário da lei “do uso e desuso”, que foi apresentada com um grande número de exemplos, Lamarck expôs esta lei (herança dos caracteres adquiridos) rapidamente, não julgando que ela merecesse uma maior atenção. Por ironia, diversas vezes, a sua teoria tem sido reduzida nos termos desta formulação. Esta ideia não era original e vinha sendo aceita desde a antiguidade, tendo aparecido com Hipócrates e muitos naturalistas antes de Lamarck, até em Spencer e no próprio Darwin. De acordo com FERREIRA (2007), a posição de Lamarck como primeiro elaborador de uma teoria transformista é disputável, nas obras de estudiosos e escritores, como Robert Hooke (1635-1703), Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Erasmus Darwin (1731- 1802), é possível discutir o conteúdo transformista. O que justifica Lamarck como delimitador inicial do período é a grande proporção de sua obra destinada a teoria transformista e o crescente impacto que suas ideias tiveram até o início do século XX. A obra de Lamarck foi base de discussão de muitos temas ligados a evolução biológica, sendo referência teórica, tanto positiva quanto negativa, para os principais estudiosos do período subsequente, tais como o próprio Charles Darwin. Considerações Finais Dois nomes tidos como referência no estudo de evolução biológica são Jean B. Lamarck e Charles Darwin. O tratamento das propostas teóricas de Lamarck e Darwin no ensino de Biologia no Brasil elege o segundo como modelo de aplicação do método científico, relegando ao primeiro a condição de um cientista especulador, tendo a sua teoria deformada, muito distante de sua formulação original. Evidencia-se tal desvalorização do naturalista Lamarck e de sua produção científica desde os livros de Biologia adotados nas escolas, onde as áreas de texto e imagens para este são inferiores as reservadas à Darwin; como também à ideia indireta ou diretamente transmitida pelos livros de confronto entre os dois cientistas e, em alguns livros, ainda se pode encontrar áreas destinadas a relatar somente a biografia de Darwin como personagem único na história da Evolução. A sequência didática estabelecida pelo professor também pode trazer implicitamente a ideia de que não houve contribuições de Lamarck para a Biologia ou, especificamente, para a teoria da Evolução. Isso é perceptível quando o professor despreza o contexto histórico e cronológico dos acontecimentos e os reproduz de forma linear. É possível perceber uma mudança nessa tendência quando se analisa o ensino de evolução nos cursos de graduação em Ciências Biológicas, em que se evidencia a importância do pensamento lamarckista para o início da mudança da visão fixista dos seres vivos, assim V Encontro Regional de Ensino de Biologia do Nordeste – V EREBIO/NE Natal, RN – UFRN – 20 a 23 de Agosto de 2013 Eixo Temático 5: História e Filosofia da Ciência como sua contribuição na teoria proposta posteriormente pelo próprio Darwin – que aborda uso e desuso em sua principal obra ‘A origem das espécies’. Evidencia-se assim, a necessidade da inserção do enfoque histórico e epistemológico no ensino de Biologia, principalmente no que diz respeito às personagens envolvidas na construção de teorias, assim como a revisão dos livros didáticos e da prática dos professores de Biologia, quanto à forma com que certas informações são expostas e acaba por possibilitar uma distorção de fatos relevantes a construção da visão de Ciência dos estudantes. Referências ALMEIDA, A. V.; FALCÃO, J. T. R. As teorias de Lamarck e Darwin nos livros didáticos de Biologia no Brasil. Ciência e Educação. v. 16, n. 3. 2010. p. 649-665. BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BURKHARDT, R. W. The spirit of system; Lamarck and evolutionary biology. Cambridge, MA: Belknap of Harvard University, 1963. FERREIRA, M. A. Transformismo e Extinção: de Lamarck a Darwin. 2007. 152f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia. Universidade de São Paulo. 2007. MARTINS, L. A. P. Lamarck e as quatro leis da variação das espécies. Episteme, Porto Alegre, v. 2, n. 3, p. 33-54, 1997. MARTINS, L. A. P. Nos tempos de Lamarck: o que ele realmente pensava sobre evolução orgânica. Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Grupo de História e Teoria da Ciência, Universidade Estadual de Campinas. 2000. SIMMONS, J. C. Os 100 maiores cientistas da história: uma classificação dos cientistas mais influentes do passado e presente. 2ª edição. – Rio de Janeiro: DIFEL, 2002. 584 p.
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