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Cap_04_Historia_Valencia

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4 UMA HISTÓRIA PARA A NOÇÃO DE VALÊNCIA QUÍMICA 
A noção de valência é um tema ao mesmo tempo controverso e central na história 
da química. Através das diferentes aproximações desenvolvidas para precisar o seu papel 
no desenvolvimento da química, a noção de valência demonstrou ser pelo menos uma 
estratégia metodológica bastante eficiente para aproximação do químico com o misterioso 
mundo interior da combinação química. Essa noção se atreveu a tentar explicar os antigos 
domínios da afinidade química, acabando com isso por produzir uma maneira especial de 
representar a realidade invisível dos átomos e moléculas através das chamadas fórmulas 
estruturais. Como se não bastasse, a valência provocou também o mundo periódico, 
organizando a posição dos primeiros elementos tanto no sistema russo, proposto por 
Medeleev, como no alemão, proposto por Meyer. A partir de todas essas influências, 
alguns professores de química concordam que é impossível dar os primeiros passos na 
disciplina sem ser apresentado a ela. 
Contudo a situação da noção de valência no presente é bem diferente do ponto de 
vista acadêmico. Os avanços crescentes da chamada química teórica, na verdade uma sub-
classe do macro-domínio da mecânica quântica, retiraram da valência seus atributos e 
designaram-na uma função meramente sintática. Assim, o que outrora fora encarado como 
uma teoria fundadora, agora é mormente remetido através de locuções adjetivas tais como: 
elétrons de valência, nível de valência e configuração de valência. 
Em relação a uma evolução temporal restrita, a história da valência pode ser 
dividida, grosso modo, em três períodos. O primeiro, de 1850 a 1870, sendo caracterizado 
pela emergência do conceito e seu desenvolvimento no interior do programa de pesquisa 
da química orgânica. O segundo, de 1870 até 1920, que assinala a influência da 
periodicidade química sobre ela, determinando uma ampla divulgação e utilização do 
 53
conceito tanto no campo acadêmico quanto no didático. E o terceiro, após 1920, que 
assinala a colisão entre os antigos referenciais da noção de valência com os resultados da 
utilização de métodos físicos modernos no estudo da estrutura das substâncias, incluindo-
se o alcance dos preceitos da mecânica quântica sobre os objetos da química. 
Esse trabalho não tratará desse terceiro período, procurando focalizar uma 
apresentação histórica voltada para o que se chama comumente de noção clássica de 
valência, em contraposição à teoria eletrônica de valência que se verifica como um efeito 
do desenvolvimento da mecânica quântica, após 1920. 
A anotação da noção clássica de valência pretendida aqui, não estará pautada pelo 
intervalo temporal indicado anteriormente, em seu lugar recorreremos como ponto de 
partida a uma investigação das origens da noção de afinidade química. Essa escolha 
decorre principalmente da identidade que a noção clássica de valência assumiu com essa 
noção ao longo de sua evolução. Por sua vez, o ponto final dessa apresentação pretende 
trazer à tona as mutuas implicações que ocorreram entre a noção de valência e a 
periodicidade química no final século XIX. A estratégia/organização é mais bem 
identificada como um mapa histórico das idéias que em diversas épocas constituíram ou 
foram constituídas pela noção de valência, preservando sempre que possível uma ordem 
cronológica. Denota-se assim, uma pretensa história das idéias que em diversas épocas 
constituíram o currículo dessa noção. 
Os critérios de escolha para a configuração desse mapa de idéias pertinente à noção 
clássica de valência foram amparados, mas não determinados, pela bibliografia consultada. 
O quadro histórico desenhado aqui é uma história e não a história da valência, ele deve 
apoiar a leitura da análise dos livros que virá posteriormente. Todavia não foi delegado a 
ela, em nenhum momento, um caráter secundário, mas sim o de uma poderosa ferramenta 
na metodologia desse trabalho e de sua proposta. 
4.1 AS PRIMEIRAS IDÉIAS SOBRE AFINIDADE QUÍMICA 
A metáfora mais antiga correspondendo a uma explicação para a transformação da 
matéria recorre aos primeiros mineradores que acreditavam que os minérios cresciam no 
solo como embriões, resultado da união do céu masculino com a terra feminina. Para eles 
os vários tipos de minerais eram uma forma passageira, de gestação natural para 
 54
progressão até o estado mais perfeito, o ouro, que correspondia ao estado mais raro dessa 
união. Procedimentos ritualísticos extremamente elaborados foram desenvolvidos para 
auxiliar a natureza no seu trabalho de transformar minérios simples em ouro puro. Sejam 
como lendas ou simples metáforas, a força dessas concepções pode ser verificada pela sua 
insistência em se manter presente desde a Grécia Antiga, atravessando a Idade Média, até o 
Renascimento. 
Mesmo tendo como referência o caráter místico de suas origens, pode-se inferir que 
os primeiros contatos com diferentes tipos de matéria, através de experimentos controlados 
ou não, indicaram que a ação química – algumas vezes vigorosa e outras vezes vagarosa e 
incompleta – poderia ser devida a forças ou a atrações particulares. Os primeiros químicos, 
no entanto, não estavam interessados em interpretar tais fenômenos por meio de causas 
físicas, ficando satisfeitos com a observação e considerando as causas como manifestações 
de intenções divinas, ou devidas a misteriosos poderes ocultos. Em períodos posteriores, 
chegou-se a considerar que a causa que estimularia a combinação química seria a 
semelhança entre as substâncias. A frase “Similia similibus”35 (Stilmann, 1960), 
personifica um dos mais antigos simbolismos e reflete uma vontade primeira de exprimir a 
causa dos processos de transformação química. 
A palavra afinidade, quando utilizada pelos antigos praticantes da arte36, implicava, 
entre outros aspectos, também a idéia de uma semelhança ou similaridade entre os corpos 
que reagem. Durante o século XIII, Alberto Magno (1193–1280) utiliza a palavra 
“affinitas” com esse sentido quando diz que “o enxofre escurece a prata e queima os metais 
em geral, devido à “afinidade natural que existe entre eles” (propter affinitatem naturae 
metalla adurit)37. Alberto Magno foi o primeiro a demonstrar que o lapis Rubens (cinábrio 
– sulfeto de mercúrio), que se encontrava nas minas de onde se retirava mercúrio, era um 
composto de enxofre e mercúrio (Magno, 1974). Magno descreveu também, com riqueza 
de detalhes, a preparação do ácido nítrico, que nomeava água prima, ou água filosófica no 
primeiro grau de perfeição. 
 
35 Semelhante gosta de semelhante 
36 É entendida aqui como arte toda manifestação vinculada a correntes da alquimia ou tradição hermética e 
que poderia misturar os conhecimentos tanto de iniciados como de artesãos para os mais diversos fins, desde 
a cura de doenças até o charlatanismo. 
37 De Rebus metaliicis, Rouen, 1476. A obra pode ser consultada indiretamente através do site da ORB – 
Online Reference Books for Medieval Studies – disponível em <http://orb.rhodes.edu/bibliographies/ 
almagnus.html> acesso em 14 de outubro de 2002. 
 55
Essa afinidade medieval era plena de características animadas, como se pode 
perceber também a partir da narrativa de Johann Rudolf Glauber (1604-1668) em seu livro 
Furni novi philosophici (1646), quando dizia que a areia possui uma sociedade com o sal 
de tártaro (carbonato de potássio) de modo que eles “se amam tanto que não concordam 
em se separar” (Glauber, 1659). 
4.2 INFLUÊNCIAS DO CORPUSCULARISMO DE ROBERT BOYLE 
Robert Boyle (1627-1691), em seu livro Químico Cético (1661), protesta contra a 
crença generalizada nas idéias de simpatia/antipatia, amizade/aversão,quando associadas a 
substâncias materiais. Para Boyle tais atributos são do domínio da alma humana e não 
podem ser comuns a corpos inanimados. Tanto no Químico Cético quanto no As Origens 
das Formas e Qualidades Boyle critica os modos de explicação que são comuns nos 
séculos dezesseis e dezessete e considera que existem basicamente duas correntes de 
pensamento: os aristotélicos ou peripatéticos e os químicos ou espagiristas38. 
Os peripatéticos usavam os elementos aristotélicos (terra, água, fogo e ar) para 
explicar os fenômenos naturais, de modo que todas as substâncias eram compostas desses 
elementos em diferentes proporções, explicando-se assim as propriedades observadas e os 
comportamentos em termos dos constituintes dos diferentes corpos. Esses elementos não 
eram idênticos ao que se concebe cotidianamente por terra, água, fogo e ar, mas sim 
responsáveis por suas qualidades, ou seja, por propriedades observáveis em seus 
compostos tais como dureza, peso, volatilidade, por exemplo. Já as explicações dos 
químicos dependiam daquilo que chamavam princípios químicos e de seus conceitos 
básicos. Um das idéias mais populares era conhecida como a tria prima39 e se referia ao 
sal, enxofre e mercúrio de forma que todos os materiais consistiam de uma mistura desses 
três princípios em proporções diferentes, e as diferenças nas proporções eram responsáveis 
pelas diferentes características desses materiais. Assim como no caso dos elementos 
aristotélicos, os princípios sal, enxofre e mercúrio não remetiam diretamente às substâncias 
 
38 O espagirista era um alquimista interessado em preparar remédios utilizando as vias da tradição hermética. 
A espagíria precedeu historicamente a corrente iatroquímica (também conhecida como quimiatria) que pode 
ser reconhecida como um conjunto de idéias que explicavam o funcionamento do corpo humano e as doenças 
segundo processos químicos. 
39 A tria prima, conforme professava o maior de todos os espagiristas – Phillipus Aureolis Theophrastus 
Bombastus von Hohenheim, o Paracelso (1490–1541) – era o conjunto dos elementos formadores do cosmos. 
 56
observáveis, mas correspondiam a uma espécie de essência pura que explicava ou causava 
as qualidades observadas nas substâncias40. 
Os argumentos de Boyle procuram indicar que, mesmo a despeito das diferenças 
em seus conceitos fundamentais, peripatéticos e químicos possuíam modos de explicação 
com as mesmas falhas, modos estes divergentes quanto à forma de identificação e 
separação das mesmas substâncias. Descrevendo no livro vários experimentos que não 
podiam ser explicados por nenhuma das duas correntes, Boyle acredita que conceitos mais 
simples e de fácil entendimento aumentam o grau de explanação de um conjunto de idéias 
tornando-o mais abrangente, econômico e claro. O corpuscularismo de Boyle está 
fundamentado nessas idéias41. 
Da mesma maneira que muitos outros membros da Royal Society, Boyle é muito 
cauteloso ao utilizar entidades ocultas, mas considera possível recorrer a alguma coisa 
oculta se esse for o único meio de explicar satisfatoriamente uma propriedade particular ou 
um fenômeno e não haver outro método de confirmar sua presença. Assim, dado seu receio 
de introduzir forças ocultas como causadoras dos fenômenos químicos, sua filosofia 
corpuscular é considerada por alguns historiadores como cinemática (Alexander, 2000). 
Por exemplo, Boyle afirma que ao examinar um fenômeno natural de perto, especialmente 
com o auxílio de recursos óticos, pode-se encontrar que a cor depende de modificações na 
estrutura interna das substâncias e que as explicações mais fundamentais podem também 
depender da estrutura mais íntima das substâncias e de partes muito pequenas delas que 
não podem ser observadas. 
Boyle se sentia atraído pelo antigo atomismo, mas descontente com sua grande 
dependência de raciocínios a priori e hipóteses ad hoc. Mesmo assim, as explicações 
atomistas possuíam para Boyle clareza bastante aceitável, uma vez que recorriam a 
entidades e eventos muito familiares àqueles que podiam ser conquistados pela experiência 
sensível. Uma das correspondências mais peculiares entre o atomismo e a experiência 
sensível estava na possibilidade de entender as evidências atômicas, a partir do 
comportamento das bolas de ‘croquet’, envolvendo simplesmente seu peso, forma, 
 
40 O mercúrio é o agente transformativo, responsável pela fluidez e pela volatilidade. O enxofre é o agente de 
ligação e de transformação entre as substâncias, é o responsável pela combustibilidade da matéria. O sal é o 
agente da solidificação, que é responsável pela forma. 
41 Mesmo antes da crítica realizada por Boyle, o iatroquímico belga Joan Baptista Van Helmont (1577–1644) 
criticou a tria prima em seu livro Ortus medicinae que foi publicado em 1648. A crítica de Van Helmont 
tratava, principalmente, de demonstrar como a análise pelo fogo não poderia ser considerada como uma 
prova final da pré-existência da tria prima nos compostos (Newman, 2000). 
 57
tamanho e movimento. Tais explicações eram simples e podiam produzir os efeitos 
desejados. Boyle desejava obter as vantagens do poder explanatório do atomismo sem cair 
em argumentos metafísicos, apoiando-se ao invés disso na observação e na experiência. A 
fim de marcar claramente as novidades existentes em seu atomismo purificado, Boyle 
atribui, no lugar de átomo, o termo corpúsculo (corpuscule) para sua partícula mínima. 
Outro motivo para não usar o termo átomo era sua associação com o ateísmo42. Os 
corpúsculos eram como pequenas bolas de ‘croquet’ de várias formas que possuíam as 
mesmas qualidades que podiam ser verificadas nos objetos materiais observáveis. Esse 
contexto indicava para ele que somente hipóteses sustentadas por observações e 
experimentos podiam de alguma forma ser significativas para a complementação da 
hipótese corpuscular. 
Para Boyle, o fenômeno químico era entendido como um conjunto de interações 
físicas, explicadas em termos da modificação de um arranjo de corpúsculos chamado 
textura. A textura era uma coleção de corpúsculos arranjados de maneira particular, na 
qual cada corpúsculo era exatamente um igual ao outro (esse arranjo também era chamado 
de matéria universal). As alterações químicas eram devidas ao rearranjo, espaçamento, 
adição ou retirada de corpúsculos na textura. Boyle se refere a sua hipótese corpuscular 
como mecânica, uma vez que procura recorrer exclusivamente a peso, forma e tamanho 
como qualidades. No Químico Cético, Robert Boyle apresenta uma definição para 
elemento, procurando se distanciar do que pretendiam os peripatéticos com esse mesmo 
termo43: 
(...) [o] que entendo por elementos são certos corpos primitivos e simples, 
perfeitamente sem mistura, os quais não sendo formados de quaisquer outros certos 
corpos, nem um dos outros, são os ingredientes dos quais todos os corpos 
perfeitamente misturados são feitos, e nos quais podem finalmente ser analisados. 
(Boyle, 1661) 
É muito importante ter claro que essa definição de elemento de Boyle possui caráter 
de contestação em relação às idéias dos peripatéticos, tendo pouca relação com o elemento 
 
42 O ateísmo pode ser encarado sob o ponto de vista filosófico como uma atitude ou doutrina que dispensa a 
idéia ou a intuição da divindade, quer do ângulo teórico (não recorrendo à divindade para se justificar ou 
fundamentar), quer do ângulo prático (negando que a existência divina tenha qualquer influência na conduta 
humana). 
43 Uma cópia digitalizada do original de 1661 do Químico Cético pode ser obtida na página da Biblioteca da 
Universidade da Pensilvânia,disponível em <http://www.library.upenn.edu/etext/collections/science/boyle/ 
chymist/index.html>, acesso em 14 de dezembro de 2002. 
 58
químico de Lavoisier e quase nenhuma com a noção atual, apesar da insistência de muitos 
autores de livros e revistas em imputar essa simetria. 
O modelo corpuscular de organização da matéria de Boyle caracteriza uma 
afinidade mecânica entre as partículas do corpo químico, mas é muito mais um conjunto 
de restrições empíricas que procurou censurar o uso de argumentos e explicações que não 
recorressem explicitamente ao domínio da experimentação ou da observação. Isso 
implicou na busca de novos dados experimentais a respeito das transformações químicas, 
procurando-se indicar exatamente o que era visto, sem metáforas herméticas, sem 
simpatias e antipatias, mas com tentativas de estabelecer relações mecânicas como 
responsáveis pelas mudanças na organização dos corpos químicos. Contudo, antes dessa 
busca pela ordem a partir da experimentação, um dos alunos de Boyle irá provocar grandes 
mudanças, curiosamente utilizando como referência a mesma doutrina hermética que seu 
mestre havia se dedicado a criticar ostensivamente. 
4.3 A AFINIDADE NA QUESTÃO 31 DO ‘ÓTICA’ DE ISAAC NEWTON 
Um dos esforços mais interessantes e significativos para caracterizar a afinidade 
química teve origem na obra de um físico, talvez o mais famoso deles, Sir Isaac Newton 
(1642–1727). Em seu livro Ótica, Newton fornece na questão 31 (a última de uma série de 
questões propostas ao leitor ao final do livro) uma série de inquietantes provocações a 
respeito de transformações químicas que ele mesmo havia conduzido. 
Não têm as pequenas partículas dos corpos certos poderes, virtudes ou forças por 
meio dos quais elas agem a distância não apenas sobre os raios de luz, refletindo-os, 
refratando-os e inflectindo-os, mas também umas sobre as outras, produzindo grande 
parte dos fenômenos da natureza? Pois sabe-se que os corpos agem uns sobre os 
outros pelas ações da gravidade, do magnetismo e da eletricidade; e esses exemplos 
mostram o teor e o curso da natureza, e não tornam improvável que possa haver 
mais poderes atrativos além desses. (...) Não examino aqui o modo como essas 
atrações podem ser efetuadas. O que chamo de atração pode-se dar por impulso ou 
por algum outro meio que desconheço. (Newton, 1998, p. 274) 
Newton propõe a existência de um tipo especial e específico de força de atração, 
como responsável pela ação química, diferente dos fenômenos de gravitação, magnetismo 
e eletricidade, que estaria sujeita a suas próprias leis e até aquele momento não conhecida. 
A fascinação de Newton pela transmutação alquímica e sua convicção do caráter hermético 
 59
desse conhecimento fez com que ele criticasse um trabalho de Boyle a respeito de estudos 
alquímicos, não pelo assunto mas porque acreditava que o público em geral não devia ter 
acesso a tal conhecimento. Muitas de suas notas em alquimia revelaram sucessos em 
experimentos onde outros contemporâneos haviam falhado, no entanto, o físico alquimista 
falhou em seu propósito de descobrir qual a força que governa os pequenos corpos 
componentes dos processos químicos, as quais procurava submeter à mesma interação que 
age nos grandes corpos. 
O monge croata Ruggero Giuseppe Boscovich (1711-1787), por exemplo, utilizou 
uma tese de Newton, que tratava o corpo químico como sendo constituído por um edifício 
complexo de partículas, podendo este ser modificado pelas reações. Nesse caso, Boscovich 
indica que as forças de atração que atuam no corpo químico são específicas pois são 
determinadas pelo edifício e resultantes da atuação de cada ponto individual que participa 
dele. A dinâmica do sistema idealizado por Boscovich era bastante complexa, de tal forma 
que a porção de uma partícula pertencente ao edifício poderia atrair uma outra, enquanto 
outra porção poderia repelir uma terceira. Nesse sistema, essa partícula última, responsável 
pela ação química, é um centro de força pontual. Com isso, o monge croata pretendia 
unificar todas as ações naturais em torno dessa noção, como indica o nome de seu livro 
publicado em 1758 Uma teoria de filosofia natural – Reduzindo a uma única lei todas as 
forças que existem na natureza44. Boscovitch conclui que mesmo que se constitua uma 
teoria das operações químicas não se conseguiria prever que combinações poderiam ser 
feitas. As origens ou causas dos efeitos que produzem os diferentes tipos de edifícios 
químicos “excedem de longe o poder do espírito humano” (Stengers, 1989, p. 131). 
É patente o traço de semelhança entre os sistemas de Newton e Boscovich, assim 
como foi influente o caminho que abriram para novas possibilidades de uma afinidade que 
poderia incluir entidades até então desconhecidas. 
4.4 AS DIFERENTES FACES DA AFINIDADE QUÍMICA 
A edição de 1732 do Elementa Chemia de Hermann Boerhaave (1668-1738) cita 
extensivamente a questão 31 de Newton e a utiliza para demarcar o domínio de atividade 
da Química: 
 
44 Theoria Philosophiae Naturalis - Redacta ad Unicam Legem Virium in Natura Existentium 
 60
Todas as operações, como conseqüência as que a Química realiza nos corpos 
também, são meras trocas em relação ao movimento. Um corpo pode operar trocas 
em relação ao movimento de duas formas: quando todo o seu tamanho é removido 
de um lugar para o outro, o qual não é considerado pela Química, mas sim pela 
Mecânica; ou quando suas partes são trocadas entre elas mesmas, ou seja, quando há 
uma transposição entre suas partes.(...) por isso a Química pode ser definida como a 
arte de modificar os corpos por dissolução e coagulação (...) separando parte que 
estavam unidas, ou unindo partes que antes estavam separadas (...). (Boerhaave, 
apud Stilmann, 1960, p. 503) 
As trocas assinaladas por Boerhaave não produzem alterações nos elementos que 
constituem os corpos45. Apesar de não haver uma definição específica para o termo 
elemento, com ele Boerhaave quer assinalar o último nível de mudança na organização do 
corpo químico, indicando uma aproximação com as tendências corpusculares da época. 
Boerhaave utiliza o termo affinitas em seu tratado não no sentido dos antigos46, mas 
aplicada a tendência de reagir entre corpos de qualidades iguais ou semelhantes, tal como 
Newton havia proposto. Muitos tratados após Boerhaave usam o termo afinidade como 
atração, no mesmo sentido que Newton, procurando indicar uma atração específica entre 
corpos regentes, e colocam ênfase, preferencialmente, na descrição das limitações e 
regularidades dessa atração do que sobre o entendimento de sua causa última. 
O naturalista francês e famoso matemático Georges Buffon (1707-1788), antecipa 
em 1778 a proposição de que o fenômeno de afinidade química poderia ser calculado pela 
força de gravitação, sendo que a as manifestações dessa ação seriam modificadas pelas 
pequenas distâncias entre as partículas e por suas diferentes formas. Buffon, entende que 
devido ao fato dos corpos químicos estarem muito mais próximos uns dos outros do que os 
planetas, e mesmo apesar da razão 1/r2, a aproximação newtoniana que faz reduzir as 
massas a pontos não valeria na escala das operações químicas. A diversidade e a 
especificidade das reações químicas devem e podem ser explicadas pela diversidade de 
formas dos corpos. Haveria como se calcular as reações químicas. Ao entender as formas 
das partículas que constituem a matéria, poderiam ser deduzidas as afinidades e quais as 
possibilidades de reação. A teoria de Buffon foi apoiada por Torbern Olof Bergman (1735-
1784) e Louis Bernard Guyton de Morveau (1737-1816), entre outros. Na França, nesse 
momento, evidencia-se a procura por uma química racional,enquanto na Inglaterra, talvez 
 
45 “Art goes no farther than to elements (...)” (p. 503). 
46 Dando a entender a semelhança existente entre as propriedades dos corpos que reagem de forma 
semelhante. 
 61
influenciados pela Revolução Industrial, institui-se um químico utilitarista47, preocupado 
mais com a popularização da prática dessa disciplina do que com seus aspectos 
conceituais. 
Durante o século XVIII as atenções estão concentradas na apuração de leis e 
generalizações relativas à afinidade química, começando a surgir trabalhos sistemáticos a 
respeito do comportamento de substâncias através da mesma metodologia – a criação das 
tabelas de afinidade. O primeiro trabalho a ser publicado com essa ênfase pertence a 
Étienne François Geoffroy (1672-1721), professor de Química que apresenta na Academia 
de Ciências de Paris em 1718 um ensaio intitulado Tabela de diferentes Afinidades 
observadas na Química entre diferentes Substâncias48. Geoffroy utiliza como premissa 
para a confecção de sua tabela uma lei básica da época: 
Sempre que duas substâncias, possuindo a mesma tendência de combinação uma 
com a outra, encontram-se combinadas e introduz-se uma terceira que possua maior 
afinidade com uma das duas, a terceira se unirá a esta, deixando a outra livre. 
(Stengers, 1996, p. 127) 
 
FIGURA 4.1 – Tabela de Afinidades de Geofroy no original (Hudson, 1992, p. 49) 
 
47 O Historiador Joseph Bem-David (1974) indica que na Inglaterra do século XVIII mede-se o valor da 
ciência por sua eventual contribuição ao desenvolvimento técnico, econômico e social  Segundo Stengers 
(1996) esta seria uma adequação ao modelo de ciência útil de Fancis Bacon, que imputa seu prestígio mais de 
um serviço prestado à comunidade do que à razão 
48 Table of different Connections (‘rapports’) observed in Chemistry between different Substances (Stilmann, 
1960, p. 504) 
 62
A tabela de afinidades de Geofroy consiste de dezesseis colunas listando 
substâncias por seus símbolos alquímicos. No topo de cada coluna está uma substância ou 
uma classe de substâncias que reage com todas colocadas abaixo da coluna em ordem de 
afinidade, de forma que a mais próxima possui maior afinidade. Uma substância acima 
pode deslocar outra abaixo, mas o inverso não pode ocorrer. 
TABELA 4.1 – Adaptação da Tabela de Afinidades Relativas, segundo Geoffroy (Stilmann, 1960, p. 504) 
A F I N I D A D E S R E L A T I V A S 
ácidos ácido de sal marinho49 ácido nitroso50 terra absorvente 
álcali fixo51 estanho ferro ácido vitriólico52 
álcali volátil53 régulo de antimônio54 cobre ácido nitroso 
terra absorvente55 cobre chumbo ácido de sal marinho 
Metais prata mercúrio 
 mercúrio prata 
Outros dois químicos da segunda metade do século XVIII que dedicaram muita 
atenção à determinação das afinidades relativas das substâncias são Torbern Bergman e 
Guyton de Morveau. Bergman apresentou seu trabalho sobre afinidade na academia de 
Upsala em 1775, e Morveau publicou Elementos de Química, Teórica e Prática em 1777. 
Ambos acreditavam na existência de um valor constante para as afinidades mas 
encontraram muitas dificuldades experimentais quando procuraram obter tais valores. 
Muitas das dificuldades encontradas pelos dois cientistas eram devidas a alterações no 
comportamento de afinidade provocadas tanto pelo excesso de um reagente como pela 
temperatura. Dessa forma, as tabelas construídas eram em muitos aspectos as expressões 
de seus juízos, uma vez que haviam sido obtidas a partir de dados experimentais não 
sistemáticos para as afinidades relativas a temperaturas normais de trabalho. Bergman 
construiu tabelas para a via seca e para a via úmida, reconhecendo assim a influência de 
 
49 Ácido clorídrico (HCl). 
50 Corresponde ao ácido nítrico (HNO3) atual. 
51 Carbonato de sódio (Na2CO3). 
52 Ácido sulfúrico (H2SO4). 
53 Termo muito comumente associado a soluções amoniacais, e.g. hidróxido de amônio. 
54 Os antigos mestres, quando se referiam ao antimônio queriam indicar o respectivo mineral, ou seja, a 
estibina (antimonita) ou sulfeto natural de antimônio. Para distinguirem o mineral do metal designavam este 
último por régulo de antimônio. 
55 Não há fórmula correspondente específica, normalmente associado a carbonatos (incluindo o mármore por 
exemplo), silicatos e sulfatos. 
 63
uma grande faixa de temperatura nos processos que conduzia. Ele dispôs as substâncias em 
49 colunas encabeçadas pelas mais diferentes delas: ácidos, álcalis, “calces”56 de metais, 
etc., ou seja, todas as substâncias conhecidas até aquela época, arranjadas abaixo das 
anteriores em ordem decrescente de afinidade relativa. A partir dessas tabelas, chamadas 
de Atrações Eletivas Simples pretendia-se que os químicos poderiam antever o curso de 
qualquer ação57 entre as correspondentes substâncias. 
TABELA 4.2 – Primeira e penúltima colunas da tabela de atrações eletivas simples de Bergman (Stilmann, 1960, p. 
507) 
C o l u n a 1 
Á c i d o S u l f ú r i c o 
C o l u n a 4 8 
C a l x d e M e r c ú r i o 
Pela via úmida Pela via seca Pela via seca Pela via úmida 
2. barita pura58 barita pura ácido sebácico ouro 
3. potash puro59 potash puro ácido hidroclórico prata 
4. soda pura soda pura ácido oxálico platina 
5. cal ligeira60 cal ligeira ácido arsênico chumbo 
6. amônia pura magnésia pura ácido fosfórico estanho 
7. magnésia pura61 calces metálica ácido sulfúrico zinco 
8. alumina pura amônia ácido lático 
9. calx de zinco alumina pura ácido tartárico bismuto 
10. calx de ferro ácido cítrico 
11. calx de manganês ácido fórmico cobre 
12. calx de cobalto ácido nítrico antimônio 
13. calx de níquel ácido fluorídrico arsênio 
14. calx de chumbo ácido acético ferro 
15. calx de estanho ácido carbônico 
16. calx de cobre 
17. calx de bismuto 
18. calx de antimônio 
19. calx de arsênio 
20. calx de prata 
21. calx de ouro62 
22. calx de platina 
 
56 Qualquer substância obtida por aquecimento forte em presença de corrente de ar, normalmente óxidos. 
57 No sentido de uma combinação química. 
58 Óxido de bário. 
59 Carbonato de potássio. 
60 Óxido de Cálcio. 
61 Carbonato de magnésio. 
62 Não realmente um composto, mas pedaços de ouro sem cor, formados após longa exposição a temperaturas 
elevadas. 
 64
As tabelas de afinidade, e em especial a de Bergman, atraíram a atenção dos 
químicos do final do século XVIII. Lavoisier, por exemplo, ficou impressionado com o 
poder de organização das tabelas e apontava que finalmente a Química encontrava seu 
caminho para uma verdadeira ciência, destacando no entanto os obstáculos que poderiam 
ser encontrados no curso desse caminho. No livro de Richard Kirwan (1733-1812) Essai 
sur la Phlogistique, traduzido para o francês pela esposa de Lavoisier, há uma crítica a 
uma tabela de afinidades feita pelo próprio Lavoisier a respeito das relações de 
combinação de diversas substâncias com o oxigênio. Lavoisier nessa mesma edição 
francesa rebate: 
O Sr. Kirwan, em suas críticas à minha tabela de afinidades do princípio oxigênio 
com várias substâncias, não me julga mais severamente do que eu mesmo, então 
deve ser avisado de que todas as objeções que faz em relação à minha tabela, eu 
mesmo havia feito antes dele, e talvez de maneira mais competente. (Stilmann, 
1960, p. 506). 
Lavoisier admite ter utilizado a estratégia das tabelas de afinidade a fim de 
encontrar regularidades na ação de seu principe oxigéne com outras substâncias, mas 
defende-se expondo que não era ignorante das dificuldades envolvidas nessa estratégia.Primeiramente, ele indica que tais tabelas representam afinidades simples, enquanto 
existem casos de afinidade dupla, tripla e outros mais complicados. Em seguida, a 
influência da temperatura também é considerada, o que complica as combinações através 
da fusão e ebulição dos corpos e altera suas afinidades relativas. De modo a serem obtidas 
tabelas em acordo maior com a experiência, seria necessário fazer uma para cada grau do 
termômetro. Outro aspecto considerado pelo químico francês é com relação a incapacidade 
das tabelas de expressar modificações que ocorrem na força de atração das substâncias 
devido os diferentes graus de saturação que possuem, ou seja, o enxofre e oxigênio 
possuem no ácido sulfúrico diferente atração daquela manifestada no ácido sulfuroso. 
Mesmo ciente de todas essas limitações, Lavoisier aponta que optou pelo uso de tabelas de 
afinidade uma vez que poderiam, ainda assim, ser de alguma utilidade pelo acúmulo de 
experimentos que conseguem organizar. “Talvez, algum dia, a precisão dos dados 
conduzirá a ponto dos matemáticos poderem calcular o fenômeno da combinação química 
de qualquer substância, da mesma forma que calculam o movimento dos corpos celestes” 
(ibidem). Enfim, Lavoisier preferia não depositar esperança totalmente na afinidade devido 
à ausência de dados experimentais confiáveis, e de toda forma, para ele, seria muito confiar 
 65
que esse tipo de instrumental constituísse a base fundamental de uma parte tão importante 
da Química. 
O programa de pesquisa químico se inaugura com uma extensão empirista, onde há 
um grande investimento em atividades experimentais para produção de tabelas de 
afinidades que pretendem fornecer subsídios para o entendimento do que há por trás da 
ação química. Tanto esse frenesi empírico quanto o alerta agnóstico de Lavoisier em 
relação aos perigos de sua adoção indistinta, marcaram as pesquisas posteriores. A posição 
de Lavoisier é na verdade de respeito em relação às afinidades, sendo digno de nota que 
em seu tratado de nomenclatura, ao apresentar a nomenclatura dos sais de vários ácidos, o 
químico francês arranja as bases “em ordem de suas afinidades com os ácidos” (Stilmann, 
1960, p. 510); sendo essa a mesma ordem usada por Bergman na via úmida. 
As antigas noções de matéria não foram simplesmente descartadas, mesmo quando 
reavaliadas à luz do racionalismo. Na verdade, o trabalho empírico pioneiro desses 
cientistas, mesmo quando exposto à luz de uma racionalidade científica, está carregado de 
paixão, ciúme, mistério e espiritualidade, somente não mais de forma hermética como 
preferiam os iniciados. 
4.5 A AFINIDADE POSITIVA DE BERTHOLLET 
Claude Louis Berthollet (1748-1822), nascido italiano de pais franceses, foi 
discípulo tardio de Lavoisier e procurou desprezar na noção de afinidade qualquer atributo 
intrínseco e constante desse ou daquele elemento, mostrando que a manifestação da ação 
química depende de fatores físicos variáveis e externos ao corpo químico: quantidade de 
substâncias, calor, pressão, bem como o estado físico63 dos compostos capazes de surgirem 
da eventual reação. Os enunciados de Berthollet são, ainda hoje, as bases didáticas para o 
entendimento dos processos de dupla troca: 
Todas as vezes que, por dupla decomposição puder formar-se um corpo menos 
solúvel dentre diversos que se acham em presença, esse composto se formará, 
efetuando-se completamente a dupla troca. Todas as vezes que, por dupla 
decomposição, puder formar-se um composto volátil nas circunstâncias da 
 
63 Quanto à influência do estado físico das substâncias, Berthollet persegue o mesmo caminho proposto por 
Bergman, quando assinalou que a reação entre certos corpos se processa de modo diverso conforme ajam no 
estado natural (via seca), ou dissolvidos na água (via úmida). 
 66
experiência esse composto se formará efetuando-se completamente a dupla troca. 
(Garcia Paula, 1950, p. 41) 
Para Berthollet as forças que produzem os fenômenos químicos são todas derivadas 
da atração mutua das moléculas dos corpos, as quais são chamadas de afinidade, com o 
objetivo de serem distinguidas daquilo que ele chamava de atração astronômica. Para 
Berthollet, essas duas atrações, uma inerente aos corpos químicos e a outra inerente aos 
corpos celestes podia ser governada segundo os mesmos princípios. A afinidade, 
entretanto, seria totalmente modificada por condições particulares e freqüentemente 
indetermináveis, ou seja não dedutíveis a partir de um princípio geral, mas que mesmo 
assim podiam ser constatadas sucessivamente. Nenhum desses efeitos que modificariam a 
afinidade de um corpo ocorreria isolado dos outros, de modo que não poderia ser 
submetido a um cálculo. 
O efeito imediato da afinidade de uma substância seria uma combinação, na qual 
todos os efeitos que são produzidos pela ação química são uma conseqüência da formação 
de qualquer combinação. Toda a substância que tende entrar em combinação age pela ação 
de sua afinidade e de sua quantidade, mas não somente por causa delas. 
A ação química de uma substância não depende somente da afinidade que é própria 
das partes que a compõem, e da quantidade; ele depende ainda do estado que essas 
partes se encontram, é pela alteração disso que se pode fazer aumentar ou diminuir 
uma parte de sua afinidade, pela dilatação ou condensação que faz variar a distância 
recíproca. (...) A análise da ação química deve levar em consideração todas essas 
condições. (Berthollet, 1803, p. 3) 
Berthollet minimiza a constituição química como definidora das características do 
corpo químico e procura colocar na disputa o estado de agregação da substância. Essas 
convicções são decorrentes de sua premência pelo visível, o qual revelaria que as 
substâncias quando se encontram dissolvidas tomam parte na ação química de modo muito 
mais efetivo do que quando se encontram no estado sólido. 
Seguindo o caminho do positivismo, Berthollet procura formular uma teoria que 
organize as características peculiares dos processos químicos de transformação. Nessa 
peculiaridade, Berthollet parece querer encontrar também uma forma própria da ação 
química que seja, por exemplo, independente das forças características dos corpos celestes. 
O caminho trilhado por ele é preferencialmente de demarcação dessas interseções através 
de definições de atributos da matéria que seriam totalmente particulares à química. 
 67
O primeiro efeito da afinidade sobre o qual eu fixo atenção, é o que produz a 
consistência das partes que entram na composição dos corpos. É esse efeito 
recíproco das partes em afinidade que eu distingo pelo nome de força de coesão, que 
se torna uma força oposta a todas aquelas que tendem a fazer o corpo entrar em 
combinação. Todas as afinidades que tendem a diminuir a força de coesão devem ser 
consideradas com uma força que lhe é oposta, cujo resultado é a dissolução. (...) A 
ação recíproca que tende a unir as partes de uma substância, pode vir a se tornar 
uma força dissolvente, e sua energia diminui à medida que se aumenta a quantidade 
de solvente, ou aumentada pela ação do calor. (...) A cristalização é um dos efeitos 
mais notáveis da força de coesão, as partes que se cristalizam assumem um arranjo 
simétrico que é determinado pela ação mútua das partes sólida, cujas forças de 
coesão separaram do líquido. (Berthollet, 1803, p. 10-12, sem grifo no original) 
Berthollet procurou proteger o conceito de afinidade das fantasias metafísicas que o 
assombravam, buscando legitimação através de um caráter racional apoiado em dados 
empíricos e da experiência sensível. Agora, não bastava somente a afinidade para por um 
corpo em ação química com outro, outros fatores deveriam ser observados64.4.6 A VALÊNCIA PREMATURA DE HIGGINS 
Em 1789, o químico irlandês William Higgins (1763-1825) foi responsável por uma 
antecipação da noção de valência com fundamentos atomistas quando, ainda estudante de 
Oxford, publicou um livro comparando opiniões contra e a favor da teoria do flogisto. 
Durante suas especulações sobre combinação química, Higgins utiliza um sistema baseado 
em partículas últimas, que são assinaladas em diagramas, procurando explicar as forças 
que as mantém unidas, usando como exemplo óxidos de nitrogênio. Nesse caso, tem-se que 
a força entre a partícula última de oxigênio e a partícula última de nitrogênio é 6,00 
(conforme a figura 4.2), e esse valor é dividido igualmente entre os elementos. Se duas 
partículas de oxigênio se combinarem com uma de nitrogênio, a força 3,00 da partícula de 
nitrogênio é dividida em duas forças de 1,50 de modo que a força que une cada partícula de 
oxigênio à de nitrogênio é agora 4,50. 
 
64 Para Berthollet os outros fatores continuavam provocando modificações na afinidade dos corpos. Em certa 
medida, ele mantinha a afinidade como a causa última da ação química. Essa relação mútua de causa e efeito 
entre um fator e a afinidade era prioritariamente de natureza química, a dissolução de um sólido em um 
líquido era governada por conjunto de ações químicas que poderiam, inclusive alterar a composição química 
da substância em questão. Ironicamente, em 1864, 61 anos depois da primeira edição do Statique Chimique, 
Cato Maxmilliam Guldberg e Peter Waage num artigo intitulado “Estudo a respeito da afinidade” 
formulariam matematicamente, pela primeira vez, as bases da ação química pretendida por Berthollet, que 
acabaria por se consagrar mesmo como uma influência física e não química – a concentração dos reagentes. 
 68
 
FIGURA 4.2 – Diagramas de Higgins para óxidos de nitrogênio (Partington, 1957, p. 167). 
Ao adicionar 3, 4 e 5 partículas de oxigênio, as forças entre as partículas em 
combinação se tornam, respectivamente, 4,00; 3,75 e 3,60. Higgins conclui em seguida que 
a força que resultaria da adição de mais uma partícula a esse sistema, seria tão pequena que 
não seria suficiente para manter as partículas unidas, desse modo, compostos de nitrogênio 
com quantidades relativas de oxigênio maiores do que cinco unidades não deveriam existir. 
Mesmo sendo as idéias de Higgins derivadas apenas em parte de informações 
experimentais, mormente a partir de especulações, e principalmente sem ter levado em 
consideração os pesos relativos dos elementos, sua proposta poderia ter sido um 
“esqueleto” muito promissor, tanto da própria valência, quanto de questões como energias 
de ligação e proporções múltiplas. O momento, no entanto, não era oportuno para um 
atomismo químico uma vez que a química analítica ainda estava em estado rudimentar, e 
assim sendo, mesmo tendo suas idéias bem divulgadas no continente o trabalho do irlandês 
atraiu pouca atenção. 
4.7 A AFINIDADE, O EQUIVALENTISMO E OS ÁTOMOS DE DALTON 
O inglês John Dalton (1766-1844) era ainda um jovem professor interessado em 
estudos meteorológicos, quando teve acesso ao trabalho de Newton e começou a investigar 
o fenômeno da difusão gasosa, o qual apontava problemas para o quadro newtoniano de 
comportamento dos gases. Newton demonstra na proposição 23 do livro II do Principia 
que em um gás as partículas se repelem pela ação da força proporcional à raiz quadrada do 
inverso da distância entre elas, e que a pressão de uma quantidade fixa de gás dobra 
 69
quando o volume é diminuído à metade, obedecendo à lei de Boyle. As descrições 
históricas existentes em muitos livros didáticos apontam o modelo atômico de Dalton 
como um sucessor de Lavoisier e fazem concluir que haveria sido nessa trilha que o 
cientista inglês teria elaborado seu átomo. Mas foram as pegadas de Newton e não de 
Lavoisier que Dalton seguiu inicialmente. Dalton empregou um modelo muito similar ao 
usado por Newton, essencialmente estático, que imaginava o gás como sendo um arranjo 
tridimensional de partículas mutuamente repulsivas e idênticas. 
Dalton não fez nenhum trabalho experimental importante até o final do século 
XVIII, quando se interessou pelo estudo da natureza da atmosfera. Ele verificou que a 
quantidade de vapor d´água no ar aumentava com a temperatura, determinando o mesmo 
comportamento para outros gases. Seus estudos sobre a pressão de vapor da água levaram-
no a rejeitar as idéias de Lavoisier e da escola francesa que indicava que esse vapor estava 
quimicamente combinado com o nitrogênio e o oxigênio na atmosfera, convencendo-se 
mais tarde de que o ar não era um composto químico. Durante esses estudos, em 1801, 
Dalton percebe que a adição de vapor d´água ao ar seco aumenta a pressão total do 
sistema, o que é indicado pelo aumento da quantidade de pressão de vapor. Ele passa a 
entender que a pressão que o vapor d´água exerce na mistura é igual à pressão que seria 
exercida se nenhum outro gás estivesse contido no mesmo volume total, concluindo então 
que a pressão que um gás exerce em uma mistura independe da pressão exercida pelo outro 
gás, e que a pressão total do sistema é a soma das pressões que cada gás exerce 
isoladamente. Está formulada então a lei das pressões parciais. 
Porque a história das pressões parciais é importante para a afinidade? O sucesso na 
descrição desse tipo de comportamento de sistemas gasosos, promove um alerta no 
químico inglês quanto à possibilidade de descrever tais propriedades em função de suas 
partículas constituintes últimas. A física do século XVII postulava que a pressão de um 
sistema gasoso era devida a repulsão de suas partículas constituintes. Para Dalton era 
difícil conciliar um sistema onde só houvesse repulsão entre as partículas do mesmo tipo, 
então ele passa a considerar que as partículas gasosas devem consistir de centros de massa, 
rodeados por uma atmosfera de calórico65. O calórico seria o responsável pela força 
repulsiva, sendo desse modo possível à repulsão entre partículas diferentes. O próximo 
 
65 O calórico era considerado como um tipo especial de substância, responsável pelos efeitos térmicos da 
natureza. Quando se aquecia qualquer tipo de matéria, se estava adicionando calórico a ela. O calórico era 
uma espécie de invólucro do átomo nessa concepção estática da matéria. Para uma consulta detalhada sobre a 
participação do calórico na teoria dos gases, incluindo a participação de Lavoisier, Laplace e Sadi Carnot, 
pode-se consultar Fox (1971). 
 70
passo de Dalton é indicar que diferentes tipos de partículas possuem diferentes tamanhos, 
exercendo assim diferentes forças entre elas. Outra indicação decorrente dessa explicação é 
que, provavelmente, se as partículas possuíam diferentes tamanhos deveriam possuir 
diferentes pesos. 
O primeiro anúncio de sua teoria a respeito dos tamanhos e pesos das partículas 
constituintes dos gases veio num artigo referente à solubilidade de gases em água, lido em 
1803 na Sociedade Literária e Filosófica de Manchester, e publicado em 1805. Nesse 
artigo, Dalton esclarece que o processo de dissolução de um gás em um líquido é 
“simplesmente uma mistura mecânica” e não uma combinação química. O modelo 
mecânico newtoniano anterior, que supunha a existência de partículas gasosas semelhantes, 
indicaria que a água deveria dissolver todos os gases da mesma forma, ou seja, na mesma 
quantidade, mas isso não acontece; essa dificuldade diversificada estaria associada aos 
diferentes tamanhos e pesos das “partículas finais” desses gases. Nesse artigo também 
Dalton apresenta a primeira tabela de pesos atômicos, apesar de não revelar como os teriaobtido. 
 
FIGURA 4.3 – Representação de Dalton para os átomos com seus invólucros de calórico. Note-se que entre os átomos 
semelhantes às linhas de calórico se tocam perfeitamente, havendo repulsão entre eles. Entre os 
átomos diferentes, as linhas de calórico não se tocam, garantindo a mistura. (Dalton, 1808) 
 71
O relato completo, na forma de uma “teoria atômica”, foi dado primeiramente em 
1807 por Thomas Thomsom66 (1773-1852) na terceira edição do seu livro Sistema de 
Química67 e definitivamente pelo próprio Dalton em 1808 no livro Um Novo Sistema de 
Filosofia Química68, onde Dalton substitui suas “partículas finais” pela palavra átomo. Os 
elementos seriam compostos de átomos elementares e os compostos de átomos compostos. 
A forma de combinação entre os átomos nos diferentes compostos, obedecia ao que Dalton 
Chamava de Princípio da Simplicidade, no qual ele postulava que quando dois elementos 
A e B, por exemplo, formam um único composto, este contém um átomo de A e um de B; 
se um segundo composto existir o átomo composto conterá dois átomos simples de A e um 
de B; se ainda um terceiro existir será formado por um de A e dois de B, seguindo-se as 
menores combinações inteiras simples entre eles. Com base nisso Dalton propõe que a 
molécula da água era composta por um átomo de hidrogênio e um de oxigênio. Apesar de 
totalmente infundado, Dalton fez boas previsões com seu princípio para alguns compostos. 
Uma parte significativa do trabalho de Dalton está relacionada ao simbolismo que 
ele criou para seus átomos. Diferente dos símbolos existentes, que possuíam relações 
místicas e alquímicas implícitas, Dalton impunha um significado quantitativo na sua forma 
de representação, que utilizava círculos com desenhos específicos para cada um dos 
átomos elementares. O arranjo dos átomos elementares nos átomos compostos era 
arbitrário mas procurava manter a noção de que átomos iguais se repeliam. 
 
66 Thomsom havia sido convertido para os pontos de vista de Dalton a partir de uma visita em 1804. 
67 System of Chemistry. 
68 A New System of Chemical Philosophy. 
 72
 
FIGURA 4.4 – Representação proposta por Dalton para seus átomos. (Dalton, 1808) 
Os átomos de Dalton não foram aceitos de pronto, apesar do amplo poder 
explanatório que esse modelo oferecia para muitas evidências empíricas surgidas, ou já 
amplamente conhecidas no começo do século XIX. Uma das características singulares dos 
átomos de Dalton, conforme alguns historiadores da ciência (Thuillier, 1994, p. 178), é a 
de exemplificar que uma teoria pode ser utilizada sem que necessariamente sejam 
admitidas como realidade às “entidades teóricas” criadas por ela, ou seja, a adoção prática 
da teoria de Dalton não implicava necessariamente na crença da existência real dos átomos. 
Isso fornece uma medida do tamanho do caráter especulativo que os átomos de Dalton 
carregam. Há uma certa ingenuidade na crença de que os modelos de Dalton são 
conseqüência de uma atividade experimental organizada, bem como também é ingênua a 
crença de que as famosas leis ponderais sejam uma coleção de fatos puramente empíricos e 
teoricamente neutros, que implicam imediatamente nos átomos de Dalton. Na verdade, 
Dalton hesitou entre apostar firmemente nos seus átomos materiais, e desenvolver uma 
coleção de dados empíricos que demonstrassem a relação de quantidade existente entre os 
elementos que participavam de um composto. O vacilo de Dalton fez com que alguns 
atomistas recém-natos abjurassem, e se voltassem para terrenos mais seguros como o 
equivalentismo. 
 73
4.7.1 O Equivalentismo 
O intenso trabalho experimental de Jeremias Richter (1762-1807), e sua obsessão 
por descrever os processos de transformação a partir de relações matemáticas, colocam-no 
como um dos precursores que ajudaram no estabelecimento do conceito de equivalente ou 
peso de combinação. Muito desse trabalho realizado anteriormente foi sumarizado em 
1802 por Ernst Fischer (1754-1831), que produziu uma tabela de equivalentes de ácidos e 
bases, considerando o valor do ácido sulfúrico como 1000. Nessa escala, o ácido 
muriático69 possuía o valor 712, a soda 859 e a potassa 1605. Isso significava que 859 
partes de soda ou 1605 partes de potassa eram necessárias para neutralizar 1000 partes de 
ácido sulfúrico ou 712 partes de ácido muriático. 
Uma das mais graves objeções à teoria atômica de Dalton estava no Princípio da 
Simplicidade. Em 1814, William Hyde Wollaston (1766-1828) que fora um dos primeiros 
adeptos da teoria atômica já havia perdido seu entusiasmo devido às limitações que a 
simplicidade impunha à determinação dos pesos atômicos, propondo que fossem usados 
em seu lugar os pesos equivalentes. Ritcher havia calculado os equivalentes em termos de 
ácidos e bases, Wollaston ampliou esses resultados incluindo sais e outros elementos. Os 
equivalentes de Wollaston usavam uma escala baseada no oxigênio que era assinalado com 
o valor referencial 10, baseado nisso, por exemplo, o hidrogênio assumia o valor 1,32. 
Wollaston indicava em seus trabalhos que não rejeitava a teoria atômica completamente, 
mas considerava que o trabalho de determinação de pesos atômicos era em vão, uma vez 
que havia uma suposição arbitrária que governava às razões pelas quais esses átomos 
combinavam. As opiniões de Wollaston foram muito influentes e muitos químicos 
utilizaram os equivalentes químicos no lugar de pesos atômicos. 
Em 1814 Wollaston publica Escala Sinótica de Equivalentes Químicos70 (Nye, 
1996, p. 36), a qual usava o oxigênio no lugar do hidrogênio como base de referência para 
os cálculos dos chamados pesos equivalentes. Essa tabela foi extremamente popular na 
Inglaterra até a década de 1860, inspirando inclusive o germânico professor de química da 
Universidade de Heidelberg, Leopold Gmelin (1788–1853). 
 
69 Ácido clorídrico, HCl. 
70 Synoptic Scale of Chemical Equivalents. 
 74
4.7.2 Dalton Versus Gay-Lussac e a Molécula de Avogadro 
Um trabalho importante que poderia ter colocado luz definitivamente sobre a 
questão das razões de combinação entre os átomos e nas relações de afinidade dos 
elementos, pelo menos a respeito das reações gasosas, foi apresentado em 1808 por 
Joseph-Louis Gay-Lussac (1778-1850). Por aqueles anos, mesmo Dalton sabia que 
oxigênio e hidrogênio combinavam-se na razão 1:2 de seus volumes para a formação de 
água, Gay-Lussac demonstrou que também em outras reações existem relações inteiras 
entre os volumes dos reagentes e produtos, o que poderia sugerir que volumes iguais de 
gases diferentes poderiam possuir a mesma quantidade de átomos elementares ou 
compostos. Dalton entretanto não concordava, nem aceitava os resultados de Gay-Lussac, 
os quais rebatia a partir do exemplo do monóxido de carbono que segundo essa idéia 
deveria ser mais denso (contendo um átomo de carbono e um de oxigênio) do que o 
oxigênio (que segundo Dalton seria formado por um único átomo elementar), o que no 
caso os dados empíricos contestavam71. 
Foi o italiano Amedeo Carlo Avogadro (1776-1856) que demonstrou que era 
possível reconciliar a teoria atômica de Dalton com os resultados de Gay-Lussac. Partindo 
dos exemplos discutidos no trabalho de Gay-Lussac, Avogadro demonstrou que as 
ambigüidades desapareciam se fosse assumido que as moléculas envolvidas nas reações se 
dividissem em meias-moléculas, ou seja, que se pudesse supor a existência de espécies 
com dois átomos elementares como entidades formadoras dos sistemas gasosos. Avogadro 
não utilizava a palavra átomo, mas sim o termo meia-molécula como seu substituto, além 
de se referir a outros tipos de moléculas:molécula integrante, quando se referindo aos 
sistemas combinados de meias-moléculas; molécula constituinte, referindo-se à molécula 
dos gases como oxigênio, hidrogênio, nitrogênio, etc.; molécula elementar, usada em 
analogia aos átomos dos elementos. Avogadro demonstrou, baseando seus argumentos nos 
raios de combinação e na densidade dos gases, de que maneira a densidade do vapor de 
água poderia ser menor do que a do oxigênio. 
Apesar de suficientemente coerentes e fielmente suportadas por material empírico 
confiável, as propostas de Avogadro foram amplamente rejeitadas. Os químicos 
aparentemente davam nenhuma importância ao artigo de Avogadro, que comumente é 
 
71 A questão aí é que Dalton entendia que o gás oxigênio seria formado por um átomo elementar, quando na 
verdade deveria ser formado por dois. 
 75
encarado como confuso, portador de uma terminologia ambígua e recorrendo a uma 
matemática complexa. A análise de alguns historiadores, no entanto, considera difícil 
desenhar esse quadro, indicando que a terminologia seria nova mas sem nenhuma 
ambigüidade, utilizando uma matemática simples e de acordo com os recursos da prova 
que pretendia obter. A hipótese de Avogadro ainda foi revivida em 1814 por André Marie 
Ampère (1775-1836), mas sem maiores sucessos. 
4.7.3 A Controvérsia a Respeito das Proporções Definidas 
A concepção de afinidade que Dalton possuía não era contrária à de seus 
contemporâneos, onde um sólido era concebido como um sistema mantido pela afinidade 
mútua de pequenas partículas, que no caso de uma dissolução, por exemplo, passariam a 
ter maior afinidade pelo líquido que as dissolveria do que entre elas mesmas, mesmo 
quando estava no estado sólido. As soluções, como sal de cozinha em água e os gases na 
atmosfera, eram consideradas como resultado de combinações químicas conduzidas pelas 
afinidades mutuas dos corpúsculos que constituíam essas substâncias. Uma controvérsia 
central na Química do início do século XIX decorria dessa evidência empírica a respeito 
das soluções. Os químicos queriam saber se haviam proporções constantes nas 
combinações químicas, ou seja, se uma combinação química levaria sempre a uma 
substância com composição fixa. Dalton achava evidente que sim, pois se uma combinação 
não acontecia em proporção fixa não era uma combinação química72. Por Dalton não 
possuir uma formação específica em Química, essa não era uma questão central em suas 
atividades, sua aceitação acerca das proporções fixas era mais uma concepção a priori do 
que um entendimento mais claro das possibilidades de causas desse comportamento. 
O debate acerca das proporções fixas foi polarizado em torno de dois personagens 
franceses: Joseph Louis Proust (1754-1826) e Claude-Louis Berthollet (1748-1822). O 
segundo foi um dos colaboradores de Lavoisier na reforma da nomenclatura química e 
dedicou-se ao estudo da produção de salitre, necessário a fabricação da pólvora. Durante a 
lavagem das rochas nitrosas, observava-se que quanto maior a quantidade de salitre 
existente na água, menor era a eficácia da extração. Berthollet deduz desse comportamento 
 
72 Um dos problemas estava no fato de encararem soluções de sal em água como reações químicas, desse 
modo, a amostra de águas salgadas de diferentes regiões revelava na maioria das vezes proporções diferentes 
de sal na água. 
 76
que a capacidade de um corpo se combinar deve diminuir proporcionalmente em relação à 
quantidade de combinação já obtida. A afinidade química, nesse sentido, passa a ser função 
de um estado físico  quantidade de partículas por unidade de volume  dos reagentes 
envolvidos. Para Berthollet um composto químico não tem uma identidade determinada, 
cada composto é uma mistura particular, que depende de suas condições de produção. As 
proporções entre as quantidades de elementos que integram um corpo químico são 
variáveis. A proeminência dos resultados de Berttholet e seu poder no sistema político 
francês como ministro de Napoleão renderam-lhe algumas tranqüilidades na defesa das 
proporções variáveis. No entanto essa noção seria demolida pelo filho de um farmacêutico, 
durante uma longa batalha. 
Em 1799 Proust analisou o carbonato básico de cobre de ocorrência natural 
(malaquita) e o mesmo produto preparado em laboratório, encontrando os mesmos 
resultados analíticos. Proust demonstrou que havia constância na proporção de composição 
dessa substância assim como em outras, indicando também que diversos metais podem 
formar diferentes óxidos e sulfetos, onde cada um deles apresenta composição constante. 
As evidências empíricas de Proust não convenceram Berthollet, que desafiava Proust 
constantemente. Berthollet citava o exemplo do metal cobre que parecia formar uma ampla 
série de óxidos composição diferente. Proust respondia que isso era devido à formação de 
diferentes misturas de dois óxidos, cada um desses dois com composição constante. A 
disputa entre Berthollet e Proust permaneceu por um bom tempo, a noção das composições 
variáveis, no entanto, era inconciliável com as propostas ponderais de Dalton e foi 
paulatinamente perdendo espaço, considerando-se que somente a partir de 1808 houve uma 
“aceitação geral” das proporções constantes73. Trabalhando em Madri nesse mesmo ano, 
Proust tem seu laboratório destruído quando Napoleão invade a Espanha. As proporções 
definidas foram enunciadas conforme a seguir pelo próprio Proust. 
(...) as propriedades dos compostos verdadeiros são invariáveis, assim como a razão 
de seus constituintes. Em toda sua extensão são idênticos quanto a esses dois 
aspectos; sua aparência pode variar devido à forma de agregação, mas suas 
propriedades nunca. Nenhuma diferença foi encontrada até o momento, entre os 
óxidos de ferro do norte e do sul. O cinábrio [sulfeto de mercúrio] do Japão é 
constituído na mesma proporção daquele de Almadenha. (Freund, 1904, p.137) 
 
73 Deve-se destacar que muitos anos depois foram descobertos alguns compostos, como óxidos e sulfetos de 
ferro II, que de fato podem possuir composição variável. No caso do sulfeto de ferro II, alguns pontos da rede 
cristalina são substituídos por ferro III ou permanecem vazios, causando essa alteração. Esses compostos 
“não estequiométricos” são chamados de Berthollide Compounds. 
 77
Desse modo a lei das proporções fixas se tornou um fato para os químicos. Antes 
disso, a afinidade, conforme derivada da filosofia mecanicista de Isaac Newton, devia 
explicar ao mesmo tempo as ligações que formam um composto químico e a reação. As 
duas questões são distintas agora. As reações podem ser manipuladas em função da 
temperatura e das concentrações, por exemplo. Não se pode no entanto, manipular a forma 
como os corpos simples interagem a fim de formar as substâncias. 
4.7.4 O Unitarismo através da Hipótese de Prout 
Dalton insistia que os átomos de um elemento eram diferentes dos átomos de outro 
elemento. Como a quantidade de elementos crescia durante o início do século XIX, a 
quantidade de átomos ia à mesma medida. Lavoisier havia listado 31 elementos 
originalmente em seu Tratado elementar de Química, já em 1826 a tabela de Berzelius 
continha 49 elementos. Desde os filósofos da Grécia antiga, entretanto, o pensamento 
ocidental dominante apontava para a descrição do mundo material em termos da unidade e 
da simplicidade, o que influenciava uma grande parte dos químicos da época e indicava 
que o grande número de partículas fundamentais, formulados a partir da teoria atômica, 
deveria corresponder a um passo na direção errada. Segundo esse grupo, que sob a égide 
da unidade da matériase opôs ao sistema de Dalton de diversas formas, a natureza deveria 
seguir por caminhos mais simples, ou seja, por trás da multiplicidade de elementos deveria 
haver algo mais fundamental, um princípio unitário. 
O unitarismo orientou os trabalhos do inglês Humphry Baronet Davy (1778-1829), 
que decompôs alguns dos elementos de Lavoisier na busca de um elemento fundamental, 
encontrando substâncias que posteriormente seriam aceitas como novos elementos. Em 
1815 foi publicado no Annals of Philosophy74 um artigo anônimo, indicando que os valores 
das densidades de muitos gases podiam ser colocadas como múltiplos inteiros da densidade 
do hidrogênio. William Prout (1785-1850), o autor anônimo, publica outro artigo em 
seguida, sugerindo que todos os pesos atômicos poderiam ser expressos como múltiplos do 
hidrogênio, que então poderia ser considerado como o protyle, a “substância primeira” a 
partir da qual todos os outros elementos eram compostos. 
 
74 Revista editada por Thomas Thomsom. 
 78
A Hipótese de Prout recebeu consideração por parte da comunidade científica em 
geral, uma vez que o conceito de elemento que estabelecia era suficientemente operacional 
e não havia ainda certeza de como definir se uma substância era um elemento ou um 
composto. Alguns dos trabalhos de Davy sugeriam também que havia presença de 
hidrogênio no enxofre, no fósforo, e em alguns outros elementos, de onde em alguns casos 
os experimentos conduzidos demonstravam que se poderia até recuperar hidrogênio. 
Thomas Thomsom foi um dos que lutou para adequar os números atômicos ao novo 
conceito, seu livro Uma Tentativa de Estabelecer os Princípios Primeiros da Química por 
Experimentos (1825) trazia pesos atômicos baseados na Hipótese de Prout. Para vários 
elementos havia números inteiros múltiplos do peso atômico do hidrogênio. O que parecia 
ser uma evidência a favor de Prout era na verdade uma negligência de Thomsom para 
algumas discrepâncias, as quais ele considerava como erro experimental. Berzelius, a 
maior autoridade em valores de pesos atômicos daquela ápoca, estava seguro que as 
discrepâncias eram reais e que as evidências a favor da Hipótese não podiam ser 
consideradas. Mesmo assim a Hipótese de Prout fazia adeptos de tempos em tempos, e 
mesmo Jean Baptiste André Dumas (1800-1884) utilizou-a como referência em suas 
pesquisas. O início de sua derrocada definitiva foi marcado pelo artigo publicado em 1860 
por Jean Servais Stas (1813-1891). 
4.7.5 O Dualismo Eletroquímico de Berzelius 
Entre os defensores da teoria atômica de Dalton se encontrava o sueco Jöns Jacob 
Berzelius (1779-1848), que em 1813 submeteu o ensaio “proporções químicas”, no qual 
fornecia dados experimentais que suportavam a teoria atômica de Dalton e que propunha 
um novo sistema de símbolos para os elementos atômicos. Berzelius indicou o uso da letra 
inicial do nome em latim do elemento para designá-lo. Quando ocorresse a repetição da 
primeira letra de algum elemento, dever-se-ia usar a primeira letra que os dois elementos 
não possuíssem em comum em seus nomes75. 
Para Berzelius, a causa das proporções múltiplas e das proporções definidas nas 
reações químicas residia nos corpos que são formados por partículas indivisíveis do ponto 
de vista mecânico, que podem ser chamadas de partículas, átomos, moléculas, equivalentes 
 
75 Por exemplo: enxofre (S – sulfur); silício (Si – silicium); antimônio (Sb – stibium) e estanho (Sn – stanum). 
 79
químicos, etc. Seguindo o caminho trilhado por Humphry Davy (1778-1829), Berzelius 
usou as recém criadas baterias para decompor substâncias salinas através da passagem de 
corrente elétrica, depositando assim seus constituintes nos pólos do sistema experimental. 
Desse modo, o químico sueco pretendia associar a força de afinidade química com a força 
de atração elétrica. As fórmulas químicas utilizadas por Berzelius indicavam como os 
grupos de átomos polarizados se mantinham coesos em uma molécula ou composto através 
de forças ou cargas de natureza elétrica. As “fórmulas racionais” para o sal amoniacal76 e 
para o salitre77 (cujas fórmulas empíricas são NH4Cl e KNO3, respectivamente) eram 
assinaladas conforme a figura 4.5 A explicação eletroquímica da afinidade, conforme 
elaborada por Berzelius, ficou conhecida como a “teoria dualística” da composição 
química. 
NH3 • HCl KO • NO2 
sal amoniacal salitre 
FIGURA 4.5 – Fórmulas racionais, segundo Berzelius, para o sal amoniacal e o salitre (Nye, 1996, p. 42) 
O dualismo eletroquímico caracteriza que cada corpo simples ou composto possui 
uma polaridade elétrica cuja intensidade varia segundo a natureza do corpo. Essa carga 
elétrica reside em todos os corpos e seria a causa da atividade química, cuja intensidade 
determina o grau de afinidade existente entre os corpos. O modelo também prevê como as 
reações químicas se darão, bastando para isso classificar os corpos numa escala, em função 
da quantidade de carga positiva ou negativa. O modelo dualístico de Berzelius recebeu 
bastante atenção da comunidade científica, e estava afinado com as descobertas 
experimentais de Michael Faraday (1791-1867) que indicavam a existência de uma 
proporcionalidade entre o equivalente químico de uma substância e a quantidade de 
eletricidade necessária para liberar os elementos constituintes dela78. Estas evidências 
empíricas foram encaradas como uma manifestação contundente da analogia entre a força 
elétrica e a afinidade química. 
 
76 Cloreto de amônio. 
77 Nitrato de potássio. 
78 Os equivalentes eletroquímicos de Faraday poderiam ter auxiliado os químicos na solução do problema dos 
pesos atômicos dos elementos, entretanto, os químicos estavam longe de acreditar na realidade dos átomos. O 
própio Faraday e Davy antes dele, nunca acharam necessário acreditar em átomos, tendo utilizado em seu 
lugar os pesos equivalentes. 
 80
A teoria dualística foi utilizada como munição pesada contra a Hipótese de 
Avogadro. Um dos principais questionamentos residia na impossibilidade de entender 
como dois átomos de oxigênio poderiam formar uma molécula estável, uma vez que íons 
oxigênio são coletados no anodo (pólo positivo) do aparato eletrolítico, indicando assim 
que possuem carga negativa. Nesses termos, os átomos eram encarados como partículas 
que apresentavam cargas, onde os átomos de alguns elementos eram eletronegativos e 
outros eletropositivos. O oxigênio era o mais eletronegativo de todos os elementos e os 
metais eram geralmente eletropositivos. 
A combinação química resultava da neutralização mútua das cargas opostas, 
todavia, o composto formado não era necessariamente neutro dado que as cargas que se 
combinavam não eram necessariamente iguais em magnitude (figura 4.6). 
+ – 
Cu + O → CuO (levemente positivo) 
 
+ – 
S + 3O → SO3 (levemente negativo) 
Os óxidos formados não são neutros e podem 
combinar-se: 
+ – 
CuO + SO3 → CuO • SO3 (atualmente CuSO4) 
FIGURA 4.6 – Mecanismo reacional proposto através da teoria dualista de Berzelius (Ihde, 1984, p. 132) 
O dualismo descreveu com sucesso o modo de combinação dos elementos durante 
algum tempo. Com o advento da Química Orgânica entre 1830 e 1840, a teoria dualística 
se tornou um empecilho para o entendimento dos compostos orgânicos. Alguns cientistas 
concordavam que os preceitos dualistas deviam ser excluídos da obviamente ainda confusa 
química dos compostos orgânicos. Mesmo assim, o pensamento dualista continuou a ser 
popular entre mineralogistas e analistas79. 
 
79 Ainda hoje os vestígiosdas idéias de Berzelius são sentidas na análise quantitativa, onde a quantidade dos 
elementos é demonstrada em termos do óxido no lugar do próprio elemento. Os fertilizantes em geral são 
comprados por seu conteúdo de K2O e P2O5, no lugar de potássio ou fósforo simplesmente. 
 81
4.8 A AURORA DA QUÍMICA ORGÂNICA 
No início do século XIX a Química orgânica procurava encontrar sua identidade no 
interior de uma Química ainda bastante imatura. Lavoisier, por exemplo, já havia pensado 
a Química Orgânica como parte integral da Química, e não meramente como relacionada 
aos organismos vivos, uma vez que os compostos orgânicos eram produzidos por eles. Mas 
essa não era a atitude prevalente no início do século XIX. Berzelius era da opinião de que 
os compostos orgânicos não obedeciam a lei das proporções múltiplas, e mesmo tendo de 
mudar de opinião posteriormente ele não tinha certeza de como posicionar esses compostos 
na Química. 
Leopold Gmelin (1788-1853) foi um dos articuladores desse separatismo através da 
obra Handbuch der theoretischen Chemie em 1817. O livro era uma compilação do 
conhecimento químico da época e mantinha compostos orgânicos e inorgânicos em 
categorias separadas. O motivo para essa separação, segundo Gmelin, estaria associado a 
quantidade de elementos constituintes dos compostos orgânicos em relação aos minerais. 
Os compostos minerais seriam formados prioritariamente por dois elementos, enquanto os 
orgânicos por três80. Ele acreditava que os compostos minerais poderiam ser sintetizados 
diretamente a partir de seus elementos constituintes, enquanto os compostos orgânicos 
requeriam uma planta ou animal para sua produção, sendo o químico capaz de apenas 
executar pequenas modificações em sua natureza. Essa concepção era amplamente 
difundida e conhecida como vitalismo. 
A síntese da uréia por Friedrich Wöhler (1800-1882) costuma ser marcada como a 
“experiência crucial” que provocou a derrocada do vitalismo81, no entanto, nem o próprio 
Wöhler ou seus colaboradores reclamaram a síntese da uréia como o marco da morte do 
vitalismo (Ihde, 1984). O vitalismo na verdade foi perdendo espaço gradualmente à medida 
que o conhecimento sobre novos compostos foi sendo permitido pela expansão de um novo 
e legítimo programa de pesquisa: a síntese orgânica. 
No interior dos grupos que promoviam em ritmo cada vez mais acelerado a síntese 
dos novos compostos orgânicos, a substituição de um elemento por outro era um aspecto 
 
80 Seguindo esse noção, Gmelin colocou compostos orgânicos como metano (CH4), etileno (C2H4), 
cianogênio (C2N2), entre outros, na seção de seu livro que tratava de compostos minerais. 
81 Tanto Ihde (1984) quanto Nye (1996) consideram que a demonstração real da possibilidade de preparação 
de um composto orgânico a partir de materiais completamente inorgânicos foi alcançada por Hermann Kolbe 
(1818-1884) em 1844 quando sintetizou o ácido acético. 
 82
que clamava por uma explicação. Esse foi o berço da noção de valência. Um conjunto de 
teorias que surgiram a partir da explosão da Química Orgânica. 
4.8.1 A Teoria dos Radicais 
Durante seu estudo sobre a natureza dos ácidos, Lavoisier postulou que esses 
compostos fossem espécies binárias constituídas de um radical e oxigênio. Mesmo com 
essa indicação prematura, nenhuma ênfase particular foi dada a essa abordagem estrutural 
até 1828, quando Jean Baptiste André Dumas (1800-1884) e Pierre Boullay (1777-1869) 
sugeriram que os compostos relacionados ao álcool poderiam ser entendidos como 
produtos de adição do etileno (C2H4), assim como compostos amoniacais eram entendidos 
como produtos da amônia. A estruturação dos compostos a partir da teoria dos radicais 
pressupõe que para qualquer substância que se deseja relacionar a um radical, deve-se 
encontrar em sua composição pelo menos uma unidade da fórmula empírica dele (veja a 
tabela 4.3). 
TABELA 4.3 – Comparação entre compostos derivados do radical etileno e amônia (Ihde, 1984, p. 186) 
R A D I C A I S E R E S P E C T I V O S C O M P O S T O S D E R I V A D O S 
Derivados do etileno: C2H4 Derivados da amônia: NH3 
Álcool C2H4, H2O Hidróxido de amônio NH3, H2O 
Éter sulfúrico 2C2H4, H2O Óxido de amônio 2NH3, H2O 
Éter clorídrico C2H4, HCl Cloreto de amônio NH3, HCl 
Éter iodídrico C2H4, HI Iodeto de amônio NH3, HI 
Éter nítrico C2H4, HNO2 Nitrito de amônio NH3, HNO2 
Éter acético C2H4, C2H4O2 Acetato de amônio NH3, C2H4O2 
Berzelius não se mostrou muito entusiasmado com a proposta do radical etileno, a 
não ser pelo fato de que incorporava um certo aspecto dualista. Passado mais algum tempo, 
em 1832, Justus von Liebig (1803-1873) e Whöhler publicam um artigo sobre óleo de 
amêndoas amargas. Em seus estudos, encontram evidências da existência do radical 
benzoil C14H10O2 (na verdade C7H5O). Este trabalho sim impressiona Berzelius, pois o 
radical benzoil contém três elementos, incluindo o oxigênio e se comporta como se fosse 
 83
uma espécie única. Berzelius chega a propor e implementar uma nomenclatura específica 
para esses radicais: Bz para o benzoil, E para o etileno. 
Liebig também desenvolveu estudos sobre ácidos “polibásicos”, nos quais observou 
que esses ácidos possuíam diferentes comportamentos no processo de substituição com os 
metais. Assim, Liebig contornou as diferentes capacidades de combinação dos elementos 
ao constatar que por exemplo um átomo de antimônio era equivalente a três átomos de 
hidrogênio numa substituição, e que um átomo de potássio era equivalente a um único 
átomo de hidrogênio. Segundo a definição de Liebig, um radical deveria apresentar pelo 
menos duas das três características a seguir: 
1. Ser um corpo de constituição fixa que participa de uma série de compostos; 
2. Poder ser substituído nos compostos por um corpo simples; 
3. Poder se combinar com um corpo simples ou com seus equivalentes. 
Um dos pontos críticos na teoria dos radicais era decidir sobre o radical mais 
adequado para responder pela formulação mais abrangente de substâncias ou grupos de 
substâncias. No entanto, durante a década de 1830, novas séries de compostos sugeriram a 
existência de novos radicais. Todos os radicais eram “batizados” por Berzelius. 
Entre algumas crises, ajustes e a consagração de outros radicais como capazes de 
orientar a formulação e a composição das substâncias orgânicas, a teoria dos radicais foi 
muito eficaz para a Química Orgânica. Com ela começou-se a utilizar um radical ou grupo 
de radicais para dar forma e “estrutura” a um conjunto de substâncias. Outro aspecto 
importante da teoria dos radicais estava no valor particular desse modelo no que se referia 
à nomenclatura. A utilização de radicais como “referenciais” para a formulação das 
substâncias facilitou a nomenclatura e procurou dar certa ordem ao crescimento de 
substâncias orgânicas que eram descobertas e produzidas. 
Um dos graves problemas acerca dos radicais era a verossimilhança de suas 
fórmulas, normalmente obtidas a partir de pesos atômicos não totalmente confiáveis. 
Mesmo os cientistas mais proeminentes, não concordavam entre si e adotavam diferentes 
pesos atômicos para o mesmo elemento. Como resultado disso não havia uma 
possibilidade de generalização dos radicais obtidos, uma vez que as fórmulas associadas a 
eles não faziam sentido fora do sistema mássico particular desse ou daquele cientista. A 
tabela 4.4 exemplifica essa dificuldade demonstrando os diferentes pesos atômicos 
adotados por diferentes cientistas. 
 84
TABELA 4.4 – Pesos atômicos dos elementos mais comuns em compostos orgânicos, segundo sua utilização pelos 
cientistas (Ihde, 1984, p. 191) 
D I F E R E N T E S P E S O S A T Ô M

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