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Área do conhecimento: Ciências Humanas Título do Projeto: Representações da Guerrilha urbana no eixo Brasília Goiânia Nome do Orientador: Eloísa Pereira Barroso Matrícula: 1053639 Unidade Acadêmica/Departamento do orientador: Departamento de História Título do Plano de Trabalho: Biografia e memória: representações da guerrilha urbana no eixo Goiânia/Brasília Aluno Geovanne Soares da Silva Matrícula: 140141421 O discurso produzido em um determinado tempo ou espaço tenta demonstrar as possíveis regimes de verdades e/ou construções que o processo histórico é capaz de produzir em uma determinada sociedade. No caso específico, dessa pesquisa procuramos demonstrar as análises das memórias, via discurso de três guerrilheiros que buscaram, a luta pela igualdade social e, principalmente, pela democracia. O processo descrito tem como intento mostrar a luta de alguns guerrilheiros nas cidades de Goiânia e Brasília nos tempos da Ditadura Civil-Militar no país. Esse processo é evidenciado com as interpretações únicas de cada um dos entrevistados, que carregam consigo dimensões do individual e do coletivo no processo de desvelamento de suas memórias. Dessa maneira a proposta desse trabalho é explorar a biografia dos Guerrilheiros Joana, Marina e Pedro 1 , com o intuito de se verificar como as narrativas de cada um deles nos permitem processos de interpretação do período em análise. Isso porque a biografia como fonte liga-se à configuração de uma “carga de significados” sobre a experiência narrada, vivida, sentida e sonhada, pelo sujeito que, embora situada em outro tempo, pelo viés da memória repercute nos dias de hoje na produção de conhecimentos. Por meio da história oral, através do depoimento de sujeitos que participaram dos movimentos de resistência contra a ditadura acredita-se aqui ser possível reunir as representações outras para a compreensão da Ditadura Militar a partir da experiência vivida pelos guerrilheiros. As técnicas de coleta utilizadas foram, além da entrevista gravada em áudio, a pesquisa documental. O fato de as entrevistas realizadas na perspectiva da história oral serem gravadas auxilia na proximidade de exatidão na descrição dos relatos. Assim os relatos orais de memórias biográficas, poderão construir significados sobre si e sobre o outro em um cotidiano político, social e cultural no qual os indivíduos têm de lidar com 1 Os nomes dos Guerrilheiro foram substituídos por nomes fictícios com o intuito de preservar suas identidades. as curiosidades despertadas pelas notícias de um mundo novo e exigências sociais da realidade a que estão submetidos. O trabalho do historiador remete a diversas versões de um mesmo pressuposto histórico. O historiador, segundo Pesavento, precisa saber que a sua narrativa pode relatar o que ocorreu um dia, mas esse mesmo fato pode ser objeto de múltiplas versões. A rigor, ele deve ter em mente que a verdade deve comparecer no seu trabalho de escrita da História como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que ele não será jamais constituído por uma verdade única ou absoluta. O mais certo seria afirmar que a história estabelece regimes de verdade, e não certezas absolutas. A expectativa do historiador – e por certo do leitor de um texto de história – é de encontrar nele algo de verdade sobre o passado. O discurso histórico, portanto, mesmo operando pela verossimilhança e não pela veracidade, produz um efeito de verdade: é uma narrativa que se propõe como verídica e mesmo se substitui ao passado, tomando o seu lugar. Nesse aspecto, o discurso histórico chega a atingir um efeito real. Ainda nesse enfoque, percebe-se que, as diferentes formas pelas quais os indivíduos e os grupos se dão a perceber, “comparecendo como um reduto de tradução da realidade por meio das emoções e dos sentidos”. (PESAVENTO, 2005, p.57). Por isso, para os historiadores o objeto de captura do passado à própria energia da vida é trazido visto que diferentes formas e sensibilidades não comparecem somente no cerne de um processo de representação do mundo e a como correspondem essas mesmas representações. O tempo e a memória, segundo Lucília Delgado, se constituem em vários elementos de um mesmo processo. Tornando-se pontes de ligação, elos de corrente, que se interagem às múltiplas extensões da própria temporalidade em movimento. A memória em si – como forma empírica da experiência e conhecimento – é um caminho viável para que indivíduos percorram a temporalidade de suas vidas. A memória carrega consigo um valor simbólico e individual. No caso presente, a ditadura é o período em que essas memórias – dos guerrilheiros – foram construídas. A memória é construída através de imagens, assimilações de um passado, fazendo correlações com o presente. As memórias construídas através dos guerrilheiros nos ajudam a formular uma base de estudos de um determinado período da história brasileira e, com isso, analisar – mesmo que em visões individuais – uma história presente e coletiva. Essa história é dada graças à memória e as representações que cada indivíduo traz consigo, fazendo assim, uma relação entre as vivências dos mesmos e relatos analisados com a história do período em questão. Essas representatividades únicas e individuais podem ser capazes de criar uma memória que possa ser aplicada para um estudo em que essas mesmas representações são o objeto principal da pesquisa. De acordo com Baczko, o conflito no âmbito pessoal seria capaz de levar os indivíduos a produzirem novas formas, novos mecanismos de combate no próprio plano imaginário para atingir um objetivo. O imaginário, então, pode ser entendido como uma construção pessoal da memória e das representatividades de si mesmo com o mundo. Essa representatividade é fulcral para o entendimento do conceito de imaginário social em que os concorrentes se valeriam do processo de disforização da imagem do seu adversário (concorrentes no tempo histórico), assim tornando este ser um ilegítimo perante o meio social. Ao mesmo tempo em que procurariam uma forma de reconhecerem a si mesmos a sua figura perante o grupo, visando, assim, legitimar a sua superioridade e autoridade. (BACZKO, 1985). Backzo ainda diz que o imaginário produz um importante peso sobre as esferas política e social. Joana, nascida no ano de 1950 em Itaberaí filha de Dona Sebastiana e de Seu Raimundo, vivenciou um Brasil que no ano de 1964 passou por uma transformação política radical com o Golpe Civil Militar. Foi o ano do cerceamento dos direitos políticos e sociais. Mas para Joana foi também o ano em que ela se envolveu na sua primeira atividade política de contestação ao regime instaurado. Em seu relato, onde mistura memória individual e memória coletiva, fala acerca da dureza que era de viver em um período ditatorial e que, com toda certeza não era fácil. [...]eu participei da VAR-PALMARES que é o que é da.. que a Dilma participou também. Mas isso, é o seguinte, era um ideal nosso, a juventude querendo mudar o mundo, e até hoje eu tenho vontade de mudar o mundo (risos) mudar tudo, mas e naquela época, nós fazíamos com idealismo assim bem...[...] O principal era a ditadura né? Que nós vivíamos num regime bem.. era ditadura mesmo, nós não podíamos nos reunir, 10 pessoas aqui, se tivesse ali numa esquina você era preso, chegava a polícia falando: uai o que vocês tão fazendo? Então era muito duro, a gente não podia conversar nada, não podia conversar, não podia passear, não podia nada, não podia ir ao cinema, tudo... tudo era controlado, era censurado, censura mesmo. Essa liberdade que vocês tem hoje... Nossa! Gente, issoaí a gente não podia fazer nada mesmo, nada, então a ditadura era dura. Você realmente, da vontade, se voltar um dia, vocês viverem um regime desse, vocês ficam com vontade de sair daquilo, não tem lógica a pessoa te prender, te censurar sem poder falar né?![...] (Informação verbal, entrevista concedida no dia 04/02/2016 na residência de Joana com duração de duas horas) Os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade, fazendo com que os homens (seres humanos) desse tempo percebam a realidade em que se inserem e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coerciva, bem como explicativa do real. Ou seja, o propósito dessas mesmas análises tem o papel de “decifrar a realidade por meio das suas representações, tentando chegar àquelas formas, discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressam a si próprios e o mundo.” (PESAVENTO, 2005). Isso fica latente nas palavras de Joana [...]a guerrilha acho que fez isso.. e hoje.. hoje vendo os filme né, que já tem sobre isso, sobre a guerrilha, acho que é isso mesmo, naquela época foi um amor assim que nasceu na juventude né.. sabe? Pelo ideal de sair daquela ditadura.. porque é difícil.. a ditadura é uma coisa assim que... olha o que eles faziam... e ainda existe essa ditadura ein, vocês podem saber que Lula pode ser preso por causa da ditadura.. então, a coisa não pode.. é uma coisa.. não quer liberdade, é incrível como a pessoa... liberdade é uma coisa muito difícil.. tem gente que não aceita mesmo, sabe?! Tem gente que quer isso e tem outros que não querem mesmo, aceita. E essa corrente existe mesmo.. ta aí.[...] (Informação verbal, entrevista concedida no dia 04/02/2016 na residência de Joana com duração de duas horas) Seria através das imagens criadas de si, em uma determinada época, que uma sociedade manifestaria e esconderia as suas intenções, bem como o lugar que lhe caberia naquele contexto histórico (BACZKO,1985, p. 303). Marina, através dos fragmentos de memória nos relata o processo de esquecimento e rememoração. [...]Como eu disse.. é.. eu apaguei isso por mais de vinte anos, eu não falava nisso, entendeu? Falei uma única vez com um professor da unesp que era companheiro do paulinho, né? [...] e o que que eu posso falar?.. a gente tinha a união das mulheres e eu tava lembrando dos termos, era tudo assim .. pela, sei la não sei se um linguista for estudar, mas era assim: colaboração, união, a terminologia era sempre assim de compartilhar tudo, quando a gente fala assim de compartilhar, mas é no sentido meio... não é no sentido, como que posso falar... é.. de compartilhar vivencia e ficar junto e tal, você compartilha pensamentos, compartilha também.. não sei tem uma diferença entre essa coisa da tecnologia hoje né e.. o que era pra gente.. acho que essa palavra não existia, compartilhar na verdade né?... era união, era colaboração, era todo mundo junto, unidos né? E... e isso machucou as mães, machucou a gente, mas a gente tinha é.. certeza que ia conseguir ajudar os mais desfavorecidos né?![...] (Informação verbal, entrevista concedida no dia 09/04/2016 na residência de Marina com duração de duas horas) As imagens construídas pelos guerrilheiros são parte fundamental para se entender a vida de cada um, a luta de cada indivíduo, e as conquistas causadas por essa mesma luta, que na perspectiva do discurso produzido nos rastros da memória se diferenciam. Além disso, essas imagens – que partem do imaginário – são essenciais para o entendimento do coletivo que os homens, em todas as épocas, construíram para si mesmos, dando um sentido ao mundo. Essas mesmas imagens – representadas, aqui, pelos guerrilheiros – são frutos do imaginário. Esse imaginário é a nossa capacidade de entender a qual contexto vivemos, quem somos, e que atos deveríamos deixar ou não de fazer. Segundo essa imaginação, Baczko1985), afirma que a imaginação é a faculdade específica em cujo lume as paixões ascendem, sendo a ela, precisamente, que se dirige à linguagem “enérgica” dos símbolos e dos emblemas. Emblemas que podem ser coletivos e também individuais, novamente. As imagens criadas e suas respectivas memórias serão distintas e fundamentais para a construção do ser em si perante um determinado período da história. Essas representações serão fulcrais para o entendimento de toda uma sociedade. As memórias prevalecerão numa perspectiva individual para cada narrador, mas estarão vinculadas ao coletivo. Por isso temos várias “imagens” criadas do período ditatorial do país. Essas mesmas imagens podem ser criadas pelos guerrilheiros – que no caso são os entrevistados – por militares e militantes, ou seja, diferentes agentes históricos produzindo diferentes imagens e memórias históricas. A história é feita por diversos olhares e por diversas interpretações. Cada período histórico possui as suas formas singulares de “imaginar, reproduzir e renovar o imaginário, assim como possuem modalidades específicas de acreditar, sentir e pensar” (BACZKO, 1985, P.309) Pedro, guerrilheiro, têm 66 anos. Nasceu em uma cidade chamada Firminópolis no Goiás. Criou-se em Goiânia e em Brasília. Viu Juscelino inaugurar a cidade de Brasília e morou na mesma dos anos de 1960 a 1964. Em 1967, Pedro, viu o primeiro movimento político de sua vida em uma passeata pedindo a saída da ditadura civil- militar. Em 68 se torna presidente do grêmio estudantil e começa aí a sua experiência em luta contra a ditadura. Para explicitar melhor essas representações dos guerrilheiros em sua vida cotidiana na época da resistência da ditadura, Pedro, que claramente se via “arrependido” de ter participado de uma guerrilha urbana que pra ele, agora, era desorganizada e despreparada para a luta da guerrilha de fato, concorda que, no fim das contas obteve derrota e não atingiu os seus reais objetivos: [...]Então é assim, tentou se organizar mas eu acho que não deu tempo, sabe, quando ia começar um ia preso, outro morria, aí cansava, então, não...não chegou a ter uma organização. Isso fez estudo, fez reunião, tentou encontrar caminhos e tal, mas eu tenho impressão que a estrutura do movimento era precária, né, assim, jovens, despreparados, contra um inimigo muito forte, né, e preparado, né, com apoio dos EUA e tal, então é, não tinha como vencer aquele aparato, não tinha como. Quem teve essa ideia, não foi boa, entendeu, de começar o movimento guerrilheiro com aquelas condições, né, uma das vezes acho que foi Carlos Marighella né, então é, po, comparar vocês dois aqui vai lá e assalta não sei o que, sabe, não tem condições, não tem preparo, né, não tem jeito. [...] mas foi uma coisa relâmpago, guerrilha urbana no Brasil é um movimento relâmpago, inclusive. Começo de 69 até 71, ou 72, se você for ver, pesquisar, tem uma ou outra açãozinha, né, mas em 69 que teve mais força, foi mais ou menos de 1 ano de duração, então isso é pouco pra um movimento, né, quer dizer, a guerrilha na Colômbia tá completando agora 50 anos, né, então vai ser essas coisas né, tudo desorganizado, estrutura pra isso e praquilo, né, tem 50 anos de vida. Mas a nossa aqui, durou muito pouco. [...](Informação verbal, entrevista concedida no dia 22/02/2016 na residência de Pedro com duração de duas horas) Para Pedro o movimento não alcançou os objetivos necessários para uma real mudança no país e, além disso, acha, agora, que perdeu tempo, afinal, além de não conseguirem o que queria, tinha sofrido bastante ao se juntar a causa e culpa a sua juventude por não ter sabido fazer a escolha “certa” e preferiu se juntar a uma causaque desde o seu início já era uma causa “perdida”. Marina foi para a guerrilha muito jovem. Saiu de casa antes mesmo dos 18 anos. Nascida em Goiânia, não voltou mais desde aquela época. Emancipada aos 16 anos para poder casar-se, Marina teve uma vida agitada devido à luta contra a ditadura no Brasil. Se viu clandestina por algum tempo e participou de algumas importantes ações dos que participavam da resistência, das quais podemos citar a ação no citybank com uma explosão caseira na frente do banco americano em Brasília. Marina escondeu sua história e trajetória por mais de 20 anos. Marina, que com toda a sua empolgação, reconhece em seu íntimo individual a vitória da democracia, contrapondo-se a essa visão que Pedro obteve em sua vida como guerrilheiro. Para ela os homens sofreram mais e têm mais receio em falar abertamente sobre o que passaram e o que fizeram, já as mulheres conseguem se expor de maneira mais livre. Por isso tenderiam a falar mais abertamente sobre a sua vida e seu cotidiano na guerrilha que aconteceu em Goiânia e Brasília. [...] não sei.. o Pedro, talvez essas coisas que ele faça, faz hoje em dia talvez seja uma forma de renegar, então eles acham que foi tempo perdido? Aah... Será que é da mulher pro homem ou o jeito de viver a vida, de achar que é de uma forma pessimista. Mas, vai ver que fazendo uma terapia e pensando.. porque assim, cada coisa que você vai vendo, o filme do Chico Buarque essa coisa da democracia chama muito atenção... gente mas é isso! Valeu a pena!.. mas o Chico me ajudou muito, sinto falta de ir ao cinema [...] sinto que morar nessa roça me afasta um pouco do conhecimento né? (risos) mas é... foi muito bonito ver o chico falar isso, a democracia venceu! Então agora nós estamos aqui no Brasil vivendo a democracia, sabe? E eu acho que nunca tinha.. acho que falando com vocês aqui que eu fui reelaborando assim essa... não sei se ajudei. [...](Informação verbal, entrevista concedida no dia 09/04/2016 na residência de Marina com duração de duas horas) “A complexidade integrante à noção de tempo refere-se às temporalidades múltiplas que se enlaçam, uma vez que as experiências vividas e a História em transformação são conformadas por processos e acontecimentos” (Neves, 2010). A história abarca vivências individuais ao mesmo tempo que incorpora manifestações do coletivo. Essas duas dimensões, quando acopladas, unem-se em únicas experiências e dinâmicas que se reconstroem com o passado em detrimento de representações do presente. Nas falas dos guerrilheiros é possível reconhecermos os “substratos” de um tempo histórico em que se é possível encontrar culturas diferentes, representações individuais, modos de vida e valores como fica explícito nos fragmentos de memórias dos depoentes quando eles rememoram o cotidiano da guerrilha. Michael Pollak, em sua obra intitulada, Memória, esquecimento, Silêncio, evidencia e analisa indicadores de memória coletiva e suas abordagens acerca de formação de uma identidade histórica. Ele analisa, em primeira instância, para o que é palpável, que é material; e a segunda refere-se à cultura imaterial, não palpável. Logo, a história oral, utilizada neste artigo, é útil e uma ferramenta para esse processo de construção de uma identidade local, além disso, legitima e constrói uma identidade de memória em detrimento da interligação dessas ferramentas. Por meio da história oral, através do depoimento de sujeitos que participaram dos movimentos de resistência contra a ditadura é possível reunir as representações sobre sua trajetória no período até o processo de redemocratização brasileira. A memória é um fundamental para o autoconhecimento do homem como sujeito da sua própria história. Referente a isso, Marina fala de sua experiência do pós-guerrilha: Eu acho que foi tanta.. muitas formas né?! Assim, eu, por exemplo, todo mundo atrasou os estudos ,sabe? Perdeu emprego, é foi um prejuízo assim grande, tanto no lado profissional, quanto no lado do dia a dia e eu acho que foi até pra voltar a trabalhar e pra voltar a acreditar, ter energia pra fazer as coisas né? Acho que foi difícil, depois as pessoas foram se.. cortando caminhos né, eu acho que todo mundo ficou muito marcado, você falou que o alan foi difícil fazer entrevista né, e eu também tava assim... é, porque é duro, sabe? Eu acho que alguém deveria fazer um estudo sobre quem foi pra televisão e falou coisas que na verdade não acreditava né, só por conta de porrada... né. Não é que acreditava, não tava abrindo mão, sabe?! [...]Quando eu falei que dois lados a gente começou a se sentir perseguidos, de repente você não tinha espaço no mundo..[saindo da guerrilha] é, por exemplo, você encontrar o cara que quer dar porrada porque você foi pra televisão, sabe?! Não! E ficou marcado, porque, por exemplo, quando eu casei com o Paulinho, ele tem um irmão que contou pra família, porque você imagina, se eu já me escondia aí fiquei mais preocupada ainda. Contou pra família que eu tinha sido casada com um cara que tinha ido pra televisão e negado tudo que tinha sido feito. Quando o Paulinho me contou isso fiquei tão puta sabe?! As pessoas só pegam isso, não vê o contexto que fez, o que conseguiu, aquela coisa que dá pra.. o próprio guerrilheiro, o rafta era um. [] Você fica criminoso pros dois lados, você é um perigo pra todos os lados né? Então.. eu como saí de Goiânia, saí de tudo, fui pra outra mundo né? Não tinha porque ficar falando disso né? Sabe? Talvez porque.. até hoje em dia eu tenho contato com a Joana e foi importante ficar lembrando coisas e talvez seja importante ficar falando disso, mas até então ninguém... importante até pra você refazer toda a análise né? Fazer e se sentir melhor com relação a isso.(Informação Verbal) (Informação verbal, entrevista concedida no dia 009/04/2016 na residência de Marina com duração de duas horas) Thompson (1981,p. 15) analisa em sua obra a noção de experiência, que segundo ele, é fundamental para o historiador. A experiência, compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou até mesmo de um grupo social. Isto é, está relacionado a muitos acontecimentos que se interligam ou a várias repetições desse mesmo tipo de acontecimento. Além disso, para o autor, a experiência é um termo de correspondência, ou seja, se interligam em seu caráter teórico e o material empírico, portanto, o objetivo é fazer com que o relevo sobre essa mesma noção de experiência é com que homens e mulheres atuem como sujeito em determinadas situações. De acordo com Benjamin, a importância da informação estaria na valorização da experiência, do saber que estaria próximo não só local, mas temporalmente, do que um saber que tivesse sido originado longe, pois “[...] o saber que vinha de longe – do longe espacial das terras estranhas, ou do longe temporal contido na tradição –, dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência [...].” (BENJAMIN, 1994a, p. 202-203) Assim, é possível afirmar, a partir de Benjamin, que a valorização da narrativa memorialística é o que permite ao sujeito comunicar a experiência. Os seres humanos, como sujeitos de suas histórias, são responsáveis por produzir e reproduzir acontecimentos e mudanças. Podem, também, construir referências e até mesmo destruí-las. Podem reafirmar destruir ou contestar o poder e podem, ainda, se auto afirmar perante o coletivo em que estão inseridos e reafirmar ou não a sua liberdade. Joana nasceu em 1950. Viveu em poço de Goiás. Quando foi para Goiânia conheceu o movimento de estudantes da qual participaria mais tarde. Começou no movimento estudantil,o DCE, e quando menos esperava já estava participando do movimento de guerrilha. Esse movimento tinha nomes conhecidos hoje em dia como o de José Dirceu, Genoíno e Dilma Rouseeff, era o movimento VAR-PALMARES. Quanto à sua representatividade, é possível verificar nos fragmentos de memória de Joana algumas consequências de ter participado de um movimento que, pra ela, a fez acreditar no mundo e a crescer como um ser pensante e agente de seu próprio tempo. Ela não se arrepende e suas construções de memórias imiscuídas de história a fez ser uma pessoa mais feliz e compromissada, em sua vida pessoal, bem como na sua atuação enquanto sujeito político. [...]Aaah.. eu acho que o que influenciou muito foi o jeito de viver.. a partir daí. Sempre quis ta no movimento, comecei a participar do movimento rippie, comecei a fazer outras coisas diferentes.. e acho que foi só por isso que eu já tinha conseguido participar dali, e eu não vou voltar nessa história de ficar de lero lero e vou fazer outra coisa então... e aí, nós participamos.. fomos pra... agora fomos resolver, vamos ser naturalista. Aí fomos pra uma ecologia.. pra uma outra coisa... mas sempre participar de alguma coisa. E isso foi o que a guerrilha deixou, porque esse movimento ele deixou em todo mundo que participou, você pode ver, ou ele foi ser escritor, ou ele foi ser não sei o que.. mas foi ser.. foi participar de outro movimento viu?! Sempre foi participar de alguma outra coisa.. é que é um movimento assim... depois meus filhos de eles também.. aah algumas coisas malucas tipo, não vai pra escola não, só te ensinar coisa picareta.. aí a menina aah mas eu quero estudar e aí a gente põe na escola, mesmo depois de velho né?! Quer dizer... tem umas coisas assim que eu falo que não arrependo por isso, porque acho que foi bom porque abre a cabeça da gente sabe?... e sempre... sempre sabendo que política é a base, você tem que né... a pessoa.. eu acho assim, pode ter religião.. não tem problema.. porque aí no seguinte, naquela época era o comunismo.. o comunismo mata criancinha, come criancinha, aquela coisa de comunismo e que nada né? A gente vai estudar o comunismo e aí você vai ver o que é socialismo e o que é comunismo né e fica aquela coisa né... eu acho que foi o que me deu isso.. na minha família eu vejo assim... assim.. participo mais das coisas por isso, porque participei do movimento.. porque acho que todo mundo tem que participar de alguma coisa, de alguma forma.. estudar, fazer qualquer coisa. Mesmo estudando você tem condições de fazer alguma coisa.. e claro, não é?![...] (Informação verbal, entrevista concedida no dia 04/02/2016 na residência de Joana com duração de duas horas) Nos rastros das narrativas aqui colocadas é possível perceber que a evocação de memórias individuais e coletivas desperta vestígios de vivências e sensibilidades, o que permite a constituição de um sentimento de pertença nos que vivenciaram a ditadura civil militar. As representações assentes no fio da história tecida nas palavras manifestam/representam zonas de conflitos, geralmente por poder ou pelas representações desse poder, o que acaba por selecionar memórias e criar identidades. Assim os indivíduos por meio da experiências vividas no processo de luta, via Guerrilha no eixo Brasília Goiânia extrapolaram os destinos marcados e foram capazes de produzir identidades diversas com subjetividades que escapam ao enquadramento em sistemas sociais homogeneizante e pré-definidos a priori pelo pesquisador. Enfim, reviver memórias é uma possibilidade de se ler o passado como lugar de experiências de outros sujeitos que nos antecederam é com eles estabelecer um diálogo para a compreensão do presente. Referências Bibliográfica AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta de Moraes. (org.). Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro. FGV, 2002. LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. AVELAR, Alexandre. A Biografia Como Escrita da História: Possibilidades, limites e tensões. Disponível em: http://www.ufes.br/ppghis/dimensoes/data/uploads/Dimensoes- AlexandreAvelar.pdf BACZKO, Bronislaw. 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