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1 
 
___________________________________________ 
O ESTADO DE EXCEÇÃO, A CONCEPÇÃO FRANCISCANA DE USO E A COMUNIDADE QUE 
VEM – CONCEITOS À LUZ DO PENSAMENTO DE GIORGIO AGAMBEN. 
Por: Bruno Carvalho Garcia de Oliveira 
Prof.: Douglas A. dos Santos 
 
 
O presente trabalho visa, além de tentar elucidar as questões propostas pela 
avaliação, percorrer um caminho do direito romano arcaico, na figura do Homo sacer, a 
entender a noção de estado de exceção junto à concepção franciscana de uso. Ao final, 
pretendo tecer algumas compreensões acerca da comunidade que vem. Almejo, ainda, propor 
as questões em forma de ensaio abrangendo conceitos como dispositivo, vida nua, oikonomia, 
biopolítica, conceitos estes que envolvem uma trama entre direito, poder e vida – 
consideradas palavras-chaves ao pensamento de Agamben. 
É inegável ao estudo do direito romano arcaico seu conjunto cultural. Situado num 
contexto multicultural devido à formação de primitivos povos1 indo-europeus e, por isso, 
transitava numa variedade de direitos vinculados a tais povos. A cada povo, podemos dizer, 
haveria um direito indissociável de uma religião estritamente doméstica. Falamos de uma 
religião domesticada porque, naquele contexto, os deuses eram ligados às famílias. A religião 
dentro dos muros de cada lar é conformada aos limites familiares sem haver quaisquer 
indícios de regras uniformes ou de rituais comuns. Pelo fato dos deuses serem ligados a cada 
família, a religião torna-se algo muito próprio sendo ‘chefiada’ por seu sacerdote, o pater, 
onde não lhe havia nenhuma estrutura superior hierarquizada. A propagação de sua religião 
dava-se através das gerações. 
A família antiga (ou primitiva) desenvolve-se e funda-se nas crenças religiosas. Na 
verdade, confundem-se. A cima da figura do pater só há a sua própria religião e os deuses-
lares. À esta figura do sacerdote, do chefe de família, exercendo seu papel de pontífice, é que 
se designava o poder de fazer e aplicar o direito. Sua esposa aparece, apenas, como plano de 
fundo, noutras palavras, seu papel é considerado secundário. Seus filhos são-lhes 
subordinados exercendo alguns papeis ‘litúrgicos’ durante o culto. 
 
1
 Cf. http://www.ribeirodasilva.pro.br/direitoromanoarcaico-parte1-02.html acessado a 07/11/16 às 
21h56min. 
2 
 
Por esse contexto, fica claro chegarmos à conclusão de que o direito privado dos 
primeiros tempos romanos não poderia ter sido um sistema de direito escrito. Já que falamos 
de variedades de direitos particulares a cada família. Trata-se de um direito privado e “ius non 
scriptum”. A cidade romana recebe o direito privado das famílias (gestadas por uma lógica de 
oikonomia – que nos debruçaremos mais à frente); adapta, faz algumas ‘alterações’, e o 
devolve às famílias novamente. 
Ainda sobre o direito, Agamben lembra-nos de que “(...) conservou-nos a memória 
de uma figura do direito romano arcaico na qual o caráter da sacralidade liga-se pela primeira 
vez a uma vida humana como tal”2. Falamos do homo sacer onde há um misto de vida 
humana e sacralidade. Diz-se de uma figura arcaica do direito romano, uma figura jurídico-
política onde uma pessoa, quando proclamada sacer era legalmente excluída – a ideia de uma 
exclusão inclusiva – do direito e, consequentemente, da vida política da cidade. Legalmente 
não poderia ser morta, porém, se alguém o fizesse jamais a lei a acusaria de assassinato. 
Falamos de uma vida entregue ao léu pelo direito, abandonada. O que Walter Benjamin 
chamou de pura vida nua. É como se a sacralidade da vida impedisse que o homo sacer fosse 
levado à morte nas formas sancionadas pelo rito, ou antes, que seu caráter sacro diz mais de 
um portador marcado pela culpa; uma mera vida. 
A vida, no grego, pode ser dita de duas formas: zoé e bíos. A primeira ressalva a vida 
natural, aquele simples fato de viver comum a todos os seres vivos (aos deuses, aos homens, 
aos animais e vegetais). Do segundo, dizemos a forma ou maneira de viver própria de um 
indivíduo ou grupo, é vida qualificada. Ao termo zoé, vemos nele um bem em si, aplicado no 
oíkos3 grego onde o fim a ser alcançado é a eumería. Totalmente diferente de eudaimonia que 
é o bem-estar tido como finalidade da vida na pólis (como propunha Aristóteles). A política 
não é o lugar da vida zoé. Os termos oikonómos e despótes, respectivamente dizem de, um 
chefe de empreendimento e de um chefe de família, ambos são diferentes no campo político; 
já que não são assuntos de discussão na assembleia. 
O homo sacer era alguém prontamente evitado e não despertava nenhuma 
preocupação da lei – a ponto de que quem o matasse não seria condenado por homicídio. Não 
se tratava de um transgressor originário, mas de uma pessoa que tinha cometido um delito 
apenas. Era excluído da jurisdição humana sem passar para a esfera do divino. E sua ligação 
 
2
 2010, p. 11. 
3
 Centro produtivo grego – unidade básica da sociedade – similar aos feudos medievais, o que hoje 
chamaríamos de casa. 
3 
 
com o poder soberano é estabelecida, tão somente, por uma relação de abandono. A vida nua, 
da qual se tornou portador, jamais fora um dado natural. Jamais. É, antes, um produto de um 
ato jurídico-político. 
Com a suspensão dos direitos pelo decreto, o homo sacer tem sua vida humana (bíos 
– vida qualificada) tida como mera vida nua (zoé – vida natural, vida desprotegida). Noutras 
palavras, a vida torna-se suspensa e a mercê do governante. Talvez, mais do que considerar a 
vida nua como zoé podemos, mais certamente, situá-la numa zona indiferente entre zoé e bíos. 
É esta figura do direito romano arcaico o portador desta vida desqualificada. Há, 
notoriamente, uma sujeição crescente ao poder soberano. 
Há, nesta vida puramente biológica, uma permanente exposição à violência soberana. 
A vida nua, como criatura humana, antes pertencida a Deus no mundo clássico, claramente 
distinta da vida da pólis, agora está totalmente entregue aos cuidados do Estado. Fala-se de 
uma exclusão inclusiva onde aquele que detém o poder de abandonar relaciona-se, 
soberanamente, com o abandonado pela violência da decisão soberana. Ou melhor, a vida 
desprotegida e abandonada pelo direito encontra-se constantemente ameaçada por um poder 
de morte. 
Fica-nos claro que o homo sacer revela-nos a existência de alguém que o possa 
declará-lo como tal, pressupõe-se uma figura essencial do direito, a este chamamos de 
soberano. Somente ele poderá decretar a exceção do direito, ou seja, suspender o direito para 
decretar a existência da vida nua. Só um poder soberano poderá decretar o estado de exceção. 
A preocupação de Giorgio Agamben é, justamente, quando o estado de exceção passa de sua 
função etimológica (de um desvio da regra) à realidade, quando torna-se regra opondo-se ao 
estado de direito. 
Ao que se trata da definição do estado de exceção há grandes paradoxos. No direito 
público, por exemplo, não há uma teoria clara do que seja o estado de exceção. Baseado em 
“necessitas legem non habet”, Agamben afirma que alguns autores negam a legitimidade da 
teoria do estado de exceção. A problemática concentra-se na própria definição situado no limite 
entre a política e o direito. A situação é o que o estado de exceção tenta apresentar-se como 
forma legal daquilo que é desprovido desta qualidade: “(...) uma teoria do estado de exceção é, 
4 
 
então, condição preliminar para se definir a relação que liga e, ao mesmo tempo, abandona o 
vivente ao direito”4. 
 Aqui podemos traçar um paralelo entre Maquiavel e Agamben quanto à questão da 
necessidade não ter lei, noutras palavras, dizemos do estado de exceção em uma comparação 
ao estado de necessidade que não tem forma jurídica. Para Nicolau Maquiavel, necessità é 
força causal de submissãoà autoridade comum. Não se trata de um imperativo moral 
(proveniente da filosofia moral-cristã), porém político. O agir ou não agir, em determinado 
momento e assunto, demonstra que a ação política está condicionada pelo resultado. O 
imperativo da necessidade – “dever-ser” –, é o caráter de obrigatoriedade do qual revestem as 
escolhas essenciais do agente político, que se vê forçado a optar por um dos termos do dilema 
que se apresenta à sua deliberação. Para Maquiavel, por fim, é a coação da necessidade que faz 
com que o indivíduo decida-se a viver coletivamente. 
Já para Giorgio Agamben, a necessidade não tem lei, primeiro por ela não reconhecer 
nenhuma lei e, depois, porque ela mesma cria sua própria lei. Aqui, parece ter a necessidade o 
poder de tornar lícito o ilícito, ou melhor, age como justificativa para uma transgressão em um 
caso específico por meio de uma exceção. Daqui nasce a sua questão sobre a exceção, isto é, 
um caso particular que escapa ao todo da lei. Para ele, o conceito de necessidade é totalmente 
subjetivo relativo ao objetivo que se quer atingir. Não só a necessidade se reduz a uma decisão, 
como também o que se decide é, na verdade, algo indecidível de fato e de direito. 
Tal como o estado de necessidade não tem um eidos jurídico, o estado de exceção, 
terra de ninguém, não pode ter forma legal. Neste ponto, o estado de exceção está relacionado 
com a guerra civil, a insurreição e a resistência. O centro de seu pensamento concentra-se em 
que, numa sociedade contemporânea vivendo incansavelmente numa ‘guerra civil mundial’, o 
estado de exceção tem se tornado, cada vez mais, paradigma de governo dominante na atual 
conjuntura política. Nisto, parece estar o estado de emergência num ponto de intersecção entre 
democracia e absolutismo. 
O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, 
por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a 
eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias 
inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao 
sistema político5. 
 
 
4
 AGAMBEN, 2004, p. 12. 
5
 Ibidem, p. 13. 
5 
 
Percebe-se, então, a condição de um estado de exceção aliado à ideia dos governos 
totalitários. Colocando em xeque a noção de Estado como garantidor dos direitos de seus 
cidadãos. 
Agamben usa, esporadicamente, como exemplo biopolítico6 do estado de exceção os 
Estados Unidos. A suspensão dos direitos dos emigrantes àqueles não cidadãos suspeito de 
envolvimento em atividades terroristas. Desse modo, a ordem promulgada anula – nas palavras 
do filósofo italiano – radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa 
forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável. Homo sacer. Dizemos do 
excepcional como forma, do excludente como inclusão. Cabe agora perguntarmo-nos o que é 
feito quando a vida nua atinge sua máxima indeterminação. O que acontece, noutras palavras, 
quando uma vida separada e indeterminada de si mesma alcança seu expoente? 
A própria incerteza terminológica (de exceção) exibe uma zona de indeterminação. 
Com o decreto de exceção vemos como o executivo exerce plenos poderes com a promulgação 
de decretos com força-de-lei. É o mesmo caso do estado de exceção, uma não lei com força-de-
lei e maior que a lei, porque a suspende – o que constitui um problema quando se fala do 
“estado de direito” onde ninguém, seja quem for, está acima da lei. Pensa-se que o estado de 
exceção corresponde a um retorno ao estado pleromatico – pleno – onde não há distinção 
clássica dos poderes, no entanto, o estado de exceção é mais kenomatico – um espaço vazio de 
direito – do que uma “plenitude originária do poder”; é considerado um mitologema. 
Agamben esboça como a exceção tornou-se regra. Aposta que o estado de exceção 
como “defesa” leva à ruína da constituição – não há segurança de que tais poderes emergências 
sejam, efetivamente, para salvaguardar a constituição –, pois se utiliza de mecanismos 
ditatoriais (não seria o estado de exceção uma lei marcial7 com uma nova roupagem?). Seria 
paradigma de governo, ou seja, padrão, exemplo, modelo, uma ditadura constitucional? Nas 
palavras de Rossiter apud Agamben, “os instrumentos de governo descritos aqui como 
dispositivo temporários de crise tornaram-se, em alguns países, e podem tornar-se em todos, 
instituições duradouras mesmo em tempo de paz”8. 
Temos um paradoxo se pensarmos como se pode regular no direito algo que o foge, o 
suspende e exclui a vida humana, do cidadão, sendo por definição irregulável. “O estado de 
exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade, uma zona de 
 
6
 Relação estabelecida entre o corpo e a politica. 
7
 Sistema de lei que tem efeito quando uma autoridade militar toma o controle da administração ordinária 
da justiça. 
8
 Ibid. p. 21. 
6 
 
indiferença capturada pela norma, de modo que não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela 
que, suspendendo-se dá lugar à exceção”9, ou seja, a norma se aplica à exceção retirando-se da 
questão. O estado de exceção configura-se como estrutura política fundamental presente em 
nosso tempo que emerge sempre mais ao primeiro plano e tende, por fim, tornar-se regra. 
Também vimos, nas estruturas originárias do poder político e jurídico ocidentais, dois 
personagens que estão fora e acima da ordem, o homo sacer e o soberano. No estado de 
exceção vemos a vida capturada como vida nua, a vida desprotegida do direito e vulnerável à 
violência. Noutras palavras, a vida humana (a do cidadão da pólis, vida zoé) existente dentro do 
direito encontra-se constantemente ameaçada de se tornar vida nua. O soberano, que tem o 
poder de decretar a exceção, coloca todas as vidas humanas, potencialmente, sob essa ameaça. 
Por qualquer circunstância, uma pessoa, um grupo ou uma etnia que representasse ameaça real 
ou suposta (notemos os termos ‘representasse’ e ‘suposta’) para a ordem do Estado poderá 
sofrer a suspenção seja parcial ou total de seus direitos. 
A política utiliza o direito como dispositivo para controlar grupos que ameacem a 
ordem. O perigo que isso incorre é que quem, tal como no estado de exceção, poderá designar o 
sujeito perigoso e o porquê de seu perigo é, somente, a vontade soberana. De modo brusco, é 
introjetado ao direito a noção de suspeito, novamente falamos de “qualquer um”, falamos de 
homo sacer. 
É utilizado, pelo Estado, dispositivos que capturam a vida humana e possam banir as 
vidas indesejáveis, como apresentado. É o recurso da biopolítica e do biopoder que tomam o 
dispositivo da tecnologia, devido ao seu maior alcance, por exemplo, como controle, de 
populações inteiras, por parte do governo; controle da vida nua. A perversidade do meio dá-se 
por colocar como suspeitos vários grupos por motivos étnicos-raciais. 
Agamben utiliza o termo dispositivo, central no pensamento de Foucault no contexto 
da questão sobre o governo das coisas e dos homens, como resposta a uma urgência 
(necessidade). Hegel, ao tratar da positividade e destino, distingue a religião natural da religião 
positiva (tal como o direito natural e o direito positivo). A primeira preza pela relação homem-
Deus onde há natureza, razão e liberdade; trata-se de seres vivente. O segundo é um conjunto 
determinado de crenças, ritos e dogmas intensificados pela positividade, coesão e história. Diz 
 
9
 PONTEL, 2012, p. 99. 
 
 
7 
 
mais dos dispositivos, dos elementos históricos. Para Agamben, o dispositivo é uma definição 
jurídica. 
Ao contrário da noção de estado de exceção que busca regulamentação no direito, o 
franciscanismo, ainda mais na sua concepção acerca do uso, recusa odireito e estabelece uma 
relação intrínseca entre vida e regra. Não se importa com regras, normas e ritos, sua regra é 
viver. Visão originária da comunidade que vem, uma forma-de-vida subtraída do direito. 
A visão franciscana do pecado o propõe como causa o orgulho. O homem não pode 
fazer algo que seja contra sua natureza, como no caso foi comer do fruto proibido. O pecado de 
Adão está mais relacionado à apropriação de algo que não era dele. Em uma linguagem mais 
jurídica, dizemos “roubo” por causa de sua desobediência. Talvez, aqui, siga a célebre frase de 
Jean-Jacques Rousseau: "Maldito seja o primeiro homem que cercou um pedaço de terra e disse 
'isto é meu'". 
O franciscanismo acredita na possibilidade de o homem reinventar-se mesmo tendo se 
afastado de Deus pelo pecado. Essa reaproximação só é possível porque Deus outorgou ao ser 
humano uma dignidade de co-autor da criação. Quando Deus pede para o homem dar nome às 
coisas10, pede-o que continue sua criação. Estabelece, ao mesmo tendo, uma noção de senhorio 
e não de dominação. A relação que os franciscanos estabelecem com a criação instaura um uso 
pobre, sem vínculo proprietário com as coisas, escapando ao direito, como a condição primeira 
do homem antes do pecado. A ideia paradisíaca seria uma espécie de “comunismo original”. 
A motivação franciscana é o seguimento radical, imitação, de Jesus, sobretudo na 
conformação a ele. A pobreza de Cristo dá-se na renúncia de sua condição, a espiritualidade de 
São Francisco propõe que o homem siga essa mesma atitude, portanto, deverá renunciar, o ser 
humano, a sua condição de co-partícipe da criação, ou seja, sua condição de senhor. A pobreza 
deverá ser manifesta na vontade, no corpo, nos bens. Prega-se uma absoluta fraternidade entre a 
criação, os homens e Deus. Entre os homens, a fraternidade franciscana não reconhece superior 
devido a obediência mútua a todos que anula a própria ideia de obediência. Quem a todos 
obedece não obedece a ninguém, a não ser a regra, sua vida. 
O uso pobre das coisas sofre adaptações jurídicas. A questão em torno da pobreza gira 
em torno da obediência. Isto é, o papa João XXII proíbe o voto de pobreza, contudo, os 
 
10
 Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os 
trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso 
foi o seu nome (Gênesis 2, 19). 
 
8 
 
espirituais decidem não obedecer ao decreto papal. Os franciscanos pedem menos lei para 
garantir sua autonomia, querem a pobreza tal como na regra quisera Francisco e decidem por 
uma vida em plena liberdade pelo templo do Espírito, seguindo o milenarismo11. Desejam a 
regra, pois a adequam à própria vida. Nas palavras de Agamben: “(...) uma vida que se vincule 
tão estritamente a sua forma a ponto de ser inseparável dela”12. A experiência central daqueles 
que vivem em comunidade chama-se vida. 
A propriedade e o domínio político são consequências do pecado (ideia proveniente 
desde Agostinho). Expressam o mau uso da natureza humana. Em sua condição primeira, no 
paraíso, há somente o bem comum e não privado. Tudo é de Deus e com as “coisas” Dele 
estabelece-se uma relação de uso sem necessidade de posse. Apesar da perda da condição de 
inocência pelo uso da propriedade, os franciscanos reivindicam (e o que rege a vida política é a 
reivindicação) o estado de inocência vigente pelo direito natural. 
O direito natural não propõe distinção de povos e preza por tudo aquilo que lhes são 
iguais. É visto na vida paradisíaca, vida na pura liberdade onde o direito natural não impunha 
nenhuma condição. Assim os frades da comunidade, em uma trama entre vida e norma, fato e 
direito, estabelecem um forma-de-vida, pelo uso pobre das coisas e pela nova concepção de 
obediência que foge ao direito. Os frades habitam o convento (cenóbio) e o termo habitar 
implica manter, ter e usar; lembra o modo de vida que levam. Essa relação é ampliada por 
Francisco ao dizer que o convento do frade é o mundo, ou seja, ao mundo que habita, do 
mesmo modo em que o utiliza, deverá mantê-lo. Regra e vida, em Francisco, se confundem. A 
regra franciscana é pautada mais por um exemplo do que por um legislador. E sua observância 
dá-se na liberdade. 
Podemos notar, seguramente, uma considerável relação entre o franciscanismo e a 
comunidade que vem. 
Na comunidade de vida (em téi tés zoé koinoniai), por sua vez, o dom de cada 
um torna-se comum àqueles que vivem com ele (sympoliteuomenón), e a 
atividade (energia) do Espírito Santo em cada um comunica-se a todos os 
outros. Ao contrário, quem vive sozinho, mesmo que possa eventualmente ter 
um carisma, torna-o inútil pela inoperosidade e é como se o sepultasse dentro 
de si13. 
 
 
11
 Crença de que a segunda vinda de Cristo à Terra se daria no ano 1000 e então se iniciaria o milênio (o 
reino de Deus na Terra), que duraria mil anos 
12
 2014, p. 9. 
13
 Ibidem. Grifo do autor, p. 21. 
9 
 
Para o filósofo italiano, a comunidade que vem é um valor supremo e seus 
componentes são imbuídos por uma tarefa e ou missão a cumprir, a lutar pela realização di 
destino histórico deste valor que se encontra acima dos próprios dos próprios indivíduos que a 
formam. A luta aqui seria para que a comunidade não perdesse a sua constituição mais própria, 
constituição esta que, por diferentes motivos, pode se perder historicamente. E o seu valor mais 
próprio é a vida. Tal como pretendida Nietzsche com seu Übermensch, reinventar o ocidente 
onde a vida dionisíaca prevalecesse sobre a vida apolínea. A busca por uma vida estética, 
sendo o viver fruição. Uma nova sociedade para além do bem e do mal, da moral judaico-cristã 
e do racionalismo grego. 
Tomando os rumos finais do presente trabalho, quero fazer uma alusão ao pensamento 
de Martin Buber14, em seus termos, sobre a nova comunidade que alude tanto à proposta de 
Nietzsche quanto a de Agamben (divergindo em alguns pontos somente). Para Buber, a nova 
comunidade é uma revolução e seu fim está nela mesma e na vida. É pautada por uma interação 
(fraternidade tal como nos franciscanos) viva de homens íntegros. Regida, também, por uma 
liberdade maior onde haja fluxo de doação e entrega criativa. 
A vida na nova comunidade não é aquela dominada, pelo contrário, é livre de 
conceitos e de limites. Para Buber, ela festejará sorridente sua libertação da rigidez escravizante 
do pensamento. Diferentemente das duas formas da antiga comunidade que prezam pelo 
utilitário. A forma econômica, no sentido de corporação, busca vantagens; e a religiosa ao 
buscar seu Deus deseja obter vantagens sobrenaturais. Assim, na comunidade que vem, na nova 
comunidade, o mundo é isento de valores e preza-se pela vida tal como ela é, numa 
possibilidade de gestar novos mundos. Transcendendo a toda finalidade. 
Com isso, percebemos, não só pelas questões aqui suscitadas, mas também pelas 
nossas aulas, que a emergência de tal paradigma de governo, à luz da concepção agambeniana, 
se dá a custa de uma gama de direitos humanos violados. Um desprezo pela vida que sucumbe 
a própria sociedade e a noção de Estado. A curto e médio prazo temos vistos seus efeitos no 
mundo hodierno. Não há mais um valor pelo viver, a vida é capturada pelos dispositivos e posta 
à mercê do poder soberano. Agamben propõe um novo modo de fugir a este esquema pautado 
pela experiência franciscana e na busca da comunidade que vem, onde a vida tem primazia e o 
viver constitui seu soberano. Percebemos, também, que a promoção e a proteção destes direitos 
 
14
 Martin Mordechai Buber (Viena, 8 de fevereiro de 1878 - Jerusalém, 13 de junho de 1965) foi 
um filósofo, escritor e pedagogo, austríacoe naturalizado israelita, tendo nascido no seio de uma 
família judaica ortodoxa de tendência sionista . Buber era poliglota, em casa aprendeu ídiche e alemão; na 
escola judaica, estudou hebraico, francês e olonês. (polaco) Sua formação universitária deu-se em Viena. 
10 
 
humanos não podem ficar a cargo do Estado, segundo seus interesses e vontades. É preciso, 
superando entraves, posições dogmáticas e fechadas, fomentar uma conscientização coletiva 
via instituições sociais competentes no tocante a este tema emergente e fundamental na 
sociedade atual. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2. Ed. – São Paulo: 
Boitempo, 2004. 
 
_________. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad. Henrique Burigo. 2. 
Ed. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. 
 
11 
 
_________. Altíssima Pobreza. Trad. Selvino J. Assmann. – São Paulo: Boitempo, 
2014. 
 
BUBER, Martin. Sobre comunidade. Trad. Newton Aquiles von Zuben. – São Paulo: 
Perspectiva, 2012. 
 
PONTEL, Evandro. Estado de exceção em Giorgio Agamben. Revista Opinião 
filosófica, Porto Alegre, v. 03; nº. 02, 2012.

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