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AULA 8 - texto_sandra_ler_para_forum

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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DIDATICÁRIO DE CRIAÇÃO: 
AULA CHEIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
SANDRA MARA CORAZZA 
 
 
Apoio: CNPq; CAPES; FAPERGS; PPGEDU/UFRGS. 
 
 
 
Porto Alegre, fevereiro 2011. 
 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Com amor, 
ao neto-primeiro 
Pedro Pereira Lima Corazza, 
criador de Vita Nuova, 
em 04 junho 2010, 
21h 34min. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
SUMÁRIO 
 
I – APRESENTRADUÇÃO: LIVRO-LUGAR 5 
Para-e-didático 5, Conceitualização 6, Matéria 6, Política 7, Movimentos 7, Escrileitura 
7, Procedimento geral 8, Pragmática 8, Avaliação 8 
II – PASSOS DE AULA 10 
II. 1. – ECOS 10 
Didática da criação: aula cheia, antes da aula 10 
Pautas para aulas de invenção 14 
Aula-Medéia 16 
As Aulas, a Auleira e a Poesia: caixa de ressonância ou câmara de ecos 20 
II. 2. – “DAR” 29 
10 passos para “dar” uma aula sem “mancar” 29 
Outros “10 passos” (Colaboração de integrantes do BOP – Bando de Orientação e 
Pesquisa e do Grupo de Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações) 32 
Para desenhar uma aula em 3 dimensões (Betina Frichmann Gonçalves) 32 
Para “dar” uma aula e fracassar (Cristiano Bedin da Costa) 34 
Para “ler” um “texto didático” (Deniz Alcione Nicolay) 36 
(Des)educativos para “dar” uma aula de música (Eduardo Guedes Pacheco) 39 
Para “dar” uma aula sem se decepcionar (Gabriel Sausen Feil) 41 
Para dar uma aula “intempestiva” (Karen Elisabete Rosa Nodari) 43 
Para “dar” uma aula “contemporânea” (Letícia Testa e Máximo Daniel Lamela Adó) 45 
Para uma aula minimalista (Luciano Bedin da Costa e Larisa da Veiga Bandeira) 47 
Para co-criar uma aula (Maria Idalina Krause de Campos) 49 
Para dar uma aula escritural (Marcos da Rocha Oliveira) 51 
Para “ler-escrever” uma aula em meio à vida (Patrícia Cardinale Dalarosa) 54 
Para criação de procedimentos didáticos (Sonia Regina da Luz Matos) 57 
III. GRÃOS DE ESCRILEITURA 58 
III. 1. – ARISCA 58 
Escrileitura n-1: procura arisca de fins intransitivos 58 
Quer-ia 74 
Tipologia de textos 78 
De bubuia 82 
Da mãe 84 
4 
 
Os que 88 
Grãos de ouro 92 
A rã 104 
Renga kasen de outono 106 
Auto-Epitáfios 110 
III. 2. – DIFERENÇA 112 
O docente da diferença 112 
Discurso do método biografemático 128 
Os sentidos do currículo 142 
Uma vida de um currículo 158 
IV. EXERCÍCIOS DE DIDÁTICA 167 
IV. 1. – ESCREVER 167 
Do Querer-Escrever ao Poder-Escrever 167 
Escrever: Tender-para 168 
Escrever é um ato de Fazer-Valer 173 
Exercícios de Vidarbo 175 
XI fantasias de Escrileitura 177 
O que é o ato de criação? 194 
IV. 2. – MÉTODOS 194 
O drama (Deleuze) do espírito (Valéry) 195 
Para criar um personagem de Comédia Intelectual 200 
Método 10: Espiritografema 204 
O Método de Dramatização na Comédia do Intelecto: Valéry & Deleuze 208 
Análise e criação de um currículo 215 
Para pesquisar um currículo-nômade 217 
Chave de escrileitura: método de dramatização de um currículo 221 
Para um inventário de procedimentos didáticos 235 
V – POSFÁCIO: ENFIM, UMA DIDATRADUÇÃO 238 
Tratamento 238, Diferenças 240, Transcriação 241, O Didata-Tradutor 243, 
Procedimentos 245, Bricolagens 246, Estrangeiro 247, Escavação 248, Estoque 248, 
Combinação 249, Isomorfia 249, Crítico 250, Make it New 251, Texto 252, Glossário 
253 
 
5 
 
I – APRESENTRADUÇÃO: LIVRO-LUGAR 
 
Para-e-didático 
Este é um livro didático. Mas, por injunções diversas, como se verá, também é 
um livro paradidático. Acima de tudo, esse seu gênero ambíguo possui uma natureza 
pedagógica, voltada para a (de)formação de professores e estudantes de Graduação e de 
Pós-Graduação, precipuamente em Educação; embora esteja, também, dirigido para 
outras áreas de estudo e de pesquisa, como Música, Ciências Sociais, Artes Plásticas, 
Psicologia, Dança, Antropologia, História, Biologia, Teatro, Geografia, Letras, Estudos 
Culturais, etc. É devido a essa sua condição “para-e-didática” que, já desde o título, o 
livro pospõe o sufixo ário à palavra didática e, torna-se, assim, um Didaticário; isto é, 
um estado, qualidade, quantidade, forma, acervo, coletânea, lugar – no qual, é guardada, 
acondicionada, armazenada uma composição de didáticas. Composição que foi sendo 
produzida, durante algum tempo, no transcurso diário de uma professora; logo, que 
pode equivaler a uma vida, tratando do ofício de ensinar, da arte de aprender, e vice-
versa. 
Ofício e arte de uma Pedagogia Ativa, no sentido de Pound, que perguntam: “O 
que é a Didática que, neste livro-lugar, fica armazenada”? Ora, Didática é Artista; além 
disso, não é nada menos do que Tradução. “Tudo bem” – algum leitor diria –; porém, se 
Didática-Artista é tomada como Tradução, traduz o quê”? Conceitos, perceptos, afectos 
e funções, no sentido deleuziano. “Mas, onde são produzidos esses afectos, conceitos, 
perceptos e funções? Em qual espaço ou domínio de práticas? Em que planos de 
pensamento”? A Didática-Artista traduz conceitos, perceptos, afectos e funções que, 
originariamente, foram criados nas línguas da Filosofia, da Arte e da Ciência. 
“Tradução, então” – diria outro leitor –; “mas, tradução de que tipo”? Não se trata de 
quaisquer atos tradutórios, a não ser de uma tradução criadora, transcriadora, na direção 
dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. “No entanto, a Didática-Artista, concebida 
como Tradução Transcriadora, é realizada por quem”? Por professores, pedagogos, 
educadores, agentes culturais, todos aqueles que se empenham nessa atitude didática. 
“Outrossim” – acrescentaria outrem –, “ser um Didata-Artista da Tradução, enquanto 
transcriador, implica que tipo de compromisso”? Implica, primeiramente, produzir-se 
como um competente e consistente escrileitor de conceitos, perceptos, funções e 
afectos; pois, do contrário, a seguir, não conseguirá traduzi-los da Arte, da Filosofia e da 
Ciência para a Educação; permanecendo no nível da aplicação ou do decalque, segundo 
6 
 
o senso comum, a opinião, os estereótipos, os preconceitos, as idéias feitas, os valores 
consagrados. 
Conceitualização 
Enunciadas as principais inflexões deste livro, vamos acompanhar, mais de 
perto, o seu ponto de vista e correlatas linhas saídas de linhas. Toda Didática-Artista da 
Tradução é crítica, visto que os seus processos são de pesquisa, criação e inovação. Por 
meio da Arte Menor e do Planejamento da Desnaturação, essa Didática constitui um 
campo artistador de variações múltiplas, que produz ondas e espirais; compõe linhas de 
vida e devires reais; promove fugas ativas e desterritorializações afirmativas. Didática-
Tradução que é pragmática, por privilegiar a ação operatória de perceptos, afectos, 
funções e conceitos, a partir de obras já realizadas, que outros autores criaram, em 
outros planos, tempos, espaços. Portanto, Didática que honra as criações desses autores 
e obras, como suas efetivas condições de possibilidade, necessárias para a própria 
elaboração e execução; e, ao mesmo tempo, como o seu privilegiado campo de 
experimentação para exercitar possibilidades de criar os próprios perceptos, afectos, 
funções e conceitos. 
Ao fissurar certezas e verdades herdadas (ou mesmo auto-produzidas), a 
Didática-Tradução age nas dimensões ética e estética, potencializando, para a Educação, 
os fluxos desejantes que se insinuam entre os blocos epistêmicos e sensíveis da 
Filosofia, da Arte e da Ciência. Eminentemente heterogênea, maquina suas composições 
contra a homogênese, atribuindo primado à fluidez criadora, em detrimento das normas 
formais. Embora suscetível a regimes de ações estáveis, é Didática que se considera um 
sistema aberto, distante do equilíbrio e do apaziguamento; e, mesmo quando estabiliza 
suas ações, bifurca-se e ingressa em novos regimesde instabilidade. Executa, dessa 
maneira, uma espécie de autopoiese – enquanto processo de produção do novo –, 
através da criação de codificações (= forma de expressão + forma de conteúdo), em 
campos de comutabilidade e de diferencialidades, que circunscrevem o seu 
funcionamento e limites. 
Matéria 
A matéria principal dessa Didática-Artista da Tradução é a vida. A matéria-vida 
é trazida para a Didática, via encontros com formas de conteúdo e formas de expressão, 
que compõem o mundo natural, animal e humano; foram criadas em outros meios 
históricos, geográficos, lingüísticos; e são auto-aprendidas ou aprendidas com outros. A 
Didática-Tradução apropria-se dessas formas e, ao mesmo tempo, desafia o tempo, o 
7 
 
espaço, a linguagem que as produziram; leva-as a escaparem dos meios e autores que as 
engendraram; conserva traços de seus perceptos, afectos, funções e conceitos; agencia 
esses traços de diferentes maneiras; avalia o valor de seus efeitos produtivos, em 
diversos espaços educacionais, como aulas, discussões, orientações, oficinas e tantos 
outros. O realismo da Didática-Artista não remete à mimese do real; desde que ela 
busca no real o outro misterioso da realidade, que possibilita a sua existência e a 
fragiliza, fazendo-a seguir, levando-a adiante. 
Política 
Suscetível de determinações puramente pensantes e pensadas – as quais 
constroem um empirismo transcendental, contra o idealismo e o racionalismo –, a 
Didática-Artista da Tradução valoriza a multiplicidade, funcionando como meio de 
resistência contra a mesmidade e de luta contra a mediocridade. O seu gênero é impuro, 
pois mescla e cruza o que passou; o que nos afeta; e os mundos possíveis por vir. O seu 
método é cartográfico; o padrão de procedimento é diagonal e transversal; o vetor de 
suas intensidades sensíveis e inteligíveis é a dobra. A sua finalidade assumida é tornar 
as ações didáticas dignas dos acontecimentos que as constituem e produzem. 
Movimentos 
Os movimentos da Didática-Tradução consistem em extrair acontecimentos das 
coisas, dos corpos, dos estados de coisas e dos seres – inventando personagens 
(conceituais, estéticos, observadores parciais) e estabelecendo ligações entre eles e os 
acontecimentos. Rejeitar as modelizações confinantes, que negam o novo e requerem, 
somente, regularidades, médias e métricas – priorizando a poética, o processual e a 
reversibilidade. Localizar as dobras do mundo, entre as dobras do espírito e da matéria – 
acedendo, assim, aos planos de imanência (Filosofia), de composição (Arte) e de 
referência (Ciência). Capturar e liberar as forças inéditas e vitais, que agem sob as 
formas (de conteúdo e de expressão) – trabalhando as potências que estas carregam e 
carreiam. Substituir a relação forma-matéria pela relação força-material – associando 
obras, autores, criadores, tradutores, em devires de mutação das culturas. Favorecer 
culturas do dissenso – reinventando novas formas, significações, posições de indivíduos 
e de grupos. Traçar, inventar, criar linhas, que dobram os saberes, fazeres, sentires, uns 
sobre os outros – consoando-os. 
Escrileitura 
A Didática-Artista da Tradução passa, necessariamente, pela escrileitura, que 
acontece em atos de ruptura, de desterritorializações e de devires-outros, que são sempre 
8 
 
devires-minoritários. Suas formas de expressão precedem as formas de conteúdo. 
Instalando-se em regiões de ser e de pensamento, que portam problemas que uma 
didática – não configurada como Artista, nem da Tradução – deixa de formular, pode 
até revelar aspectos dos seres que estavam ocultos e abrir circuitos inéditos de 
pensamento. 
Procedimento geral 
Por não comportar determinismos, todos os momentos, lugares, incidentes e 
circunstâncias da Didática-Tradução podem se transformar em móveis fecundos de 
experimentações. Esse construcionismo é efetivado por um gesto triplo: inventar um 
plano pré-Didática-Artista; dar vida a personagens pró-Didática; criar Traduções. Desse 
gesto triplo – plano, personagens, traduções –, a Didática-Tradução extrai problemas 
para maquinar. 
Pragmática 
Partindo de um clichê – forma, sentido, interpretação, indivíduo, identidade, 
subjetividade, conhecimento, certeza, verdade –, a Didática-Artista da Tradução analisa 
a correspondente imagem dogmática do pensamento, em seus pressupostos explícitos e 
implícitos de senso-comum e doxa. Desenvolve procedimentos crítico-genealógicos e 
exploratório-experimentais, para borrar, escovar, varrer, raspar o clichê, por meio do 
uso de um diagrama – conjuntos operatórios de traços pré-individuais, irracionais, 
involuntários, acidentais, ao acaso, livres, não-representativos, não-ilustrativos, não-
figurativos, não-narrativos. Liberada dos clichês pelo diagrama, a Didática pode seguir 
devires, em zonas de indiscernibilidade e indeterminação; além de produzir formas 
deformadas, figuras desfiguradas, paradoxos, não-sensos. É assim que arranca, isola o 
material, o figural e o jogo de forças; desfaz os rostos (que são efeitos sobrecodificados) 
e deixa aparecer os devires múltiplos das cabeças; distribui forças informais (na tela, na 
folha, no piso, na areia), pelas quais as partes deformadas estão em relação com o seu 
de-Fora; produz sensações, ou seja, ações diretas sobre o sistema nervoso, através de 
vivências sensíveis e relacionais; faz correr linhas de variações contínuas, em 
modalidades e variedades diferentes. 
Avaliação 
Os critérios de avaliação da Didática-Artista da Tradução são: o vital, o 
interessante e o notável. Logo, o livro Didaticário de criação: aula cheia – feito para, 
por e com essa Didática – indaga e responde: “Como tornar interessantes e notáveis 
Idéias já criadas, levando-as a vivificar outros devires, em cenários da Educação 
9 
 
Contemporânea, mesmo ao preço de voltá-las contra si mesmas”? A par disso, avalia a 
maior ou menor liberação das forças vitais dos seus escrileitores e participantes (onde 
quer que estejam represadas); trabalhando para que essas forças reencontrem a própria 
virtualidade, através da desestratificação das camadas sedimentadas de saber, poder e 
subjetividade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
II. PASSOS DE AULA 
 
II. 1. – ECOS 
 
DIDÁTICA DA CRIAÇÃO: AULA CHEIA, ANTES DA AULA 
 
Cheia 
É uma ingenuidade o professor pensar que, ao dar uma aula, está diante de um 
quadro vazio, de uma página em branco, de uma tela virgem (Deleuze, 2007). É um 
equívoco o professor acreditar que, para fazer uma aula, basta ele entrar na sala, fechar a 
porta, e dar a aula que quiser. É um erro o professor achar que a sua aula é inexistente; e 
que, ao fazê-la, poderia reproduzir uma aula que já funcionara como modelo exemplar. 
O verdadeiro problema do professor não é entrar na aula, mas sair da aula. Isso 
porque, antes mesmo de começar, a aula já está cheia, e tudo está nela, até o próprio 
professor. O professor carrega, encontra-se carregado, há cargas: ao seu redor, nos 
alunos, no plano de ensino, nos livros, na escola. Antes que o professor comece a dar a 
sua aula, dela pode ser dito tudo, menos que se trata de “a sua aula”; pois a aula está 
cheia, atual ou virtualmente, de dados; os quais levam o professor a dar uma aula que já 
está dada, antes que ele a dê. 
Dados 
Assim como o currículo (Tadeu, 2003), a aula possui “dados”, que estão prontos, 
são anteriores a ela, e a ocupam: a) em primeiro lugar, dados de “conhecimento e 
verdade”, que determinam aquilo que é ensinado (o conteúdo) e a maneira como é 
ensinado (a didática); b) em seguida, dados sobre “sujeito e subjetividade”, que indicam 
o modo de subjetivação que a aula pratica e a identidade do Eu que ela requer; c) após, 
dados correspondentes à definição de “valores e critérios”, que sãoexigidos, postos, 
impostos, instituídos pela aula; d) e, finalmente, dados sobre a “vontade de poder”, que 
indicam a favor de quem e do quê é realizado o confronto de forças na aula. 
Esses dados, que preenchem a aula, constituem clichês. Logo, são dados-clichês, 
que não funcionam apenas em uma ordem intelectual ou cognitiva, mas também 
psíquica, física, perceptiva, amorosa, etc. Os clichês não representam, passiva e 
inocentemente, alguma coisa; mas produzem, ativamente, o conhecimento, o sujeito, o 
11 
 
valor e o poder das coisas vistas, sentidas, pensadas, faladas, olhadas, escritas, lidas, 
desejadas, numa aula. É que os dados são modos de ver e de falar; posições de sujeitos; 
regimes de signos; palavras de ordem; imagens de pensamento; códigos estriados; 
funções rígidas; sensações traduzidas em sistemas retilíneos; narrativas explicativas e 
tranqüilizadoras; e assim por diante. 
Trabalho 
Visto que uma aula é, desde sempre, feita de clichês-dados, se o professor quiser 
que a sua aula seja instigante, interessante e, mesmo, sua – em outras palavras, se 
desejar realizar uma aula singular –, não vai planejar, preparar e desenvolver a aula, 
como se ela estivesse vazia; tampouco vai se restringir à tarefa de, tão-somente, prever 
objetivos, conteúdos, atividades, recursos, avaliação. 
O professor necessita fazer um trabalho de maior relevância, que pertence à aula, 
mas precede o ato de dar a aula: trabalho preparatório, “invisível e silencioso, e 
entretanto muito intenso”, pelo qual o ato da aula é um a posteriori em relação a esse 
mesmo trabalho. 
Preparatório 
Trabalho preparatório que implica, antes de tudo, esvaziar, desobstruir, 
desentulhar, faxinar, limpar a aula. Assim, o professor vai varrer, esfregar, escovar a 
aula, para produzir a sua aula, cujo funcionamento subverta as relações dos modelos (os 
dados, os clichês) com as cópias (Deleuze, 1998). Para tanto, ele precisa identificar os 
dados (formações discursivas e não-discursivas), que ocupam a aula-dada; e, dentre 
esses dados, designar aqueles que constituem “um obstáculo, quais são uma ajuda ou 
mesmo os efeitos de um trabalho preparatório” (Deleuze, 2007, p. 102; p.91). 
Aquele professor que se restringir a maltratar, ou mesmo triturar os clichês, pode 
estar agindo em prol de uma transformação por demais abstrata; e, assim, correr o risco 
de permitir que os clichês retornem, espalhem-se e voltem a agir. Desse modo, o 
professor pode até dar uma “boa aula”, segundo as normas tradicionais de “Como dar 
uma aula” (Corazza, 1996); porém, a sua aula irá consistir, apenas, em uma aula-clichê. 
Luta 
Desde a perspectiva de uma didática da criação, a boa aula (no sentido 
tradicional) pode ser uma aula extremamente ruim; isto é, improdutiva, conservadora, 
obstaculizadora ou impeditiva da criação, da invenção, da fabricação do novo. Por isso, 
mesmo que “a luta contra os clichês” seja “algo terrível”, como pode um professor 
12 
 
evitar que a sua aula seja uma aula-clichê? Como pode um professor dar uma aula que 
não seja uma aula-dada? 
Não há regras nem soluções universais. Cada professor sabe como proceder e 
tem uma idéia mais ou menos precisa do que quer fazer. O que o salva é que ele “não 
sabe como conseguir, não sabe como fazer o que quer” (Deleuze, 2007, p.94; p.100). A 
única certeza que o acompanha é que se, anteriormente (trabalho pré-aula), ele entrou na 
aula, com sua carga de dados-clichês e de probabilidades; agora, ele precisa sair daí 
(trabalho da aula), extirpando tanto suas formas de conteúdo quanto as de expressão 
(Deleuze 2004; Deleuze e Guattari, 1996), e experimentando. 
Procedimentos 
Nessa luta contra a aula-clichê, o professor sabe que não basta mutilá-la para 
obter a sua deformação. Afim de não agir como os professores-copistas, que fazem 
renascer os clichês onde eles teriam desaparecido – já que as “reações contra os clichês 
engendram clichês” –, o professor leva em conta que “muitas pessoas tomam uma foto 
por uma obra de arte, um plágio por uma audácia, uma paródia por um riso, ou, pior 
ainda, um mísero achado por uma criação” (Deleuze, 2007, p.93; p.94). 
Querendo criar, por si mesmo, uma diferente e inédita aula, que dê 
oportunidades ao improvável, o professor ora insiste, até o ponto de saturação, nos 
saberes tradicionais; ora acumula, até o esgotamento, as relações existentes de poder; 
ora faz paródias e transforma subjetividades conhecidas em personagens de comédia; 
enquanto, às vezes, deixa de lado os valores intelectuais em prol dos intuitivos; etc. 
Dentre esses procedimentos pré-racionais, involuntários, acidentais, o professor 
vai traçando, no interior da própria aula-clichê: linhas descontínuas, estilhaços 
flutuantes, resíduos irregulares, rupturas de sentidos, sinais fragmentários, espaços 
vazios, pequenas cenas, pormenores insignificantes, punctuns, incidentes, “coisas que 
caem, sem choque, e no entanto com um movimento que não é infinito” (Barthes, 1984; 
2004, p.284). 
Ato 
A didática da criação considera que a potência artística de uma aula, exercida 
por meio de um processo criador de verdades (imanentes), valores (não-
representativos), sujeitos (pré-individuados) e poderes (provisórios), não se equaliza 
com uma adesão sem resistência ou com uma simples rejeição das normas. 
Havendo, astuciosamente, criado regras próprias de ação, para desorganizar e 
deformar os dados de aplicação das forças, valoração dos valores, jogos de verdade, 
13 
 
vontade de ser, saber e poder; tendo entrado de cabeça e saído voando da aula-clichê; o 
professor tem – agora sim – a sua aula. 
Como um “acaso manipulado” ou um “acidente manipulado” (Deleuze, 2007, 
p.99), a aula do professor pode, então, ser dada. Depois de começada, só nos resta 
perguntar se essa aula – conjunto informe e indiferenciado de multiplicidades livres – 
funciona. 
Referências 
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova 
Fronteira, 1984. (Trad. Júlio Castañon Guimarães.) 
___. O neutro: anotações de aulas e seminários ministrados no Collège de France, 
1977-1978. São Paulo: Martins Fontes, 2003c. (Trad. Ivone Castilho Benedetti.) 
CORAZZA, Sandra Mara. “Como dar uma aula?” Que pergunta é esta? In: MORAES, 
Vera Regina Pires de. (Org.). Melhoria do ensino e capacitação docente: programa 
de aperfeiçoamento pedagógico. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1996, p.57-63. 
DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris: Minuit, 1994. 
___. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1998. (Trad. Luiz Roberto Salinas 
Fortes.) 
___. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. (Coord. 
Trad. Roberto Machado.) 
___. GUATTARI, Félix. Kafka: pour une littérature mineure. Paris: Minuit, 1996. 
TADEU, Tomaz. “Dr. Nietzsche curriculista – com uma pequena ajuda do Professor 
Deleuze”. In: CORAZZA, S.M; TADEU, T. Composições. Belo Horizonte: 
Autêntica, 2003, p.35-57. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
PAUTAS PARA AULAS DE INVENÇÃO 
 
1. As Aulas de Invenção (AdeI), nem só de dados feitas, são novas. 
> AdeI não são meros instrumentos dos professores; elas os constituem.< 
 
2. Com estilhaços de romance, as AdeI seguem, param, voltam um instante e batem na 
cara da história Da Aula (DA). 
> A carga de passado DA entrava a mudança e obstaculiza o fluxo da criação.< 
 
3. Porque as AdeI fazem-se com máscaras, aluvião e mágicas, os professores se 
espantam e caem da linguagem DA. 
> As AdeI libertam a linguagem DA de sua completude reconfortante, assertivas, 
certezas, estereótipos, arcaísmos, egotismo, conservadorismo.< 
 
4. Conteúdos, expressões, sensações e palavras das AdeI sacodem, esganam e largam a 
identidade DA. 
> Doces e malemolentes, as AdeI fazem o corpo DA balançar, em resistência 
incondicionada.<5. Monstra horrorosa, de bocarra imensa e duras escamas, a prática DA persegue os 
vôos dos morcegos e das borboletas da Invenção. 
> Não há transparência nem inocência DA e aquela Aula que assim se apresenta é mais 
aliciadora e insidiosa do que outras.< 
 
6. Desenvolvidas por meio da escrileitura literária e poética, as AdeI levam a Aula a se 
abrir ao não dito, não sentido, não pensado, não desejado. 
> Concebendo o espontaneísmo como reino de clichês, lugares-comuns e idéias feitas, 
as AdeI distanciam-se dos defensores da criatividade solta, do esteticismo estéril e do 
vale-tudo; logo, supõem preparação, escolhas e crítica.< 
 
7. A campainha de bronze das AdeI toca na torre de cristal DA e ataca suas bobagens, 
tolices, idiotices. 
15 
 
> O trabalho de renovação DA transforma as besteiras em verdadeiros problemas de 
pesquisa, análise e reescritura.< 
 
8. Há muito tempo, caixilhos de ferro, cortinas de chita e armários com cupins 
promovem incidentes DA. 
> Ao contestarem os discursos das Aulas científicas, acadêmicas e burocráticas, as AdeI 
não dispensam suas normas, mas as deformam.< 
 
9. A máquina das AdeI tende para a isenção dos sentidos, o que as leva a perceberem os 
rumores DA. 
> Os rumores DA remetem a não-sentidos, que fazem as AdeI produzir novos 
sentidos.< 
 
10. Assim, o dia DA, com pautas de música, compõe ressonâncias, em sol maior. 
> É que, mesmo que não se perceba, na barriga DA, vivem e se agitam as AdeI como 
lombrigas que dissolvem as imagens dogmáticas DA; promovem a circulação do desejo 
de ensinar AdeI e a multiplicidade do prazer de aprender AdeI; desbaratando, assim, os 
papéis prefixados da Comédia Educacional.< 
 
< Currículos ligados.> 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
AULA-MEDÉIA 
 
 – Não ao modo de Descartes que, seguindo o princípio aristotélico, toma um 
pedaço de cera para fazê-la refletir a identidade; mas no sentido da problematização, em 
que um enigma repercute e, friamente, faz de nós o seu espelho. 
 
– Não com saudades da finada Aula, com letra maiúscula. Ela foi-se... 
 
– Não empatia ou simpatia por um novo vetor-de-estrutura, tal como uma 
gelatinosa função catártica e aquisitiva da Aula, que partilha o ufanismo de estados 
exóticos, mágicos, místicos, marginais ou malditos. 
 
– Não abastança de significação e a peste metafórico-lirificante da Aula. 
 
– Não criptas funerárias da estupidez analítica e da tacanhice discursiva das 
aulas pomposas, ossificadas, medrosas. 
 
– Apenas, culturmorfologicamente, uma aula de metamorfose vetoriada, 
transformação qualitativa, Make it New. 
 
– Uma Aula-Medéia (Euripides, 2004). 
 
– Logo, não uma medíocre vingança, do dente-por-dente e do-olho-por-olho, ou 
do insuportável remorso judaico-cristão. 
 
– Mas, uma aula de criação e de manutenção dos laços, que proclamam um amor 
na medida do seu ser: “Para quem procura minha morte” (vocifera Medéia), “posso, 
sim, ser cruel”. 
 
– Aula câmara de ecos, com um ponto que repete o enigma, cuja questão persiste 
através – olhar de través, que evoca ausência de si próprio – da emoção de milênios. 
 
17 
 
– Obliqüidade de uma aula, com desejo de compactuar o esvaecer do ser, ponto 
inicial de todos os encontros e desencontros. 
 
– Uma aula que ninguém imita, como ninguém sonha imitar aquela mulher, 
Medéia, que veio do Leste; e que, segundo Heródoto, retorna ao Leste, para viver com 
os únicos povos com quem pode viver, depois que se torna Medéia: os povos nômades. 
 
– Então, uma aula com a nova identidade, adquirida na estepe mítica (e, ao 
mesmo tempo, verdadeira), inventada pela posição: “Agora, sou Aula-Medéia”. 
 
– Uma aula que mata os próprios filhos, mas se torna mãe de todo um povo: 
glorioso, rival e aliado. 
 
– Aula, que transforma o desejo e transmuta a crueldade. 
 
– Com potência de resfriamento (Deleuze, 2009), a Aula-Medéia é gelada e 
purificada, impessoal e introspectiva. 
 
– Aula, que tem de ser assim (pois não pode não ser para mim), não pode ser 
antecipada, nem vivida por procuração. 
 
– Aula, que produz algo singular; e, por isso, a cada vez, repetido. 
 
– Como Medéia, ninguém tem coragem, nem interesse, de se apropriar dessa 
aula, de levá-la a ilustrar algo, ou de inseri-la em sistemas. 
 
– Aula, que não é das nossas, humanas civilizadas; pois segue outras leis, já que 
descende do Sol – ancestral de Medéia, que a presenteou com o vestido amarelo, o qual 
Jasão teve a petulância de solicitar, para dá-lo a Creusa, que o invejara. 
 
– Aula vencida, mas irrefutavelmente ameaçadora. 
 
– Aula sem culpa e sem justiça, que faz a Aula (com letra maiúscula) 
desmoronar; desequilibra suas linhagens tranqüilas; e a ataca, feito horda bárbara. 
18 
 
– Aula de Morte, na qual, o Sol não vem de Apolo, luminosamarela fonte de 
vida, mas une-se à escuridão infernal. 
 
– Como a Mãe devoradora, aula nunca mais submetida aos laços do amor 
conjugal e da maternidade respeitável; não mais a-mulher-do-homem, não mais a-mãe-
dos-filhos-do-homem; ao contrário, aula assassina, que impõe a própria sobrevivência, 
para além da vida das crias; dessa maneira, transformando-as em crianças sobre-
humanas: animais e céus persas. 
 
– Uma aula inimaginável na ordem do fantasma vienense e que só tem lugar na 
fantasia literária e artística. 
 
– Aula que, por existir, persegue e explode símbolos, mitos, alusões, certezas 
subjetivas, formalismo nirvânico, contemplação, jargão lírico vigente, idéias fracas, 
adjetivos, representação figurativa de temas e motivos, desenvolvimento linear de 
princípio-meio-fim, ossificação das fórmulas, morfinização nostálgica de jogos sem 
imprevistos, abastança de significação, omissão diante da burrice. 
 
– Aula que pouco hesita, ao se aproximar da escrileitura; e que, quando o faz, 
ainda exclama (como Medéia): “Minha covardia é vergonhosa”. 
 
– Aula que não tem piedade dos textos, dos autores, das obras; não os perdoa, 
nem os consola; feito Medéia, a qual (escreve Eurípides) é tão temível, que é capaz de, 
ao agir, sussurrar a si mesma: “Chorarás mais tarde”. 
 
– Aula sem cuidados ou afeição pelo pensamento, que não o repara ou concilia, 
tampouco presta-lhe solidariedade. 
 
– Aula que, portanto, nada faz; não pode fazer mais nada que seja consensual. 
 
– Através da Aula-Medéia, um Auleiro (isto é, cada um e todos que dessa Aula 
participam) passa do estado líquido ao cristal; mas não se transforma em uma mulher, a 
ser enganada e abandonada. 
19 
 
– A nova Aula é feiticeira, que encontra o poder de existir na primeira, mas nada 
lhe pede; pois tem uma forma singular de crueldade: não a do capricho nem a da 
maldade, mas a da mulher-carrasco. 
 
– Crueldade de Aula Ideal, com o seu ponto específico de congelamento e de 
idealização: ponto impassível, terrível, colérico e pânico de uma aula totalmente 
expurgada do medo à traição de textos, autores, obras. 
 
Referências 
DELEUZE, Gilles. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 
2009. (Trad. Jorge Bastos.) 
EURIPIDES. Medéia. São Paulo: Civilização Brasileira, 2004. (Trad. Millor 
Fernandes.) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
20 
 
AS AULAS, A AULEIRA E A POESIA: CAIXA DE RESSONÂNCIA 
OU CÂMARA DE ECOS 
 
Em relação às Aulas e à Poesia, que a cercavam por todos os lados, como 
ficaram as mãos, a cabeça, o coração e os nervos da Auleira? 
Primeiramente, de modo reativo (porque se dava conta que estava na defensiva), 
a Auleira quis identificar os poemas; traduzir as frases; aderir às palavras; acrescentar 
ou mudar pontuações de lugar; transportar ou descodificar sentidos;implicar com os 
títulos das poesias, que lhe traziam idéias batidas, como a de metamorfose ou de 
salvação, com um-antes-e-um-depois; achar que faltavam imagens para compor os 
conteúdos; encontrar um plano, qualquer foco, um eixo, qualquer temática, um assunto, 
qualquer fio, um grãozinho que fosse de estrutura – pois ainda achava que eram 
necessários para que algo durasse como obra de arte. 
Buscou, então, levar as Aulas e os poetas a se comunicarem entre si; significar o 
conjunto, por meio de relações entre temas e estilos da Ciência, Literatura, Educação. 
Muitas vezes (repetindo em voz baixa, como bordões), invocou afectos e perceptos; 
revisitou-os, remanejou-os e, forçadamente (sentia), simulou que aqueles poemas que 
serviam de solo ou de trampolim para a Aula tratavam-se de conceitos ou funções de X, 
Y e Z, feitos por N, B e D. (Mesmo que ela tentasse pegar esses poemas e autores por 
trás, como Valéry pegara Descartes; o Estagirita pegara Dionísio, Eurípides, Homero; e 
Deleuze pegara todos eles.) 
Padeceu tanto com essas procuras (que haviam se grudado pegajosamente nela, 
desde que lera o primeiro verso), que se deixou carregar pela leveza sonora, para que as 
Aulas se transformassem no que sempre mereceram ser diante da Poesia: em sua caixa 
de ressonância ou câmara de ecos. Tendo, assim, o corpo-escrileitura da Auleira sido 
possuído pela Poesia, disposta ficou para transferir as energias do sistema oscilante da 
Poesia para o da Aula, de maneira que a freqüência desta (isto é, os movimentos 
ondulatórios em relação às unidades de tempo) conviesse à sua própria freqüência de 
Auleira. Conseguiu fazer com que fantasias de títulos, temas, focos, eixos, relações, 
que, teimosamente, buscara, fossem usadas como emblemas da ideografia poética de 
que uma Aula é composta. Ideografia que, se por um lado, rompe com os sistemas de 
origem; por outro, homenageia seus autores e obras, em função de escolhas e 
21 
 
composições, feitas nas escrileituras de uma Aula e na última página em branco do seu 
Caderno de Notas (que a Auleira achou, inicialmente, fossem dedicadas à morte). 
Logo, enquanto câmara de ecos, ela deixou que a Poesia ressoasse dádivas e 
repercutisse anseios nas Aulas: chorou com constelações brilhantes e finais de tarde; 
com medo das paixões retrospectivas e saudade das canções incontáveis; com estradas 
viajadas e ilusões visíveis. Mas, também se permitiu rir (embora pouco, ao modo de 
esgares), com as vozes daquilo que Aulas passadas não expressaram e dos seus 
espectros na relva. Sentiu o cangote arrepiar-se, quando a Aula querida foi transformada 
(pelos malucos-cabeça Artaud e Van Gogh) naquele Bebê-Monstro que, germinal, 
selvagem e sorrindo, comandava toda a Via Láctea, a Terra e seus botões invisíveis. 
Urrou (e jamais saberia se de dor), quando encontrou laços microscópicos, degraus 
dormentes, musgos luxuriosos, ao lado de unicórnios adâmicos e ninfas lilases na 
primavera, clamando que a deixassem agir, pois precisava de um pouco de imaginação. 
Deu barrigadas de tanto gargalhar (aí, sim), ao se deparar com os seres que rastejam na 
lama e no lodo, embriagados de veneno inútil. Adorou sonhar-se acordando, para 
escrever Cahiers, antes da aurora em Sète; e, depois, com retornos a intervalos de 
fumaça em San Juan de Pasto; sóis impacientes na ilha de Manhattan; atmosfera dos 
vales de Caxemira; ensinamentos do himeneu em Dublin, debaixo de um castanheiro, 
feitos uma ponte para o furor de velhos cantos. 
Como, agora, a Auleira escrevia-e-lia acusticamente, começou a perceber que os 
ecos poéticos das Aulas eram uma reflexão dos sons, que só lhe chegavam um tempo 
depois de, nelas, serem emitidos diretamente. E chegavam, após atravessarem 
obstáculos, que estavam distantes e eram feitos de materiais polidos ou densos, que não 
os tivessem absorvido. Desse modo, sons, imagens, culturas, conteúdos, rimas, planos 
de pensamento vinham do fundo de fluidas escadarias de mármore; escorregavam por 
enormes edifícios brancos, no fundo do mar, cheios de maquinarias de espuma; eram 
vocalizados em salas feitas de crânios, que continham a destruição da virtude; valsavam 
desatinados em estrelas cheias de ternura; subiam por asas e bicos de águias inanimadas, 
com textura da pele de cadáveres; deslizavam por escarpas camufladas e celeiros 
insondáveis; bufavam em balsas cheias de salamandras cambaleantes a espreitarem 
jovens e virgens. 
Assim reverberando, as Aulas emitiam algumas flexões poéticas que a Auleira 
não conseguia jamais distinguir umas das outras. Também, dependendo da intensidade 
dos ecos, uns lhes eram desejáveis (como no radar) e, outros, indesejáveis (como na 
22 
 
microfonia). Feita um aparelho de ultra-sonografia, que sentia as emissões de ondas, no 
ar, na terra, na luz e na água, a escrileitura da Auleira ecolocalizava e biosonava as 
Aulas, com se fosse um golfinho, uma baleia ou a Noite. 
Ondas Aulísticas que, às vezes, lhe eram desmobilizadoras: “Como correr das 
batalhas”? “O que fazer para deixar o tempo passar”? “Quando chegam o descanso e a 
fruição”? Mas, em seguida, vinha-lhe uma onda-viveira na vibração das frases: “Qual é 
este amor despertado”? “Que palpitante Aula me foi legada pela Poesia”? “Mais do que 
o dever cumprido, que sensação aprazível é esta que da Aula-Poema me chega”? Já 
outras ondas traziam-lhe sensações antigas, duradouras, doloridas, como quando alguém 
erguia a vela principal e navegava sem mais perspectiva de encontro; enquanto outro 
alguém dizia “É tudo idéia feita”. Escutava o desagradável eco do consenso em: “É 
muito sacrifício para tão pouco”; mas, daí, tornava-se-lhe audível a frase-
movimentadeira: “Aprendeste lições com aqueles que admiras”? Estupefata ficava 
quando, logo adiante, chegava a emissão rançosa da cansada frase: “Dou Aula do 
mesmo jeito que me deram”. Detestou o que lhe pareciam lembranças edipianas de 
infância: “A professora é uma mãe”. Também se desgostou, ao ouvir “A escola é o 
segundo lar” ou o demasiado repetido “Se queres ser alguém, na vida, estuda”. E o que 
mais odiou (por seu agnosticismo) foi a onda, tantas vezes recebida, de alguma 
divindade ou máxima redentora, em ação na Educação. 
Ler-e-escrever as Aulas, por meio do procedimento poético caixa-de- 
ressonância, levou Auleira a sentir e entender melhor que uma Aula (por definição e em 
ato) ocupa-se, momentaneamente, ou atravessa um grau-zero de produção de sentido; 
grau que é, também, verticalização ou estilo (lembrava de Barthes), somente viável num 
espaço da criação de escrileituras. Agora, ela se considerava dispensada de aprofundar 
códigos, gêneros, autores, origens, escolas; de comentar ou de interpretar os poemas e 
seu conjunto, segundo critérios preexistentes e valores a eles transcendentes. E, o mais 
incrível, ficava eximida de proceder a qualquer Juízo, viesse de quem ou de onde 
viesse! Poderia deixar as Aulas sossegadas, para serem apreendidas, no que nelas havia 
de poeticamente novo. 
Auleira adquirira, assim, a inocência da eco-escrileitura de uma Aula, que a 
desobrigava de remetê-la à miséria das paixões tristes, às pobrezas dos sonhos 
classificados e aos rigores das organizações; conseguindo, spinozianamente, fazer com 
que uma Aula lhe conviesse, isto é, lhe transmitisse suas forças internas e ricas da 
potência poética; ou não. Ao fazer simplesmente uma Aula existir, em sua inédita 
23 
 
combinação, deixava-a alçar-se a algum modo novo de funcionamento, criando-se por 
meio das forças poéticas que conseguia captar. Valorizava-a, finalmente, em sua própria 
produção. Então, do prazer de escutar as ressonâncias das Aulas, levemente, ela passou 
ao desejo de escrevê-las; desta vez, em seu Caderno de Notas, como Doris Lessing 
(1972), em The golden notebook (O carnê dourado). 
CADERNO DE NOTAS 
1. 
(Na primeira página desse Caderno, abaixo do título“Aula”, aparecem as seguintes 
palavras assustadas.) 
Aula 
existem aí lamentos indolência curiosidade conquistas? 
medo de ficar só na continuidade 
neste estágio intermediário entre ser e imago 
 Aula dialoga 
mas nada mais que boca e ouvidos 
 deglute fala escuta escreve lê e pronto 
em estado de andadura e desprendimento 
como poeira dos tempos sorte cor de esmeralda ou lágrima que goteja 
absorvida pela areia 
isso a faz viver 
2. 
(Há, em seguida, uma anotação à margem, escrita com tinta forte, sublinhada.) 
Cadência 
Termo para designar o processo de afastamento 
das experiências de Aulas passadas. 
3. 
(A segunda página está dividida em três blocos por nítidas linhas pretas. Nelas, lê-se.) 
Uma altivez 
Depois que Auleio, já não sou mais o que fui. O que está lá? Enquanto, antes, tinha só 
cópias para fazer, tenho, agora, experimentações inimitáveis: escrileitura, esbelta como 
pernas de mariposa; vozes desenhadas e cérebros hemisféricos, com bilhões de facetas, 
matizes, lados, utensílios e perturbações, ao mesmo tempo; pistas de sabedoria, 
extraídas, com língua pontuda de poeta, da superfície dos estudos relevantes. Na justa 
medida de uma Aula altivamente reversa. 
24 
 
Mônada 
olho para a Misteriosa 
tudo fechado 
não existem portas nem janelas 
local afastado silêncio absoluto 
por fora parece que dentro nada acontece 
ilusão 
atividade tremenda por séculos inteiros 
quem trabalha ali? 
 a vida da Aula-Mônada 
 princípio do ovo curioso que passa aos escultores 
aos herdeiros da chama 
para as formas 
o princípio vital é a alma 
porém não se trata de monogamia 
é alma dividida em corpos infinitos 
Enigma 
Como é possível que uma pequenina Aula, que nada conta, possa sair da Poesia, tão 
dadivosa e resplandecente? A solução é Alegria. 
4. 
(A seguir, um adendo, colado com fita adesiva.) 
 
– A Aula busca um raio, pois a tempestade lhe escapa; quer, assim, correntes que 
fogem, para cavalgá-las. A fim de analisar uma Aula perfumada, é preciso decifrá-la na 
aspiração. Para compreender um broto de poesia de Aula, é preciso encrespá-lo no 
Espírito. O Espírito da Aula é um berço de línguas; dele, saem recém-nascidos e 
serpentes. Também os tímpanos alimentam-se; e, mesmo tumultuada, a Aula esparrama-
se nos tímpanos do Espírito, sob formas alteráveis e vibráteis. Como abrir o pensar do 
Espírito da Aula às portas da Vida? Este é o divertido (e fracassado) combate, nas 
estações da Comédia Intelectual da Educação: o combate contra o pensar poético. 
5. 
(Por fim, nas últimas páginas, sob o título “Auleira”, aparece escrito.) 
Auleira 
25 
 
– não morrerei tão facilmente sou uma Guerreira de Aula 
– se és uma Guerreira luta contra o Imobilismo 
 – até o faria mas como cruzar os limites da Fantasia de Aula? 
– ora Fantasia não tem limites... 
– isto não é verdade mentes! 
– tonta não te dispuseste ainda a viver a Fantasia 
é o mundo das diferenças logo é ilimitado 
– mas por que a Fantasia de Aula agoniza então? 
– porque sem ela os Auleiros são mais fáceis de arrebanhar despojar entristecer 
aniquilar 
 
tua Aula 
crava-se na grande terra calosa do mundo da Poesia 
feito de céus mares astros deusas diamantes ervas mortais 
ali onde canta o rouxinol de Keats 
Rimbaud com 17 anos faz o primeiro experimento 
toca paisagens escreve vertigens 
inventa o barco 
 
encontras o mestre dos heterônimos Alberto Caeiro 
saído a pouco do escritório na Baixa que diz 
passa uma Aula adiante 
onde o arroio brota das raízes 
e atrás vem Fernando Pessoa ele-mesmo resmungando 
dizem que a Aula finge ou mente tudo o que faz 
simplesmente sente com a imaginação 
 
num promontório Archibald MacLeish desenha sua Ars Poetica 
uma Aula deve ser palpável como um fruto redondo 
ou velhos medalhões ao toque dos dedos 
deve ser calada como a Lua subindo 
deve ser e não significar 
 
nas asas das perdizes Pablo Neruda canta o Poema XVIII 
26 
 
Aulas não se descartam nem se somam 
ardem de doçura e se enfurecem 
no exílio Murilo Mendes estrebucha de rir com 
Aulas em família que têm por testemunha a Gioconda 
 
na água-furtada Baudelaire baixa a Aula do seu reino aéreo 
em cujas asas encharcadas de sal 
Mallarmé embarca para ir à festa possível 
lá onde soa o violino de Verlaine 
 
na biblioteca Jorge Luis Borges sussurra 
amamos as Aulas que não conhecemos e as já perdidas 
as antigas que não nos decepcionam mais porque são mito e esplendor 
as mutantes formas de Aulas feitas do que foi esquecido 
e que mal deciframos 
 
 no jornal Aurora Walt Whitman convoca a virem a si as suas Aulas 
tomarem o melhor que ele tem 
pois precisa demais do contato com almas e corpos 
 
e na sacada Apollinaire suplica que a Aula seja o seu obus boche 
para matá-lo de súbito amor 
 
a Aula não é nem nunca será de sobriedade 
mas do excesso exagero desmesura desmedida orgia 
 
nela ouve-se a Canção da inocência de William Blake 
 
as Aulas da noite soberbas altas com suas patas 
galopam entre as vinhas 
à busca dos escombros da paisagem que foi Hilda Hilst 
em seus recantos e desvãos 
 
Manuel de Barros recita avencas 
27 
 
e Proust ouve aves e beethovens de Aulas 
Hokusai pede cento e dez anos de vida para que toda Aula 
caiba num pontinho do seu pincel de pêlo de marta 
 
 na Aula Dementada em que a Educação vive aberta 
do Cemitério marinho Valéry contempla 
 o dia que incendeia o mar 
que recomeça sempre e é 
recompensa depois de um pensamento 
 
Florbela Espanca sonha na Aula a vaidade de ser a poetisa eleita 
e quanto mais no alto voa acorda do sonho e nada é 
 
o Homem sem qualidades de Musil segreda que 
o melhor esconderijo da Aula é o plano 
 
à procura eterna da poesia Drummond convida 
chega mais perto e contempla as Aulas 
cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta sem interesse pela resposta pobre ou terrível que lhe deres 
trouxeste a chave? 
 
então lhe dirás 
não há 
 só poemas luminescentes de radiação luminosa na fonte da Aula 
impossíveis de medir objetivamente 
como velas num quarto escuro parecem brilhantes mas jamais à luz do sol 
 
com Mário Faustino as Aulas 
vão contra o peso do mundo e a pureza dos anjos 
têm alma cantante e risonha 
imantada por luzes e sons 
pulsam e palpitam o pulso contra os olhos vazios da morte 
são armas carregadas de futuro 
28 
 
nossas Aulas 
apontam setas de poesia direto para os peitos 
tiram intenções piedosas 
não pedem definições precisas 
nunca ordenam “vai por aí” 
 
vendaval louco que se solta 
onda do mar que se eleva 
um átomo mais que se anima 
pecados sem adornos veredas de escamas 
papéis úmidos de tinta desertos de malmequeres torrentes de pôr-de-sol 
abismos sangrentos que tocam o fundo 
paixão de suicidas que se matam sem explicação 
para além de suas penas 
 
Aula 
canta teus poemas 
como o ar treze vezes por minuto 
para trazer impulsos coragem ferramentas 
na fertilização de tantas outras 
6. 
 (Nisto, faltou luz. A Auleira acende a vela. Um fantasma de Aula flutua em direção à 
chama e cai. Morto. Antes de fechar o Caderno de Notas e de assoprar a vela, ela ainda 
tem tempo de variar uma frase do Padre Antonio Vieira: “Desculpe por tão longa Aula; 
mas é que não tive tempo, jeito, nem peito, de fazê-la breve”.) 
 
Referência 
LESSING, Dóris. O carnê dourado. São Paulo: Círculo do Livro, 1972. (Trad. Sônia 
Coutinho e Ebréia de Castro Alves.) 
 
 
 
 
29 
 
II. 2. – “DAR” 
 
10 PASSOS PARA “DAR” UMA AULA SEM “MANCAR” 
 
1º. Não pergunte a ninguém como “dar uma Aula”. Se, no entanto,em algum dia 
precedente: a) você estudou formas de “dar uma Aula”, registradas na História da 
Educação e da Pedagogia, tome essas formas como meras histórias, ou seja: produzidas 
em tempos-espaços específicos, em meio a relações de saber-poder, que produzem 
determinados modos de subjetivação – e esqueça a História; b) se alguém supôs ter lhe 
“ensinado” algo sobre como “dar uma Aula” – esqueça-o, também, totalmente. 
2º. Então, faça o que precisa ser feito: da melhor maneira ética, e com o melhor 
material que você conseguir, prepare uma Aula. 
3º. Como uma Aula não é uma coisa que você agarre, acumule, distribua ou “dê” 
a alguém, fabrique, confeccione, produza, invente, ficcionalize uma Aula. Em síntese: 
puxe-se! 
4º. Viva a Aula em intensidade, como uma Aventura humana, demasiadamente 
humana. Para tanto, largue a Moralina na porta de entrada; pois, só assim, você terá 
condições de criar uma nova sensibilidade para sentir, desejar, trabalhar, fazer uma 
Aula. 
5º. Pense... 
6º. Veja se, por meio da Aula, você próprio, como “Auleiro” consegue: a) pensar 
a Diferença Pura que ilimita toda ação humana; b) esgarçar as Identidades, a 
Racionalidade Moral, a Experiência Utilitária; c) pôr em jogo saberes plurais para ler 
signos heterogêneos: Mundanos, Amorosos, Sensíveis, Artísticos; d) praticar a Fantasia 
de Aula, para que esta não integre o domínio do Estereótipo, do Já-Dito, do 
Espontaneísmo Vazio, da Mesmidade Estéril. 
7º. Verifique se a Aula: a) não opera com pretensões à Verdade; b) não suspende 
a vontade de criticar; c) não aborrece, entedia, nem transmite a sensação de déjà vu; d) 
mas aligeira e adianta as potências do Futuro; e) funciona como um Atrator Caótico; f) 
produz efeitos de Inspiração e de Criação. 
8º. Avalie se você, enquanto “Auleiro”, está transitando do Prazer de Aprender 
ao Desejo de Educar e vice-versa, por realizar a Aula como um território singular, 
30 
 
instigante, novo, que desloca os valores estabelecidos e descodifica as formas de 
conteúdo e de expressão correntes. 
9º. Faça a Aula combater todas as maneiras medíocres de “dar Aula”, que 
diminuem, reduzem e aviltam a Vida; portanto, faça-a funcionar como Máquina de 
Guerra contra as burocracias intelectuais, o pesadume da vida, as forças secundárias de 
adaptação e de regulação: Memória, Lucro, Honras, Poder, Vaidade. 
10º. Se, ao dar algum ou todos os 09 Passos anteriores, você “mancou”, mesmo 
sem querer, faça como naquela música: levante, sacuda a poeira, e dê a volta por cima, 
isto é: prepare, com toda dedicação e amor, a sua próxima Aula. Merde para você! 
 
Apêndice 
 (1) Os professores e os tratados que dão receitas sobre “Como dar uma aula” 
(ou “Como fazer um currículo”, ou “Como desenvolver um conteúdo X”) são tão 
imbecis como o seria um livro que fornecesse medidas ou combinações de cores para 
produzir uma obra de arte ou uma obra-prima à la Van Gogh. 
(2) Aprende-se a pintar pelo olho, não por álgebra; aprende-se a fazer uma aula 
fazendo-a, pelo coração, pelo desejo, pela vontade de educar. 
(3) Assim como em música, a prosódia e a melodia são aprendidas pelo ouvido 
atento, e não por um índex de nomenclaturas ou pelas informações de que tal ou qual 
nota se denomina lá ou sol; assim também uma aula é aprendida pelo próprio processo 
de ser feita. 
(4) Se você der a um desenhista 64 moldes das curvas mais comuns de Botticelli 
ou se der a ele os 18 tons de amarelos mais usados por Van Gogh, ele será capaz de 
fazer uma obra de arte? 
(5) Você esperaria criar uma melodia, tal como Mozart ou Bach, simplesmente 
golpeando notas alternadas ou alternando mínimas e colcheias? 
(6) Podemos fazer listas e mais listas puramente empíricas de técnicas bem-
sucedidas (sabe-se lá o que é isto!); podemos, até mesmo, fazer um catálogo de nossas 
aulas ou currículos prediletos; mas o que não podemos fazer é fornecer uma fórmula 
para compor uma aula, currículo, melodia mozartiana, livro beckettiano, etc. 
(7) Adianta alguém pedir a um professor de artes uma receita para fazer um 
desenho como Leonardo da Vinci? 
(8) Adianta alguém pedir a um professor da Faculdade de Educação uma 
“receita” para fazer uma aula bela, produtiva, criadora? 
31 
 
(9) Se ninguém pedir e ninguém oferecer essas receitas, teremos, talvez, afastado 
o extremo tédio que cansa a professoralidade e as besteiras disseminadas sobre 
metodologia, didática, currículo. 
(10) Virem-se! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
32 
 
OUTROS “10 PASSOS” 
(Colaboração de integrantes do BOP – Bando de Orientação e Pesquisa e do Grupo de 
Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações) 
 
PARA DESENHAR UMA AULA EM TRÊS DIMENSÕES 
Betina Frichmann Gonçalves 
(Artista Plástica. 
Mestranda em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. 
De BOP e DIF.) 
 
 
Uma aula pode começar do encontro de pessoas e de coisas. Um choque que 
produz algum efeito. Um sistema de desterritorialização, com permissões, percepções, 
imaginações, operações, aprofundamentos e superações, deslocamentos, olhares. 
 
Os passos 
1- Permitir a criação de espaços de valor artístico na vida objetivamente fabulada pela 
personagem de professora-autora. Espaços lisos, fora das segmentações do pensamento 
moral e de seus modelos. 
 
2- Perceber o pedaço das coisas e comportar o todo. O ato de perceber como ação para a 
criação. 
 
3- Imaginar sem modelos, como orientação e desenho do pensamento, descarregar 
regras, desmodelizar o pensar. 
 
4- Operar pelo sonho, pela embriaguez, pelo excesso, pelo irracional do humano. 
 
5- Atingir um ponto secreto, aforismo do pensamento, anedota da vida, anedota do 
pensamento. 
 
6- Aprofundar para chegar ao efeito de superfície. Com a verticalidade entre a 
profundidade e a altura se chegaria à autonomia da superfície. O acontecimento na 
superfície. 
 
33 
 
7- Deslocar. Tornar-se outro, trocar de pele, olhar-se com os olhos dos outros e realizar 
o acabamento artístico. Encontrar clarões de emoções, aquilo que dissolve vínculos de 
rotina. 
 
8- Olhar-se de modo totalmente crítico, como professora-autora: um ato de certa 
consciência. 
 
9- Sair do pensamento como pensamento de verdade. 
 
10- Saltar. Mas saltar para onde? Para qual linguagem? Derrapar, agarrar e arrastar. Não 
se trata mais de reencontrar, na leitura do mundo e do sujeito, simples oposição, mas 
transbordamento, superposições, escapes, desligamentos, deslocamentos, derrapagens. 
 
– Não volte prematuramente para os efeitos de sua própria execução. 
 
Referência 
CORAZZA, Sandra Mara. Seminário Avançado: O método da dramatização na 
comédia do intelecto: Deleuze e Valéry. Programa de Pós-Graduação em Educação, 
Faculdade de Educação, UFRGS. 2010/2. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
34 
 
PARA “DAR” UMA AULA E FRACASSAR 
Cristiano Bedin da Costa 
(Psicólogo pela UFSM, 
Mestre e doutorando em Educação pela UFRGS. 
De BOP e DIF.) 
 
Para uso dos planejadores 
1º. Comece por fixar um ponto ao redor do qual você poderá organizar o trabalho. Pode 
ser um tema, uma matéria, um conceito ou assunto específico; mas também algo da 
ordem de um gosto, de um determinado movimento ou gesto; talvez uma lembrança ou 
até mesmo um segredo, desde que o conteúdo possa servir como esteio para um em-
casa, um esboço de um centro estável, para onde você tenha certeza de poder voltar a 
qualquer hora; sobretudo nos momentos de maior desorganização e fragilidade. 
2º. Tendo encontrado o ponto, dê voltas, investigue, selecione os componentes capazes 
de auxiliar na necessária organização de um espaço limitado em torno do centro estável. 
Com isso, você já estará definindo umplano, o seu plano de aula, que não é igual aos 
outros. Trata-se da sua marca, da placa fixada em um meio específico, com os 
elementos que definem a sua postura: refrões e fragmentos de leitura, estratégias, 
treinos, tiques, rituais, preferências teóricas, didáticas e metodológicas; todas as coisas 
grandes e tudo o mais que for real ou aparentemente pequeno, inconfessável ou até 
mesmo impensável, concorrendo para a constituição da sua assinatura. 
3º. Um plano é necessariamente uma construção: um arranjo inusitado, um atalho, um 
improviso incerto e frágil, talvez um murinho apenas; ou então um compacto, robusto e 
aparentemente intransponível casarão: métododidáticopráticoteóricopedagógico. Seja 
como for, por si só, o plano não existe, devendo ser incessantemente fantasiado, 
fabricado e avaliado, em função dos modos de existência que o constituem e que nele 
são desenvolvidos. 
4º. Frente aos materiais que constituem o plano de aula, para nada interessa perguntar 
por essências, uma vez que a preocupação é saber e avaliar como cada um dos 
elementos se compõe com os demais, e o que resulta dessas composições. Mesmo as 
conjunções mais disparatadas podem configurar um bom encontro, renovando assim os 
modos de vida e aumentando a potência de agir dos componentes em relação. 
5º. Um plano não é bom ou mau por um simples inventário de seus componentes. 
Enquanto planejador, seu critério de avaliação será a potência inventiva dos encontros, e 
35 
 
não a análise dos elementos isolados. Sendo assim, fabule, selecione, componha, 
invente. Com sons, cores, imagens, textos. E então inverta o procedimento: até o avesso. 
6º. O plano é aquilo que dele se diz, aquilo que nele se faz e fantasia, cada salto ou 
passo em falso que em seu meio é dado. O plano é a pequena ciranda, a territorialidade 
segura que possibilita a reiteração dos gestos, que orienta a didática e os procedimentos 
de pesquisa e escrileitura. Por essa via, o plano irá se contrair ou expandir, tornar-se 
mais ou menos intenso, em função das formas que desenvolve e dos sujeitos e conexões 
que dá a ver. O plano, em cada uma de suas dimensões, é também o planejador que ele 
abriga e torna possível. 
7º. Em uma dimensão prática, o plano é trama expressiva. Componentes intelectuais, 
visuais e sonoros, toda uma rede corpórea operando na estruturação de um meio 
específico. Por sobre uma estreita relação entre os componentes, e naquilo que nela é 
produzido, recai a responsabilidade por sua clareza e eficácia. O planejamento, por sua 
vez, é a condição de possibilidade dessa relação. Desse modo, procure preservar cada 
conexão estabelecida, cada movimento encenado, cada partida e cada chegada 
fantasiada, mesmo que isso seja impossível: o plano, plano de vida, plano de aula, tanto 
faz, só pode fracassar, invadido por outras afecções, outros contágios – é justamente a 
expressividade que carrega em seus movimentos que faz com que o plano se abra a uma 
nova rede de encontros, conectando-se com outros elementos que não os seus, em um 
contraponto territorial que coloca em cena uma nova relação de forças. 
8º. Ao inevitável fracasso do plano, dê o nome de Aula. 
9º. Não tome a aula como um a posteriori, tampouco o plano como uma simples etapa 
anterior de seu trabalho de “Auleiro”. A aula sempre esteve presente, teve início, não se 
sabe onde nem quando, assim como o plano não se encerra na hora marcada. Em seu 
tempo e em seu espaço específico, com os elementos que lhe cabem, aquilo que 
propriamente chamamos de aula dá a ver é, apenas, a fração de um drama mais 
profundo, este não de todo representável. 
10º. Finalmente, não negue à aula uma dimensão de confronto: do planejamento com o 
seu fora, do estabelecido com o imprevisto, da certeza com o indeterminado (neste 
meio, não haverá o que lamentar: serão novos componentes a serem conectados, novos 
elementos a serem integrados ao jogo de criação). Dizendo de outro modo: frente a 
outras dimensões expressivas, esforce-se para que o fracasso do plano seja próprio do 
movimento (fantasia de um só procedimento: compor com o novo, em terras 
estrangeiras). A prática educacional, bem se sabe, é uma incursão sobre o desastre. 
36 
 
PARA “LER” UM “TEXTO DIDÁTICO” 
Deniz Alcione Nicolay 
(Doutorando em Educação no PPGEDU/UFRGS. 
Professor Assistente da Universidade Federal da Fronteira Sul, UFFS, 
Campus Cerro Largo, RS. 
De BOP e DIF.) 
 
Em homenagem a Hugo de São Vítor 
e ao seu “Didascálicon” 
(Da arte de ler) de 1127. 
 
 Parte-se do pressuposto de que aquele que lê não aprende nada com o texto, 
objeto de leitura, cujas frases têm diante dos olhos. Então, qual o tipo de leitor que lê 
apenas mecanicamente e, de fato, não entende nada do que lê? Alguns exemplos: leitor 
pula-pula (literalmente “pula” as partes do texto que não lhe interessam); leitor Jack 
Estripador (lê apenas as vísceras do texto: orelhas, contracapa, biografia, breves 
comentários); leitor faz-de-conta (afirma que leu em algum lugar, em algum momento, 
porém não lembra nada do texto). Para tais tipos, sugere-se uma formação emiliana (de 
Emílio); ou seja, como o tutelado fictício de Rousseau, que o leitor leia, ao menos 
(durante toda a vida), um único livro: de preferência Robinson Crusoé. Simplesmente 
porque tal livro é um tratado de como sobreviver sem leitura, durante muito tempo, num 
mesmo lugar, quer dizer, numa ilha. Mas, se o texto é “Didático” supõe-se a existência 
de alguns aspectos que, de todo modo, introduzem o jovem leitor no universo das 
ciências oficiais (aquelas que são trabalhadas no ambiente escolar). Eis o problema: em 
que lugar se lê na escola? Deboche surreal: na escola, tudo é leitura. Logo: nada é 
leitura, compreendida em sua extensão máxima, enquanto força ativa de comunicação 
do pensamento. Ao contrário, assiste-se à consumação de exercícios reativos, 
superficiais em demasia, de maneira que o escopo aí pretendido serve apenas para 
cumprir a rotina do calendário letivo. Por isso, na alusão barthesiana de uma “Joie de 
Lire” (alegria de ler), listam-se 10 passos fundamentais para sacralizar (à maneira de 
Hugo de São Vítor) o exercício da leitura nas escolas. 
 1°. Antes de tudo, para ser bom leitor, é preciso estar próximo da sábia 
filosofia bovina, isto é, ruminar as palavras, o texto, as idéias. Sem precisar se o capim é 
novo ou velho: rumine tudo. No final, o resultado é o mesmo: húmus argumentativos ad 
scriptor. 
 2°. Leia superficialmente um texto, extraindo expressões-chave. Tais 
expressões constituem a topologia dos parágrafos (de abertura e fechamento). E é por 
37 
 
meio delas que o bendito autor dirá com quantas linhas se faz um livro. Mas, cuidado! 
Ele pode estar troçando da vossa excelentíssima sapiência. Nesse caso, reescreva com 
suas próprias palavras outro texto, discordando, em gênero, número e grau, de todas as 
conclusões do autor. 
 3°. Agora, volte atrás e leia minuciosamente o mesmo texto, percebendo os 
detalhes tipológicos empregados pelo autor. É possível perceber, inclusive, se se trata de 
um espírito ressentido (tipo: megalomaníaco colunista social) ou de um fiel artista da 
palavra (tipo: Kafka fascinado pela estética do livro). De qualquer forma, escute sempre 
o demônio das entrelinhas. 
 4°. Liste e avalie as premissas do autor. Elas ocultam o sentido e o valor das 
idéias fixadas sobre a forma de conceitos e/ou palavras. Esqueça (no começo) a 
conclusão. Ela não dirá nada que alguém, em outros tempos, já não tenha dito. As 
premissas não. Elas carregam a potência dos silogismos lógicos. Ou seja, quando 
negativas, não passam de valores distorcidos, a serviço da moral dos escravos; quando 
positivas, elevam o teor da ação, perfazendo a afirmação de valores nobres, portanto, 
mais saudáveis. A regra é clara: torne-se “Senhor” do texto que lê. Caso contrário,será 
sempre o “Escravo” das palavras vazias. 
 5°. Em relação ao texto, atue como uma espécie de ator trágico. Isto é: 
dramatize o texto em toda sua proporção. Então, questione-o (Quem? Quanto? Como? 
Onde? Quando?). 
 6°. Certamente não se deve esquecer as agradáveis companhias: dicionários, 
bloco de notas, canetas... Há aqueles que não dispensam os amuletos da escrivaninha 
(cada um no seu devido lugar). Sobretudo, transforme o ato de ler num “otium” (São 
Vitor, 2007, p.33). 
 7°. Se, todavia, ainda assim, não compreende o que lê, tenha calma. Nem 
tudo o que se lê serve para alguma coisa. Mas esforce-se em distinguir textos obscuros 
de textos confusos. Não imagine que James Joyce tenha preocupações didáticas. 
Quando muito, a distinção entre os dois tipos de texto é uma questão de interpretação. 
Nessa condição, você está só. 
 8°. Persista na aquisição de uma disciplina de leitura. Isso inclui as 
condições do ambiente e, também, a determinação do tempo. Entretanto, evite práticas 
viciosas (ler durante o almoço, no vaso sanitário, numa roda de amigos...). Não é 
preciso “forçar a barra”. 
38 
 
 9°. Entenda que todo texto didático se orienta em duas dimensões, isto é: do 
ponto de vista inteligível e do ponto de vista intelectível. Na primeira, é o produto real 
de um pensamento, de um raciocínio que está ali para ser compartilhado. Na segunda, é 
determinado pelo grau de afecção que provoca no leitor (sua utilidade ou 
mediocridade). 
 10°. Por fim, antes de começar, deve ter presente: saber o que se deve ler, o 
que lerá primeiro e, acima de tudo, como se deve ler o texto. Portanto, esses passos não 
serviram para nada (apenas para mim). Crie os seus ou vá para a ilha de Robinson 
Crusoé. 
Referências 
SAINT VICTOR, Hugo de. Didascálicon: da arte de ler. Bragança Paulista: 
Editora da Universidade São Francisco, 2007. (Trad. Antonio Marchionni.) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
39 
 
(DES)EDUCATIVOS PARA “DAR” UMA AULA DE MÚSICA 
Eduardo Guedes Pacheco 
(Doutorando em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. 
Professor Assistente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, 
UERGS, Montenegro. 
Coordenador pedagógico da Associação 
CUICA – Cultura, Inclusão, Cidadania e Artes. 
Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. 
De BOP e DIF.) 
 
1º. Para se criar uma aula de música, algumas questões devem ser colocadas. São 
elas: quem quer uma aula de música? Onde essa aula vai acontecer? Quando vai 
acontecer? Por que vai ser ministrada? 
 
2º. Um professor “dá aula” sobre aquilo que deseja entender, aprender, inventar; 
e não sobre aquilo que já conhece. 
 
3º. É de fundamental importância que o professor conheça os métodos de 
educação musical que alcançaram reconhecimento por sua eficiência; entre esses, 
aqueles historicamente reconhecidos, bem como propostas contemporâneas de ensino. 
Essa aproximação permite que se realize o afastamento dos métodos, possibilitando que 
a aula possa se tornar um espaço de invenção, não só de músicas, mas, também, de 
formas para se ensinar música. 
 
4º. Uma boa aula de música acontece quando o professor que a ministrou sai tão 
transformado pela experiência proposta quanto os seus alunos. 
 
5º. Uma aula leva em conta o tempo histórico em que uma obra foi criada; está 
atenta para suas geografias e etnias: não para estabelecer hierarquias, nem para realizar 
julgamentos morais sobre formas, estilos e conteúdos; mas para servir de alimento para 
a invenção de músicas e de formas de dar aula. 
 
6º. Afastar a passividade da audição: ouvir é tão importante quanto tocar ou 
cantar. Portanto, fazer da aula a possibilidade de audição como um ato criativo. 
 
7º. Desconfiar de proposições concebidas como verdades; como, por exemplo, 
som e silêncio são entidades antagônicas. 
40 
 
 
8º. Inventar problemas que coloquem em xeque diretrizes que fazem do 
pensamento algo sem movimento. No caso da aula de música, inventar problemas que 
digam respeito às relações estabelecidas entre harmonias, melodias e ritmos e como tais 
relações podem estar implicadas com a composição. 
 
9º. Perguntar: harmonias, melodias e ritmos são os únicos parâmetros possíveis e 
responsáveis pela criação em música? 
 
10º. Fazer da aula de música um espaço de invenções. O professor, além de criar 
melodias, ritmos, harmonias, texturas, intensidades, superfícies, silêncios, inventa 
formas de compartilhar o pensamento em música com seus alunos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
41 
 
PARA “DAR” UMA AULA SEM SE DECEPCIONAR 
Gabriel Sausen Feil 
(Professor de Comunicação Social da Universidade Federal da Pampa, UNIPAMPA. 
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. 
De BOP; Grupos de Pesquisa 
DIF e Diálogos do Pampa; 
Líder do GP T3XTO.) 
 
 
Prólogo: a única maneira de dar uma aula sem se decepcionar é pressupor, de 
início, a possibilidade de decepção. 
 
Para não se decepcionar... 
1º. Intuir que aquilo que se diz jamais é aquilo que se ouve. 
2º. Não entrar na onda dos alunos. O professor nada tem a ver com o político 
preocupado em agradar os seus eleitores. É verdade que eles, os alunos, não estão ali 
para seguirem os nossos caminhos; porém, também é verdade que eles não estão ali para 
nos indicar caminhos. A sala de aula é a mesma, mas a maneira de ocupá-la é diferente. 
3º. Ver a Aula como uma guerra sem fim. Então, não estranhar os constantes 
desacordos. Os acordos, dentro de uma sala de aula, não passam de concessões feitas 
entre inimigos. 
4º. Encarar os alunos ao modo dos signos, no sentido deleuziano. É que os 
signos incomodam-nos, violentam-nos; a partir deles, somos forçados a pensar 
(Deleuze, 2003, p. 22). É preciso sentir esse efeito, que nos força a procurar sentidos, 
sem esquecer que o sentido encontrado é sempre menos importante do que o estado de 
procura em que o signo nos coloca. 
5º. Não querer que os alunos desapareçam. Odiar os alunos e achá-los 
repugnantes pode ser saudável; porém, querer que eles desapareçam faz perder toda a 
graça e sentido. Frederico, personagem de Gombrowicz (1960, p. 122), repudia os 
homens, mas, ainda assim, afirma: “se eu encontrasse a hipótese de visitar outros 
planetas, só escolheria a lua; e gostaria de levar comigo outra pessoa – qualquer uma, só 
para minha humanidade achar um espelho onde se refletir”. Disso decorre, com algum 
deslocamento que, se ao professor repugna-lhe os alunos, é apenas porque estes o 
violentam, de modo que ele necessita dessa violência para refletir-se, tal como 
Frederico. 
6º. Não repugnar o aluno no sentido Crítico. Este é aquele professor que nega o 
inimigo, em vez de com ele empreender batalhas; aquele que, se pudesse, optaria pela 
42 
 
inexistência do seu oponente; aquele que tem como recurso estratégico a denúncia das 
fraquezas de tal inimigo. Essa estratégia Crítica, gradativamente, perde a sua fúria e 
torna-se, logo, moralista; afinal, combate apenas até a destruição do inimigo, uma vez 
que na ausência deste, busca instaurar-se como realidade substituta. Esse sentido Crítico 
foca as reformas do mundo, não denunciando, sem sonhar em ser, ele mesmo, o novo 
mundo. 
7º. Provocar o jogo, estabelecer o jogo, dar as regras a ele, porém, sem deixar 
de dar brechas para a intuição. No que diz respeito ao aspecto intuitivo da aula, os 
alunos são, normalmente, aguçados. Então, não cortar a parte intuitiva do processo. Isso 
significa pressupor que, apesar dos esforços, o pensamento não é controlável. 
8º. Instigar a traição dos alunos. Os alunos podem ensinar os professores, mas, 
quando ensinam, ensinam traindo. O aluno que não trai o seu professornão ensina nada 
a ele, de nada vale. Esse aluno é perfeito, mas é perfeito demais. Ele serve somente nos 
casos em que o professor não quer nada além de acomodar a sua existência consagrada. 
9º. Conceber o aluno como alguém “mais jovem” (mesmo que, em termos de 
idade, isso não seja verdade). Os “mais jovens” são aqueles que incomodam; não, 
simplesmente, por não estarem de acordo (não se trata da ordem hermenêutica da 
compreensão), mas por povoarem outros planos, testemunhando que as certezas de um 
plano podem ser concebidas como piadas num outro; absurdas num, inexistentes num 
outro. 
10º. Não esperar encontrar, no final, aquilo que se imaginava no início. 
Epílogo: a decepção é pressuposta porque não existe a possibilidade de, ao final, 
depararmo-nos com aquilo que tínhamos no começo. Isso vale tanto em termos de 
expectativa quanto em termos de substância. 
Referências 
DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. 
(Trad. Antonio Piquet e Roberto Machado.) 
FEIL, Gabriel Sausen. Procedimento erótico, na formação, ensino, currículo. Jundiaí, 
São Paulo: Paco Editorial, 2011. 
GOMBROWICZ, Witold. A pornografia. Lisboa: Relógio D'água, 1960. (Trad. Aníbal 
Fernandes.) 
 
 
43 
 
PARA DAR UMA AULA “INTEMPESTIVA” 
Karen Elisabete Rosa Nodari 
(Doutora em Educação pela UFRGS. 
Professora do Colégio de Aplicação da UFRGS, no 
Núcleo de Orientação e Psicologia Educacional. 
Bolsista do Observatório da Educação CAPES/INEP, FACED/UFRGS. 
De BOP e DIF.) 
 
1 – Para início de conversa, se você é professor e se dedica, bravamente, dia 
após dia, ano após ano, ao mui digno ofício de ensinar, é fácil constatar que você está 
contra o seu tempo. Sim, pois numa sociedade, na qual, Ronaldinho Gaúcho e Gisele 
Bündchen são celebridades que monopolizam a mídia, apenas 2% dos jovens escolhem 
o magistério como profissão. O que isto significa? Será que quase mais ninguém possui 
vocação para o ensino? Será que formar as novas gerações é menos importante ou 
interessante do que qualquer outra atividade? Mas, como não se está aqui para fazer 
queixas, muito menos uma análise sociológica das origens e das causas desse fenômeno 
alarmante, seguem algumas “dicas” para você se fortalecer e desenvolver uma aula à 
altura da sua vocação; ou seja, fora do tempo, a favor, quem sabe, de um tempo que 
virá. 
2 – É fundamental que você seja fascinado pelo que ensina; caso contrário, terá 
dificuldade em inspirar-se e, quanto mais, inspirar o seu grupo de alunos. É preciso 
horas e mais horas de ensaio e preparação para que a tão esperada inspiração aconteça, 
como bem sabia Deleuze. 
3 – A sua aula será tanto mais interessante quanto mais se situar no limite tênue 
entre o saber e o não saber... Vá até o limite da sua ignorância. Não banque o sábio do 
que você desconhece. Tenha coragem e arrisque-se! Caso contrário, o que você disser 
pode não ter interesse algum. Neste sentido, evite cultivar a pretensão de ser entendido 
totalmente quando explica algo, isto é uma ilusão. A boa aula reverbera na mente dos 
alunos, entre uma semana e outra, encontro após encontro, ao longo de um bloco de 
espaço-tempo. Toda aula se movimenta nas suas costas, ou, mesmo, enquanto você 
pisca. 
4 – Não fique arrasado se não souber responder a uma questão. Você, como 
qualquer um, não é obrigado a saber tudo. Desenvolver a humildade não faz mal algum. 
Mais vale aprender a arte de sair das questões, como já disse Deleuze, do que responder 
a todas elas. 
44 
 
5 – Encontre e cultive o seu estilo – grandes mestres portavam um charme 
singular e eram grandes emissores de signos. Foucault tinha uma emanação, como 
alguém que emitisse raios, e seus gestos eram metálicos. Deleuze usava unhas 
compridas e chapéu, além de ser conhecido por sua voz singular. Portanto, não se 
acanhe, descubra ou invente o seu estilo e siga em frente. 
6 – Assuma uma postura nietzschiana ao desenvolver a sua aula – como um 
arqueiro a lançar flechas no espaço que tanto podem cair no chão, como alguém pode 
apanhá-las e reenviá-las para outro lugar. Lembre-se que, por melhor e mais bem 
intencionado que você seja, cada estudante se apropria, a seu modo, do que lhe convém. 
7 – A sua aula não será ultrapassada, nem pouco potente, se você não fizer uso 
das tão badaladas novas tecnologias educacionais, que tem como “vedete” o uso do 
computador na sala de aula. Este aparelho, por mais deslumbrante que possa parecer, 
aos olhos de muitos, é apenas mais uma ferramenta a sua disposição que não substitui, 
de modo algum, a matéria a ser ministrada e o seu élan para ensinar. 
8 – É conveniente que a alegria faça parte da sua aula; isto não quer dizer que 
você deva se comportar como um “bobo alegre”, um “palhaço de circo”, a fazer 
piadinhas forçadas todo o tempo, a fim de divertir os alunos. E, sim emanar aquela 
satisfação de quem está efetuando a sua potência, realizando aquilo que pode, com 
estilo e gosto. 
9 – Como uma decorrência natural do oitavo passo, procure não separar os seus 
alunos daquilo que eles podem, pois, isto só vai produzir neles o sentimento de 
impotência e afetos tristes. 
 10 – Por mais difícil que seja a situação que você venha a enfrentar no decorrer 
da sua aula, mantenha o humor. Pois é sabido que este estado de espírito torna tudo 
mais leve, como uma lufada de ar fresco que entra pela janela e renova os ânimos. O 
riso tem o poder de aliviar toda e qualquer tensão que possa haver num encontro. Por 
outro lado, evite a ironia, pois, além dela conferir ares de superioridade a quem a usa, 
tem o poder de afastar o seu interlocutor. 
 
 
 
 
 
45 
 
PARA “DAR” UMA AULA “CONTEMPORÂNEA” 
Letícia Testa 
(Mestranda em Filosofia pelo PPGF/UFSC. 
Bacharel em Filosofia pela UFSC. 
Parecerista ad hoc do Ministério da Cultura 
nas áreas de Humanidades e Artes Cênicas. 
De BICA: Bureau de Investigações Cão amarelo.) 
 
Máximo Daniel Lamela Adó 
 (Doutorando em Educação pelo PPGEDU/UFRGS. 
Mestre em Literatura pelo PPGL/UFSC. 
Licenciado em Ciências Sociais pela UFSC. 
De BOP, DIF e BICA: Bureau de Investigações Cão amarelo.) 
 
1º. Comece por lançar mão de uma ética do contemporâneo; no sentido de pôr-se 
em jogo, de colocar-se em cena, por meio de um abandono sem reservas. Aqui o que se 
abandona, antes de tudo, é a intenção de dar uma aula para que possam advir novos 
modos de seu uso. Visto que a aula nunca se possui ou se controla, mas é decidida por 
seu próprio processo. Então, arme e opere a cena já em sua preparação, pois, o que se 
intenciona com essa ética, desde sempre, é o lugar vazio da dramatização de um tema. 
2º. Para produzir uma aula contemporânea, opere em dramatizações contínuas, 
de forma a ficar propositalmente à sombra; porque, assim, ela resistirá mais facilmente 
como lugar vazio de poderes. A todo momento, certifique-se de que, na aula, todos os 
papéis de poder, ou maiores, tenham sido subtraídos e garanta lugar ao vazio do gesto 
operante (de variações) da própria dramatização, que só tem como objeto o processo em 
que se constitui. 
3º. Como em uma aula contemporânea nunca se está dentro de seu tempo – isto 
é, nada do que dista de nós muitos séculos pode deixar de ser menos próximo, 
simultânea e indistintamente, do que nos é recentíssimo –, atualize a aula de modo 
descontínuo e deslocado. Misture códigos e atribua leituras múltiplas e cruzadas aos 
saberes de valores estabelecidos. 
4º. Sendo um operador sombrio de uma aula contemporânea, saboreie o modo 
inadequado de não coincidir ou aderir perfeitamente às pretensões do seu tempo; pois, 
quando isso ocorre, não se pode manter o olhar fixo sobre ele e, tampouco, fazer com 
que os mais diferentes tempos se comuniquem; daí, para uma aula contemporânea, 
destina-se: a) a dissociação;

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