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EdUFF A VIDA SOCIAL DAS COISAS As MERCADORIAS SOB UMA PERSPECTIVA CULTURAL • Arjun Appadurai Rei/I)" Roberto de Souza Salles Vice·Reiror. Emmanuel Paiva de Andrade Pr6.Rt/'or dt PtsquiSQ e P6s'<;raduQfiio: Humberto r-cmandes M.<hado Diretor do £dUFF: Mauro Romcn) lnl P.... os Oi",'or do Oivisilo d. £di/oTOfao e Produfel ..: Ricudo 80rses Di~(of'tJ da Dil/fsao dt' Dt'setrl1olvimen1o~Mtrrado: Leciene P.de Mones A..utssora de Comunica¢o e EVUftOr. Ana Pau1a Campos UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE NormoliZlJfilo: Caroline BrilO Rnisiiu: Ic~ia Freixinhoe TatianedeA.ndr.ideBraga T"uluriio: Agatha Bacel,r Revisba ,~cn;cQ:Letl('iilVeloso Capo: MlIICosAntonio de Jesus Editoruriio t!/t1lrIJnic{l: AnaCaroline Ferreira OiogralMfllo: vfvian Macedo de Souza Supervisao grdfica: Kalhia M. P. Macedo COD J06 AM6 AppOOurni. Arjun. A vida soclal das ccisas: as mercudorias sub urno perllpeclh'3 cullurall Arjun Appodurai: Tr3du~ao de Agatha Oace,lar - Nilet61: Editorn ce Univer- sidnde Pederal Fluminense, 2008. 399 p.: 2lcm. - (C<II,~110AntropOlogi. ,CI.nci.POUtlca:41). Jnclui blblioyali4S. ISBN 987·85·m4~~ I. MIropOIOSi.. 2. SimboliJ1Ol).3.M'-"LTitulo. U. Sbie. AUTORES,7 BREVE INTRODUC;Ao A EDI<;AO BRASILEIRA, 9 PREFAcIO. t 1 PARTE 1- Por uma antropologia das colsas INTRODUC;Ao: MERCADORIAS E A POLiTICA DE VALOR, 15 Arjun Appadurai JI A BJOGRAFlA CULTURAL DAS COISAS: A MERCANTILIZAc;AO COMO PROCESSO. 89 Igor Kopytof! PARTE 11- Troca, cODSomO e exjbi~ao III DOIS TIPOS DE VALOR NAS ILHAS SALOMAO ORIENTAlS, 125 William H. Davenport 1V RECEM-CHEGADOS AO MUNDO DOS BENS: o CONSUMO ENTRE OS GONDE MURIA. 143 Alfred Gelf PARTE III • Prestigio, comemora~iio e valor V VARNAE0 SURGIMENTODA R1QUEZA NA EUROPAPRE.Hl~'T6R1CA, 181 ColinRenfrew VI MERCADORlAS SAGRADAS: A CIRCULAc;Ao DE RELfQUIAS MEDlEVAlS, 217 Patrick Geary PARTE IV - Regimes de prodo~o e 3 sodologia da demanda YU TECELOES E NEGOClANTES: A AUTEN11CIDADEDE UMTAPETEORIENTAL, 247 Brian Spooner~.. (dUff slIMARIo4) 1986by Combridg. University Press Tftulo origin:al: Th~ socic11lifto/Ihings: commodities in culturalperspectlv« (l) 2008 (~ brasileira) EdUFF - EditOta d>.Univ ers idade Fedt .... f1wnin<:nse RuaMiguel de Frias.9 - on.. O- sobreloj' - Ieanl - Nit.r6t RJ - CEP 24220-900 Tel.: (21) 2629·5287 •Tel.fax (21) 2629-5288 - hnp:l/www.edit."..ulT.br £.mail: eduff.vm.uff.br Iip'OibOda • rq>l'Cldutio """' "" pa.-ci1Idesu obnS<1D•• ~lo e'l':<SSIda Ildi ..... 7 IGOR KOPYTOFF. do Departamento de Anrropclogia da Universidadc da Pensilvania, e co-editor (com Suzanne Miers) de Slavery inAfrica: historical andanthropologicalperspectives (1977) e auror de Varietiesof witchcraft: the social economy of secretpower (no prelo), PATRICKGEARYeassociateprofessorde hist6riadaUniversidadeda F16rida.E 0 autor de Furta sacra: thefts of relics in the central middle ages (1978) eAristocracy in Provence:theRhoneBasin ot the dawn of tirecarolingian age (1985). AlFRED GELLensina antropologia social na Escola de Economia e Ciencia Polftica de Londres. E 0 autor de Metamorphosis of the cassowaries: umeda society, language and ritual (1975). WILLIAM H. DAVENPOKTensina antropologia na Universidade da Pensilvinia, onde tambem e curador encarrcgado da Oceania no University Museum. Realizou pesquisa de campo na Jamaica e nas lIhas Salornao e pesquisas hist6ricas 500re0Haval pre-europeu. Tern publicado diversos irabalhos sobre essas areas de estudos, ARJUNAPPADURAleassociateprofessorde antropologia e estudos sul-asi:iticos na Univcrsidade da Pensilvania, E 0 autor de Worship and conflict under colonial rule (1981). C. A. BAYLI c fellow do St. Catharine's College, na Universidade de Cambridge, e smuts reader em Estudos do Commonwealth, Publicou The local roots of indian polities: Allahabad. 1880·1920 (1975) e Rulers, townsmen and bazaars: North Indian society in the age of British expansion, 1770-1870 (1983). LEE V. CASSANELLI e professor do Departamento de Hist6ria da Universidade da Pensilvsnia. E 0 autor de TI,e shaping of somali society: reconstructing the history of a pastoral people (1982). IX A ESTRUTURA DE UMA CRISE CULTURAL: PENSANDO SOBRE TECIDOS NA FRANCA ANTES E DEPOIS DA REVOLUC;:AO,329 WilliamM. Reddy X AS ORIGENS DO SWADESHI (INDUSTRIA DOMEsTICA): TECroOS E A SOCIEDADE INDIANA DE 1700A 1930,357 C.A. Bay/y AUTORESVIO QAT: MUDAN<;A$ NA PRODUCAO E NO CONSUMO DE UMA MERCADORlA QUASE-LEGAL NO NORDESTE DA AFRICA. 299 Lee V.Cassanelli PARTE V - TraDSfonna~s bist6riC8S e cOdigos mercantts 98 Un.,. ~ (oj 0Uvrode MarsbalI Sahlins. CtdturD(, rll4JjqpriStiar. "lj3 I·td~ bmsiIcira roi em 1979. I"'on I)!j ontrop6logos. de anunciav. I.mIl nova pt:rSpC<tiva em rcJ~ ~ teru do co'sumo, tmbom 03Cpnca n30 f05S(i lido e diswtido somcOle ).'klf essevits. -, A presente publicacso em lingua ponuguesa da coletanea organizada por Arjun Appadurai (1988) vern completar e sornar-se ao conjunto de textos acadernicos produzidos no contexte da antropclogia anglo- americana e francesa sobre 0 terna do Consumo e do consumismo modernosnas tres ultimas decadasdo seculo XX, mas que comeca- ram a ser publicados entre nos somente nos (iltirnos anos (a partir de 2000).' Delle ser ressaltado que urna caracteristica fundamental desses textos, euja publicac;iiono Brasil se iniciou comA etica romanticae 0espirho do consumismomoderno deColin Campbell (2001), foi a retomada de uma perspectiva propriamente socioantropol6gica sobre 0 fenomeoo do consumo, que desautorizava algumas teses vigentes de cararer trans- cendente e moral. Estaabordagem surgiu, portanto, como urna "terceira Ilia" para aqueles que 000 se adequavam ou nao conseguiam mais en- xergar este importante fato social do mundo contemporanec - 0 consume - pela 6tica exclusiva das polarizacoes e dos dualismos. De algum modo, todos esses textos apresentam urn ponto em comum. Todos eles respondem, de uma forma ou de outra, a algumas acusa- ¢es graves feitas ao consumo e ao consumismo, alem da classica atribuicao de fetichiza~iio dos objetos. Uma dessas acusacoes seria a incapacidade de ambos para estabelecer vfnculos socia is "autenti- cos". Ao contrario, tal como uma especie de cincer, 0 consumismo moderno veio para destruir os "verdadeiros" lacos socia is. Para com- pletar este cenario de Deus e 0Diabo na 'Ierra do Sol, a literature de negocios, salvo excecoes, tambem sempre deixou muito a desejar porque, panindo de premissas reificadoras, ela acabou consagrando uma concepcso pecarninosa do consume. BRIAN SPOONER ensina no Departamento de Anrropologia da Universidade da Pensilvania. Escreveu Ecology in development: a rationale for three-dimensionalpolicy (1984). Laura Groziel« Gomes COLIN RENFREW e Disney professor de arqueologia da Uoiversidade de Cambridge eFellowdo SI. John's College. Eo autor de Problems in European prehistory (1979) e Approaches to social archaeology (1984). BREVE INTRODUGAo A EDIGAo BRASILEIRA WILLIAM M. REDDY e assistant professor de bistoria na Univcrsidade de Duke e esereveu Theriseofmarket culture:tiletextile trade and French society, 1750-1900 (1984). lJ10 Embora antropelogos e historiadores Calem cada vez mais uns so- brc os outros, eles raramente falam uns com os outros. Este livro t o resultado de um di610go entre anlrop6logos e hisroriadores sobre o [COladas mercadorias, que se estendeu por urn ano. Tres dos arti- gos (os de Cassanelli, Geary e Spooner) forum apresentados no workshop de Etno-his[6ria na Universidade da Pensilvsnia em 1983- 1984. Os outros (II excecao de meu proprio ensaio imrodutorio) foram aprescntados em urn simp6sio sobre as rela~oes entre merca- dorias e cuhura, sediado no Programa de Etno-histeria, na Filadclfia, nos dias 23 a 25 de maio de 1984. lee Cassanelli, meu colega no Departamento de Hisl6ria da Univer- sidade da Pensilvania, propos primeiramente 0tema "Mercadorias e cullura" para 0 workshop de Etno-historia de 1983-J984. A ele e a Nanc)' Farriss (tambem do Departamento de His[oria, e mentora do workshop desde seu principio em 1975), devo varies anos de estimu- tames di610g05 interdisciplinares, A proposta de lee Cassanelli coincidiu fonuitamente com uma conversa que eu havia lido com Igor Kopytoff eWilliam Davenport (meus colegas no Departamento de Antropologia, na Universidade da Pensilvania), no desenrolar da qual concordamos que j6 era tempo de ser feita uma revilaJizactao da amropologia das coisas. o simp6sio de maio de 1984, que levou diretamente ao projcto deste livre, foi possibilitado pelos auxflios que 0 programa de Erno-histo- ria recebeu do National Endowment for the Humanities e da Escola de Artes e Ciencias da Universidade da Pensilvania. 0 sucesso dessc simp6sio deve muito ao apoio organizacional e in[electual de estu- dao[ts e colegas participantes. Em particular, agrade~ a Grela Borie, Peter JuS[ e Cristine Hoepfner por toda a assislencia antes e duranle 0 simp65io. Eu [ambtm desfrutei de mui[a generosidadc durante a preparac<ao des[e livro. Susan AUen-Mills, da Cambridge University Press, foi uma valiosa fonte de orienta,.ao intelec[ual e editorial. lCnhO uma dfvida especial com a equipe do Centro de Esludos Avan~ados em Ciencias Comportamen[ais, cujos recursos da secrc[aria e ad~inis- Ni[cr6i, 13de revcreiro de 2008. PREFACIOAutores como Bourdieu, Mary Douglas, Marshall Sahlins, Colin Campbell, Daniel Miller e ouiros demonstraram exatamenre 0 con- trario, sem cairem na tentacao de destituir 0 semido c a importancia das Iormas de sociabilidade tradicionais criadas a partir da familia, da produ,.ao e do trabalho. Baseados em pesquisas cmpiricas, eles mostraram que 0 consume e.~[ana base da fonna,.ao do gOS[O,da dislin~ao, scm 0 que nao se poderia falar de individualisrno e de es- Iralegias de reproducao de muitos grupos e identidades sociais no mundo moderno. Assim, alern de produzir vlnculos sociais, 0 consu- mo tambern gera formas particulares de solidariedade, confianca e sociabilidade fundamentals para a vida social. Como as dernais obras, a coletanea organizada por Arjun Appadurai e uma dcmonstra~ao eloqueme dcssa perspective. Ela ainda tern a varna- gem de trazer consigo todo 0vigor provocative que a polemica adquiriu durante as decadasde 1980/1990.1sso se torna evidente no momcnto em que Appadurai apresenta 0 ponto de vista que proplls 80S autores dos capitulos: 0 que acontece se deixarmos de prestar a[en~o apcnas nos vinculos socials que supostameme precedem ou deveriam prece- der as coisas, e eomecarmos a observar as coisas durante os variados percursos e trajetorias que elas fazem e tracam na sociedade por meio das diferemes esferas de circulacao nela existentes? o livre e importame nao apenas pelas respostas que cada autor en- controu no seu universe de pesquisa para esra proposicao, e que 0 leiter lera con(!i90es de avaliar, mas pel a evocacao de algo importan- te em termos metodologicos. A coleranea nos faz lernbrar que a pesquisa sociolegicn nao pode, de forma algurna, ficar refern de ob- [eros pre-cons[ruidos. 12 PARTE I Por uma aotropologia das coisas Stanford, California Arjlln Appadurai Ir3~ao ajudaram materialmente na rapida preparacao dos originals. Em particular, e umprazer agradecer a Kay Holm, Virginia Heaton e Muriel Bell. 15 Este ensaio tern dois objetivos: 0 primeiro e apresentar e estabelecer o contexte dos artigos que comp6em este livro; 0 segundo 6 propor uma nova perspective sobre a circulacao de mercadorias na vida so- cial. Tal perspectiva pode ser sintetizada da seguinte forma: a troca economica cria 0 valor; 0 valor e concretizado nas mercadorias que S.10 trocadas; concentrar-se nas coisas trocadas, em vez de apenas nas formas e fun~s da rroca, possibilita a argumentacao de que 0 que cria 0 vinculo entre a Iroca e 0 valor e a politico. em seu sen lido mais amplo. Este argumemo, que sera elaborado no decorrer deste texto, justifies a tese de que as mercadorias. como as pessoas, tern uma vida social.' Pode-sc definir mercadorias, ainda que de urn modo provis6rio, como objetos de valor economico. Quanto ao significado da expressso "valor econemico", 0 melhor guia (embora nao seja 0 padrao) ~ Georg Simmel. No primeiro capitulo de A filosofia do dlnheiro (1907), Sirnmel forncce uma descricao sistematica da melhor forma de se definir 0 valor cconemico. Para ele, 0 valor jamais c urna proprieda- de inerente aos objetos, mas urn julgamento que sujeltos fazem sobre eles. Mas, de acordo com Sirnmel, a chave para se compreender 0 valor reside em uma regiao oode "essa subjetividade 6 apenas provi- sOria e, com efeito, nao muito essencial" (SlMMEL., 1978, p. 63). Ao explorar esse dominio dificil - nem totalmente subjetivo, nem exatamente objetivo, de onde 0 valor emerge e onde ele ope- ra -, Simmel sugere que os objetos nao sao dificeis de se adquirir porque sao valiosos, "mas chamamos de valiosos aqueles objetos que opoem resistencia a nosso desejo de possuf-los" (1978, p. 67). 0 que Simmel denomina, em particular. objetos econOmicos existe no espa~ entre 0 desejo puro e a fruJ~o imediata, com alguma distfulcia entre elcs e a pessoa que os deseja. Tal distancia pode sec ultrapassada, o que ocorre e por meio da troca economlca, na qual so determina Arjun Appadurai I rnTRODUGAO:MERCADO~ E A POLITICA DE VALOR 1716 teoha sido sempre assirn, nem rnesmo no Ocidente, como observou Marcel Mauss, em seu celebre Ensaio sobre 0dom, a forte tendencia eontemporanea e considerar 0mundo dascotsas inerte e mudo. s6sen- da movido e animado, ou mcsmo reconhecivel, por interm€dio das pessoas e de suas palavras (ver tarnbem DUMONT, 19SO,p. 229-230). NaO obstante. em rnuitas sociedades histericas, as coisas nao estavam tao divorciadas da capacidade das pessoas de agir e do poder das pala- vras de oomunicar (ver Capitulo 2). Que urna tal visao a respeito das coisas nao tenha desaparecido mesmo nas circunstancias do capitalis- roo industrial rnoderno euma das inmicoes que sustentavam a discussao famosa de Marx sobre 0 "fetichismo das mercadorias", JlOCapital. Mesmo que nossa abordagem das coisas esteja necessariamcnrc con- dicionadu pela ideia de que colsas nao tem significados afora os que lhes conferem as transacoes, atribuiqoes e motiva~6es humanas, 0 problema, do ponto de vista antropologico, e que esta verdade formal nlio lan~a qualquer luz sobre a circula ..ao das coisas no mundo con- creto e hist6rico. Para isto remos de seguir as coisas em si mesmas, pois seus significados estao inscritos em suas Iormas, seus usos. suas trajetonas. Somente pela analise destas uajet6rias podemos interpre- tar as transa~ e os calculos humanos que dao vida as coisas, Assim, embora de um ponte de vista teorico atores humanos codifiquem as coisas por meio de significacoes, de um ponto de vista metodologico sao as eoisas em movimento que elucidam seu contexto humane c social. Nenhuma an~lise social das eoisas (seja 0 analista um econo- mista, urn historiador da ar1e ou urn antrop6logo) e eapaz de evitar (lor completo 0 que pode ser denominado fetiehismo metodologico. Este fClichismo metodol6gico, que restitui nossa atenc;.'lo as coisas em si mesmas, C. em parte, urn antidoto Ii lendenciu de atribuir um excessivo valor sociol6gico as transa¢es realizadas com as coisas, tendeoeia que devemos a Mauss, conforme Firth observou recente- mente (1983. p. 89).' Mercadorias. e coisas em geral, desper1am, de modo indepcodcote, 0 interesse de diversos tipos de antropologia. Constituem os prineipios basicos e os ulrimos reeursos dos arque6Jogos. Sao a substancia da ~Cultura material", que une arque6logos a antrOp6logos culturai.~ de divel'j)as linhas. Na quaJidade de objetos de valor. oeupam uma posi- ¢o cenlral na antropoJogia economica e, com igual impor1iIOCia,oa teoria da troca011 na antropologia social em geral, uma vez que sao 0 reciprocamente 0 valor dos objetos, Ou seja, 0 desejo de alguern por urn objeto e sarisfeito pelo sacrificio de um outro objeto, que e °fooo do desejo de outrem. Tal troca de sacriffcios ~ 0 que constitui a vida econornica, e a econornia, como forma social especlfica, "consiste nao apenas em trocar valores, mas na troca de valores" (SIMMEL. 1978, p. SO). 0 valor economico e, para Simmel, gerado por essa especie de troca de sacriffcios. Essa an§lise do valor economico na discussao proposta por Simmel tern diversos desdobramentos, 0 primeiro e que 0 valor econornico nao e simplesmente urn valor generico, mas uma quantidade definida de valor, que resulta da comensuracao de duns intcnsidades de de- manda. A forma que essa comensuracao assume e a troca de sacriffcio por ganho. Assim, 0 objeto economico nao tern urn valor absoluto como resultado da demanda que suseita, mas e a demands que, cor_no base de uma tTOCareal ou imaginaria, confere valor ao objeto, E a troca que estabelece os parametres de utilidade e escassez, nao 0 contrario, e e a uoca que t a fonte de valor: "A difieuldade de aquisi- c,;ao,0 sacriffcio oferecido em troca, e 0 unico elernento consntutivo do valor, de que a escassez e tao-somente a manifesta~ao externa, sua objetiva¢o sob a forma de quantidade" (SIMMEL. 1978, p. 1(0). Em suma, a troca nao e um subproduto da valora¢o mutua de obje- tos, mas sua fonte. Com estas obscrva~oes concisas e brilhantes, Simmel prepara 0 ter- reno para a analise do que considerava ser 0 mais complexo instrurnento do procedimento de troca economica - 0 dinheiro - e de seu lugar na vida modema. Mas suas observa~6es podem ser toma- das em urn sentido um tanto diferentc. Estc senlido alternativo, que se exemplifiea no corpo deste ensaio, consiste em explorar as condi- ¢es sob as quais objelos economicos eireu lam em difercntes regimes de valor no tempo e no espa~. Muitos dos artigos que compiiem este livro examinam coisas (ou gropos de coisas) especiJicas. uma vez que circulam em ambientes culturais e bist6ricos especificos. 0 que estes ar1igos permitem e uma serie de olhares sobre os modos como de.o;ejoe demanda, sacrificio reciproco e poder interagem para criar 0 valor economico em situa¢es sociais espec(ficas. Nos dias atuais, 0 senso comum ocidental, calcado em diversas tradi- c;Ocshisloricas da filosofia, do direito e das ciBncias naturais, tern uma forte tendencia a opor "palavras" c "coisas". Muito emborn isso nao 19 POUC()S negariam que a mercadoria e algo cornpleramente socialize- do. Logo, em buses de uma definicao, a questao a ser colocada e: ern que consiste esta sociabilidade? A rcsposta purista, que se tornou r(>linaatribuir a Marx, e que uma mercadoria e urn produto destina- do, sobretudo, A troca e que tais produtos emergcm, por definicao, sob as condiljoes institucionais, psicologicas e econemicas do capi- ialismo. Definicees rnenos puristas vccm as mercadorias como bens dcslinados 11troca, independentcmente da forma de uoca, A defini- ~30 purista da um fim premature 11questao. As definic;iies mais frouxas correm 0 risco de tornar equivalentes mcrcadoria, dl1diva e diversos ourros ripos de coisas. Nesta secao, por meio da critica 11 concepcao marx ista da mercadoria, pretendo sugcrir que rnercadorias sao coisas com um upo particular de potencial social, que se distinguem de "pro- d I~,· "obi105" "be s"." I' I " Iu ".>, jeros, n, ar era OS e outros - mas apenas em a guns aspectos C de um dcterminado ponte de vista. Se for convincente, meu argumento resultara no reconhecimento de que, rom vistas a uma defioi~[io, e de grande utilidade considerar as mercadorias como algo que existe em uma enorme gama de sociedades (embora tenham uma f\lr~a e proje~ao especiais nas sociedades capitalislas moder- nas), c de que h{t uma convergcncia inesperada entre Marx e Simmel sobre 0 16pico das mercadorias. A discusslio mais elaborada e inSliganle aeerca da id6ia de mercado· ri.nconsln da primeira parte do primeiro livro de 0 Capital, de Marx, aloda que a idtia eslivcsse muito difuodida nos debates sobre ccono- mia poli1ica do sCculo XIX. A revisao, fcita pelo proprio Marx, do conceito de mercadoria foi uma parte fundamental de sua crilica a economia polftica burguesa e a base para a Iransi($lio que se verifica entre ;;eu pr6prio pensamento inicial sobre 0 capilalismo (vcr, em especial, MARX, 1973) e a analise mais madura de 0 Capirol. Alual- menle, a ccnlmlidade conceitual da ideia de mercadoria foi substituida relo conceilO neoclassico e marginal iSla de "bens". A palavra "mer· cadoria" e usada na economia neoclassica apenas COOl referencia a o ESPiRlTO DA MERCADORIA as den .. is, "Conhecimento e mcrcadorias", busca dernonstrar que poJilicas de valor sao. muitas vezes, pcliticas de conhecimento. A concJusiio retoma a discussao sobre a politica como inslaneia media- tlora entre a troca e 0 valor. 18 instrumcnto do ato de presentear. Analisar as coisas sob II pcrspeeti- va das mercadorias constitui urn PODlOde partida de grande urilidade para 0 interesse na culture material, renovado pela crientacso semi6tica, e que foi rccentemente ressaltado c exemplificado em uma sec;ao especial da RAIN (MILLER. 1983). Mas as mercadorias nao sao um interesse fundamental apenas dos antropologos. Tambem cons- tituern urn 16pico privilegiado na hist6ria economica e social na historia da ane e, antes que nos esquecamos, na economia embora cada disciplina possa formular 0 problema de urn modo diferentc. As mercadorias representarn, pois, urn lema sobre (l qual a antropologia pode ter algo a oferecer as disciplinas afins, como tambem tem multo a aprender com estas disciplinas. Os cnsaios deste livro abrangem uma boa parte das questoes histori- cas, etnograficas e conceituais, mas nao prcrendem fazer, absolutarnente, uma analise exaustiva das relac;<iesda cultura com as mercadorias, Entre os colaboradores. h:icinco antrop6logos socials, urn arque6logo e quatro historiadores socials. Economistas e histo- riadores da anc nao estao aqui represeniados, mas suas id~ias nao foram de modo algum negligenciadas. Algumas das principals areas do mundo nao foram abordadas (notadamenre a China e a America Latina), mas a eobertura geografica e de uma exrensao bern razoavel. Ernborn os artigos tratern de uma seric consideravel de bens, 0 lista de rnercadorias niio discutidas aqui seria urn tanto longa, havendo uma preferencia por bens especfficos ou de luxo, em vez de merca' dorins "ern estado bruto" e de "primeira neccssidade". Enfim, a maioria dos autorcs dedica·se a bellS em vez de scrvifOs, embora eSles lam- bern scjam imporlantes objetos de mercantiliza~iio. Ainda que cada uR,ladestas omissiies seja grave, prelendo sugcrir, ao longo deste en· satO, que algumas lem menos relevancia do que pareeem. As cinco se~6es que se sucedem nesle ensaio dcdicam-se aos seguin- ItS objelivos. A primeira, "0 espirilo da mercadoria", e um exercicio crltico de defllli<;ao, na qual se argumenta que as mercadorias, deyj· damente compreendidas, nao sao monop6lio das economias industriais modernas. Em seguida, URotas e desvios" discute as estral~gias (se· jam individuais ou inslitucionais) que fal.em da cria,.ao de valor urn proccsso mediado pela politico. A se~iio subsequcnlc, "Descjo e de- mando", arlicula model os de loogo e curto prazo na circula,.ao de O1ercadorias para mostrar que 0 ronsumo est;! sujeito ao controle so· cial e a rcdefini<;ao polilica. A ultima sc~'io tao fundamental quanta 2120 comensura~ilo do dinheiro. Hoje, a liga¢o entre mercadorias e formas p6s-industriais, sejam iais formas socials, financeiras ou de troca, e em geral urn ponte pacffico, mesrno entre os que, noutros aspectos, nao levam Marx a serio. ContudO, nos textos do proprio Marx, podc-se encomrar a base para uma abordagem das mercadorias muito mais abrangentc eproffcua deurn ponto de vista intercultural e historico, cujo espirito se vai atenuan- do, a medida em que ele passa a estar envolvido nos detalhes de sua analise do capitalismo industria) do seculo XIX. De acordo com esta primeira formulacao, para produzir mercadorlas, em vez de meres pro- dutos, urn hornern tem de produzir valores de uso para os outros, valores de usc sociais (MARX, 1971, p. 48). A esta passagern, Engels acres- centou uma interessante glosa, inserida entre parenteses no texto de Marx, em que se reformula a ideia da seguinte forma: "Para se tornar mercadoria, 0 produto tem de sec transferido para outrem, a quem ira servir de valor de usc, por meio de troca" (MARX. 1971, p. 48). Em- bora En~els se contentasse com esra efucidacao. Marx prosseguiu com uma sene extremamente comptexa (e ambfgua) de distin¢es entre pro- dutos e mercadorias, mas, para prop6sitos anrropolegicos. a principal passagem merece ser citada na integra: Todo prodetc 00 ",batho f, em led<><os esiados da sociedade, valor de usa; mas 56 em uma determina- da epoca do d ..senvotvimenro hisl6ricod. sociedade o produto do trabalho setransfonna em mercadoria, 3 saber, aqucla em que 0 trabntbo gasco na produ~o de objl.!{osuteis se coma tl cxpress!io de Ulnadas qua· lidades increnles a tsses objc..fos. ou seja, explcsslio de seu valor. Re~uhadai que a fOrn\3~vaJor clemen- tar c tambCm a forma primitiva sob n qual 0 proouto do trabalho surge bisloricamenlt como urn;) mera- doria e que a Ir..mform~ogto1doal desses produtos em mercadorias prosscguc p:asso a pa.~ cum 0 de- sc.o,-olvimeDloda form.·valor. (MARX, t97l. p. 67) A dificuldade em distinguir 0 aspecto 16gioo do aspedO his16,ico oessa argu~ntat,;ao foi observada por Anne Chapman (1980), em urna dis- cussaoque retomarei em breve. No excerto de 0 Capitalcitado acima, a passagelll do produto amercadoria ~ tratada em termos hist6ricos, mas 0 resu_ltadoflJ1alpermanece muito esquematico e e dificil especificn-lo ou Ie$ti·lo com alguma c1areza. uma subclasse ~sp'ccifica de bens primllrios e j6 nao exerce urn papel analftico central. E claro, esse nao e 0caso das abordagens marxistas na eoooomia e na sociologia, ou das neo-ricardianas (oomo as de Piero Sraffa), nas quais a analise da "mercadoria" ainda tem uma fun~o te6rica fundamental (SRAFFA, 1961;SEDDON, 1978). 'Iodavia, no maioria das analises modemas da economia (fora da an- tropologia). 0 significado do rerrno mercadoria ficou restrito a repercutir apcnas uma parte do tegado de Marx e dos prirneiros ceo- nomistas politicos. Ou seja, na maioria dos usos comemporsneos, as mercadorias sao um tipo especial de bens rnanufaturados (ou servi- <;05), que se associam somcnte aos modes de produ<;iio capitalista e, portanto, 56 pod em ser encomradas onde penetrou 0 capitaJismo. Assim, mcsmo nos debates atuais sobre a proto-industrializacao (ver, por exemplo, PERLIN, 1982), a questso nao e se as mcrcadorias se ass~iam ao capitalismo, mas se certas formas de organi.z.a<;ao e de tecOlC3Sassociadas ao capitalisrno tern uma origem exctusivamente europeia. Mercadorias sao, em geral, vistas como Hpicas representa- ¢es. materia is do modo de producao capitalista, mesmo quando classificadas como triviais, e seu contexte capitalista como incipiente, Porem, e evidente que tais analises se valem de apenas uma parte da concepcao de Marx da natureza da mercadoria, Pode-se dizer que 0 tratamento dado 11mercadoria nas pnmeiras cento e tanras pagiaas deo Capital e uma das partes mais dificcis, contraditorias e arnbiguas da obra de Marx. Inicia-se com uma defini~iio de mercadoria extrema- mente vaga ("A mercadoria e, antes de tudo, 11111 objeto exterior, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz neccssidades humanas de qualquer <:specie"). Continua, entao, dialeticamellte. corn uma serie de defini~cs mais parcimoniosas. que possibililam a elnboraltiio gradual da abordagem marxista Msica do valor de usc e valor de troca, 0 pro- blema da equivalcncia, a circul~o e a tmea de produtos C0 significado do dinheiro. E a elabord<;30 desta conce~o das rela~ entre a for- ma·mercadoria c a forma-dinheiro que permite a Marx estabeJecer a (amosa distin~o entre as duas formas de circul3~0 de mercadorias (Mcrcadorias-Dinheiro-Meccadorias e Dinhciro-Mercadorias-Di- nheiro) sendo a segunda a representa~o da f6rmula geral do capitalismo. No decurso deste movimento analitico, as mercadorias sao intricada- mente atrcladas ao dillheiro, a um mercado impessoal e ao valor de troca. Mesmo lIa forma mais simples de circula<;iio (Iigada ao valor de uso). as mercadorias relacionam -se por mei(l da capacidade de 2322 lI)eTcadOrias. Cnmbinando aspectos de diversas dcfinicocs corrernes da pemlut. (inclusive a de Chapman). sugiro que se trata de urna troca mutua de objetns sem alusao a dinheiro e CQIII a maxima redu- ~o factivel nos custos socia is, culturais, politicos ou pcssoais da transac;iio.O primeiro criterio disiingue a perrnuta da troca de merca- darias num senrido estritamenre marxista, enquanro 0 segundo a dislingue da troea de prescnresem praticamenre qualqucr dcfini~o. Chapman tern razso ao afinnar que. na medida em que a teoria do valor de Marx e levada a serio, 0 teatamento nela dado a permuta apresenta problemas teoricos e conccituais que permanecem insohl- veis(CHAPMAN. 1\180, p. 68·70), pois Marx postulava que a perm uta 3$Sumiaa forma tanto de uma rroca direta de produros (x do valor de usoA =y do valor de uso B),quanto de uma rroca direta de mercado- rias (x da mercadoria A = Y da mercadoria B). Mas esra concepcao da permuta. por mais problcmatica que seja para uma teoria rnarxista sabre a origem do valor de rroca, tern a virtude de estar em harmonia com a reivindicacao mais persuasiva de Chapman, a saber, que a perm uta, seja como Corma de troca dominante ou secundaria, existe em uma grande variedade de sociedades. Chapman critica Marx por incluir a mcrcadoria na pcrmuta e pretende mante-las bern separadas, alegando que mcrcadorias assumern a fun,.ao de objetos monetarios (e. portanto, de valor de trabalho congelado), nao apcnas a funcao de unidadc de calculo ou de medida de equivatencia, Para Chapman, a troca de mercadorias s6 ocorre quando urn objeto monetario inter- vern na troca. Como, em seu modelo, a permut~ cxclui tal io!crven~ao, b3 uma distinliao formal e complcla entre a troca de mercadorias e a permut3, em bora possam coexistir em algumas socicdades (CHAPMAN, 1980, p. 67-68). Parece-me que Chapman, em sua critica a Marx, adota uma visao demasiado restritiv8 do papel do dinhciro 113 circllla~iio de mcrcado- rias. Marx, rnesmo tendo encontrado dificuldades em sua propria analise das rela~6es entre permuta e troea de mercadorias, linha ra- uo em ob!>ervar, como 0 fez Polanyi, que a perm uta e a troca capitalista de mercadorias tinham urn esplrilo COIIIIIIII,ligado (em $Cuponto de vista) a natureza centrada no objeto, relativamcnte im- pessoaJ e associal. de amba.~ as formas de troca. Em diversas formas simples de perm uta. percebemos um esfor~o em trOcar coisas sem as coer~s da sociabilidade nem as complica¢CS do dinbeiro. No mun- do contemporaneo, a permuta esta em aha: h:i uma cstimativa de que A quesuio ~ que Murx ainda esrava preso a dois apriorisrnos da episteme de meados do seculo XIX: urn estabclecia que s6 se podia observar a econom ia corn refereucia ~s problematicas de producao (BAUDRILLARD, 1975); 0 outro considcrava o movimcnto em di- rec;iio ii producao de rnercadorias como evolutivo, unidirecional e historico. 0 resultado: rnercadorias existern OUnao existem e sao produtos de uma especie particular. Cada uma dessas suposicocs pre- cisa ser modifieada. A despeito dessas limita(iOes epistemicas, em sua celebre discussao sobre 0 feticbismo das mereadorias, Marx de fato observa, como 0 faz em outras passagens de 0 Capital,que a mercadoria nao e uma invencao do modo de producao burgucs. mas se manifestava "erndatas anrigas da histdria, embora nao de urn modo tao predominante e caracterfstico como nos dias de hoje" (MARX, 1971, p. 86). Ainda que cxplorar as dificuldades do pr6prio pensarncnto de Marx sobre economies pre-capitalisras, sem Estudo e niio monetizadas, seja algo que ultrapasse os limires do presente ensaio, poderlamos observar que Marx nao afustou a possibilidade de haver mercadorias, ao me- nos em urna forma primitiva, em muitos tipos de sociedade. A esrraregia de dcCinic;iioque proponho aqui consistc em urn retorno a versao da emend a Ieha por Engels ii definictio mais abrangente formulada por Marx, que inelui a producao de valor de uso para os outros e possui ponros convergentes com a enfase de Simrncl na tro- ea como fome do valor econ6mico. Comccclll()s com a ideia de que uma mercadoria e qllll/qUIt/' Clli.WItlestillada Ii Iroca, 0 que nos Iiberta de uma prcocupa<;Ao c"clusiva com 0 "produto", a "produ~ao" e a inten~ao original ou predominnntc do "produtor", e possibilita nos concentrarmos nas dinamicas de troca. Para fins comparativos, en- tao, a questiio deixa de ser"O que ~ mercadoria?" para ser "Que tipo de troca e a teoea de mercadorias·!". Aqui, como parte de urn esCor~ em definir mercadorias da melhor forma possfvel, temos de lidaroom dois tipos de troca que sao convcncionalmente contrastados com a troea de mercadorias. 0 primciro c a permuta (algumas vezes chama- da de troea dire!a); 0 segundo e a troca de presentcs. Comecemos com a pcrmuta. A pemluta e uma forma de troca que Chapman (1980) analisau re- centementc. em urn cnsaio que, entre outras coisas, discorda da analise do proprio Marx ,nbre as rcla(JOcs entre a troca dircta c a tToea de 25 tendencia de ver uma oposicao fundamental entre estas duas modali- dades de rroca continua sen do urn traco distintivo do discurso anlropol6gico (DUMONT, 1980; HYDE, 1979; GREGORY, 1982; SAHLlNS, 1972; TAUSSIG, 1980). A amplia,.io e a reifica~o do comraste entre dadiva e mercadoria na produ~50academica antropologica tem muitas fontes, entre as quais estiio: a rendencia de idealizar as sociedades de pequena escala de um modo romimtico; de confundir valor de uso (no sentido de Marx) corn gemein~c/rafr'(no sentido de 'Ioennies); de esquecer que tam- b~m as sociedades capitalistas operam de acordo com padr6cs cultur:lis; de marginalizar e minimizar os aspectos calculistas, im- pessoais c auto-enaltccedores das sociedades nao-capitalistas. Estas tendencias, por sua vez, sao 0 produto de uma visiio demasiado simplisradaoposicao entre Mauss e Marx, que, como observou Keith Hart (1982), deixa escapar aspectos imponantes dos pontes em co- mum que se verificam entre eles. Dadivas - e 0 csplrito de reciprocidade, sociabilidade e espontanei- dade em que sao nonnalmente troeadas - sao em gerat postas em oposi~ao ao espfrito ganancioso, egocemrico e calculista que anima 8 circulac;aode mercadorias, Ademais, enquanto presenres vinculam eoisas a pessoas e inserem 0 fluxo de coisas no f1uxo de relacoes socials, mercadorias supostamente represenram 0 movimento - em grande parte livre de coercoes morais ou culturais - de bens uns pe- losoutros, movimento mediado pelo dinheiro, nao pela sociabilidade. Muitos dos ensaios deste livre, assim como minha propria argumen- t8~ao aqlli, destinam-se a mostrar que esta s~rie de cootrastes e exagerada e simplista. Porem, por enquanto, apresento apenas uma importanle propriedade comum a troca de presentcs e ~circula«ao de mercadorias. omodo como compreendo 0cspirito da troca de presentes deve muito a Bourdieu (19n), que expandiu urn aspecto atc enlao negJigenciado da analise de Maus.~sabre a dadiva (MAUSS, 1976, p. 70-73), no qual se enf~tizam certos paralelos eslf3tegicos entre a troca de pre- seotes e as pr:1ticas "econ6micas" mais ostensivas. A discussao de Bourdieu, que ressalta a dinilmica temporal do ato de presentear, emprcende uma analise perspicaz do espirito COO1umsubjacente II troca de prcscntcs e 11 circulac;aode rnercadorias: 24 rnovimcntc 12 bilb6cs de d61ares em bcns c services por ano apenas nos Estsdos Unidos, Perrnutasinternacionais (por cxemplo. xarope de Pepsi por vodca russa; Coca-cola por palitos de dente corcanos ou por empilhadeiras bulgaras) estao-se transformando em uma com- plexa economia alternativa. Ncstas circunsrsncias, a permuta e urna rca~iioao namero cada vez maior de barreiras impostas ao comercso e as finan~as internacionais e tern um papel especifico a exercer na cconornia global. Assim, como forma de comercio, a permuta articu- la a irocu de mercadorias nas mais divcrsas circunstancias sociais, tecnol6gicas e institucionais. Pode-se, portanio, considerd-Ia uma- forma especial de troca de mercadorias, na qual, por uma serie de razlies,0 dinheiro nao desempenha qualquer papcl, au um papel muito indireto (como uma mera unidade de calcuto). Com esta defini~o de permuta, seria praticamente imposslvcl encontrar qualqucr socieda- de humana em que a troea de mercadorias seja completamente irrelevante. A permuta parece ser a forma de troca de mercadorias em que a circulacao de coisas mais se divorcia das normas sociais, potuicas ou culturais. Porem, onde quer que haja evidencias disponi- veis, a determinacao do que pode ser permutado, onde. quando e pol quem, assirn como 0 que impulsiona a demanda por bens de "ou- trern", e urn fato social. Ha uma forte tendencia de perceber tal regularnentadto social como urna quesuo em grande parte negative, de modo que a perm uta em sociedades de pequena escala e em pertodos remotes e, com frequencia, considerada uma forma de troca restrita IIrcla~ao entre comunidades em vez de no interior das comu- nidades. Neste modele, a perrnuta e tomada como Oligoinversarnente proporcional A sociabilidade e, por extensao, 0 comercio exterior e visto como algo que "precedeu" 0comercio interno (SAHLlNS, 1972). Mas M boos motivos empiricos emetodol6gicos para questionar estc ponto do!vista. A ideia de que 0 comercio em economias pre-industriais nao monetizadas e, em geml, percebido como an(i~socialsob a perspecti- va das comunidades de contato direto e, portanto, restringia-se com frcquencia a negocia~es com estranhos lem como contrapanida im- plieila a visao de que 0 espfrilo da d:idiva e 0 da mercadoria sao profundamcnte opostos. Sob tal ponto de visla, a Iroca de prcsentes e a troca dc mcrcadorias sao, por essencia, contrastantes e excluem-$C mulunmcnlc. Apesar das lenlativas recentes de arnenizar 0 exagera- do conlraste entre Marx e Mauss (HART. 1982; TAMBlAH, 1984), a 2726 dianlC, E"tas oposlcoes saO caricauuas de a~~s os p61?,~e reduzem as diversidad.s humanas de urn modo artificial. Urn sintoma deste problema rem sido uma concepcao demasiado positivista da meres- doria como urn dcrerrninado tipo de coisa c, portanto, resrringindo, assim, 0 debate it qucsrao de decidir de qual tipo de coisa se trata. Mas. quando sc tenta comprccndcr 0 que e especifico a troca dc mer- cadorias, nao faz scntido distingui-la radicalrnente do permute nem da uoca de prcsentes. Como sugcre Simmel (1978. p, 97-98), c im- por1ant~ considerar a dimensiio calculista em todas esras Ires forruas de rroca, mesmo se variam as formas e intensidades de sociabilidadc associadas n cada uma delas. Resta-nos, agora, caracrerizar a iroca de rnercadorills de urn modo comparative c processual. F~mos uma abordagem das mercadorias como coisas em uma deter- minada situa~ao. situa~ao csta que pode caracterizar diversos tipos de coisas, em pontes diferentes de suas vidas socials. 1550significa olhar para 0 potencial mercantil de todas as coisas, em vez de buscar em vao a magica distin~ao entre mercadorias e outros tipos de coisas. Tambem significa romper de urn modo caregonco com a visao marxista da mer- cadoria, dominada pela perspectiva da producao, e concentrar-se em toda a Iraj~t6rill. desde a producao, passando pela troca/dislTibui~o. ale 0 consumo. Mas comodeveriamt)s definir a silua~o mcrcantil? Proponho que a s;lUat;iio mercalllll 1111 vida social de qualquer "co;sa" sejll dcfill;da C()mo a SiltlUFiQ em qlle Stili trocabilidadc (passada, presellte 011fu- lura) por ((lglIIII(( OIl/ra ClJ;.WICOII$I;llIi sell IrU~lJ social relevallle, Ademais. a sitlla<;aomercantil, assim definida, pode ser dccomposta em: (1) a (ase meresnlil da vida social de qllalquer coisa; (2) a caodi· dalura de qualquer coisa at) eSlado de mercadoria; (3) 0 contexto mercanlil em que qualquer eoisa pode ser alocada, Cada um destcs aspectos da "mercantilidade" cxigc alguma explicu~ao, A n~o de fase mercantil na vida social de uma COiS3t uma forma de sintetizar a ideia central do importanle ensaio de Igor Kopyloff que COosta deste livro. em que se observam certa.~ coisas transitando dentro e fora do eSlado de mercadoria. Terei mais a dizer sobre esta aOOrd"gcm biogrdfica das c(lisas oa proxima se~o. ma~ nOle-se. por enquanto. que coisas entram e saem do eSlado de mcreadoria. que tais movimcntos podem ser rapidos ou lentos, reversiveis ou termi- Dais, nomJativos ou discrepantesS Embora 0 aspeClo bi<lgrafico de Sc c vcrdade queo intervalo de tempo Imcrposto ee que f>OS.'Sibilib BOdam OU;'U \:unlra-dt)m S~f vistu e experimemadc lvmu urn alO inaugural de gcnclU\i. dade, scm qualqu<r passado OU futuro, quer dizer, sem cd/(uto. cmsc fica c18'0 que. au reduxir 0 poIilttico au monol~tiro. u ohjetivh,mo aniquila a cspecificidade de todilS:lS pritiea~que, como a tro- C3 de presenres, lendem a, OUprctcndem, colocar a lei do ioreresse prOprio em suspenso. Por dissimua lar, ~1endcodo no tempo. a lronsa(fioque 0 eontrato racional condcnsa em um insrante, :.t rrcca de dons e. senao 0 iiniC-Q modo de circul:u;l1o de mercadorias a scr pratic. ...do, ;10 menos o uDiC() modo plenarnerue rcconhccldo, em sociedades que, como coloca Lukacs. ncgam 140 verdadeiro solo de SU3Svidas", e que, como sc Rao quisesscm c nAo pudcsscm confe- rir a.~realidades ccenemlcas seu sentido puramenre econemico, ten, uma cconolni~ em /'Ii e nau para si (BOURDIEU, 1977.p, 171) Esse tratamento dado ii troca de presentes como uma forma particu lar de eircula~ao de mercadorias precede da crftica que Bourdieu dirige nao apenas a tratamcntos "objetivistas" da a~o social, mas a urn tipo de etnocentrismo, em si mesmo urn produto do capitalismo, que lorna per incomestavel uma defini~o demasiado restrita do interesse eco- namico.' BOllrdieu sugere que "a pralicajamais eessa de obedecer ao calculo econOmico. mesmo quando da uma impressiio de completo desinlcresse por eseapar 1116gica do c,ilculo inlcrcssado (no senlido estrilO) e estar norleada por aposlas que sao imateriais e dificilmente quantifieadas" (BOURDlEU, 1977, p, 177), Sllponho que Cst3 sugestao converge, ainda que de urn dngulo ligei- ramcnte diferentc, com as propostas de Thmbiah (1984), Balldrillard (1968, 1975, 19(1), Sahlins (1976) e Douglas & Isherwood (1981), lbdas estas propostas sao tentativas de restituir a dimensiio cullura.1 de sociedades quase sempre descritas apenas, em tennos gerais, como economias. e de rcslituir a dimensao calculisla de sociedades quase sempre relnltadas apenas em temlOS r;Strilos de solidariedade. Pane das dificuldades quese encoDlJam nas analiscs interculturais de mer- cadorias, como tambem de oulros domInios da vida social. reside no (ato de a antropologia seT demasiado duaJisla: "n6s C eles"; "mate· rialista c religioso"; "objelifica~iio de pessoas" verStlS "personifica~o de coisa~"; "truca comercial~ versus "rcciprocidadc"; e assim por 29 Nuda, como mostrou Simmel, do ponto de vista do individuo e sua subjetividade, todus as nocas podem conter este tipo de discrepancia entre os sacrificios do comprador e do vendedor, discrepancias nor- malmcnte postas de lado por causa das inumeras conveneoes sobre a ItOC3 que sao cumpridas por ambas as partes (SIMMEL, 1978, p. sO). podemos, pois, Ialar do quadro cultural que determina a candi- datura$Iecoisas 30estadodemercadoria, mas devemos ter emmente que algumas silual;Oesde troca, tanto inter quanto intracultural, se caracterizam por uma gaOlamais superficial de padr6es de valor com- partilhados. Por conseguinte, prefiro usar 0 termo regimes de valor, por ndo implicar que 1000 aro de Iroea de mercadorias pressupooha urnquadro cultural em que se companilhe uma toralidade de crencas, Aates, 0 termo sugere que 0 grau de cocrencia valorativa pode ser altamente vari'vel conforme a situa~o, e conforme a mercadoria. Neste sentido, um regime de valor condiz tanto com graus muito l!itos quanta com graus rnuito baixos de cornpartilhamento de pa- dr6cs pelas partes envolvidas em casos particulares de troca de mercadorias. This regimes de valor sao 0 fator determinante na cons- tante transcendencia de fronteiras culturais por meio do fluxo de mercadorias, entendendo-se cultura como um sistema de significa- dos localizado e delimirado, Bnfim, 0 contexto mercantil so refere a variedade de arenas sociais, 110 interior de ou entre unidades culturais, que ajuda a estabelecer 0 vlDeuloentre a candidatura de uma coisa 30 estado de mercadoria e a fase mercantil de sua carreira. Assim, em rnuitas soeiedades, transa- ~ ~e casamento podcm constiluir urn contexto em que rnulheres sao Vlstascom maior intensidadc, e de modo mais apropriado, como +aJoresde troea. Negocial;6es com eSlrangeiros podcm produzir con- &ems para amercantJljza~ao de coisas que noutras oeasi6es estariam prot~gtdas da mercanliliza~ao. Leiliies acentuam a dimensao mer- C8lltil de .objetos (tais como pinturas) de um determinado modo que pode mUltobem scr percebido como eXlremamente inapropriado em ClUtrosconte~tos. Bazares sao cenanos propensos a encorajar 0 fluxo cIe IIICrcadonas,eoquanto cenuios domesticos podem nao ser. A va- ~e de tais coolextns, no inlerior e atraves de soeiedades, prOOuz ~~o eOlre0 ambie~te socia~da mercadoria e seu estado simb6- "t"" e_temporal. Como J6 sugen, 0 contexlo mercantil, como uma ~ SOCial,pode reunir atores provenientes de sistema.~culturais diferentes, que comparlJlbem apenas urn minimo de eotendi- 28 algumas coisas (tais como objetos herdados, selos postais e antigui- dades) possa ser mais patentc do que 0 de outras (tais como barras de aco, sal ou a~ucar), este componcntc nunca 6 de todo irrelevante. A candldatura de coisas ao esrado de mercadoria e um traco mais conceituaJ do que temporal, e concerne as padroes e criterios (simb6- liens, classificatorios e marais) que detcrminam a trocabilidade de coisas em qualquer contexro social e hist6rico em particular. A pri- meira vista, tal tra!;Opareceria mais bem explicado como 0 quadro cultural em que coisas sso classificadas, e e uma das principais pre- ocupacocs do artigo de Kopytoff neste livro. Porem, tal expliea~ oculta uma variedade de complexidades. E verdade que, na maioria das sociedades estaveis, seria posslvel descobrir urna estrurura raxioncrnica que definisse 0mundo das coisas, formando conjuntos de detcrminadas coisas, estabelecendo distin~ entre outras, vin- culando significados e valores a esses arranjos e fomecendo uma base para regras e praticas que govemariam a circulacao desses obje- tos. No que range 11 economia (ou seja, a troca), a descricao de Paul Bohannan ('1955) das esferas de troca entre os Tiv e urn exemplo claro desse tipo de quadro cultural de troea. Mas M dois tipos de situac;ao em que os padr6es e criterios que governam as trocas sao tao tenues, que parecern praticamente ausenres.0 primeiro tipo Ii0 C<lSO de transacroesque transpoem fronteiras culturais, em que tudo 0 que se combina e 0 preco (monetario ou nao) e um conjunto minimo de convencocs concernentes a transa~ao em si." 0 outro Ii 0 caso daquelas trocas intraculturais em que, a despeito de urn amplo uni- verso de conhecimenlos compartilhados, lima tTOeaespecifica se baseia em perccNcies profllndamcntc difercntes do valor dos objctosque esliio sendo trocados. Os mclhores exemplos de tal divergencia de valor entre culturas podcm ser encontrados em situaf$6esde extre- ma privac;ao (como epocas de fome ou de guerra), quando a 16giea das trncas realizadas lem muito poueo a ver com a comensuraf$ao de sacriffcios. Assirn, urn homem bengali que entrega sua esposa a pros- titui~o em troca de uma refei~o, ou uma mulher IUrkanaque vende algumas de suas melhores j6ias pela comida de uma scmana estlio participando de transa~6es que pOOemser consideradas legitimas em circunstancias extremas, mas que jamais seriam vistas operando em urn complexo quadro de valom~lio compartilhado entre 0 vendedor e o comprador. Outra fonna de caracterizar tais situa~ Ii dizer que, nestes contextos, valor e pre~ foram quase tOlalmente desatrelados. 31 As ~e~dorias sao (reqiientemente representadas como 0 resultado mecan.co de regimes de produ!;ao govc:rruldos pelas leis dc oferla e proeura. Recorrendo a certos exemplos etnognificos. pretendo mos-::ar' ne~ta sc"ao, que 0 fluxo de mercadorias, em qualqucr situac;ao ~enmJla~a, e urn aco.rdo oscilante entre rotaS soeialmenle regula- e desv.os competrl.vamenle motivados. doCo~o ressaltou Igor Kopytoff, pode ser util considerar quc as merea-naste h'·" d . .fase m m l~tonas. e ~Ida. D~acordo com csta vislio processual, a creamll na hlst6na de VIda de urn objeto nao exaure sua bio- gratia e cullu!'"Imenle regulada e sua intcrpreta~o admite ate certo P9DtO,a mantpula~o individual. A1cm disso, ainda de ac:,rdo com I<opytoff. a pergunta "Ouais lipos de objeto devem tcr quais tipos de ROTAS E DESVIOS Jacques Maquet, em 1971, a respeiro de producocs esteticas,? divide mercadorias nos quarro tipos que se seguem: (1) rnercadorias por QeslilUll(iio, ou seja, objetos destinados principalmcnte a troca pelos prOpriOSprodutores; (2) mercadorias por metamorfose, coisas desti- padas a o.utros uses ~ue se coloeam .no csrado de mcrcadoria; (3) mercadonas por desvio urn caso especial, mais accntuado, de merca- dorias por merarnorfose isro e, objetos que sao postos 110 csrado de meread:>rias embora estivcssem, em sua origem, especificamcnte protegidos de tal estado; (4) ex-mercadorias, coisas retiradas, quer temponiria ou perrnancntemcnte, do estado de mercadoria e posras num outro estado. 'Iarnbem e valido distinguir mercadorias "singula- res" de "homogeneas", no intuito de di(erenciar aquelas cuja candidatura 30 estado de mercadoria e precisamente uma qucsrao de earacterfsticas de sua classe (uma barra de aco perfeitarnente padro- nizada) daqueJas cuja candidatura reside precisamente em seu carater Wlicono interior de uma classe (uma tela de Maner em vez de urna de Picasso; uma determinada tela de Manet em vez de uutra do mesmo piator). Inrimamenre relacionada com esta ultima, mas niio identj- ca, e a distin~ao entre mercadorias primarias e secundarias: pecessidades e futilidades; e 0 que chamo de mercadorias moveis ver~u~ mercadorias .ellcai.iCaclas.8 Contudo, todos os esforcos em defJDIr as mercadonas esUio condenados 11esterilidadc a nau ser .~ue elucidem mercadorias em movimento. Este 6 0 prin~ipal obje- tlVOda pr6xima se~o 30 mentes (em uma perspective conceitual) sobre ()Sobjetos em questao e estejarn de acordo apenas accrca dos termos da ncgoctacao. 0 fe- nomeno conhecido por comercio silcncioso ~ 0 exemplo mais 6bvio do minimo ajuste entre as dimensoes culturais c socials da rroca de mercadorias (PRICE. 11)80). Portanto, a rnercanrilizacao res!dc na cornplexa inrersccao de fatores temporals, culturais e sociais. A medida que, numa deterrninada $0- cicdade, algumas coisas, com Irequencia, se encontram na fase mercantil, preencher os requisites da candidatura ao estado de mer- cadoria e aparecer em conrcxtos mercaniis. tais coisas silo suas mercadorias rnais ifpicas. A medida que, numa dcterminada socieda- de, um mirnero consideravcl de coisas, OU mesmo a maioria del as, algumas vezes precncbe estes crirerios, pode-se dizer que a socieda- de em questao e altamente mcrcantilizada. Nas sociedades capitalistas modcmas, pode-se afirrnar que hAuma tendencia de que urn numero maior de coisas experimcnte uma fase mercantil cm suas carrciras, que urn numero maier de conlCXIOSse torne mercantil c que O~pa- droes da candidature ao esrado de mcrcadoria abranjam uma parte' maior do universe de ccisas do que em sociedades nao-capiialistas. Embora Marx tivesse razao em ver 0 capitalismo industrial moderno como 0 sistema economico que acarreia 0 tipo de sociedatle mais inlensamente mercantilizada, a compara~o de sociedades em rela- ~o ao grau de "mercantiliza~50~ seria uma que.<;taoextremameote cornplcxa, tendo em visla a defini~ao de mercadorias que se abordou aqui. Segundo esta defini~ao. 0 termo "mercadoria" passa a ser em- pregado no restante deste ensaio com referencia a coisas que. numa determinada Jase de suas carreiras e em urn contexto particular. pre- enchern os requisitos da candidalura ao cstado de mercadoria. A analise que Keith Hart (1982) fez reccntemente sobre a importancia da crcscente hegemonia das mereadorias no mundO eslaria de acordo com a abordagem que sugerimos, exceto pelo fOlIOdc, aqui, a mereanliliza~o ser considerada urn proccsso diferenciado (que en- volve, de urn modo diferenciado, questiies de Case, contexto e categoriza~ao) e 0 modo capitalisl3 de mercantiliza~ao ser visto em illtera~a(l com uma miriade de outras formas socia is nativ3s de mcrcantiliza~o. Tr~ ~ries de distin~iies entre mercadorias merecem ser adic.ionadas aqui (outras seraO apresentadas ma;" adiante). A primeira, um3 apJi- cat;~t) modificada de lima distinG50 estabelecida originalmente por 33 eles 30 ensalo de Nancy Muon (1983), publicado ern urna cole-eDtre , ,- d dc f _ ..tinea influentc sobre urn renomeno e gran C importancta para 0 assuntOdo presente Iivro, 0 celebre sistema kula do Pacifico Oeiden- tal (LEACH; LEACH, 1983). okula ~ 0 exemplo mais bern documentado de urn sistema de troca translocal nlio ocidental, pre-industrial e nao moneuzado. e. com a publ.ica<;iOdessa recente coletanea, pode-se afirmar que se tornou 0 excmplo mais complete e proficuamentc analisado. Agora, revelou- se que a classica descricao de Malinowski desre sistema (MAUNOWSKl, 1922) era parcial e problenuitica, muito embora lIIetenha lancado os alicerces para as analises mais recemcs, inclusi- ve as mais sofisticadas. As implicacoes desta recenie rcconsideracao do fe06meno kula para os interesscs gerais do prescnte livro sao inu- IIICtaS. Bmbora os ensaios desta coletfinca que irei char repercutarn dilerentes pontes de vista, quer emograficos, qucr teoricos, eles, de t.Io, permitem algumas observacoes gerais. o bUa e um sistema regional extremamente complexo para a circu- laliio de tipos particulares de objetos de valor. norrnalmente entre bomens de posses, no arquipelago Massim, ao loogo da costa na ex- tremidade teste da Nova Guine, Os principais objetos trocados uns ~ outros sao de dois tipos: colares e braceletes oroamentados (cada urn circulando em dire~s contrarias). Estes objetos de valor adqui- tern biografias muito especificas, conforme sc movem de 11mlugar a outro, e de uma mao a outra, it medida que os homens que os trocam 'pnham c perdcm reputa~o ao adquirir, possuir e se desfazer destes 'objelos de v<llor. 0 termo keda (estrada, via, rOla 011 trilha) e IIsado 'em. algumas comunidades Massim para descrevcr 0percurso desses bbjetos de valor de uma ilha a outra. Mas keda tamMm possui um 'COIIjuntomais difuso de significados, que se referem aos vioculos ~ais, polfticos e de reciprocidade mais ou menos estaveis entre os 'bexnens que fazem parte destas rolas. Em sua ace~o mais abstrata, .1aI4 re{ere-se 11 rOla (criada pela troca desles objet(lS de valor) que ~a l riqucza, ao poder e a reputa~o dos bomens que negociam tais .~os (CAMPBELL, 1983, p. 203-204). :~ c, pois, urn conceilo polissemico, no quala circula~o de obje- 1Ol,.a conslruCiao de mem6rias e reputa<;6es, e a busca de distin~iio ,~pot mcio de cstralegias de parceria sao evocadas todas de uma ~yez. Os vinculos dclicados e complexos entre hom ens c coisas, 32 biografia?" t uma questao mais de comesracao social e de go.sto indi- vidual nas sociedades modernas do que nas sociedades proto-industriais, nlio monetizadas e de pequena ~Ia. Ha. DOmo- delo de Kopytoff, urn cabo de guerra Clemo C universal entre a rendencia de todas as economias em expandir a jurisdi~ao da mcrcantiliza~o e a tcndencia de todas as culturas em limita-la. Indi- vlduos, nesta concepcao, podem acompanbar qualquer uma destas tendencias, conforme se ajustem a seus interesses ou condigam com StU senso de adequa~o moral, embora nas sociedades pre-modernas o espaco para mudancas de rumo nao seja, em geral, muito g~ande. Das diversas virtudes do modele de Kopytoff, a meu ver, a mats im- porrante e a proposta de um modele generico e processual da mercantihzacao, no qual os objetos podern transitar dentro e fora do estado de mcrcadoria. Estou menos seguro quanto ~ oposicao entre singulariza<;ao emercantilizacao, urna vez que alguns d~ casos mais interessantes (que, como 0 proprio Kopyloff concorda, suuam-se na zona intermediaria de seu contraste ideal e lipificado) envolvem a mercanulizacao mais ou menos permanente de objetos singulares, E possfvel levantar duas questoes sobre esse aspecio da argumenta- ~o de Kopyloff. Uma seria que a propria defini~o do que constitui objetos singulares em oposicao a classes de objetos ~ uma questao cultural, na medida em que podem existir exemplos unicos de classes hornogeneas (a barra de aco perfeita) e classes de objctos singulares culturalmente esrimados (tais como obras de arte ou pecas de ves- tuarlo com a eliquela do estilista). Por outro lado, uma critica marxista desse contra sIc sugeriria que e a mercantiliza,iio, comO um processo hisl6rico global, que delerrnina, de maneira imporlame. as rela~es oscilanles entre coisas siogulares e homogeneas em qualquer mo- mento da vida de uma sociedade. Porem, a principal questaO aqui f;, que a mercadoria nao e urn tipo de coisa, em vez de um outro tipo, mas uma fase oa ,>idade algumas coisas. Neste POOIO,Kopytoff e eu. estamos de pie no acordo. ThI conccPlt-'1oda mercadoria e da me.rcantitiza~o traz diversas im- plicac;6es importantes, algumas das quais slio m~nci~nadas n? d~rso da argumenta~o de Kopytoff. Outras serao dlsculldas mats adlante neSle eosaio. Meu inleresse imedialo, porem, se volta para um aspec- to significalivo dessa perspecliva temporal sobre a mercantiliza<;3o. das coisas, que conceme ao que denominei rOlas e desvios. Devo estes dois termos, e ccrta parte de minha compreensao das rela~es 35 1983, p. 203·204) que ~ermile ~ negociacao co~pe~iciva de estimati- vas pessoais de valor a luz de mtercssesindividuals tanto de longo quanlO de eurto prazo (FfRTH, 1983, p. 10I). 0 que Firth chama aqui de ~engenharia da divida" e uma variedade da cspecie de IrOClcalcu- Iada que, segundo minha definiciio, toma turva a linha que separa a ttoca de mercadorias de varianrcs mais sentimentais. A difcrcnca mais iJDpOrtanteentre a troea destas mercadorias e a rroca de mercadorias em economias modernas e indusuializadas Cque 0 diferencial que SI! busca nos sistemas como °kula "stll na reputacao, nome ou fama, de modo que pessoas ~iio a forma crucial de capital para a prodll~ii() desSC lucro, em vez de outros fatores de producao (STRATHERN, 1983, p. 80; DAMON, 1983, p. 339-340).0 nao ter preqo e urn luxo para poucas mercadorias, ialvez ainda mais importance que 0 aspecro calculista das trocas no ~ seja 0 fato de esses estudos recentes tornarcm multo dificil ob- servar a troca de objctos de valor no kula como algo que ocorre apenas _ fronreiras entre comunidades, sendo as que se realizam no interi- er delas mais proximas da Iroea de presentes (DAMON, 1983, p. ·339). 0 conceito de kitoum fornece 0 vinculo recnioo C conceitual entre as longas rotas percorridas pelos objetos de valor e as trocas no ·interior da ilha, mais Intimas, regulares e problernaticas (WEINER. 1983; DAMON, 1983: CAMPBELL, 1983; MUNN, 1983). Ainda IlK 0 lermo kilQlIIn seja complexo e em cerlos aspeclos ambiguo, -,uece claro que designa a articula~o enlre 0 kula e outras modali- ·cIades de Iroea nas quais homens c mulheres Iransacionam em suas ')ir6prias comunidad~s. KiloumS silo objelos de valor que podem ser 1NJISIOS ou legilimamenle retirados do sislema kula para se efclUarem "convers6es" (no sentido de Paul Bohannan) eolre niveis discrepan- .!f.s.de "C;'3"sferencia" (BOHANNAN, 1955). No uso de kilOlllll, vemos ps cruclalS vf.oculos conceiluais e inslTumenlais enlre as rolas mais .~ e mais longas que formam a 10lalidade do mundo das Irocas ~ ~im. Como moSlIOUAnnetle Weiner, e urn equivoco isolar 0 ~de Sistema de Iroeas entre ilhas das Iransferencias <.Ieobjelos que c9.f0n'cm por causa de dfvidas, morte e afinidadc - Irocas mais fnti- {!'t·por~m (para os homens) mais sufocanles (WEINER 1983 P~YOO-16S). ' ,. 1:.':'.;:ma kula confere urn caniler dinamico c processual irs ideias de .oIo;;.._~-- no que lange 11mistura ou IrOCade qualidadcs enlre homens e -. como nOIOUMunn em relac;ao as trocas A?lla em Cawa: "Em- 34 centrals para as politicas do keda, sao captados 110 seguinte excerto.j, partir da perspective da ilha de Vak'Ula: o krda bern-... ""did...e furm.do pot homens qua 530capaxes de manter parcenas keda rClativameote estdveis por meio de admir4vci~habilidades oraI6.: ria~e menipuladuras, c que agem como uma cquipe, ceda urn in1erprtla::Jdo os mcvimentcs do ouuo. 'R>- davia, muiln$. keda desmoronam, to,nando necessarto queos homensse realinhem rcgularmeo-· te. Alguns forman' iipos de kedu eompletamente diferentes, cnqu;snlo os remanescentes de um keda rompido podem quem- form., cerro keda, alicitndo novos partic:ip..ntes. Ainda outrMpodem jamais par- ticipar dUkel/" novameme, por sua faltade habllidade emforrnarourrokedu em f!17.:inde uma"md" r(p~ l~O na atividade *u.to.No. realidade. 0 universe> de objctos de valor fcilos em concha em quaJque.r«dIJ ~ migraiorio•• a composi~ sociat de urn t.d4 , U4ln~it6tia.A hi~16riaaeumulada de urna conc.ha6 retardada pelo movimen(o cun((nuo entre os ke.dtl. cnquaot(.1a reivindjca~aodos homcas por imunal'" dade de"vanecc no momenrc em que as cuncbas perdcrn sua aSMK.-13<1ao com estes bomens ap6s to- rem sido atrilida~coin txilo para urn cerro ktdtl, ~umindo. portanlO, a idenlidalk: social i..Ie, r.eUSBO- vo' donos. (CAMPBELl. W1I3,p. 211l·219) Assirn, a rOla tomada por esses objelos de valor sirnultaneamente reflele e conslr6i parcerias e confJilos sociais por proerninencia. Mas ha urn born numcro de OUlros fatores que sao dignos de nOla no que lange ii circula~o destes objetos. 0 primeiro c quc sua Iroea nao 6 facilmcnle calcgorizada como uma Iroea recfproca simples, dislante do espfrilo da negocia~ao e do comcrcio. Aind" que as valorac;;6es I11llnetarias eSlejam ausenlcs, lanto a nalureza dos objCIOSquanlo uma variedade de fonles de f1exibilidade no sislema possibililam que exisll ai 0 lipo de troca calculada que suSlenlO ser 0 ceme da Iroea de mer· cadorias. ESles complex os mod os de val()rac;;ilo permicem que parceiros ncgociem () que Firth (seguindo CASSADY JR., 1974) cha- mou de "lf0C3 por lratado particular", urna silua"ao ~m que sc chega a uma especie de pre~o por meio da negoeiac;ao de alguns processos que difercm das for~s impeSS<lais de of crt a e procura (FIRTIi, 1983, p. \II). A~sirn. apesar da presen~a de laxas de Iroea gcneralizadas 0 oonvencionais, ex isle um complexo calcul0 qualil31ivo (CAMPBE[J., 37 Ai) contranode .r~ comerciais,quein!4itv· em urn::. rclll~io de rivalidadt economicI entre indi.id..,. em condi~Oes de iguoldade (Offilal.com c-lda um guiando seu proprio alcu10 de l-tpropria- ~iio individual, 0 leiJao,como a fesfaOU0 jV80, in."llitui urna YCldadeira comunidu\lc de ll'OC3 entre pares. rndepcndcnlcnlcnledequem arrematruos lan~ us. a fun~k)c.~"eocia!do Jeill0 6 a instilui~i'lode umn cOlnunidade dos privilegi3do~ que se aUlodefincm como lai.~por mcio da e!Opc:x:ula~;io ,agoni~tic¥sobrcurnrestriloC()TpIIsdc si~ Aconl" pe'i~o de tiPJ arlstocritico legitima sua JM,idQdc (que aio tem noda • vcr com • igualdade formal da compcti~o economical c. assim, ~ua privilegiad3 ca.-<uacolc'iV:l djaAte de codas os QUIros..de quem Ji nio se scparam mcramente pelu poder de compra, mas pclo :llo sunluariu c colerivo de produzir e Iro. C3r valorcs d<>ssigno •. (1981. p. 117) ltD faur uma analise comparativa de tais torneios de valor, pode ser ~e~vel oao seguir a tendenda de Baudrillard de isoIl1-los, para T~IJCOS, da Iroca economica mais mundana, em bora seja mui- vel que a articula~o dcsl.3Sarenas de valor com OUlrasarenas para as mais mundanas realidades de poder e valor na vida comum. eomo no kula, do mesrno modo que em tais torneios de valor em geraI, habilidades esrraregicas sao medidas culturalmcme pelo su- c:esso com que os atores arriscam desvios ou subversoes das rotas cullUratmenlc convencionadas para 0 fluxo das coisas. A idtlia de torneios de valor e uma tentativa de eriar uma categoria geral, seguindo uma obscrvacao recente de Edmund leach (1983, p. 535), que compara 0sistema kula com 0mundo da arte no Ociden- te IJlO(Ierno.A analise de Baudrillard dos leiloes de arte no Ocidenre ooDlemporanoo permite que se amplie e aprofunde eSIS anaJogia. Baudrillard observa que 0 lei lao de arte, com seus aspectos hidicos, rituais e reciprocos, se localiza fora do ethos da troca economica con- veocional, e que "vai rnuito alem do calculo economico e diz respeito • todos os processos de transmuta~ao de valores, de uma 16gica de valor a outra, que pode ser observada em determinados lugares e iostitui~6es" (BAUDRlllARD, 1981, p. 121). A anallse que Baudrillard faz do ethos do leilao de arte merece ser citada na Inte- gra, j~que poderia ser facilmenre uma caracterizacao apropriada a outros exemplos de torneios de valor: 36 bora os homens parecam ser os agentes na defini~o do valor cia conchas. na verdade, sem conchas. eles nao podem definir seu p~ prio valor; quanto a isso, conchas e homens sao agenres recfprocq na defini~iio do valor de urn e de outro" (1983, p. 283). Mas, collli observou Munn, naconstrucso recfproca de valor, as rotas naosao ~ unicas a exercerem urn papel importante: os desvios tambem 0 ftj zem. As relacoes entre rotas e desvios sao cruciais para as polfti~ de valor no sistema kula, e a orquestracao apropriada destas rela~ e a principal estrategia do sistema: Na verdade, 0 sistema de m1as inlplica 0 de!i:~., que este e um dos meios de I~r nuylS Iotas.. Pc4 suit mais de um3 rot .. tamblm indk.. a probabUi~ de:Ouimet desvios a partir de:uma roc.:.eSlabelecida' outra, itmedida que homcns se tornam sujcitos a ij t(rcsse.~ e persuasivas de Qulro~ grupos de parceird [ ... J De fato, no kula, os bomens de posses ,em J desenvolver alguma cap.acidndc de cquilibrar op/, ra~oes: dcsvios de uma rota devcm SCT repostos mal lank para acalmar parceiros frustrados e evitar q{ a rota desapareca, ou evitar que eles mesmos seja' ."primidns d. rota. (MUNN. 1983, p. 301) Estas trocas de grande escata representam esforcos psicologicos ~ transccnder OUJ(os rna is humildes de coisas, mas, nas polfticas ~ reputacao, ganhos na arena mais ampla lem implica~6es para as aI1 oas menores, e a ideia de kiloum assegura que lanlo as transferilnc~ quanto as conversoes lem de ser conduzidas com cuidado com viSIl! nos melhores gaohos no lotal (DAMON, 19&3,p. 317-323). 0 kuJ, pode ser vislO como 0 paradigma do que propunho chamar de lor11i!J os de valor.' Thmeios de valor sao complexos eveotos pen6dicos que, de algum forma culturalmente bern definida, se afaslam das rOlinas da vid economica, A participa~ao oestes eventos rende a ser simulran~ men Ie um privih'gio daqueles que esrao no poder e um instrument de dispula de SIll/US enlre ties. A moeda corrente destes tomeios tad bern tcode a ser dislinguida por meio de diacrflicos culturais mui' bern compreendidos. Finalmentc, 0 que esta em paula nestes tomei~ nao e apenas 0 slanlS, a posi~ao, a fdma ou a repul.3~O dos atores, JDI a disposi~o dos principais emblemas de valor da soc.iedade em qud. laO.,0 Enfim, embora IMS lome ins de valor ocorram em cpocas c lugad especiais, suas formas c resultados sempre trazem oonseqiienciJ 3938 dcm ser rnercantilizados por ninguern. 0 corpo da arte e do ritual em sociedades de pequena escala e uma destas zonas encaixadas,onde 0 espirito d.amercadoria s6.adcntra sob condi~(ics de mudancas cuhu- rais mass-vas. Para uma d.scuS$ao mais longa deste fenomeno, rcmos o cnsaio de ~illiam Davenport sobre a producao de objetos destina- dos ao uso ritual nas ilhas Salomao Orientals. Os fcn6me~os disclllidoS. no artigo de Davenport elucidam os aspec- 105mercanns da VIdaSOCIalprecisamente por ilustrarern uma especic de quadro moral e cosmologico no qual a mercantilizacao e resrrita e resguardada. Durante as observiincias funebres desta regiao, particu- larmente na celcbracao de larga cscala charnadamurina, investem-se muita energia e despesa oa confec"iio de objctos que desempenharn um papel centr~1 D~ritual, ~~s sao rigorcsarnente pOSIOSna catego- na de m~rcadonas terrmnais (KOPYfOFF, Cap. 2), ou seja, objctos q~c, devido ao conrexto, ~o proposito e ao significado de sua produ- ,,~o,fazern apenas urn trajeto da produ<;iio ao consume, Em seguida, aJOda.que al~umas vezes tenharn eventuais usos domesticos, jamais lhes e per~I~ldo rel~rnar. ao estado de mercadoria. 0 que os lorna desmercamilizados .e: pois, ~ma cornplexa concepcao de valor (na qual s,e.unem 0 estenco, 0 ritual e ° social). C lima biografia rilual cspecifica. Podemos parafrasear as observacoes de Davenport e ob- servar que 0 que se passa aqui - no centro de um conjunlO extrell_lamenl~ complexo e ~alculado de inveslimenlOS, pagamenlos e crcd.tos - e um llpo espec.al de Iransvalordliao, 110qual objetos sao POSI<)~alem da zona de mercanljliza~a(l culturalmcnle demarcilda. E:-~IeIIPOde transvalora<;iio pode assllmir forrnas diferentes em so- c,eda~es diferenles, mas, em muilas sociedadcs, caracteristicamente os objetos que ~epres~n~m elaooral<Oes cslelicas e aqueles que ser- :e~ de sacr~.saoprolbldos d.e ocupar 0 eSlado de mereadoria (quer SOCIal,de~mllva o.ulemporanamenle) por muilO lempo. No rigoroso co~proml.sso dos ItheliS de Salomao de colocar seus produlOS rilllais n.lals eSletlzados fora do alcanee da mercantiliza~ao, vemos uma va- nante de uma Icndencia muilo difundida. Um exemplo um lamo diferenlC da lensao enlre a troca de sacrae de ?,crca_dorias pode St~vislo na an~Jise de Patrick Geary acerca do Inter.camblo de relfqul3s nos primlirdios da Europa medieval. As rc- ~,fqulas descritas sao, obviarncnlc, "encontradas" em vez de fabncadas". e sua circula<;iio repereule um aspecto muito imponan- Ie da constru<;iio da identidade comunilaria. do prcstfgio local e do cconomicas apresemc grandes variacoes. Terei mais a dizer sobre tor- ncios de valor na discussao acerca das rela<;i\cs entre conhecimento c mercadorias, mais adiante nesre ensaio, o ~711(l,de qualquer modo. representa um sistema muito complexo panl a inrcrcalibragem das bingrafias de pessoas e coisas. Mostra- nos as dificuldades de separar a troca de mercadorias da de prcsentes, rnesmo nos sistemas pre-industriais e nao monetizados, alem de nos lembrar dos riscos envolvidos em correlacionur, de modo demasiado rigido, zonas de intimidade social com formas distintas de troca. Po- rem. e talvcz 0mais impcrtante, trata-se do excmplo mais intricado da polltica dos torneios de valor, em que os atorcs manipulam as rotas culturalrnente definidas e 0 potencial estrategico dos desvios, de modo que0 rnovimento das coisas lorna mais alias suas pr6prias posicoes. No entanro, dcsvios nao silo encontrados apenas como partes de es- traiegias individuais em SilU3\;OeS compcritivas, mas podem ser institucicnalizados de varias formas que removem ou protegcm ob- jetos dos contextos rnercantis socialmentc relevantcs. Monop6lios de realezas sao, talvez, os cxemptos mais conhecidos de tais "mcrca- dorias encaixodus", como aponta Kopytoff no Capitulo 2. Uma das discussocs mais amplas e interessantes sobre csie tipo de rcstrir,;30 monopolisla 30 fluxo de mereadorias e a de Max Gluckman (1983), no contexlO da~ propriedades reais enlre os lozi da Rode.~iado None. Em sua di~cussao acerea das categorias de "d<idiva". "tribum" C "coi- sas regias", Gluckman mostra como. mesmo em urn reino agrfcola com baixos excedentes. () nuxo das mcrCadtlfias possui implica¢es muito diversas c signjficativas. Em sua anMise das "coisas regias", lorna-so: claro que a principal fun<;iio deslO:~monopOlios reais era manter a exclusividade suntuaria (como no monop6lio real de &span- ta-moscas fcito com pele de elande), a primazia comercial (como com as prcsas de ctefantc) c a cxibi<;iio da hierarquia. Tal reslri<;ao de coisas retiradas das e~feras de troca mais indiscriminadas e parte do modo pelo qual. em lideram;as e imperios pre-modernos, 3 rea- leza podia assegurar a base male rial da exclusividade suntuaria. Esle tipo de proce~so pode ser chamado de desmercantiliza~ao "de cima para baixo". Mas 0 caso mais complexo concerne a areas inleiras de atividadc e produ~iio que ,ao dcstinadas a fabricar objetos de valor que Ilao po- 41 cIanO. Tais OIercadorias encaixadas guardam uma semethanca famili- com outra c1asse de coisas, frequentementc discutida na literarura ~16gica como "objetos de valor primiuvos", cuja especificidade 10vincula direlamcnle 11 troca de mercadorias, Embora as mercadorias, em virtude de seus destines de troca e de sua COIDensurabilidade mutua, tendam a dissolver os vinculos entre pes- seas e eoisas, tal tendencia e sempre equilibrada por uma conttateDdeocia, em todas as sociedades, de resiringir, controlar c canalizar a rroca. Em muitas economias primitivas, objctos de valor exibem estas quaJidades socialmente restritas. Dcvemos a Mary j)ouglas (1967) a ideia de que varies destes objetos de valor se asse- melbarn a cupons e llcencas das economias industriais modernas. Ou lilja, apesar de serem parccidos com dinheiro. nao sao urn meio ge- IItralizado de troca, mas possuem as seguintes caracterfsticas: (I) os podeles aquisitivos que representam sao alta mente especfficcs; (2) .. distrlbui~o e controlada de formas diversas; (3) as coDdi~Oes .. govemam sua emissiio criam uma serie de rela,,6es do tipo Jll'fooo-cliente; (4) sua principal fun"iiu c fornecer a condicao ne- Qess8ria 30 ingresso em posicoes de alto slams; e (5) os sistemas lIIICiaisem que tais cupons e licencas funcionarn sao engrenados para Wiminar ou reduzit 3 cempeucao em favor de urn padrao estave! de IMtIa (DOUGlAS, 1967, p. 69). Tecidos de rMia na Africa Central, --..pumJl entre os indios do leste dos Estados Unidos, dinheiro-con- 11M entre os Yurok e a moeda·concha da lIha Rossell e OUlras partes cia Oceania sao excmplos de tais "eupons de mercadoria" (nas pala- ~ de Douglas), cujo Ouxo reslrilO eSla ~ disposi~iio da reprodu~iio " alslemas politicos e sociais. Coisas, nestes conlexl05, conlinuam • mecanismos de reprodu<t3o das rela~6es enlre pessoas (vcr tam- ~~ DUMONT, 1980, p. 231). Tais cupons de mercadorias ~ese?tam urn ponto inlemlediirio enlre dadivas "puras" e um ~Erclo "puro". Com a dadiva, eles compartilbam uma certa in- .rencta pela oferla e procura, urn aho grau de codi fica~5o em ~os do: etiqueta e apropriabilidade, e uma lcndencia de 5egIJir ~ so~laJmentc eSlabelecidas. Com a pura permula, sua Iroca ~P~rtllba 0 espirilo do calculo, uma receptividade ao inleresse ~no e uma preferencia por transa~6cs com pessoas relariva- ~te estranbas. h.~sistemas reSlrilOSde Ouxo de merc.adorias, nos quais objel05'Ji re:terrem 0 papel de cupons ou Iicen~as de$linados a proteger 40 controle eclesiastico e centralizado na Europa latina do perfodo me dieval inicial. Estas reliquias penencem a uma economia particular d~troca e de- manda na qual a historia de vida da rellquia em questao e essencia~ em vez de incidente, a seu valor. A auteniicacao desta hist6ria ~ igu~i mente central para seu valor. Tendo em vista a abordagem geraJ OIl diterenca entre dddiva e mercadoria que fiz neste ensaio, eu sugeriru que Geary talvez dclineie urn contrasre por demais rigido entre ambasj na verdade, seu proprio material mostra que 0 presente, 0 roubo e d comercio erarn, iodos, modos de movimentar os sacra no contexte rnais ample do coni role eclesiastico, da competicao local e da rivalk dade entre comunidades. Sob esta perspecuva, as reHquias medieval! parecem estar menos cautelosameme protegidas dos riseos elf rnercanrilizacso que os objetos rituais de Davenport. No entanto, peri manece a inferSneia de que modos comerciais de aquisicao da! reliquias eram menos desejaveis que a dadiva au 0 roubo, nao exata mente por uma antipatia direta 11negocia«iio de reliquias, mas, antes por serem os outros dois modos mais emblematicos do valor e dI eficacia do objeto, Assim, tarnbem essas reliquias caem na categoria de objetos cuj! rase mercantil e ideal mente curia, cujo movimento 6 resrrito e qul aparentemente nao "recebem um preco" da mesma maneira que oJ tras coisas. No entanto, a forca da demanda e lamanha que as fill circular com um3 velocidade consideravel e de modo muito parecidc com 0 tie suas cOlllrapartes mundanas. Portanto, mesmo no easo <II objelos "Iransvalorados", que assumem as caraetcr!slicas de mer~ dorias encaixat/as,em vez de m6veis, Mvaria~oes consider~veis nOt mOlivos para, e na nalureza de, lal enctave. As "coisas rc$gias" ~ Gluckman, as reHquias de Geary e os objetos rituais de DavenllOll sao tipos diferenles de mercadorias encoixadas, objelos cujo polen: cial mereanlil e cautelosamenle resguardado. Pode, ainda, s~ apropriado nOlar que uma forma institucional bem significaliva ~ restringir a zona dn lroca de mercadorias em si mesma e 0 "porto-del comercio" as.c;ociadoa muitos reinos prc-modemos (GEERTZ,'I 980) embora lais reslri«6es ao comercio na polilica pre-modema possad nao ser tao radicais quanlo se imaginou (CURrIN, 1984, p. 58). ()( motivos para lal resguardo sao bern variaveis, mas, em cada caso, at bases morais da restri<t3o tern impJica¢es claras para enquadrar ~ facilitar trocas plllilicas, sociais e comerciais de urn tipo mais mud 4342 crises podern assumir uma varicdac.le de form as: adversidades econo- micas, em qualqucr cspecie de sociedade. podem Jevar familias a se desfazercm de objetos transmitidos por diversas gera<;iies. de anti- guidade~e dememorabiliapara mercumitiza-los. tsso e tao verdadeiro para objetos de valor mais modernos quanto no kula. A outra forma de crise em que mercadorias sao dcsviadas de suas rotas apropriadas, obviamente, e a guerra c a pilhagem que a acompanhou ao longo da hist6ria. Em tal pilhagem, e DOesp6lio que deja deriva, vernos 0 inverso do comerclo. A transferencia de mercadorias em tempos de guerra sempre tern uma intensidade simhOlics especial, exemplificada na tendencia de enquadrar uma pilhagem mais mundana no transpor- te de armas cspcciais, insignias ou partes de corpos que pertenciam 30 inimigo. Na pilhagem pretensamente legftima que instaura 0 qua. dro propicio a saques mais mundanos, vemos 0 analogo hostil do duplo processo de sobrcposicao de camadas dos circuitos de troea mundanos c mais personalizados em outros CODleXlOS(tais como 0 kula eo gimwali na Melanesia). 0 roubo, condenado na maioria das sociedades hurnanas, ISa forma mais simples de desvio de mercado- rias de suas roras predeterminadas. Mas h3 exemplos mais suus de desvios de mercadorias de
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