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DESIGNERS: ENTRE CÉTICOS E DOGMÁTICOS DESIGNERS: BETWEEN SKEPTICS AND DOGMATICS Diego Daniel Casas1 Ricardo Goulart Tredezini Straioto2 RESUMO: Ao longo dos anos, o design passou por transformações que alteraram seu discurso e objetivo inicial, o que, em certa medida, reflete seu amadurecimento e seu reconhecimento social, principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela sociedade, através da consolidação de um mercado de design. E apesar de aparentarem certo distanciamento, o pensamento cético e o design possuem relação estreita. Este artigo objetiva confrontar o design e algumas de suas perspectivas com o pensamento cético, no intuito de constituir uma relação entre as abordagens de design e suas possíveis bases epistemológicas. Como metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma pesquisa exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados ressaltam que a divisão entre as abordagens de design é, em certa medida, artificial, como se elas pudessem representar categorias distintas e grupos exclusivos de indivíduos. É possível também notar que o pensamento cético e o design possuem íntima relação e tanto a abordagem de design, como a postura cética ou dogmática em relação a tal abordagem, devem, ambas, ser fruto reflexão dos designers. PALAVRAS-CHAVE: Design. Ceticismo. Epistemologia. ABSTRACT: Over the years, design has undergone transformations that have altered their speech and initial goal, which to some extent, reflects its ripening and its social recognition, especially when no longer a vanguard, or an alternative project, and become absorbed by enterprises and society, through the consolidation of a market design. And despite appearing to a certain distance, skeptical thinking and design have close relationship. This article aims to confront the design and some their perspectives with the skeptical thought, in order to constitute a relationship between the design approaches and their possible epistemological bases. As a methodology to achieve the objective a research exploratory and literature. The results emphasize that the division between the design approaches is to some extent artificial, as they could represent distinct categories and exclusive groups of individuals. It can also be noted that skeptical thinking and design are closely related and both the design approach, such as dogmatic or skeptical attitude towards such an approach, should both be the result of reflection designers. KEY WORDS: Design. Skepticism. Epistemology. INTRODUÇÃO Mesmo aparentemente distantes, o pensamento cético e o design possuem uma relação estreita. De modo que o ceticismo e seu oposto, o dogmatismo, estão presentes cotidianamente no modo de agir e pensar dos profissionais ligados a atividade de design. A proposta do artigo é confrontar o design, em suas principais perspectivas, com as bases do pensamento cético, a fim de estabelecer uma relação entre as abordagens de design e suas possíveis bases epistemológicas. 1 Mestrando em Design Gráfico pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. 2 Mestrando em Design Gráfico pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Com o passar dos anos, desde sua fundação, o design passou por transformações que alteraram seu discurso e objetivo inicial, que, em certa medida, reflete seu amadurecimento e seu reconhecimento social, principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela sociedade, através da consolidação de um mercado de design. Essa discussão tem como embasamento a análise de Nuno Portas (1993), sobre as três principais correntes ou tendências em Design, que, segundo ele, norteiam a formação e a visão da maioria dos profissionais da área sobre a atividade e, conseqüentemente, as ações projetuais e as políticas desenvolvidas pelos mesmos. Como suporte e complementação a abordagem de Portas, utilizaremos a reflexão crítica de Norberto Chaves (2001) sobre os discursos assumidos pelo design no decorrer de sua trajetória, polarizados e contrastados como discurso dos fundadores e discurso do mercado, mas também se referindo a uma terceira corrente pós-moderna, que nesse ponto se diferencia de Portas, e assim expandi as perspectivas sobre os rumos da atividade de design. O pensamento cético, em síntese, pode ser encarado como a suspensão do juízo, sem aceitar ou negar uma teoria, o que demonstra seu caráter de investigação permanente. O cético pirrônico, conforme Sexto Empírico, também pode propor teorias, mas, no entanto, a diferença entre ele e o dogmático, é que o cético suspende o juízo e continua investigando. Conforme o Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ, 1990), por oposição ao ceticismo, o dogmatismo é a atitude que consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de chegar a verdades absolutamente certas e seguras. Na concepção cética geral, portanto, a especulação filosófica daria lugar ao senso comum e à vida prática. Considerando apenas o que é aceito no senso comum entre os autores de design utilizados, que como vimos, é uma das essências do pensamento cético, a ênfase se dará, então, na abordagem funcionalista relacionada com o discurso dos fundadores da teoria do design, e a abordagem do Styling adotada pelos agentes do mercado. Essa duas abordagens são aproximadas do pensamento cético, através de seus principais expoentes - como Sexto Empírico, Descartes, Hume, Kant entre outros-, e assim, buscar estabelecer relações epistemológicas das duas principais correntes de design. As outras perspectivas também são indicadas no texto, como concepção sistêmica ou ecológica (Portas) e a pós-moderna (Chaves), porém sem o mesmo destaque das duas anteriores por não ser um consenso entre os autores. Em suma, o presente estudo aborda também a transformação do design no decorrer dos tempos, de sua origem até a atualidade, traçando um paralelo com o pensamento cético. Busca contrastar os principais correntes de design, desde a origem funcionalista e mais dogmática, passando pelo Styling e o pragmatismo em relação ao êxito de mercado. Encerra- se com as correntes mais recentes, como a pós-moderna e o design sistêmico, que de certa forma se caracterizam, respectivamente, como uma postura mais cética e mais dogmática em relação ao design. OS PENSAMENTOS CÉTICO E DOGMÁTICO NO DESIGN Para Lobach (2001) o design pode ser compreendido, no sentido amplo, como a concretização de uma ideia em forma de projetos. Para o cético, o conhecimento do real é impossível à razão humana, portanto o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. E ser dogmático, consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de chegar a verdades absolutamentes certas e seguras. Uma aplicação rápida dos pensamentos acima, em relação aos projetos do design, é o exemplo do walkman, representado pela Figura 01. Ele demonstra o potencial do design no surgimento de novos produtos, utilizando do ceticismo metodológico para refutar propostas de produtos que não “resolvem o problema”. Como resultado desse processo tem-se um produto que resistiu a todas as dúvidas impostas sobre suas qualidades, o atendimento das necessidades do usuário e aos aspectos técnicos de sua produção e comercialização, e mais recentemente até o seu descarte. Figura 01 - Evolução players Fonte: Arquivo dos Autores Então, de certa forma, o designer é cético em relação a ter chego a melhor forma para devida função (pois, como no exemplo, o produto sempre se transforma, se não a própria função), mas também precisa ser dogmático, pois cadaproduto é uma espécie de teoria, ou enunciado que corresponde a necessidades “verdadeiras” seja da industria, do mercado ou do usuário e consumidor, ou mesmo do próprio designer em ter de alcançar uma remuneração para sua própria sobrevivência. Assim, conforme Burdek (1999) todo objeto de design há de ser entendido como resultado de um processo de desenvolvimento que implica sempre em refletir nas condições sob as quais surgiu: o contexto histórico, social e cultural, as limitações da técnica e da produção, os requisitos ergonômicos, ecológicos, os interesses econômicos, políticos e até as aspirações artísticas. A partir disso, podemos perceber então que com o passar dos anos, com as mudanças técnicas e culturais constantes, o produtos e as funções e necessidades também devem mudar. Logo, o designer, ator social fundamental no sistema de produção e consumo, deve estar atento a estas mudanças, sempre se perguntando o que pode ser melhorado e como isto pode ser feito. ABORDAGENS DO DESIGN E O CETICISMO O ceticismo inspira a atitude crítica e questionadora da filosofia contemporânea, como a relatividade do conhecimento e dos limites da razão e da ciência, que a epistemologia atual trata. Desde a antiguidade, existem os filósofos céticos e os filósofos dogmáticos. Os primeiros se recusam a crer nas verdades estabelecidas, enquanto os segundos defendem as verdades de sua “escola”. No Design, dentro das suas diversas abordagens e “escolas”, a atitude cética e a dogmática pode ser utilizada como extremos de uma escala para posicionar o comportamento, ou mesmo o discurso dos profissionais da área. Como vimos, a relação entre design e ceticismo é clara ao observarmos o desenvolvimento dos produtos, mas, a partir de agora, passaremos a confrontar as diversas “escolas de pensamento” ou “discursos” de design com o pensamento cético e a epistemologia. O DESIGNER FUNCIONALISTA E O DISCURSO DOS FUNDADORES Azevedo (1998) afirma que, para compreender melhor a atividade do design é preciso observar os movimentos que, ao passar do tempo, incentivaram o homem na busca por novas formas, materiais e métodos. Mas, em essência, a idéia de design surge no mundo quando o homem começa fazer suas ferramentas e objetos. Principalmente antes do século XX, a confecção de um objeto era função do artesão. Mas com o surgimento da indústria, tornou-se necessário aproximar a atividade do artesão e da máquina, pois era preciso adaptar o processo de construção do objeto de modo a facilitar sua produção pela máquina. Assim, a partir do modelo industrial de produção, o processo de concepção do objeto passou a ser entendido como design, ou mesmo, como desenho industrial. Com origens histórica na Europa Central do primeiro pós-guerra, lançado sobretudo pela escola alemã Bauhaus, o design assumia um discurso essencialmente funcionalista, na medida em que a criação da forma dos produtos deveria traduzir a constituição lógica da produção do objeto e, sobretudo, a lógica da sua função – da utilidade, do uso – a que se destinava. O que levou ao desenvolvimento de múltiplos estudos – como a ergonomia - da adaptação dos utensílios e espaços ao homem (PORTAS, 1993). Isso porque, segundo Portas (1993), o designer honestamente funcionalista deve racionalizar a concepção do produto para, sobretudo, torná-lo mais útil e adaptado, melhor manipulável pelo usuário, cujas atividades ou necessidades se vão conhecendo pela via científica e não por questões de marketing. Preocupando-se principalmente com o uso imediato do objeto e em melhorar sua utilidade dentro das condições econômicas e técnicas aceitáveis pela indústria. (grifo nosso) Conforme Chaves (2001), este é o estágio inicial da emergência do design, aparecendo como uma alternativa a todas as formas prévias de definição da forma dos produtos de uso e do habitat. Em seguida o design foi englobando praticamente a totalidade da produção material. Dessa forma, o design veio ser a linguagem e a expressão da própria revolução industrial. Ainda segundo Chaves (2001) o discurso funcionalista, não somente segue vivo, como em alguns casos é o único possível, pois para certos problemas possui uma eficácia incontestável. Porém, a relação imaginaria que os designers estabeleciam com o usuário, como este sendo uma espécie de ser supremo dotado de necessidades objetivas, imaginado a partir de um modelo de “usuário” concebido como imagem e semelhança da utopia intelectual do setor. Este usuário era um ente anatômico e fisiológico carregado de necessidades práticas, privado de história e pré-disposições culturais socialmente adquiridas, que não coincidia com nenhum setor concreto da população. De certo modo, este corrente ou escola de design, é que mais se aproxima da postura puramente dogmática, com fortes influências epistemológicas do Racionalismo e do Positivismo. Isso porque a ênfase na racionalização do produto e até mesmo do próprio usuário aproxima-se do Racionalismo, que tem na razão o fundamento de todo o conhecimento possível, e, portanto somente ela é capaz de conhecer o real. Nesse ponto, em relação ao pensamento cético, a perspectiva funcionalista do design aproxima-se do ceticismo metodológico de Descartes, que, segundo Dutra (2005) é voltado para a compreensão do ceticismo como atitude de duvidar de nossas opiniões - Cogito, ergo sum-, confiando que aquelas que realmente forem expressão da “verdade” irá resistir a qualquer dúvida, e assim, defender opiniões, teorias e teses ou, conforme os céticos, estabelecer dogmas. Assim como a preferência pela via científica de aquisição de informações corresponde à abordagem Positivista, que pregava a cientifização do pensamento e do estudo humanos, visando a obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse movimento, como Auguste Comte (1798-1857) acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos. STYLING E O DISCURSO DO MERCADO Conforme a análise de Chaves (2001), com o tempo o design torna-se um instrumento indispensável da sociedade contemporânea, deixa de ser uma proposta e torna-se uma cultura efetiva, com um mercado concreto de design, onde existem produtores, distribuidores e consumidores de design. Este metabolismo social da disciplina definiu uma estrutura e conteúdos bastante distintos dos iniciais. Enquanto no inicio os agentes era própria vanguarda arquitetônica e do design, nestes são os agentes econômicos diretos, ou seja, as empresas, corporações e organismos vinculados com o desenvolvimento dos mercados. Então, o discurso do design passa das mãos das vanguardas às mãos das empresas, logo surgem novas razões, novos princípios e novos sentidos para a disciplina. Este novo discurso de design, segundo Portas (1993) ficou na história com o nome de Styling, com origem na América do Norte no período entre guerras e, no pós-guerra na Europa e no Japão, e corresponde à imagem mais comum que se tem de design na atualidade, que é “a do embelezamento de um dado produto para o tonar mais atrativo em termos de venda, ou seja, como fator adicional de competitividade comercial.” (PORTAS, 1993, p.233) O discurso do Styling quase não tem nenhuma palavra em comum com o discurso inicial. Segundo Chaves (2001), neste contexto a sociedade virou “mercado”, o usuário tornou-se “consumidor”, a qualidade de design tornou-se “valor agregado”, produto é “mercadoria”, satisfação de necessidades de uso é “motivação de compra”, racionalidade é “competitividade”. O racional é aquilo que consegue resolver o problema de ingressar no mercado,está é a racionalidade da sociedade atual. O racional não é produzir algo intrinsecamente bom, mas produzir algo que funcione na lógica do mercado. É o discurso da gestão empresarial do design, o discurso do marketing, o discurso promocional das instituições de apoio e desenvolvimento da competitividade das empresas. É o que Chaves (2001) chamou de “razão pragmática”, em contraste com os fundadores, cuja razão foi rotulada por ele como “razão ingênua”, em virtude de excesso de crença na razão e na neutralidade da ciência. Sendo que o Pragmatismo considera o conhecimento humano com um caráter utilitário e operacional, o que conduz ao tema da ação, de nossa atuação no mundo, das consequências que ela produz e sua relação com o próprio conhecimento. De forma geral, o Pragmatismo americano, principalmente de Dewey, se concentra na tese de que o significado de um conceito reside em sua consequências, e não na forma como o idealizamos. (DUTRA, 2005) Esse pragmatismo, de certo modo, se aproxima do ceticismo pirrônico, que consiste em seguir as manifestações da natureza, os costumes da sociedade em que se vive, isso conduz também a adotar o significado comum dos temos, sem inquirir a todo o momento sobre o significado real dos termos. O significado que interessa é aquele que é eficiente na comunicação e entendimento dos falantes. (DUTRA, 2005, p.36-37) Sob o ponto de vista do Styling, o design “é o instrumento não da substituição de um produto por outro substancialmente melhor, mas sim da persuasão do consumidor para substituir os produtos que usa por outros, apenas porque o aspecto é diferente” (PORTAS, 1993, p.234). Assim, volta-se a atenção para parâmetros psicológicos principalmente através de estudos sobre o comportamento do consumidor. Pois, para David Hume (1711-1776), nossas crenças ou opiniões sobre relações de causa e efeito não são legítimas no sentido de possuírem força de argumento, mas são inevitáveis em virtude de nossa constituição psicológica (DUTRA, 2005, p.34). Neste campo vale destacar as correntes antagonicas do behavorismo e do mentalismo . Enquanto para o Behavorismo o comportamento do humano é regido pelo ambiente (natural e social) no qual os indivíduos (humanos e animais) estão. Para o Mentalismo, em oposição, o comportamento do homem é produto dos processos mentais prévios à ação e internos ao indivíduo, como defende a psicologia cognitiva contemporânea (DUTRA, 2005). Apoiando-se em pontos do ceticismo filosófico, ou melhor, na corrente intelectualista, como na filosofia de Kant que reconhecia a existência dos objetos, ou da coisa-em-si, mas considerava que nós apenas alcançamos o “fenômeno”, ou seja, o objeto da nossa experiência, da relação da coisa-em-si com a nossa estrutura de sensibilidade. O que reforça o ceticismo grego, com Agripa e, principalmente, com Enesidemo, que “esforçaram-se para mostrar que os sentidos somente nos revelam a aparência e não a essência dos objetos, em outros termos, que as qualidade sensíveis não pertencem propriamente ao objeto, mas apenas impressões sentidas pelo sujeito” (VERDAN, 1998, p.97). Esta corrente de design possui em suas bases pontos de convergência com o pensamento cético e o pragmatismo, a partir do momento que desloca a atenção do objeto em si, para o fenômeno do consumo, ou seja, seu interesse principal não é configurar o melhor produto, mais sim, aquele que apresente os melhores resultados, principalmente em termos de venda. Conforme Chaves (2001, p.27), compreende-se que o empresário deve ser mais que um mero “fabricante”, deve ser um excelente comunicador. Deve vender, independente do que e onde, pois o produto enquanto objeto concreto tende a ter sua importância econômica diminuída em relação ao universo imaginário que rodeia esse produto. Nessas condições os designers tornam-se as “estrelas”, definindo-se pela sua capacidade de inovação, o que vale na sua gestão não é a solução de problemas como a necessidade do usuário, mais sim, a incorporação de um elemento de inovação, isto é, criar um acontecimento atraente para o mercado. TERCEIRAS VIAS: O DESIGNER SISTÊMICO E O PÓS-MODERNO Nuno Portas (1993) ao estabelecer a corrente do design sistêmico - ou ecológico - como terceira principal corrente de pensamento em design, diverge da análise crítica feita por Noberto Chaves (2001) que coloca como alternativa a corrente pós-moderna, que, mais do que uma corrente de design, é, segundo ele, o próprio estágio do desenvolvimento cultural do sociedade ocidental. Para Chaves (2001), o design pós-moderno combina valores das elites culturais com demandas irrenunciáveis do mercado, reteve os valores “universais” da disciplina articulando- os com a cultura do consumo. Ele a batizou de “razão cínica”, com atributos como irracionalismo, formalismo, amoralismo, apoliticismo, individualismo, narcismo, oportunismo, etc. O que, segundo ele, levou a hipertrofia da inovação formal e é observada, geralmente, nas áreas lentas ou paralisadas do mercado, onde não é possível introduzir inovações radicais. De certa forma, o design pós-moderno tem grande proximidade com a corrente do Styling e, consequentemente, tendendo a estar mais próximo do atitude cética, do que a corrente do design sistêmico, que segundo Portas (1993) resulta do alargamento da visão do designer funcionalista. E desse modo, reconecta o design a uma perspectiva que transcende a lógica do produtor e consumidor (ou usuário), pois não se limita ao objeto em si, mas o repensa como componente de sistemas mais vastos. Nessa linha, Manzini (2005) argumenta que o design assume uma abordagem sistêmica quando a tarefa de desenvolvimento de um novo produto torna-se o ato de projetar o ciclo de vida inteiro do sistema-produto, o que inclui a pré-produção, produção, distribuição, uso e descarte. Mas, em última análise, o corrente do design sistêmico tem uma proximidade maior a atitude dogmática, pois assim, como o funcionalista possui uma argumentaçao baseada na racionalizaçao do objeto, mesmo reconhecendo que “a simples racionalização tecnológica e formal pode ter na base uma irracionalidade de necessidades do ponto de vista da economia do país, dos interesses reais (não fictícios) dos consumidores ou do equilíbrio ecológico ou ambiental” (PORTAS, 1993, p.238). A Teoria Geral de Sistemas, uma das principais bases científicas dessa corrente, trata- se de um programa ao mesmo tempo científico e filosófico que sem abandonar o rigor das ciências clássicas, exige a criação ou o aperfeiçoamento de uma nova linguagem, de novos esquemas teóricos e, até mesmo, de uma nova “visão do mundo”. Neste ponto, cabe destacar uma outra das principais contribuições do ceticismo para filosofia, para a ciência e também para o design, sendo encontrada no ceticismo de David Hume, que tinha como objetivo determinar os limites da razão e definir o domínio que lhe é próprio a fim de evitar que ela se perca em problemas insolúveis (VERDAN, 2005). Essa é uma contribuição fundamental, principalmente para a abordagem sistêmica, no que consiste em definir os limites do sistema-produto, pois, em última instância um produto se relaciona com praticamente todos os outros sistemas existentes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, cabe ressaltar que a divisão entre as abordagens de design é, em certa medida, artificial, como se elas pudessem representar categorias distintas e grupos exclusivos de indivíduos, mas, no entanto, geralmente, os designers costumam associar características de mais de uma abordagem. Assim como o ceticismo e dogmatismo entre os profissionais da área pode ser entendido segundo a perspectiva neopirrônica do pensamento cético que, conforme Dutra (2005) considera ambas as atitudes como comportamento de investigação possíveis, corroborandoo ponto de vista mais pragmático, ou seja, adotando a atitude que alcance melhores resultados conforme o contexto. Finalmente, é possível perceber que tanto a abordagem de design, como a postura cética ou dogmática em relação a tal abordagem, devem, ambas, ser fruto reflexão dos designers, pois a escolha de qualquer uma das escolas como dogma para a profissão pode tornar-se prejudicial na medida em que passe a interferir no avanço e no desenvolvimento da própria atividade, evitando estabelecer grandes pressupostos de “verdade”, que interrompam o anseio de busca e ampliação do conhecimento sob determinado objeto ou problema, principalmente ao refutar qualquer indício que coloque em risco a “verdade” defendida pela sua “escola” de preferência. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Wilton; O que é Design - São Paulo: Brasiliense, 1998. BURDEK, Bernhard; Diseño. História, teoría y práctica del diseño industrial - Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SA - 2ª edição 1999 CHAVES, Norberto; Diseño, mercado e utopia - De instrumento de transformación social a medio de dinamización económica in El oficio de disenãr: propuestas a la conciencia crítica de los que comienzan, Editorial GustavoGili, SA, Barcelona, 2001. DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições Filosóficas - A epistemologia e suas polêmicas. Florianópolis; Editora da UFSC, 2005 JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes - Rio de Janeiro; Ed. Jorge Zahar Editor, 1990. LÖBACH, Bernd. Design Industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais. Tradução Freddy Van Camp. São Paulo: Editora Blucher, 2001. MANZINI, Ezio; Vezzoli, Carlo; O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. tradução de Astrid de Carvalho. 1ed. 1reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005. PORTAS, Nuno; Design: política e formação in Design em aberto: uma antologia. Centro Português de Design, 1993. VERDAN, André. O ceticismo filosófico; tradução Jaimir Conte,- Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998.
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