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18 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento - n” 22 - setembro/outubro 2001 O uso de fungos entomopatogŒnicos no BrasilPESQUISA Situaçªo atual e perspectivas Marcos Rodrigues de Faria Pesquisador da Embrapa Recursos GenØticos e Biotecnologia Parque Estaçªo Biológica - Brasília-DF faria@cenargen.embrapa.br BonifÆcio Peixoto Magalhªes Pesquisador da Embrapa Recursos GenØticos e Biotecnologia Parque Estaçªo Biológica - Brasília-DF s primeiros testes com fungos que infectam inse- tos, tambØm chamados de fungos entomopatogŒni- cos, foram realizados pelo russo Metschnikoff no final do sØculo XIX, quando avaliou o potencial de Metarhizium anisopliae para o contro- le de uma espØcie de besouro. Somen- te um sØculo depois os primeiros resul- tados prÆticos começaram a surgir, havendo atualmente vÆrios inseticidas biológicos à base de fungos (micoinse- ticidas) em comercializaçªo em dife- rentes países. No Brasil, a produçªo massal de fungos entomopatogŒnicos Ø tradicionalmente realizada com o emprego de arroz cozido como subs- trato. Após a colonizaçªo do arroz pelo microrganismo, a mistura arroz + fun- go Ø triturada e comercializada na forma de pó-molhÆvel. Alternativamen- te, a mistura arroz + fungo Ø vendida sem trituraçªo, ficando a cargo dos produtores rurais a tarefa de lavar o substrato com Ægua para remoçªo dos esporos (Figura 1). Os esporos sªo sementes do fungo que funcionam como unidades infectivas e constituem o ingrediente ativo dos micoinseticidas (Figura 2). No œltimo ano agrícola, as quatro maiores empresas brasileiras do setor processaram algo em torno de 155 toneladas de arroz. Na tabela 1, tem-se uma estimativa da Ærea tratada para o controle de diferentes insetos-praga. AlØm disso, universidades, institutos de pesquisa e algumas usinas de cana- de-açœcar e fazendas produtoras de lÆtex - neste caso para consumo pró- prio - tambØm produzem os fungos M. anisopliae e Sporothrix insectorum, sendo o volume de arroz processado ao ano estimado em 23 toneladas (Al- ves & Pereira 1998). É provÆvel que o volume de micoinseticidas em comer- cializaçªo em nosso país, consideran- do ainda as produçıes de empresas de menor porte, resulte no tratamento anual de 120, 150 mil hectares. Os nœmeros sªo bastante modestos, so- bretudo quando comparados com in- seticidas químicos ou mesmo com pro- dutos biológicos como o Dipel e Thu- ricid (constituídos de esporos e toxinas da bactØria Bacillus thuringiensis como ingredientes ativos e destinados exclu- Cultura Praga Fungo `rea (1000 ha) Pastagens Cigarrinhas Metarhizium anisopliae 86,5 Cana-de-açœcar Cigarrinhas Metarhizium anisopliae 12,9 Mamªo `caros Beauveria bassiana 4,9 CafØ Broca-do-cafØ Beauveria bassiana 1,1 Citrus Cochonilha ortØzia Beauveria bassiana 0,6 Horticultura Diversas Beauveria bassiana 0,3 Seringueira Percevejo-de-renda Sporothrix insectorum 1,6 TOTAL 107,9 Tabela 1. `rea tratada com fungos entomopatogŒnicos produzidos pelas quatro maiores empresas brasileiras do setor Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento - n” 22- setembro/outubro 2001 19 sivamente ao controle de lagar- tas), mas o contexto atual mos- tra-se favorÆvel ao crescimento do mercado de micoinseticidas. O caso mais conhecido Ø o emprego, na regiªo Nordeste, do fungo M. anisopliae para o controle da cigarrinha-da-folha da cana-de-açœcar, Mahanarva posticata. A cana-de-açœcar ocu- pa, na regiªo, cerca de 1 milhªo de hectares e o momento favorÆ- vel vivido pelo setor sucro-alco- oleiro poderÆ impulsionar a uti- lizaçªo de micoinseticidas. Tem- se observado nessa lavoura, no estado de Sªo Paulo, onde a Ærea dos canaviais ultrapassa 2 mi- lhıes de hectares, uma maior incidŒncia da cigarrinha-da-raiz.. O referido estado jÆ tem hoje cerca de 600 colheitadeiras em açªo, muito embora apenas 25% dos canaviais paulistas estejam sendo abrangidos pela colheita mecanizada da cana crua (Be- zerra & Guimarªes, 2001). Como no œltimo caso nªo se faz a queimada, os problemas causa- dos pela cigarrinha-da-raiz ten- dem a agravar-se à medida que os bóias-frias sejam substituídos por mÆquinas. Tem-se sugerido a adoçªo de 5 ninfas desse inse- to por metro linear como nível de controle (J.E.M. Almeida, co- mun. pessoal). Em ensaio de campo, aplicaçıes de, aproximadamente, 2,0x1012 esporos do M. anisopliae por hectare, nos meses de novembro, de- zembro e janeiro, mantiveram a popu- laçªo de ninfas abaixo daquele limiar (Batista Filho et al., 2001). No mesmo teste, o nœmero de cigarrinhas-da-raiz na testemunha chegou a 14,5 ninfas por metro linear. A demanda por parte de pecuaris- tas tecnificados da regiªo Centro-Oeste por micoinseticidas à base do fungo M. anisopliae para o controle da cigarri- nha-das-pastagens Ø uma realidade. A regiªo dos Cerrados apresenta cerca de 48 milhıes de hectares de pastagens (Macedo, 1995), mais da metade ocu- pados por Brachiaria decumbens, al- tamente susceptível a esse grupo de insetos. Mais de 80% das vendas de micoinseticidas no Brasil, sªo destina- das ao controle dessas pragas. Vale a pena ressaltar que ataques da cigarri- nha-da-raiz M. fimbriolata tŒm sido registrados em pastagens de alguns estados brasileiros, o que pode aumen- tar ainda mais a procura por micoinse- ticidas nesses agroecossistemas. O in- teresse recente pela pecuÆria orgânica, explicado em parte pelo pavor da populaçªo europØia com o mal da vaca louca e da febre aftosa, tambØm aponta para uma maior demanda de fungos para emprego no manejo das pragas das pastagens. O fungo Beauveria bassiana Ø empregado em escala comercial em alguns países, entre eles os Estados Unidos e o MØxico. Volumes conside- rÆveis desse fungo foram comercializa- dos no Brasil para o controle de Æcaros do mamªo e da broca-do-cafØ, alØm de um volume menor ter sido destinado ao controle de cochonilhas (ver Tabela 1). Esse fungo tem-se mostrado igual- mente eficiente no controle de cupins, muito embora, do ponto de vista co- mercial, ainda seja desejÆvel o desen- volvimento de metodologias de aplicaçªo de maior pratici- dade. Apresenta ainda poten- cial para o controle de pragas como o moleque-da-bananei- ra e a mosca branca. Para o moleque-da-bananeira, os es- poros do fungo podem ser associados a iscas à base de pseudocaule da bananeira para uso em pequenas proprieda- des, como jÆ ocorre no estado de Sªo Paulo. Outro caso interessante Ø o emprego do fungo S. insecto- rum para combate de ninfas e adultos do percevejo-de-renda da seringueira, Leptopharsa heveae. Empresas produtoras de lÆtex no estado de Mato Grosso vŒm usando o fungo S. insectorum desde a dØcada de 80. As percentagens de morta- lidade observadas sob condi- çıes de campo sªo variÆveis, superior a 90% no estado do Amazonas e de 80% no estado de Sªo Paulo (Junqueira et al., 1999). Com as dosagens 2,5x1011 e 6,5x1011 esporos/ha, a eficiŒncia de controle, obser- vada aproximadamente 30 dias após a aplicaçªo, variou de 49% a 55% em ensaio realizado em Mato Grosso (Tanzini & Alves, 2001). É provÆvel que o emprego de dosagens maiores associadas a formulaçıes adequadas possam aumentar o nível de controle em regiıes ou períodos do ano com menor umidade relativa. O fungo Hir- sutella verticillioides Ø outro patógeno empregado por esse setor para comba- ter o percevejo-de-renda, com índices de controle atingindo 75% (Junqueira et al., 1999). Conforme salientado pe- los autores, existe dœvida quanto à correta identidade dessa espØcie, jÆ que o mesmo isolado foi identificado por outro especialista como sendo Ver- ticillium lecanii. Alega-se ainda que o S. insectorum utilizado no combate ao percevejo-de-renda seria, na realida- de, o fungo Aphanocladium album (Croisfelt et al., 2001). Tais fatos de- monstram a necessidade de estudos de caracterizaçªo molecular para a preci- sa diferenciaçªoentre isolados fœngi- cos pertencentes a espØcies taxonomi- camente próximas, assim como de iso- lados dentro de uma mesma espØcie. Figura 1. Micoinseticidas: (a) pó-molhÆvel, triturado antes da comercializaçªo; (b) arroz puro (esquerda) e mistura arroz + fungo em grªos de arroz (direita), a qual deve ter os esporos separados do arroz antes de adiciona- dos ao tanque do pulverizador. (Fotos de ClÆudio Bezerra) 20 Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento - n” 22 - setembro/outubro 2001 O fungo Cladosporium cladospori- oides Ø produzido em pequena escala para o combate a pulgıes. Uma empre- sa do setor tabagista chegou a produzir esse fungo para o controle de pulgıes do gŒnero Myzus, que atacam o fumo em cerca de 9 mil hectares ao ano. Esse programa foi recentemente desativado em funçªo do estabelecimento do fun- go nas Æreas tratadas e de novos paco- tes agrícolas em lavouras de fumo que minimizam o ataque de pulgıes. Tal fungo Ø tambØm oferecido por uma biofÆbrica de pequeno porte para o controle da mosca branca Bemisia ta- baci, embora nªo existam trabalhos científicos atestando a eficiŒncia do isolado empregado e da dosagem re- comendada. Após sete anos de pesquisas, a Embrapa Recursos GenØticos e Biotec- nologia e a Embrapa Cerrados encon- tram-se num estÆgio bastante avança- do visando à utilizaçªo do fungo Meta- rhizium anisopliae, variedade acri- dum, como bioregulador de popula- çıes de gafanhotos-praga. Taxas de reduçªo populacional de bandos de ninfas do gafanhoto Rhammatocerus schistocercoides superiores a 80% tŒm sido obtidas sob condiçıes de campo (Magalhªes et al., 2000). Embora desde 1992 o gafanhoto do Mato Grosso nªo tenha causado grandes preocupaçıes aos agricultores, existe a possibilidade de que, no futuro, novos surtos ocor- ram. Se isso acontecer, as ninfas pode- rªo ser combatidas de forma biológica, o que Ø muito importante, consideran- do-se que essa praga ocorre numa regiªo sensível do ponto de vista ambi- ental, com a presença de inœmeras reservas indígenas. Plantaçıes de caju poderªo ser tra- tadas com micoinseticidas à base do M. anisoplie var. acridum para combate ao gafanhoto Stiphra robusta, tambØm conhecido como manØ-magro, confor- me estudos realizados por Vicentini (1999). Com respeito a essa cultura, a Ærea plantada no Brasil Ø superior a 650.000 hectares, destacando-se a re- giªo Nordeste, responsÆvel por 99% da produçªo nacional de castanha de caju, em sua maioria exportada. No estado de Minas Gerais, tem-se observado um ataque de diversas espØcies de gafa- nhotos em milhares de hectares de pastagens, bem como em bananais no período seco do ano. Surtos recentes de gafanhotos em bananais foram igual- mente observados no Rio Grande do Norte. Na AmØrica do Norte e Europa, fungos como Paecilomyces fumosoro- seus e Verticillium lecanii sªo empre- gados em escala comercial em cultivos protegidos, esses em franca expansªo em nosso país. Juntamente com B. bassiana, sªo registrados para o com- bate em casa-de-vegetaçªo de insetos- praga como as moscas brancas (Bemi- sia tabaci e Trialeurodes vaporario- rum), pulgıes, tripes e cochonilhas da família Pseudococcidae. Em um futuro próximo espera-se uma verdadeira explosªo da agricultu- ra alternativa nos países em desenvol- vimento. Atualmente, a Ærea cultivada com agricultura orgânica na Europa Ø superior a 2 milhıes de hectares, ao passo que, no Brasil, esse nœmero Ø de apenas 100 mil hectares (Darolt, 2001). Embora os problemas com pragas em ambientes orgânicos costumem ser menos intensos, aquelas que surgem durante o período de conversªo e após este devem ser controladas com mØto- dos naturais, onde os bioinseticidas poderªo desenvolver um papel de des- taque. Quanto aos mØtodos de produçªo de fungos entomopatogŒnicos comer- cializados ou em vias de ser comerci- alizados no Brasil, foram desenvolvi- dos no início do sØculo passado e aqui introduzidos na dØcada de 60, basean- do-se no emprego de arroz ou outros cereais como substrato. Nos Estados Unidos, a empresa Emerald BioAgri- culture antiga Mycotech - tem capa- cidade instalada para uma produçªo anual de 5,0x1018 esporos do fungo B. bassiana (Lord, 1997), suficiente para o tratamento anual de 1 milhªo de hectares se considerada uma razªo de 5,0x1012 unidades infectivas/ha. A pro- duçªo Ø obtida atravØs de fermentaçªo bifÆsica, onde o inóculo produzido em meio líquido Ø transferido para uma cama de substrato semi-sólido, rica em amido. Com cinco vezes mais funcio- nÆrios que uma similar brasileira, a empresa americana produzia, atØ hÆ pouco tempo, um volume de fungo 100 vezes maior, demonstrando que as empresas nacionais podem evoluir bastante em termos de eficiŒncia. Micoinseticidas à base de M. aniso- pliae e B. bassiana produzidos no Brasil, quando nªo subsidiados, sªo normalmente vendidos ao preço mØ- dio de R$ 40,00 a R$ 50,00 por hectare. Ainda falta aos micoinseticidas brasi- leiros maior padronizaçªo quanto à quantidade de esporos. Por exemplo, para o controle de cigarrinhas, a quan- tidade de esporos recomendada pelas empresas varia de aprox. 2,0x1011 a 5,0x1012 esporos/ha. Isso significa que algumas biofÆbricas recomendam a apli- caçªo de 500g da mistura arroz + esporos por hectare, ao passo que outras recomendam atØ 10kg. Obvia- mente que parte dessa diferença pode- ria ser atribuída à virulŒncia dos ingre- dientes ativos, mas, na maioria dos casos, nªo foram realizados testes cri- teriosos em laboratório e em campo para a determinaçªo das dosagens ade- quadas para cada um dos modelos ingrediente ativo-praga. A qualidade dos micoinseticidas disponíveis no Brasil pode ser incre- mentada de forma considerÆvel, jÆ que nªo sªo formulados, ou seja, sªo ven- didos tal qual sªo produzidos, sem nenhum tratamento posterior ou adi- çªo de substâncias que lhes assegurem melhorias na eficiŒncia de controle, Figura 2. Ramificaçªo do fungo Beauveria bassiana, mostrando um conjunto de esporos. Estes, ao entrarem em contato com a superfície corporal do inseto dªo início ao processo infeccio- so que resulta na sua morte. Aumento de aprox. 60.000 vezes (Foto cedida pelos autores) Biotecnologia CiŒncia & Desenvolvimento - n” 22- setembro/outubro 2001 21 capacidade de armazenamento ou pra- ticidade de manuseio, ou de qualquer outro critØrio que resulte em vantagem em relaçªo ao produto bruto. Os pro- dutos sªo ainda rœsticos, pouco prÆti- cos em alguns casos (ex: exigŒncia de lavagem) e em outros podendo causar o entupimento de bicos dos pulveriza- dores devido à elevada proporçªo de inertes, principalmente quando sªo em- pregados baixos volumes de aplica- çªo. Outro problema com os micoinse- ticidas nacionais diz respeito à peque- na sobrevida, devendo ser usados em, no mÆximo, 30 dias após produzidos, quando armazenados à temperatura ambiente e em local sombreado. Isso faz com que as vendas ocorram quase que, exclusivamente, sob encomenda, restringindo de forma considerÆvel seu potencial mercadológico. Por sua vez, os bons micoinseticidas sob comercia- lizaçªo em outros países apresentam maior concentraçªo de ingrediente ati- vo, maior sobrevida (alguns produtos podem ser armazenados por mais de 8 meses à temperatura ambiente) e pra- ticidade (sªo formulados na forma de GDA - grânulos dispersíveis em Ægua ou de óleos emulsionÆveis, por exem- plo, podendo ser adicionados direta- mente ao tanque do pulverizador, nªo havendo necessidade de lavagem prØ- via ou riscos de entupimento dos bi- cos) (Figura 3). Avanços na qualidade dos micoin- seticidas abrirªo nichos antes nªo vis- lumbrados. A pressªo crescente da sociedade por alimentos mais saudÆ- veis, a conscientizaçªo de profissionais do setor agropecuÆrio brasileiro quan- to às adversidades causadas pelo uso abusivo de agrotóxicos e quanto à necessidadede inclusªo do controle biológico em estratØgias de manejo de resistŒncia de insetos-praga, a implan- taçªo de legislaçıes cada vez mais restritivas ao emprego de produtos químicos, a expansªo da agricultura orgânica e do cultivo protegido, entre outros fatores, traduzir-se-ªo, nos pró- ximos anos, em demanda considera- velmente maior à atualmente observa- da. Resta às biofÆbricas investir na constante melhoria de seus produtos. ReferŒncias bibliogrÆficas ALVES, S.B. & PEREIRA, R.M. Pro- duçªo de fungos entomopatogŒnicos. In: S.B. Alves (ed.), Controle Micro- biano de Insetos, 2“ ed., p. 845-869. Piracicaba, FEALQ, 1998. BATISTA FILHO, A.; ALMEIDA, J.E.M.; SANTOS, A.S., MACHADO, L.A. & ALVES, S.B. 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