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UNIDADE I – NOÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. 1. Conceito de obrigação 1.1. Diferença entre obrigação, dever jurídico, estado de sujeição, responsabilidade e ônus jurídico 2. Direito das Obrigações 2.1. Conceito e âmbito dos direitos das obrigações 3. Evolução histórica dos direitos das obrigações 3.1. Princípios norteadores das relações obrigacionais 4. Direitos obrigacionais (ou pessoais) e direitos reais 5. Figuras hibridas 1. CONCEITO DE OBRIGAÇÃO. O homem é um ser eminentemente social. Tal característica o faz estabelecer vínculos uns com os outros, ou mesmo com o divino, em busca de satisfazer interesses. É, portanto, por meio dos vínculos que surgem as obrigações. Obrigação de forma geral, expressa um dever que pode estar ligado a uma acepção religiosa, moral ou jurídica. Do ponto de vista religioso, o homem visando alcançar dádivas divinas assume obrigações, tais como pagar o dízimo, assistir missas e cultos, realizar penitências, dentre outras. Na seara moral, as pessoas têm obrigações diversas, fruto da cultura, dos costumes, e da própria convivência social. A exemplo destas pode-se citar: comparecer a eventos familiares e contribuir com campanhas sociais. No entanto, quando a obrigação está dentro da órbita jurídica, surge um dever jurídico, que por sua vez está relacionado com a observância de uma norma específica ou um contrato firmado entre as partes. É, portanto, este último sentido que será trabalhado aqui. Etimologicamente a palavra obrigação advém do latim, dos termos ob + ligatio, expressando liame, ligação. Juridicamente obrigação pode assumir tanto uma conotação em sentido amplo, como estrito. Na primeira, a obrigação refere-se a relação jurídica em si. Já a segunda, diz respeito ao que se deve propriamente, o objeto do pagamento. Assim, somando- se esses dois contextos tem-se que, obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação (Gonçalves, 2011, p.37). No entanto, dentre as definições doutrinárias, Tartuce (2016, p.340), ressalta o conceito de Álvaro Villaça Azevedo sobre obrigações: "a obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para a satisfação de seu interesse”. 1.1. Diferença entre obrigação, dever jurídico, estado de sujeição, responsabilidade e ônus jurídico. Deve-se atentar-se para algumas diferenciações. 1.1.1. Diferença entre dever jurídico e obrigação: o dever jurídico é a contrapartida do direito subjetivo. O devedor deve observar certo comportamento compatível com o titular do direito subjetivo. Encerra a idéia de comportamento genérico que todo ser humano deve se submeter, sob pena, de descumprindo-o, incorrer em sanções jurídicas. Ex: art.1.694 do CC, dever de alimentos dos parentes, cônjuge ou companheiro. Quando o dever é específico, resultante da vontade, de uma relação jurídica creditória é denominado de obrigação. Pode então dizer que a obrigação é um dever jurídico em sentido estrito. Ex: a obrigação do locatário João, pagar o aluguel ao locador Paulo. 1.1.2. Diferença entre obrigação e estado de sujeição: na obrigação, ao lado de um dever jurídico, tem-se um direito a prestação. No estado de sujeição não há dever de conduta, mas tão somente a subordinação de uma pessoa de suportar as conseqüências jurídicas da sua esfera jurídica ser constituída, modificada ou extinta por um titular de direito potestativo, como é o caso do empregado que é dispensado pelo empregador. Assim, no estado de sujeição uma pessoa não terá nenhum dever de conduta, mas tão somente de obediência, mesmo contra sua vontade, a que sua esfera jurídica seja constituída, modificada ou extinta pela simples vontade de outrem, ou melhor, do titular do direito potestativo. 1.1.3. Diferença entre obrigação e responsabilidade: a obrigação diz respeito a um dever jurídico de cumprir uma prestação, sendo portanto, dever originário. A responsabilidade decorre do inadimplemento da prestação pelo devedor, conferindo o credor o direito de executar o patrimônio daquele. Ou seja, a responsabilidade é um dever secundário que surge pelo não cumprimento da prestação, que é um dever originário. Para Tartuce (2014, p.15) pode haver obrigação sem responsabilidade, como no caso da obrigação natural, que mesmo existente, não pode ser exigida, pois é uma obrigação incompleta, ou seja, não tem coercibilidade. Ex: a dívida prescrita, que pode ser paga – por existir – mas não pode ser exigida. Da mesma forma pode haver responsabilidade sem obrigação, como ocorre na fiança. O fiador assume a responsabilidade mas a dívida é de outra pessoa. 1.1.4. Diferença entre obrigação e ônus jurídico: a obrigação exprime uma relação jurídica pela qual uma pessoa (devedor) está adstrita a uma determinada prestação para com outra (credor), que tem o direito de exigi-la. Ônus jurídico caracteriza pelo comportamento que a pessoa deve observar, com o propósito de obter um benefício maior. Logo, é incorreta a afirmação que o réu tem a obrigação de contestar, do adquirente do imóvel de ter a obrigação de registrá-lo. Na realidade estes devem ter é ônus jurídico, ou seja, a necessidade de observar determinada conduta para satisfação de um interesse. 2. DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. Tem-se afirmado que obrigação é uma relação jurídica estabelecida entre uma pessoa (devedor) e outra (credor), sendo que esta tem o direito de exigir o cumprimento de determinada prestação àquela. É exatamente o conteúdo da prestação que irá qualificar o direito das obrigações. 2.1. Conceito e âmbito dos direitos das obrigações. Segundo Gonçalves (2014, p.18), o direito civil pode ser dividido em dois grandes ramos: a) os direitos não patrimoniais, como os direitos da personalidade e os direitos de família e b) os direitos patrimoniais, que por sua vez se dividem em: b.1) reais e b.2) obrigacionais. Os primeiros integram o direito das coisas, que pode ser entendido como sendo o poder jurídico direto e imediato do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra a todos. No que concerne o direito das obrigações, conforme Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.41), consiste num complexo de normas que regem as relações patrimoniais entre credor (sujeito ativo) e devedor (sujeito passivo), incumbindo a este o dever de cumprir, espontaneamente ou coercitivamente, uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Desse conceito percebe-se que a relação jurídica obrigacional integra como direito subjetivo apenas aquele de conteúdo econômico (direito de crédito), o que descarta de plano os direitos da personalidade. Assim, o âmbito dos direitos das obrigações é estabelecido no campo das relações patrimoniais. Vale ressaltar que alguns doutrinadores empregam a locução direito das obrigações com o sentido único de dever, centrando, portanto, no sujeito passivo. Já outros utilizam a denominação direito de crédito, salientando o aspecto ativo. Data vênia os nobres doutrinadores, o termo direito das obrigações deve ser empregado sob o prisma da totalidade e não apenas como uma situação passiva ou ativa. Deve ser visto como um processo, com diversos deveres de condutas, sendo verificados o credor e o devedor em nítida cooperação para o adimplemento da prestação. Não deve se falar em antagonismo entre o credor e o devedor, mas sim em cooperaçãoe busca do adimplemento (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.27). À guisa do exposto, extrai-se que os direitos das obrigações: a) regem vínculos patrimoniais entre pessoas, impondo ao devedor o dever de prestar, isto é, de dar, fazer ou não fazer algo em interesse do credor, a quem a lei assegura o poder de exigir tal prestação positiva ou negativa; b) são direitos relativos, uma vez que a prestação apenas poderá ser exigida do devedor. 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES. Em Roma, na fase inicial dos direitos das obrigações – denominada de nexum – o devedor respondia com o próprio corpo pelo cumprimento da obrigação. O compromisso conferia ao credor o poder de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação, sob pena de responder com o seu próprio corpo, podendo ser reduzido, inclusive, à condição de escravo (Gagliano e Pamplona Filho, 2014, p.42). Porém, foi com a Lex Poetelia Papiria, de 428 a. C., que se aboliu a execução sobre a pessoa do devedor, deslocando-a para os bens do devedor, realçando assim o caráter patrimonial das obrigações. Essa conotação atravessou séculos, sendo incorporada no Código Napoleônico e nos demais diplomas civilistas, dentre estes o brasileiro. 3.1. Princípios norteadores das relações obrigacionais. O Código Civil de 1916 foi elaborado sob os ideais do liberalismo, o que predominava a autonomia privada e a proteção patrimonial. Havia, pois, o predomínio do patrimônio sobre a pessoa humana. No entanto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a consequente elevação do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a reaproximação do direito com a moral, tornou- se premente a elaboração de um novo código civilista, que adotasse os valores constitucionais, em especial os direitos e as garantias fundamentais. Somente em 2002 é promulgado o novo código de direito civil, o qual entraria em vigência em 2003. Este abandona a perspectiva patrimonialista e põe a proteção da pessoa no âmbito das relações privadas. Além dessa despatrimonização, o Código Civil de 2002, rejeita o individualismo exacerbado do código anterior e incorpora a função social nas relações jurídicas. Ainda sob o enfoque destas transformações, o atual código passa a preponderar a boa-fé objetiva sobre a boa-fé subjetiva. É, portanto, com base nos valores do Código Civil de 2002, que se pode citar os seguintes princípios norteadores das relações obrigacionais: princípio da autonomia das vontades, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da função social e princípio da boa-fé objetiva. 3.1.1. Princípio da autonomia das vontades. Pelo princípio da autonomia o indivíduo tem ampla liberdade em externar a sua vontade e estabelecer relações obrigacionais. No entanto, hoje essa autonomia, encontra-se mitigada em parte pelo dirigismo contratual. Ou seja, o Poder Público passa atuar em uma relação eminentemente particular, para garantir a igualdade e o equilíbrio entre as partes, evitando assim o favorecimento excessivo de uma em detrimento de outra. 3.1.2. Princípio da dignidade da pessoa humana. O pensamento filosófico e político da antiguidade atribuía ao termo dignidade (dignitas), uma conotação de status social. Nesse sentido, havia uma modulação da dignidade, em que se podia determinar a existência de pessoa mais digna ou menos digna. Destarte, é com a filosofia cristã de Tomás de Aquino, que a palavra dignidade adquire a conotação de qualidade ínsita do ser humano. Segundo Aquino (ST Iª, q.93, a.2. e a.5), a dignidade está centrada na idéia de que o homem enquanto pessoa e imagem de Deus, é capaz em virtude da sua racionalidade, agir por si, ou seja, por causalidade própria. Esse livre arbítrio de determinar a sua própria existência e o seu destino, lhe conferi uma superioridade em relação a todas as outras criaturas. Superioridade essa, que Tomás de Aquino intitulou de dignidade. Não obstante a teoria de Tomás de Aquino ter exercido forte influencia na universalização da dignidade, foi o desenvolvimento da autonomia ética de Immanuel Kant que permitiu associar o conteúdo da dignidade à concepção do homem como fim em si mesmo. Para Kant (1986, p.77), a pessoa pertence, pela práxis, ao reino dos fins, o que a faz um ser de dignidade própria. Para ele, a dignidade é um valor absoluto, que impede o indivíduo de ser usado como instrumento para algo. Dessa forma, no reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade, ou seja, quando uma coisa tem um preço, pode a esse preço ser-lhe atribuído qualquer outra coisa, como equivalente, porém, quando uma coisa está acima de qualquer preço, não lhe é permitido atribuir qualquer equivalente, mas tão somente a dignidade. Foi este ideal de dignidade – de vedação à instrumentalização humana – que alicerçou as Constituições democráticas do Pós-Segunda Guerra Mundial, dentre estas a Constituição Brasileira de 1988. Foi, portanto, com o intuito de efetivar este paradigma, que o Constituinte originário brasileiro inseriu, expressamente, no artigo 1º, inciso III, do texto constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito do Brasil. Essa determinação, objetivou reconhecer o indivíduo como finalidade precípua, e não como meio da atividade estatal. Para Sarlet (2010, p.80), o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal (CF), não contempla apenas uma declaração de conteúdo ético e moral, mas também de cunho legal, uma vez que atribuiu à dignidade da pessoa humana, um status de norma constitucional principiológica, aferidora da legitimidade substancial da ordem jurídico-constitucional. Assim, qualquer norma que viole a dignidade da pessoa humana irá de encontro com o ordenamento jurídico, o que a caracterizará como ilícita. Seguindo esta linha de pensamento que se indaga a seguinte situação: o inadimplemento da obrigação por parte do devedor enseja a execução do seu patrimônio. Mas esta responsabilidade afetará todo o patrimônio do devedor? Decerto que não. Há um mínimo existencial – estatuto jurídico do patrimônio mínimo – que deve ser preservado afim de garantir a dignidade do devedor. 3.1.3. Princípio da função social. A inserção deste princípio no CC de 2002 está diretamente relacionada com o suprimento da concepção individualista presente no código civil anterior e a consequente consagração dos valores coletivos sobre os individuais, determinados pelo Estado Social. Pelo princípio da função social o direito das obrigações deve ser constituído dentro de um processo relacional contínuo de cooperação entre credor e devedor em busca do adimplemento da prestação. Além disso as relações obrigacionais devem transcender o interesse das partes vinculadas e favorecer também a coletividade. Logo a relação jurídica obrigacional deve representar além do interesse individual de cada uma das partes, um interesse que esteja em consonância com o interesse da sociedade. Vale ressaltar, que é com base no princípio da função social, que as obrigações não podem trazer onerosidades excessivas, desproporções entre as partes e injustiça social. 3.1.4. Princípio da boa-fé objetiva. Um dos fundamentos contratuais do Código Beviláqua era o da boa-fé subjetiva. Esta diz respeito à subjetividade do indivíduo, ao conhecimento ou à ignorância deste com relação a certos fatos, o que é levado em consideração pelodireito para fins específicos de determinada situação. Serve para proteger aquele que tem a consciência de estar agindo conforme o direito, apesar de ser outra a realidade. Ou seja, a pessoa tem um entendimento equivocado do fato (Gonçalves, 2012, p.55). Para tal, deve-se levar em consideração a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico e a sua convicção. Porém, o CC de 2002, sob forte aparato constitucional, elegeu a boa-fé objetiva para nortear as relações civilistas. A boa-fé objetiva pode ser entendida como uma norma jurídica de natureza principiológica e de fundo ético, que exige juridicamente das partes um comportamento correto não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento da obrigação (Gagliano e Pamplona Filho, 2013, p.101). Impõe-se, assim as partes, um padrão de conduta, de agirem com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar. 4. DIREITOS OBRIGACIONAIS (OU PESSOAIS) E DIREITOS REAIS. Afirmou-se anteriormente que os direitos patrimoniais, como divisão do direito civil, se subdivide em direitos reais e obrigacionais. Segundo Gonçalves (2014, p.23) os direitos reais podem ser definidos como o poder jurídico direto e imediato, do titular da coisa, com exclusividade e contra todos. Tem como elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito ativo sobre a coisa, chamado de domínio. Já os direitos obrigacionais – também denominado de direito pessoal – consistem num vínculo jurídico pela qual o sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Constitui uma relação de pessoa a pessoa e tem, como elementos, o sujeito ativo, o sujeito passivo e a prestação. Há doutrinadores, como o italiano Pietro Perlingieri, que adotam a Teoria Unitária ou Monista, que unifica os direitos reais e obrigacionais. Tal teoria considera que os direitos reais e o direito das obrigações fazem parte de uma realidade mais ampla, que seria o direito patrimonial, visto que não seria possível fazer uma separação entre as situações creditórias e reais. Porém, o Código Civil de 2002 adotou a Teoria Dualista, que diferencia os direitos reais e os obrigacionais. (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.30). Mas afinal, o que diferencia os direitos reais dos obrigacionais? A doutrina aponta algumas diferenças que serão relatadas a seguir. 4.1. Principais distinções entre direitos reais e direitos obrigacionais. Conforme os doutrinares Gonçalves (2014, p.25-26), Gagliano e Pamplona Filho (2014, p.45-47) e Figueiredo e Figueiredo (2014, p.31-33) apontam as seguintes diferenças entre direitos reais (D.R) e direitos obrigacionais (D.O): a) Quanto ao objeto: D.O., tem como objeto o cumprimento de determinada prestação. D.R. tem como objeto uma coisa; b) Quanto ao sujeito: D.O., tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo é determinado ou determinável. D.R., somente o sujeito ativo é determinado, enquanto que o sujeito passivo é indeterminado (todas as pessoas devem abster-se de molestar o titular), ou seja, são oponíveis a todas as pessoas, indistintamente, o que lhes confere eficácia erga omnes. Com relação a composição da relação jurídica dos direitos reais há duas teorias que tentam explicá- la: teoria real e a teoria personalista. Segundo a teoria real, a relação jurídica dos direitos reais é composta de um lado por uma pessoa, sujeito ativo de um direito, e de outro, uma coisa, objeto desse direito. Já a teoria personalista, de autoria de Planiol, não aceita a tese de haver uma relação jurídica entre uma pessoa e uma coisa. Para ele a relação jurídica é sempre composta de no mínimo duas pessoas, um sujeito ativo e um sujeito passivo. Para tal defendia a idéia de que nos direitos reais, há uma obrigação passiva universal, uma obrigação passiva de todas as pessoas. Posteriormente o próprio Planiol retificou a teoria personalista, substituindo a obrigação passiva universal pela do devedor indeterminado. Haveria, pois, dever geral ou universal de respeito pelo direito real, mas a figura do devedor somente surgiria, determinadamente, quando se violasse tal obrigação. c) Quanto à duração: D.O., são transitórios e se extinguem pelo cumprimento da prestação. D.R., são perpétuos, não se extinguem pelo não uso, mas somente nos casos expressos em lei (desapropriação, usucapião, etc); d) Quanto à formação: D.O., podem resultar da vontade das partes, sendo ilimitado o número de obrigações que podem ser constituídas (numerus apertus). Os D.R., só podem ser criados por lei (tipicidade) e regulados por esta, ou seja, os D.R., submetem ao princípio da taxatividade, sendo típicos – somente são D.R., os que estão elencados no art.1225 do CC – o que lhes conferem serem numerus clausus; e) Quanto à ação: D.O., são dirigidos somente contra quem figura na relação jurídica como sujeito passivo. D.R., aderem à coisa (inerência ou aderência), no sentido de que o titular pode ir ao encontro da coisa, onde quer que esta se encontre (sequela), opondo contra tudo e contra todos (erga omnes); f) Quanto a publicidade: D.O., não necessitam de registro. D.R.,submetem a registrabilidade, de modo que o registro público faz-se presente na constituição dos mesmos. À guisa das diferenciações elencadas percebe-se que: Direitos reais Direitos obrigacionais Numerus clausus – taxativos ou típicos Numerus apertus Direito de sequela – reivindicar a coisa onde quer que esteja e nas mãos de quem quer que esteja. Não há sequela – executa o contrato apenas incidindo a sanção pelo descumprimento no patrimônio do devedor. Eficácia erga omnes: opõe-se contra todos. Eficácia inter- partes: relativos Registrabilidade e publicidade Não exige registro A relação jurídica se estrutura entre a pessoa e a própria coisa (jus in re – direito sobre a coisa) A relação jurídica se estrutura entre pessoas determinadas ou determináveis (jus ad rem – direitos por causa da coisa) Inerência ou aderência – estabelece um vínculo entre o sujeito e a coisa. Não há aderência, pois gira em torno da prestação. Por vezes, direitos creditórios gozam de alguns atributos próprios dos direitos reais, como acontece com certos direitos obrigacionais que facultam o gozo de uma coisa, os chamados direitos pessoais de gozo: os direitos do locatário e do comodatário, por exemplo. A lei permite ainda a atribuição de eficácia real a certos contratos, normalmente constitutivos de simples direitos de crédito, como o que estabelece o direito do promitente comprador ou o direito de preferência (Gonçalves, 2014, p.26). 5. FIGURAS HÍBRIDAS. A doutrina menciona a existência de algumas figuras híbridas ou intermediárias, que possuem elementos de direito pessoal e direito real a um só tempo, habitando pois, uma zona intermediária. As principais figuras desta zona de confluência são as obrigações propter rem, de ônus real e de eficácia real. 5.1. Obrigações propter rem. São as obrigações por causa da coisa (propter rem), ou na coisa (in rem), ou da coisa (ob rem), também denominadas obrigações ambulatoriais, mistas ou reais. São obrigações cujo dever de prestar vincula a quem for o titular do domínio ou o detentor de determinada coisa. Ou seja, são obrigações que recaem sobre a pessoa, por força de determinado direito real. Aderem a coisa (e não a pessoa) transmitindo-se automaticamente ao seu novo titular,desde que haja transferência proprietária da coisa ou a sua detenção. Ex: IPTU, ITR, IPVA e taxas de condomínio (informativo n. 291, do STJ, REsp. 659.584-SP). (Gonçalves, 2014, p.27 e Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.33). Nesta linha, o proprietário do imóvel, que realizou uma promessa de compra e venda do mesmo, persiste como devedor das despesas condominiais, uma vez que a simples manifestação de vontade não é capaz de gerar a transferência da obrigação, sendo necessário o registro, com conseqüente transferência da propriedade. Percebe-se, pois, que nas obrigações propter rem, o devedor assume a obrigação de dar, fazer ou não fazer, em razão da aquisição de um direito real, como se aduz do seguinte julgado: Ementa: AGRAVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PROPTER REM. Possibilidade de se negar seguimento a recurso que se mostra em confronto com jurisprudência dominante deste Tribunal ou de Tribunais Superiores, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil. Ratificação da decisão pelo Colegiado. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. DIVÓRCIO. PARTILHA. AUSÊNCIA DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. O pagamento de IPTU configura obrigação tributária propter rem, devida por aquele que detém a propriedade do imóvel, nos termos dos arts. 130 e 131, I, do CTN. Precedentes. Nos termos do art. 123 do Código Tributário Nacional, as convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias. AGRAVO DESPROVIDO. (Agravo Nº 70062860010, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 26/02/2015). OBS: O STJ, já entendeu que a obrigação de recuperar área ambiental degradada é do atual proprietário, independente deste ter sido o autor degradação, por que isso decorre de uma obrigação propter rem, que adere ao título de domínio ou posse. 5.2. Ônus reais. É um gravame que recai sobre uma coisa, limitando a fruição e a disposição da mesma pelo seu proprietário. É um direito sobre coisa alheia. Exemplifica-se com a renda constituída sobre imóvel, o qual é um direito temporário que grava determinado bem, obrigando o seu proprietário a pagar prestações periódicas (Figueiredo e Figueiredo, 2014, p.35). Segundo a doutrina estrangeira, em especial a portuguesa, os ônus reais também são “obrigações geralmente de prestação periódica ou reiterada relacionada com certa coisa que acompanha na sua transmissão”. Tradicionalmente, os ônus reais surgem nos casos em que o proprietário de um imóvel se encontra obrigado, nessa qualidade de proprietário, ao cumprimento de certa prestação, reiterada ou periodicamente, em gêneros ou em dinheiro e, por esse pagamento responde sempre o imóvel, seja quem for o respectivo proprietário à execução (Aquino, 2010, p.1). Embora não unânime as distinções entre ônus reais e obrigações propter rem, alguns doutrinadores apontam as seguintes diferenças: a) a responsabilidade pelo ônus real é limitada ao bem onerado, não respondendo o proprietário além dos limites do respectivo valor; na obrigação propter rem, nada impede que o montante da obrigação supere em muito o valor do principal, como o IPTU progressivo (é um instrumento previsto no Estatuto da Cidade, Lei n.10.257/2001, que permite ao governo municipal aumentar, progressivamente, o valor da alíquota do IPTU de um imóvel, caso seu proprietário não lhe dê a utilização conforme o previsto no Plano Diretor); b) no ônus real, perecendo o objeto, desaparece o ônus; já nas obrigações propter rem podem permanecer, mesmo havendo perecimento da coisa (Gonçalves, 2014, p.31). 5.3. Obrigações com eficácia real. São aquelas sem perder o seu caráter de direito pessoal, transmitem-se e ganham oponibilidade a terceiros, que adquirem direitos sobre determinado bem, tendo em vista o seu registro. Ex: direito de preferência em contrato de locação, devidamente registrado, art.33 da Lei n.8.245/91. Outro exemplo é o registro do contrato de locação, com o escopo de proporcionar sua continuidade, mesmo na hipótese de venda do imóvel, art. 8º da Lei n.8.245/91). REFERÊNCIAS AQUINO, Tomás. Suma Teológica. Tradutores: Vannucchi et al. 2ªed. São Paulo: Edições Loyola, v.1, v.2, 2005. FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. GARCIA, Leonardo de Medeiros (coord.) Direito civil – direito das obrigações e responsabilidade civil. Coleção sinopses para concursos. 3ª Ed. Salvador, BA. Editora Juspodium, 2014. GANGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil – obrigações. 15ª Ed. V.2. São Paulo. Editora Saraiva, 2014. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – teoria geral das obrigações. 11ª Ed. V.2. São Paulo. Editora Saraiva, 2014. KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Traduzida por Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1986. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais - na Constituição Federal de 1988. 8ªed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das obrigações e responsabilidade civil. 9ª Ed. V.2. São Paulo. Editora Método, 2014.
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